sábado, 17 de outubro de 2020

HISTÓRIA: PAU DOS FERROS. FAMÍLIA FERNANDES E RÊGO. A ELEIÇÃO DAS PEDRAS.

 * Honório de Medeiros

honoriodemedeiros@gmail.com

Desde 1856, pelo menos, duelam Fernandes e Rêgos pelo poder em Pau dos Ferros, principal cidade do Alto Oeste potiguar. Cento e sessenta e quatro anos de luta política![1]

Este ano, 2020, de um lado temos o prefeito Leonardo Nunes Rêgo – o nome já diz tudo – e, do outro, enquanto principal nome da oposição, o ex-prefeito Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo, muito embora sua candidata seja Marianna Almeida.

Nilton Figueiredo, como é conhecido, é descendente de Childerico Fernandes de Queirós, que do seu segundo casamento, com Maria Amélia Fernandes (Mãe Marica), teve Umbelina Fernandes da Silveira, mãe de Maria Fernandes de Figueiredo (Dona Lalia), sua avó paterna.[2]

Em 1864, na sessão do dia 23 de dezembro, a ata da Câmara Municipal dá conta de requerimento apresentado por alguns vereadores ao Presidente da Província solicitando fosse-lhes “relevada” a aplicação de algumas multas a eles impostas. Requeriam a eles, diretamente, alegando que a Câmara não se reunira em outubro e novembro passados, porque seu presidente, Manoel Pereira Leite, aliado dos Rêgos, estava foragido e “perseguido pela força do Delegado de Polícia”.

Assim decorreram os anos subsequentes, afirma o cronista, José Dantas.

No período que vai de 1865 a 1872, os Fernandes dominaram a Câmara Municipal, presidida por Viriato Fernandes e Hemetério Raposo de Melo, casado com Umbelina Fernandes, filha de Childerico Fernandes de Queirós.

No dia 6 de outubro de 1872, houve eleição para juízes de paz dos distritos e vereadores à Câmara Municipal. Durante quinze dias vieram os eleitores votar, mas não lhes tomaram os votos. A Junta Paroquial, presidida pelo 3º Juiz de Paz, Galdino Procópio do Rêgo, instalou-se na Igreja Matriz, para realizar a eleição, sob o protesto dos Fernandes, sob o argumento da sua incompetência para presidi-la.

A discussão transformou-se em violenta pancadaria dentro da igreja, e, fora, os liderados de ambos os grupos políticos travaram-se em briga corporal, armando-se de paus e pedras.

Muitos foram os feridos, e a Matriz foi seriamente danificada. Cessada a luta, a Junta Paroquial cercou a igreja com um grupo armado, para evitar outra confusão.

Os Fernandes, inconformados, organizaram uma outra Junta, sob a presidência do 1º Juiz de Paz, Childerico José Fernandes[3], e realizaram outra eleição, na Casa da Câmara. Submetida a documentação das duas Juntas à apreciação da Câmara Municipal, esta, em 16 de novembro de 1872, sob a presidência do Dr. Hemetério Raposo de Melo decidiu, por unanimidade de votos, a favor da eleição realizada na Casa da Câmara.

Foram, então, diplomados o Tenente Coronel Epiphanio José de Queiróz, Alferes José Alexandre da Costa Nunes, Manoel Francisco do Nascimento Souza, Manoel Queirós de Oliveira e Pedro Lopes Cardoso.

Vários argumentos foram levados em conta para a decisão, dentre eles o de que o eleitorado foi impedido de entrar na Matriz por uma força armada de clavinote, e o encerramento da eleição ter ocorrido no Sítio “Logradouro”, de propriedade dos Rêgos quando, à meia-noite, os últimos votos foram recolhidos em um chapéu improvisado de urna.

Entretanto, o Governo da Província não lhes foi simpático, e anulou a eleição realizada na Câmara dos Vereadores. E, em 27 de outubro de 1873, por Aviso Ministerial, a Câmara foi cientificada que o Governo Imperial confirmava a eleição promovida pela Junta Paroquial.

Tiveram, assim confirmadas suas diplomações, Galdino Procópio do Rêgo, João Bernardo da Costa Maya, Norberto do Rêgo Leite, Florêncio do Rêgo Leite Gameleira, e João Afonso Batalha.

O povo, que a tudo e todos alcunha, quando sua atenção é despertada, não deixou por menos: batizou o episódio de “eleição das pedras”.

Natal, em 8 de outubro de 2020

Honório de Medeiros

Trineto de Childerico José Fernandes de Queirós, por parte do seu primeiro casamento, com Guilhermina Fernandes Maia.


[1] FREIRE, Cônego Manoel Caminha e outros. Revista Comemorativa do Bi-Centenário da Paróquia e Centenário do Município de Pau dos Ferros. Natal. Sebo Vermelho. Edição fac-similar. 2015.

[2] FERNANDES, João Bosco e FERNANDES, Antônio Mousinho. Memorial de Família.Teresina. Halley S/A. 1ª edição. 1994.

[3] Trisavô de Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

CANGAÇO: OS CORONÉIS DO CARIRI CEARENSE

 

Coronel Isaías Arruda

* Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com

Os Coronéis do Cariri Cearense

Corria o ano de 1901.

No Cariri, mais precisamente em Missão Velha, o Coronel Antônio Joaquim de Santana, mais conhecido como Coronel Santana, apeia, do Poder, pelas armas, o Coronel Antônio Róseo Jacamaru, chefe político e intendente da Cidade.

Pertencendo à família dos Terésios, originária de velhos troncos coloniais fundadores do Engenho de Santa Teresa, entre Missão Velha e Barbalha, governou-a durante dezesseis anos e alimentou o sonho de dominar o sul do Ceará colocando, em cada município, na chefia, uma pessoa de seu sangue.

Seguiu-se, no tempo, a deposição do Coronel José Belém de Figueiredo, chefe político do Crato, em 1904, após tiroteio que durou dois dias e deixou vinte e uma vítimas, das quais oito mortas.

Logo depois, em 1906, após tiroteio que durou oito horas, caiu o Coronel Manuel Ribeiro da Costa, conhecido por Neco Ribeiro, sobrinho do célebre caudilho Joaquim Pinto Madeira, este da guerra civil absolutista de 1832. Seu algoz foi o Coronel João Raimundo de Macedo, o Joca do Brejão.

Venceu quem conseguiu reunir um maior exército de “cabras”.

Veio, após, o fim do reinado político do Coronel Marcolino Alves de Oliveira, arrancado da chefia política do Quixadá pelos Coronéis Joaquim Fernandes de Oliveira e José Alves Pimentel e, em 1907, em Lavras da Mangabeira, a queda do Coronel Honório Correia Lima, curiosamente o filho mais velho de Dona Fideralina Augusto Lima e irmão de Gustavo Augusto Lima, seus carrascos.

Não podemos esquecer o famoso José Inácio de Sousa (1870-1923), “Zé Inácio do Barro”, a quem se atribui a prática reiterada de financiamento de cangaceiros para saques que lhe rendiam muito dinheiro.

Em 1922, acossado por todos os lados, decidido a ir embora para Goiás ao encontro de Luiz Padre, famoso companheiro de Sinhô Pereira, arquitetou e determinou a execução de uma última empreitada: assaltar três coronéis paraibanos: Valdevino Lobo, Adolfo Maia e Rochael Maia. 

Dessa ação participou não somente Sinhô Pereira, enquanto líder, como, também, o famoso cangaceiro/jagunço Ulisses Liberato de Alencar.

De Valdevino Lobo arrancaram dois contos e oitocentos mil réis e cento e vinte libras esterlinas, além de joias e outros objetos de valor; de Adolfo Maia não se sabe quanto foi roubado. Rochael Maia terminou sendo poupado.

Ulisses disse, em depoimento à polícia, que todo o dinheiro foi entregue a Zé Inácio do Barro.

Não foram diferentes os anos seguintes, como qualquer leitor poderá constatar lendo Império do Bacamarte ([1]), obra inigualável de Joaryvar Macedo, sem qualquer sombra de dúvida uma referência para os estudiosos do fenômeno do coronelismo no Brasil, principalmente do Sertão nordestino, e sua relação com o cangaço e o misticismo próprios da região.

Joaryvar, alicerçado em profunda pesquisa bibliográfica, em jornais antigos, depoimentos pessoais, literatura de cordel, e outras fontes primárias, tal como processos-crimes, nos legou um impressionante painel histórico do Cariri cearense e seus principais personagens, os coronéis.

Teria sido esse epifenômeno, o coronelismo, circunscrito ao Sertão do Cariri? Claro que não. Muito pelo contrário, acerca de sua importância, sua presença no mundo rural brasileiro, consequência tardia de certa estrutura de poder típica de uma aristocracia renascida na América litorânea - os senhores de engenho pernambucanos e paulistas -, renovação da velha árvore multissecular portuguesa, podemos dele tomar conhecimento, a partir da obra de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, e sua abordagem do feudalismo nacional, “nascido neste lado do Atlântico, gerado espontaneamente pela conjunção das mesmas circunstâncias que produziram o europeu”.

Diz-nos Faoro ([2]):

“O quadro teórico daria consistência, conteúdo e inteligência ao mundo nostálgico de colonos e senhores de engenho, opulentos, arbitrários, desdenhosos da burocracia, com a palavra desafiadora à flor dos lábios, rodeados de vassalos prontos a obedecer-lhe ao grito de rebeldia. Senhores de terras e senhores de homens, altivos, independentes, atrevidos – redivivas imagens dos barões antigos”.

O próprio Joaryvar Macedo assim começa Império do Bacamarte:

“No território pátrio, o fenômeno do coronelismo esboçou-se na Colônia, tornou-se realidade no Império e consolidou-se após o advento da República.”

 Ainda:

“Entre nós a Primeira República, também denominada, consoante já se esclareceu, República dos Coronéis, teve no coronelismo uma das suas marcas principais. Mais acentuado no Nordeste, o fenômeno generalizou-se por todo o País, do Amazonas ao Rio Grande do Sul.”

No Rio Grande do Norte, que houve coronéis, disso não há qualquer dúvida. Basta consultar Coronéis do Seridó, de Pery Lamartine, e conhecer desde o Coronel João Damasceno Pereira de Araújo, o João Damasceno do Saco do Martins, até o Coronel Cazuza do Ipueira, passando por Silvino Bezerra de Araújo Galvão, José Bernardo de Medeiros, Laurentino Theodoro da Cruz e vários outros senhores proprietários de terra e líderes políticos.

Todos descendentes de portugueses que avançaram Sertão adentro, a arrancar da indiada insubmissa a terra que lhes pertencia imemorialmente, até o fim da Guerra dos Bárbaros (1687-1697), quando, por fim, do Vale do Açu, passando por Apodi, no Alto Oeste, até o Seridó, em Acauã, os vitoriosos fincaram definitivamente seus marcos sob os despojos do conflito.

Não somente no Seridó existiram coronéis nos moldes descritos acima. No Alto Oeste também os houve. Uma deposição política, entre coronéis, pela força das armas, violenta tomada do poder.

Embora pouco conhecido hoje, foi um episódio em nada diferente de tantos ocorridos no Cariri, do qual talvez tenha vindo o eco, dada a relativa proximidade entre aquela região e o Alto Oeste potiguar, onde ocorreu a história aqui abordada.

1919. Com o advento da República, o Partido Republicano foi organizado no Rio Grande do Norte sob a liderança de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Em Pau dos Ferros essa responsabilidade caberia ao Coronel Joaquim José Correia([3]), sob a liderança direta de Joaquim Ferreira Chaves, que havia sido juiz do município até 1887, quando foi promovido para Nova Cruz.

Joaquim Ferreira Chaves partira tendo deixado o Partido Republicano Federal cindido ao meio em Pau dos Ferros. De um lado, Joaquim José Correia e as famílias Correia, Rêgo e Ayres. Do outro, o Coronel Adolpho Fernandes e as famílias Fernandes, Bessa e Marcelino Oliveira.

Em 20 de março de 1917, pressionado por Ferreira Chaves, Joaquim Correia e Adolpho Fernandes assinaram um acordo político por intermédio do qual caberia, ao primeiro, a liderança política regional que, mesmo assim, teve demitidos seus correligionários dos cargos por eles ocupados e substituídos por indicações de seu opositor.

Como consequência, Joaquim Correia rompe com Ferreira Chaves, mas permanece no partido sob a liderança de Tavares de Lyra e Alberto Maranhão.

Essa cizânia política foi o pano-de-fundo da denominada “Hecatombe de 1919”, que ocasionou a saída de Joaquim Correia de Pau dos Ferros e da política, após briga na qual não faltaram mortos e feridos, como é contada em meu História de Cangaceiros e Coronéis.


[1]Casa de José de Alencar Programa Editorial; Universidade Federal do Ceará; 2ª edição; Fortaleza; 1992. 

[2]Editora Globo; v 1 e 2; 15ª edição; São Paulo, SP; 2000.

[3] Do escritor Bartolomeu Correia de Melo recebi a seguinte correspondência em 6 de abril de 2009: Lourenço Correia, jovem português de Braga, exilado político, chegou ao Brasil por Fortaleza e desceu mascateando até Pau dos Ferros, onde se fixou como comerciante e depois pequeno agricultor. Nesse tempo envolveu-se com a irmã do do amigo Padre Pinto, daí nascendo Joaquim Correia que, tendo a mãe morrido no parto, foi criado e educado pelo tio padre. Após estes fatos, saiu Lourenço de Pau dos Ferros para Macaíba, onde progrediu como comerciante de secos e molhados e, já quarentão, casou-se com Idalina Jacinta Emerenciano (irmã do Professor Zuza), com quem teve mais cinco filhos, sendo os homens: Pedro, Francisco e João Correia. Tendo seu armazém saqueado na revolta do “quebra-quilos”, quando quase foi linchado, mudou-se com a família (filhos ainda crianças) para o Ceará-Mirim onde tinha propriedades rurais e poucos anos depois faleceu. Pedro Correia foi senhor de engenho e Prefeito do Ceará-Mirim, Francisco, foi comerciante, e João (meu avô materno), oficial do Exército.
Joaquim Correia foi deputado por mais de três décadas (considerado por Câmara Cascudo o maior tribuno do seu tempo). Não se enquadrava muito no perfil clássico de coronel nordestino; sempre teve apenas médias posses, havendo morrido na pobreza. Era sim, dono de carisma político e senso de conciliação, somente vencidos pela violência. A versão de sua história, contada por minha avó (cunhada e confidente) confere com fontes e fatos aqui citados. Neste comentário esclareço a relação entre os Correia de Paus dos Ferros e do Ceará-Mirim pouco conhecida pelos não-parentes.”

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

RETÓRICA: MANIPULAÇÃO

 

Branca de Neve no Sertão do Rio Grande do Norte (Honório de Medeiros, 2 de janeiro de 2013)

Talvez um dos maiores legados que uma época de crise possa nos deixar seja a consciência – não para muitos, infelizmente -, de que somos diariamente, de forma colossal, vítimas de manipulação. Somos levados a crer, insistentemente, que algo é necessário, quando não o é; fundamental, quando não o é. Se divergimos, somos atacados de todas as formas. Em tudo, e por tudo, quem ganha com nossa manipulação são as elites corruptas. Acerca da manipulação há muito a ser dito, assim como acerca de sermos inocentes-úteis. Alienados. Não sabemos usar o ceticismo enquanto escudo. Entretanto, como ponto de partida, é importante considerar que toda manipulação é desonesta.

domingo, 9 de agosto de 2020

CANGAÇO: QUEM FOI O IDEALIZADOR DO ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ

 

Argemiro Liberato e esposa

 * Honório de Medeiros      


Quem foi o idealizador da invasão de Mossoró, em 13 junho de 1927? Não o planejador ou o executor, mas o idealizador?

Sabemos que o planejamento coube ao Coronel Isaías Arruda, a Massilon, e a Lampião. A execução, a Massilon e Lampião.

Mas quem foi seu idealizador?

O ponto de partida para respondermos essa pergunta é a análise da participação, no episódio, desses três personagens principais: Lampião, o Coronel Isaías Arruda, e Massilon.

A importância deles é tal, que sem qualquer um dos três, não teria havido a invasão. Todos os outros participantes são secundários, embora possam ser importantes.

Entretanto, Lampião pode ser retirado, com alguma segurança, dentre os possíveis idealizadores, por uma razão muito simples: Jararaca, testemunha da conversa entre o cangaceiro e o Coronel Isaías Arruda, acerca do projeto de ida a Mossoró, foi muito claro quando afirmou que nunca houve a intenção, do bando, de penetrar no Rio Grande do Norte.

Manoel Francisco de Lucena Filho, o “Ferrugem”, Manoel Ferreira, o “Bronzeado”, assim como Francisco Ramos de Almeida, o “Mormaço”, disseram o mesmo.

E é praticamente consenso na literatura do cangaceirismo, a resistência inicial de Lampião de levar a frente tal aventura.

Sobram o Coronel Isaías Arruda e Massilon.

O Coronel Isaías Arruda também poderia ser retirado, levando-se em consideração o seguinte: ele não chamou Lampião a Aurora, pois vinha sendo pressionado insistentemente pelo Governador do Estado, José Moreira da Rocha, o “Moreirinha”, seu aliado, para se afastar de cangaceiros e jagunços. “Moreirinha”, por sua vez, sofria intensa pressão do Governo Federal nesse sentido.

Mas é notória a participação do Coronel no ataque a Apodi, em 10 de maio de 1927. Como é notório o viés político desse ataque: Coronéis cearenses, paraibanos e potiguares agiram em conjunto, nas sombras, contra a liderança do Coronel Chico Pinto, em crime executado por Massilon.

Então, é de se supor que o Coronel Isaías Arruda não chamou Lampião, mas aproveitou a oportunidade de sua chegada repentina.

Dizemos que aproveitou a oportunidade porque, aparentemente, o projeto de invadir Mossoró já existia há algum tempo e, para tanto, Massilon já recrutava cangaceiros pelo Sertão paraibano, provavelmente em comum acordo com o Coronel.

Existem dois fatos que asseguram a forte ligação entre o Coronel Isaías Arruda e Massilon, fundada em interesses mútuos:

a) em junho de 1926, Massilon e José Gonçalves de Figueiredo mataram João Vieira, em uma emboscada cujo objetivo era eliminarem integrantes da família Paulino, inimigos figadais do Coronel Isaías Arruda. Isso significa que Massilon era da mais estrita confiança do Coronel[1];

b) em maio de 1927, Massilon atacou Apodi, executando projeto do Coronel Isaías Arruda e seu sobrinho José Cardoso, a pedido de Décio Holanda, genro de Tylon Gurgel, chefe da oposição ao Coronel Chico Pinto naquela cidade.

O recrutamento de cangaceiros por Massilon, no intuito de invadir Mossoró, pode ser indiretamente comprovado: antes de Lampião chegar inesperadamente a Aurora, ele não sabia, mas o projeto de invadir Mossoró já existia. É o que se lê às folhas 30, da quarta edição de A Marcha de Lampião[2], Raul Fernandes, no item 2, do 1º Capítulo:

"Em dezembro de 1926, Joaquim Felício de Moura, sócio da firma Monte & Primo, em Mossoró, viajava pelo interior da Paraíba. Na cidade de Misericórdia, encontrou-se com o destacado comerciante e fazendeiro Antônio Pereira de Lima, que lhe falou da acirrada perseguição do bandido Virgulino Ferreira a sua família. Sem maiores rodeios, contou-lhe o plano de Jararaca, Sabino, Massilon e Lampião de assaltarem Mossoró com quatrocentos homens. Adiantou ser impossível reunirem tanta gente. Advertiu-o, porém, sobre o costume de mandarem espiões disfarçados de feirantes, mendigos e cantadores, aos lugares previamente escolhidos. Conversou sobre a possibilidade de defesa da cidade e pediu-lhe levar esses fatos ao conhecimento do Prefeito Rodolpho Fernandes.

Daí por diante os boatos se sucederam. Na última quinzena de abril, 27, a notícia veio à luz de modo concreto. Argemiro Liberato, de Pombal, escreveu ao compadre Rodolpho Fernandes sobre a pretensão do chefe dos bandidos. Dos remotos sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará surgiam indícios dos agenciadores da vergonhosa empreitada".

Em “Notas” (p. 40) ao 1º Capítulo, Raul Fernandes observou:

"Afonso Freire de Andrade e inúmeras outras pessoas conheceram a carta. Mossoró (RN), 23.12.1971. - Informações prestadas ao autor. 
Obs.: Ouvi de meu pai referências à missiva"[3]

Quanto a Argemiro Liberato, no meu Histórias de Cangaceiros e Coronéis[4] (p. 119), transcrevo artigo de Kydelmir Dantas, Cofundador e ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), intitulado Cartas e Bilhetes Antes de Lampião, no qual se lê o que segue:

“Esta carta[5] foi levada ao conhecimento dos amigos de confiança do prefeito, por este, que estavam preparando a estratégia para a formação das trincheiras nos pontos principais da resistência. Dentre estes, Joaquim Felício de Moura, Afonso Freire de Andrade e outras pessoas mais chegadas confirmaram tê-la visto nas mãos do ‘coronel Rodolpho’.

Para a família, dias após o ataque, Rodolpho Fernandes fez referências sobre esta missiva do amigo paraibano de Pombal.

Outra confirmação do envio desta carta está no artigo “Major Argemiro Liberato de Alencar: o amigo de Rodolpho Fernandes”, escrito pelo seu neto Geraldo Alves de Alencar, hoje residente em São Luiz do Maranhão, que cita o seguinte sobre o avô: ‘Era fazendeiro, proprietário da Fazenda Estrelo, situada em sua cidade natal. Exercia também a profissão de comerciante, trazendo da Paraíba algodão transportado em costas de burros e vendido em Mossoró, estado do Rio Grande do Norte. O principal comprador era a firma cujo maior acionista era seu amigo e compadre o Cel. Rodolfo Fernandes. Em suas viagens como almocreve retornava a Pombal com sal e outros gêneros. Mesmo tendo um sobrinho nas hostes do cangaço, o qual atendia pelo nome de Ulisses Liberato de Alencar, Argemiro era profundamente contra o banditismo rural, chegando inclusive a avisar ao Cel. Rodolfo Fernandes, quando este era prefeito de Mossoró em 1927, que o cangaceiro tencionava atacar a cidade considerada capital do oeste potiguar. Declaradamente anti-Lampiônico, Argemiro Liberato de Alencar nunca chegou a ser perseguido pelo “rei do cangaço” porque Lampião sabia da amizade existente entre ele e o Padre Cícero.’

Evidentemente o aviso não era acerca de um futuro ataque de Lampião, mas, sim, de um futuro ataque de cangaceiros”.

Provavelmente Joaquim Felício estivesse errado quanto a José Leite de Santana, o Jararaca. Como nos assevera Frederico Pernambucano de Mello[6], a área de atuação do cangaceiro a área de atuação do cangaceiro eram as ribeiras do Moxotó e Pajeú, em Pernambuco. E o próprio Jararaca, declarou, quando preso em Mossoró, além de outros cangaceiros, que Lampião nunca pensara em atacar a cidade[7].

Já Sabino Gomes de Góis, embora atuasse nos arredores do município de Cajazeiras, Paraíba, estava, naquele momento, integrado ao bando de Lampião, desde o ataque à Souza, no mesmo Estado, em 27 de julho de 1924, do qual não se separará até sua morte (dele), em fevereiro de 1928, após o conhecido tiroteio de Piçarra, em Porteiras, Ceará.

Ora, se Sabino tinha intenção de aventurar-se até Mossoró, é evidente que Lampião seria o primeiro a sabê-lo. Repita-se, entretanto: Lampião nunca teve a intenção de invadir o Rio Grande do Norte. Sequer sabia da existência desse projeto. Os escritos acerca da história da invasão de Mossoró são consensuais quanto a isso, a partir dos depoimentos de vários cangaceiros, dentre eles, Jararaca.

Ainda a favor dessa hipótese, a de que o ataque foi idealizado bem antes de sua realização há, também, além da correspondência de Argemiro Liberato e do recado de Joaquim Felício, a notícia veiculada pelo “O Mossoroense” de 15 de maio de 1927, de que na invasão de Apodi, por Massilon, o projeto de invadir Mossoró já existia, insinuando, sem rodeios, que essa pretensão, a ocorrer em dias vindouros, integrava empreitada de grande vulto, e dele dera conhecimento, ao Coronel Rodolpho Fernandes, a carta de Argemiro Liberato.

Observe-se que essa edição de “O Mossoroense”, jornal dirigido por Rafael Fernandes, primo e correligionário do Coronel Rodolpho Fernandes, veio a lume cinco dias após a invasão de Apodi por Massilon. Basta, então, darmos a devida importância à ligação entre essa matéria do jornal e a anterior correspondência de Argemiro Liberato encaminhada ao Prefeito, bem como ao recado de Joaquim Felício.

Se assim o é, se de fato o Coronel Isaías Arruda e Massilon trabalharam juntos nessa empreitada antes da chegada de Lampião, desde, pelo menos, meados de 1926, se a ambos podemos atribuir todo o planejamento do projeto, a pergunta, agora passa a ser outra: foram eles que idealizaram (arquitetaram) o projeto da invasão a Mossoró?

É muito difícil acreditar que Massilon recrutasse cangaceiros e jagunços pelo Sertão, sem que disso soubesse o Coronel Isaías Arruda.

Outra questão: por que Mossoró? Por que não Cajazeiras, Souza, Patos ou Pombal, na Paraíba? Caicó, Currais Novos, São Miguel, Pau dos Ferros ou Martins, no Rio Grande do Norte, ou as cidades do Vale do Jaguaribe, no Ceará, se o objetivo fosse meramente arrancar dinheiro?

E se o objetivo era meramente arrancar dinheiro, por que o alvo do ataque foi a residência do Coronel Rodolpho Fernandes, e, não, a agência do Banco do Brasil ou o comércio da cidade?

Então, cabe perguntar: quem, na verdade, idealizou (arquitetou) o ataque a Mossoró?

Qualquer que seja a resposta, de tudo quanto se disse algo fica claro: o Coronel Isaías Arruda e Massilon foram os grandes responsáveis pela invasão de Mossoró. Principalmente Massilon, que planejou com o Coronel, e executou com Lampião. 

Ele é o personagem principal desse drama épico, e somente é possível uma história de tudo quanto aconteceu, uma história que tenha causas e efeitos, e não apenas a descrição horizontal do acontecimento em si, se o investigarmos, bem como suas conexões com os coronéis da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, para os quais “jagunçou”, mas sempre como chefe de bando.

[1] Conforme Vida e Morte de Isaías Arruda; TAVARES CALIXTO JÚNIOR, João. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora; 2019.

[2] Natal: Editora Universitária, 1982.

[3] Raul Fernandes era filho do Coronel Rodolpho Fernandes. 

[4] MEDEIROS, Honório de. Natal: Sebo Vermelho, 2015. 

[5] A de Argemiro Liberato para o Coronel Rodolpho Fernandes. 

[6] “GUERREIROS DO SOL”; 2a. edição; A Girafa; 2004; São Paulo, SP. 

[7] No “Auto de Perguntas” feitas a Jararaca consta, também, a seguinte declaração sua: “que saíram em dias do mês de maio findo, do Pajeú, estado de Pernambuco, e que acompanhava Lampião há pouco mais de um ano”. Antes de Lampião, Jararaca, ainda segundo seu depoimento, estava no Primeiro Regimento de Cavalaria Divisionária, tomando parte na revolta de São Paulo a favor da legalidade, com a Coluna Potiguara (“LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; NONATO, Raimundo; sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró).

 

Massilon