domingo, 3 de junho de 2012

A FORMAÇÃO DA MENTALIDADE SUBMISSA


Vicente Romano

befelgueiras.blogs.sapo.pt


Por Vicente Romano [*]  


A manipulação

Além de insígnia militar romana e de pequena estola ornamental dos sacerdotes, o manípulo, era também o punhado de forragem que se punha diante do burro, de forma a que o não pudesse alcançar, para que, ao persegui-lo, o animal carregasse ou puxasse a carga que outrem lhe destinara.

 

Segundo os dicionários, manipular significa "operar com as mãos, trabalhar demasiado alguma coisa, manuseá-la, manejar as coisas a seu modo ou intrometer-se nas coisas alheias" e, por fim, "intervir com meios hábeis ou, por vezes, astuciosos, na política, na sociedade, no mercado, etc., com frequência para servir interesses próprios ou de terceiros".

 

Desta forma, etimologicamente, manipulação acaba por ser uma intervenção consciente num dado material com um fim determinado. Neste sentido, diz-se que o oleiro manipula a argila ou que o realizador de cinema ou de televisão manipula as imagens filmadas. Aqui, vamos referir-nos à manipulação dos conteúdos de consciência, das mensagens dos meios de comunicação no seu sentido mais lato. Trata-se de uma intervenção com consequências sociais e, portanto, de um acto político.

 

É certo que toda a utilização dos media pressupõe sempre uma manipulação. Qualquer processo de produção comunicacional, desde a selecção do meio, à gravação, à mistura e montagem, à realização e distribuição é uma intervenção, uma manipulação do material existente. Aquilo que importa, como assinalava Enzensberger em 1969, após os acontecimentos do "Maio" francês e alemão do ano anterior, não é que os meios e as mensagens da indústria da consciência sejam manipulados ou não, mas sim quem os manipula, em proveito de quem e ao serviço de que interesses.

 

Neste contexto da submissão das consciências e da formação da opinião, vamos entender por manipulação a orientação da comunicação por uma minoria, com o objectivo da dominação de todos os outros. O primeiro passo para sermos donos das nossas vidas e do nosso futuro é o representado pela identificação dos entraves que, interessadamente, outros nos colocam no caminho para levarem a água ao seu moinho. Por isso convém ter claro o conceito de manipulação e os seus objectivos antes de passarmos à descrição das técnicas utilizadas por essas minorias para conseguirem atingir os seus objectivos.

 

A manipulação espiritual, como comunicação orientada para o domínio ideológico, visa adaptar, na medida em que lhe for possível, ao sistema social vigente, a consciência e as actividades, incluídas as que se processam no tempo livre, da maioria da população contra os seus próprios interesses e, dessa forma, subordiná-los aos interesses minoritários que a promovem. As maiorias devem submeter a sua imagem do mundo, a sua compreensão das coisas, os seus gostos, em suma, o seu modo de vida, aos interesses das minorias. A manipulação significa a deformação espiritual do povo, significa privá-lo das suas faculdades e actividades criadoras. Através dela, desgasta-se sistematicamente a subjectividade do indivíduos, isto é, a sua personalidade. Manipulação significa uniformização do espírito, a desgraduação de todo o ser humano à condição de objecto ou de um número que se vende por "xis" ao milhão, no caso dos telespectadores das audiências televisivas, por exemplo. O receptor e o consumidor das mensagens e produtos desta indústria da consciência e do entretenimento não participa na planificação, na direcção, nas decisões nem na gestão desta produção. Não se trata, como pretendia McLuhan, de que o meio seja a mensagem, mas sim de todos os meios transmitirem a mesma mensagem e até a mesma imagem. Por isso, "o que vemos, lemos e ouvimos, o que se veste, o que se come, os sítios onde se vai e aquilo que se acredita estar a fazer, passaram a ser responsabilidade de um sistema de informação que fixa gostos e valores em função dos seus próprios critérios de mercado, os quais, por sua vez, se reforçam entre si" (H. I. Schiller). [1]

 

Para lograr essa uniformização da consciência numa sociedade fraccionada por contradições antagónicas aplicam-se métodos psicológicos cujo êxito foi testado e confirmado na "publicidade" comercial, a indústria do reclame.

 

Mobilizando recursos científicos nas disciplinas mais diversas (sociologia, estudos de opinião, psicologia, politologia, relações públicas, estudos comportamentais e motivacionais, teoria da comunicação, etc), consegue construir-se um pensamento em modelos pré-formatados. Uma maneira de pensar que, para além do mais, reforça a aparência de que se está a agir livremente. Sob a cobertura de uma suposta liberdade de expressão, os poucos que dela realmente dispõem, quer dizer, as minorias que detêm os meios para a expressar, tentam moldar sistematicamente as consciências de milhões de pessoas, condenando-as à menoridade intelectual, educando-as para a docilidade, para suportar, sem críticas, o sistema de dominação e exploração vigente, e para considerar como próprios os falsos ideais deste mesmo sistema. As actuações e condutas daí resultantes são apresentadas como "livres decisões", autodeterminadas, quando na realidade são induzidas, heterodeterminadas.

 

Como fenómeno típico da vida espiritual nesta autodenominada "sociedade de mercado livre", a manipulação das consciências parte, entre outras, das seguintes condições prévias:

 

1) A concentração sem precedentes do capital em sectores chave e, ao mesmo tempo, a recente baixa das taxas de juros.

2) O problema daí derivado da valorização do capital e da procura de novos investimentos.

3) O desenvolvimento do sector terciário, de serviços.

4) A eliminação das fronteiras nacionais por necessidade de expansão do capital, ao mesmo tempo que se estão gerando continuamente novas fronteiras e conflitos étnicos.

5) O agravamento das contradições do sistema capitalista, especialmente entre Norte e Sul, entre pobres e ricos.

6) A existência de modernos meios técnicos e conhecimentos científicos – aquilo que costuma englobar-se sob a designação "novas tecnologias" – que permitem o exercício unitário e simultâneo do poder económico e ideológico sobre o conjunto de toda a sociedade.

7) Uma oferta massiva de mercadorias que estimula o consumo enquanto ideal de desejo

8) O progressivo abandono da ideia de "público", conducente à marginalização dos serviços públicos enquanto organização e modo de regulação do sistema

9) O subsequente processo de desregulação e privatização com a preponderância dos critérios de rentabilidade financeira sobre os critérios de rentabilidade social

10) A comercialização de todos os aspectos da vida material e espiritual dos cidadãos o que conduz, necessariamente, a que o produto barato, isto é, o produto indiferenciado, uniforme, determine a produção e os programas. O efeito final da comercialização é, como se constata, o entretenimento à base de enlatados fabricados em série e envoltos em reclames publicitários.

11) Aquilo que se impõe é o valor de troca da informação e do entretenimento como mercadoria destinada a compensar ilusoriamente as carências afectivas da maioria da população e não o útil potencial do seu valor de uso

12) A indústria da comunicação e da consciência, principal instrumento de dominação e submissão, transformou-se num sector estratégico nos campos económico, político e cultural

 

A manipulação dirige-se ao pensamento, aos sentimentos, às acções (e omissões) de toda e qualquer pessoa. Da esfera íntima até à apresentação pública no trabalho, na escola ou na política, não sobra um único aspecto, uma única dimensão da vida que dela não receba a influência. O objectivo final da manipulação é a obtenção da passividade e da submissão. A manipulação das mentes é uma guerra psicológica planificada, elaborada a partir de conhecimentos científicos, contra o desenvolvimento progressista, isto é, solidário e cooperativo do ser humano ou, o que é a mesma coisa, orientada contra o progresso social.

 

Naquilo a que se chama "sociedade de mercado livre", a função da indústria da comunicação, como de qualquer indústria, consiste em gerar lucro, mais ainda, em estimular a sua criação e, sobretudo, em manipular a maioria da população de maneira a que esta não empreenda acções contra o sistema de economia privada, mas antes que o apoie e reforce. A razão de ser da manipulação funda-se nas leis que regem a economia de mercado. Por isso há quem a tenha qualificado como um instrumento de conquista, como o fez Paulo Freire, na sua "Pedagogia do Oprimido". [2] A manipulação, diz o pedagogo brasileiro, é um dos recursos mediante os quais "as elites dominantes tratam de fazer com que as massas se moldem aos seus objectivos". Valendo-se de mitos que explicam, justificam e até adornam as condições existentes de vida, a minoria que dispõe dos media mobiliza-se em favor de uma ordem social que não serve os interesses das maiorias. Uma manipulação bem sucedida fará com que as pessoas não pensem noutros ordenamentos sociais possíveis nem, consequentemente, em alterar os existentes.

 

Por outras palavras, a função primordial da indústria da comunicação, da consciência, do entretenimento ou como quer que se lhe chame, na sociedade capitalista consiste em desorganizar e desmoralizar os submetidos. Neutraliza os dominados, por um lado, e consolida, por outro, a solidariedade com a classe dominante e com os interesses desta. Ao fim e ao cabo, "os ricos também choram", têm problemas com os seus filhos, etc. Os modelos de conduta que apresentam, baseiam-se no êxito pessoal, no individualismo, no isolamento e na fragmentação social. O colectivo, segundo tal lógica, não conduz a lado algum.

 

Manipula-se, em suma, quando se produzem informações que não reflectem os interesses e necessidades dos seus consumidores, quando deliberadamente se produzem mensagens desconformes com a realidade social.

 

O oposto da manipulação é a formação da consciência crítica e da vontade democrática, tendo em vista o desenvolvimento multifacetado da pessoa humana. Para isso requer-se, entre outras coisas, a transformação do sistema de produção material e espiritual, do sistema de ensino, a criação de condições efectivas de acesso que estendam a liberdade concreta de expressão a todos, a supressão das medidas estatais que limitam essas liberdades, requer-se a travagem e anulação da influência dos monopólios e oligopólios na formação da opinião pública e na cultura. Terão as maiorias de converter-se em protagonistas dos media, recorrendo aos modelos e exemplos concretos e reais para a formação da sua opinião em todos os aspectos da vida. O povo como protagonista, implica que as maiorias trabalhadoras elaborem as suas notícias e as discutam [3] . 

 

Técnicas de manipulação

a) A selecção

 

Uma das técnicas de manipulação que melhor passam despercebidas consiste no seleccionar para difusão aquelas informações que melhor satisfazem os interesses e os objectivos dos seus produtores. Qualquer objecção que se faça a esta selecção costuma, segundo a escassíssima minoria que a elabora e destina a todos os outros, equivaler a um atentado contra a liberdade de expressão, de comércio, de criação, etc.

 

E, contudo, a informação é, por natureza, selectiva. Não se consegue publicar tudo aquilo que acontece. Mesmo que fosse possível sabê-lo, os jornais e as revistas têm um número limitado de páginas, um espaço finito. O mesmo acontece com os espaços e os tempos radiofónicos e televisivos. Daí a necessidade de seleccionar entre o fluxo incessante, proveniente dos correspondentes, das agências, do material em bruto que, depois de uma primeira triagem é passado às redacções jornalísticas, as quais, por seu lado, voltam a seleccioná-lo de modo que, no fim do processo, apenas se publicará qualquer coisa como um por cento da informação inicialmente gerada. Trata-se de uma zona de desperdício astronómico, que bem valeria a pena analisar.

 

Logicamente, cada qual selecciona de acordo com os seus gostos, educação, ideologia, interesses, necessidades, etc. Na formação social que se denomina "mercado livre", quer dizer, capitalismo, selecciona-se aquilo que se crê ir vender melhor e a mais gente.

 

Seja como for, devido à concentração existente nesta indústria da consciência, ou do entretenimento, como outros preferem chamar-lhe, a verdade é que se contam pelos dedos de uma mão as agências internacionais que seleccionam os acontecimentos e as imagens que vemos na maior parte do mundo. O mesmo é válido para a produção de filmes, séries televisivas, livros de texto, etc. Basta recordar a informação sobre a Guerra no Golfo, do princípio dos anos 90, cuja cobertura foi atribuída em exclusivo à cadeia norte-americana CNN, com os jornalistas devidamente escolhidos e previamente industriados pelos militares do Pentágono. Basta recordar que 95 por cento das imagens difundidas pelos meios de comunicação são fornecidas por uma agência noticiosa dos Estados Unidos ou, ainda, que 90 por cento dos conhecimentos armazenados em bancos de dados de todo o mundo são propriedade privada norte-americana.

 

Em suma, uns poucos detêm o poder de definir a realidade para a maioria de todos os outros, de dizer-lhes o que se passa, o que é bom e o que é mau, o que se deve ou não fazer e como fazê-lo, etc. Este poder de fixar o programa social de qualquer comunidade é a chave do controlo social. Lorde Nordcliffe, dono de um dos mais poderosos consórcios jornalísticos dos princípios do século XX, explicava-o muito directamente e sem muito gaguejar: "Deus ensinou os homens a ler para que eu possa dizer-lhes quem devem amar, quem devem odiar e o que devem pensar". [4]

 

E a história que nos contam costuma ser, quase sempre, a dos outros, não a nossa. Enquanto estamos entretidos a viver as histórias dos outros, não temos tempo para nos interessarmos pelas nossas próprias, isto é, com as histórias da nossa vida. Porque se nos ocupássemos dela, se acerca dela descobríssemos como são bem outros que a determinam e não nós, certamente não ficaríamos de braços cruzados e tentaríamos mudar a figura das coisas.

 

b) Silenciamento

 

O simples método de manipular comunicando tão-somente aquilo que convém implica, por definição, o silenciamento do inconveniente. Os governos, por exemplo, encontram um formidável instrumento de controlo social no silenciamento de informações vitais à população, como ocorreu em Espanha durante a Guerra do Golfo com a questão dos sobrevoos e abastecimentos das tropas norte-americanas.

 

Quando a verdade não corresponde aos interesses do capital, não se trata de mentir, mas antes de não dizer a verdade. Este método é mais difícil de ser percebido pelos leitores, ouvintes ou telespectadores.

 

Informa-se de maneira selectiva, mas credível, acerca de fenómenos, pormenores, sem contexto, sem chegar, nunca, à essência do sistema.

 

Os governos despendem centenas de milhões na acumulação de informação que se destina a ser imediatamente silenciada, por razões de Estado, de interesse ou segurança nacional, etc., mas cujo conhecimento acabará repartido por uns quantos. Um exemplo quase pueril, para não mencionarmos outros de maior substância, é o daqueles ex-chefes de Estado que ao cessarem funções levam consigo milhares de documentos para redigirem as suas memórias e, com eles, fazerem, portanto, o seu negócio privado. Por isso se diz que informação é poder ou, com maior precisão, que o poder se baseia na ocultação da informação. Não era diferente nos países socialistas.

 

c) A comunicação oficial e protocolar

 

A maioria das notícias dos meios de comunicação, em especial da televisão, refere-se às actividades dos governantes. A televisão considera precisar imprescindivelmente de notícias que possam apresentar-se com imagens. Nas deslocações, visitas e inaugurações dos chefes de Estado e dos governantes, podemos assistir a como descem dos aviões, como têm à espera as suas guardas de honra, apresentação de armas e hinos nacionais, como chegam e partem nos carros topo de gama, como membros das comitivas e guarda-costas abrem e fecham as portas, como os governantes olham para as câmaras com expressões e gestos estudados.

 

Às vezes, nem se distingue, onde estão, se em Madrid, em Bruxelas ou noutra qualquer capital. As imagens parecem-se entre si, como gotas de água. Os personagens que decidem a nossa vida desaparecem, então, atrás de portas que se fecham e, aí, onde verdadeiramente começa a história, é onde nós ficamos sem saber o que se negoceia e assina para lá delas. É assim que se encena o espectáculo da democracia. Dá um trabalho considerável distinguir entre espectáculo, política e reclame publicitário. Mas o primado é sempre do espectáculo. [5]

 

d) Os mitos da sociedade ocidental

 

A manipulação das consciências efectua-se também por meio de uma série de mitos que estruturam os conteúdos das mensagens. Herbert Schiller, no seu já antes citado "Mind Managers", analisa cinco destes mitos.

 

1) O mito do individualismo e da decisão pessoal. Baseia-se na suposta primazia do indivíduo como valor supremo. Aqui reside o fundamento da liberdade, da propriedade privada, do triunfo pessoal a todo o custo, etc. Esta forma de apresentar o progresso do ser humano oculta, capciosamente, o facto de aquilo a que chamamos sociedade ou cultura humana ter surgido da cooperação, da solidariedade e da comunicação. É isso que distingue o humano do animal. O egoísmo selvagem representa precisamente a animalidade.

 

2) O mito da neutralidade. A eficácia da manipulação depende da inexistência de provas da sua existência, de que as mentes submissas acreditem que as coisas são inevitavelmente como são, sem que nada exista que possa mudá-las. Para esse efeito, é fundamental que as pessoas creiam na neutralidade das instituições sociais, dos governos, do sistema de ensino, dos meios de comunicação e da ciência. Lamentavelmente para esses interesses, os factos desmentem esta tão cacarejada neutralidade.

 

3) O mito da inalterabilidade da natureza humana. A opinião que tenham sobre a natureza humana influi também no comportamento das pessoas e nas suas expectativas. Quando se difunde a ideia, que se pretende até demonstrar "cientificamente", segundo a qual a condição humana é uma criação definitiva, acabada, seja por Deus ou pelo ADN, genoma humano ou como quer que se denominem as novas "divindades" da ciência, estará, então, a admitir-se que as relações conflituais são inerentes à própria condição humana, nada tendo a ver com as circunstâncias sociais; que a agressividade é incorrigivelmente própria da natureza humana; e que, portanto, não vale a pena mudar o meio social gerador, ele sim, de tais conflituosidade e agressividade de uns seres humanos para com os outros. Os efeitos sociais destas teses são a desorientação, a incapacidade para identificar as contradições e as suas causas e, o que é pior, a aceitação submissa da situação existente.

 

4) O mito da ausência de conflitos sociais. Consequência lógica do anterior, impõe-se o mito de que não existem conflitos sociais, de classe. O conflito apresenta-se sempre como um problema individual. Do ponto de vista da sua comercialização, dizem-nos os investigadores, a apresentação como colectivos dos problemas sociais, requer não apenas um esforço acrescido, como perturba os consumidores. Daí que os entretenimentos e produtos culturais de maior difusão estejam tão impregnados de violência individual. A cooperação, a unidade e a luta colectivas constituem conceitos potencialmente perigosos.

 

5) O mito do pluralismo dos media. Este baseia-se na ilusão de que ao dispor de um grande número de títulos de jornais e revistas ou de muitas emissoras de rádio ou canais de televisão, o cidadão está apto a escolher entre uma oferta efectivamente diversificada. É uma ilusão que surge reforçada pelo facto de o consumidor poder realmente optar por um ou por outro título, ou canal. Mas caso se observe mais de perto os conteúdos, facilmente se verá como são todos mais ou menos idênticos. Multiplicidade de botões (canais) não é sinónima de diversidade de opiniões. Onde se encontra, por exemplo, um diário de grande projecção ou um canal de televisivo de esquerda? O pluralismo autêntico é o das opiniões diferentes e contrastadas. O aumento de títulos, canais e programas não basta. Se todos oferecem a mesma informação oficial protocolar, a mesma música, os mesmos espectáculos banais, os mesmos concursos e os mesmos reclames publicitários, não é pluralismo o que se tem, mas sim uniformidade e conformismo, compensação fácil para os défices emocionais, as angústias e frustrações e, em última instância, doutrinação.

 

a) Os inquéritos e sondagens de opinião

Transformaram-se actualmente numa verdadeira indústria de que a política e outras indústrias mal podem prescindir. São técnicas para averiguar e determinar os hábitos e preferências individuais e colectivos. Não são, de modo algum, instrumentos neutrais, uma vez que os gostos e as tendências humanas não podem ser separados das relações sociais em que existem. A sua publicação pode, inclusivamente, criar, ela mesma, estados de opinião; através dela podem dissipar-se as dúvidas dos indecisos, estimular o espírito gregário. Pelas sondagens não se pretende ficar a saber o que as pessoas desejam, mas antes se os métodos anteriormente empregues foram eficazes ou se, pelo contrário, é preciso modificá-los. A indústria dos inquéritos e sondagens emprega-se, consabidamente, para dirigir gostos e decisões, tanto na compra de bens de consumo, como nas eleições políticas.

 

b) A censura

É a forma mais brutal de intervenção para manipular as consciências. Ainda que deva ter-se em conta que existem diversos tipos de censura. Assim, nos regimes totalitários, pratica-se a censura prévia, isto é, a que se efectua antes de que os produtos se imprimam e saiam para a rua. Também acontece censurar depois da impressão, intervindo antes da publicação e comercialização. Deste modo, podem confiscar-se jornais, revistas e livros nos quais já se tenham investido somas consideráveis, infligindo os correspondentes prejuízos aos seus editores. Mas não se pode, igualmente, esquecer a autocensura que a si mesmos impões os produtores (jornalistas, escritores, artistas, etc.), antes de darem por concluídos os seus trabalhos, de forma a que estes agradem às instâncias superiores e não lhes criem problemas.

 

A arma contra a censura é a motivação. Quando se quer escutar a mensagem, de pouco valem as barreiras e as intromissões. Os espanhóis que queriam escutar a "Pirinaica" [como os portugueses que queriam ouvir a Rádio Argel ou a Rádio Moscovo] durante a ditadura, bem que o faziam apesar dos perigos e das interferências. A censura não resolve nada, apenas prejudica a sociedade sobre a qual é exercida. Os obstáculos impostos à liberdade conseguem apenas, como regra, estimular ainda mais o desejo de conhecer o interdito. Quando a opinião pública não pode informar-se nem expressar-se livremente, procura as suas próprias formas de satisfazer as necessidades que sente e os interesses que partilha. Não há muros que possam entravar a radiodifusão, como acontecia na ex-República Democrática Alemã (RDA), cuja população escutava diariamente os programas de rádio da então República Federal, através dos quais podia dedicar-se a imaginar o fascinante espectáculo do "paraíso" capitalista que tanto viria a frustrá-la posteriormente.

 

c) A fulanização da política

Os acontecimentos sociais, no discurso dos media, personalizam-se. Os dirigentes políticos passam a ser julgados pelos seus atractivos pessoais e não pelos respectivos programas, por aquilo que conseguiram fazer ou pelos falhanços que averbaram. Os principais problemas apresentam-se ao público reduzidos a análi-ses de atributos pessoais, dos seus hobbies, deslizes sentimentais, vida familiar e, até, por via da análise dos vestidos e penteados. Os conflitos sociais são interpretados e expostos como conflitos de personalidades. A guerra no Golfo não é uma luta pelo controlo do petróleo e pela independência nacional de determinados países, mas antes uma questão pessoal entre Bush e Saddam, por exemplo. Estrategicamente, esta fulanização tem a virtualidade de alienar as atenções das pessoas e das grandes massas relativamente aos problemas sociais que as afectam, de facto.

 

d) A exposição linguística

Como mencionámos ao falar da violência psicológica ou simbólica, a linguagem continua a ser o principal instrumento de manipulação. Se os seres humanos desenvolveram a linguagem para poderem entender-se uns aos outros, para poderem cooperar entre si para benefício de todos, o capitalismo de hoje utiliza a linguagem precisamente na direcção inversa, para os confundir e dividir. As notícias são, quase invariavelmente, apresentadas sem conexão entre si. Esta fragmentação dificulta e impede a sua compreensão, pois sem contexto não há significado. Uma coisa existe, através das outras, dizia Hegel. Se não nos são apresentadas as relações que existem entre acontecimentos e estados de coisas, não podemos simplesmente entender o que se passa. Explicar a violência na Irlanda do Norte em termos de católicos e protestantes, sem dizer a quem pertence a riqueza, quem ocupa os postos de trabalho e quem são os pobres ou os que estão no desemprego, não serve de nada para perceber o que ali se passa. O mesmo poderia dizer-se de todos os conflitos no mundo, veiculados pelos media. No conflito jugoslavo, parece que só há um "mau", os sérvios, que se qualificam de "antigos comunistas". Ao comunismo e neo-comunismo da Sérvia, opõe-se a "liberdade" da Croácia, ainda que o seu governo seja fascista. Na "sociedade de mercado livre" incluem-se as monarquias feudais da Arábia, todas as ditaduras latino-americanas e quase todas as africanas e asiáticas. O modelo da sociedade democrática e livre por excelência são os Estados Unidos da América, que apesar do ardor com que proclamam a liberdade de circulação de pessoas e bens, impõem há mais de 40 anos, um bloqueio económico a Cuba, ou que com a sua legislação proteccionista impedem a importação de bens de outros países, entre os quais europeus. E podíamos continuar indefinidamente.

 

Um método simples de observar o facciosismo da opinião dos media consiste em atentar nos adjectivos com que qualificam os acontecimentos e as pessoas. Através deles, saberemos como os julgam, que pretendem, se a sua tão propalada neutralidade e independência tem, afinal, ou não tem, alguma a coisa a ver com a realidade e a lógica das coisas.  

 

O entretenimento

Entreter significa compensar durante um lapso de tempo, as debilidades e carências emotivas e sentimentais. O entretenimento apela aos défices emocionais que, de vez em quando, todos nós temos. É disso que vive esta indústria. Porque o objectivo último do entretenimento maioritariamente proporcionado pelos media de hoje não é o postulado ético da coexistência entre povos e etnias e culturas, mas é antes o de ganhar dinheiro com programas que exploram os mais primitivos instintos (sexo e violência). Quando a aspiração de toda a construção cultural consistiu ao longo dos séculos em refrear e sofisticar estes instintos, hoje em dia, o direito do mais forte limita-se, ao potenciá-los, a contradizer todo o património de avanço cultural e político nos direitos humanos.

 

Enquanto jogo lucrativo com as emoções de terceiros, o entretenimento torna-se, na realidade, uma questão política determinada pelos meios que se utilizem para o disseminar. Quem diariamente se distrai com o assassinato, a morte, a fraude, a violência bruta, aprende que o direito do mais forte e que o individualismo egoísta prevalecem sobre os direitos humanos, a solidariedade e a cooperação e aprende ainda que a melhor maneira de responder às opiniões contrárias é partir a cara àqueles que as expressem. O simplismo e a rudimentaridade dos punhos, em vez da complexidade e diversidade das opiniões, da força dos argumentos racionais, produz mirones cínicos e não cidadãos democratas, dotados de consciência crítica e sentimentos solidários.

 

O entretenimento e a diversão das grandes massas das populações e a organização perversa dos seus tempos livres, converteram-se numa das indústrias mais lucrativas e prósperas dos nossos dias. Aproveitando-se das forças produtivas mais modernas, as novas tecnologias da informação e da comunicação, como costumam ser designadas, gera-se uma ampla oferta de organização do tempo livre, entendido como tempo de ócio, de não trabalho. Mas, isto em nada significa que este seja um tempo efectivamente à nossa disposição, ocupado com actividades organizadas e dirigidas por nós mesmos. O que se passa é que esta indústria utiliza, na projecção dessa e doutras ilusões, todas as formas de cultura popular: histórias, desenhos animados, discos, cassetes, jogos de vídeo, programas de rádio e de televisão, cinema, revistas ilustradas, acontecimentos desportivos, concertos e festivais de pop e de rock, fascículos, livros promovidos pelos reclames comerciais, etc., etc. Existe uma enorme quantidade de produtos para iludir as pressões e angústias da vida quotidiana, para a evasão através do jogo e do entretenimento, para tentar, enfim, satisfazer esperanças e desejos secretos.

 

Esta exploração interessada das necessidades humanas de entretenimento, de descanso, de distensão cumpre uma outra função importante: abstrair da sua realidade as grandes massas da população, algo que deve entender-se também no âmbito da manipulação ideológica e da formação da mentalidade submissa. E, não obstante, encontra-se muito arreigado o mito de que a diversão e o lazer são neutrais, carecem de pontos de vista orientados e existem à margem dos restantes processos sociais. No fim de contas, que pode ter de mal seleccionarmos o programa que mais nos agrade, a estância balnear que a carteira nos autorize, ou os video-jogos com que se entretêm os nossos filhos, enquanto nos poupam, aliás, a ter de aturá-los e responder às suas perguntas? Se dermos, porém, uma olhadela, ainda que superficial, aos conteúdos, não tardaremos em descobrir o negócio da violência que se empenha em projectar a ilusão de um "oeste selvagem", nas fitas de cowboys, por exemplo. Um "oeste" que já por volta de 1875 bem tinha desaparecido, mas de que ainda hoje continua a alimentar-se a fábrica de sonhos de Hollywood. Ou o negócio do terror, do sexo, da pornografia, a chirichia das revistas cor-de-rosa ou os supostos debates (magazines) da hora da sobremesa. A própria guerra e a morte são convertidas em diversão. Quem pára o suficiente para pensar no sentido existente por trás do facto de que as pontes e edifícios que voam pelos ares, os choques de comboios, os saltos do décimo andar, os voos supersónicos do Super-Homem, etc., etc., equivalem apenas a uma burla estética? Hoje em dia, aluga-se inclusivamente público para jogos e concursos junto de lares de terceira idade, escolas primárias ou faculdades. Há adultos, jovens ou crianças, que por dez euros ou um simples lanche e um sumo, estão dispostos a rir ou aplaudir de cada vez que a produção os mande fazer uma coisa ou a outra.

 

Vivemos a cultura do simulacro.

 

A cultura popular já não é feita pelo povo. Como salienta Herbert Schiller, "a rede da cultura popular que relaciona entre si os elementos da existência e que fixa a consciência geral daquilo que existe, do que é importante, do que está reciprocamente ligado, converteu-se, primordialmente, num produto manufacturado". Esta cultura, que pode perfeitamente designar-se por "cultura dos media", impregna a mentalidade e contribui decisivamente para a formação da opinião da maioria, uma vez que esta não dispõe, na verdade, de qualquer outra fonte de informação. A UNESCO estima que, hoje em dia, 85 por cento dos serviços culturais do mundo são veiculados pelos meios de massas, especialmente pela televisão. Os seus conteúdos e programas proporcionam reiteradamente a quem os vê chaves interpretativas e hierarquias de valores na nossa sociedade, bem como indicações sobre como proceder para atingir o sucesso e a felicidade, como educar os filhos, como deve o casal fazer amor, etc., etc. Estes materiais formam, doutrinam, estimulam a ambição e o lucro pessoais e propagam a ideia de que a natureza humana é imutável. Negam, enfim, a viabilidade de outras formas de organizar a vida e a coexistência humanas.

 

O êxito da indústria do entretenimento assenta nas expectativas do público. O espectador espera do televisor o prazer, a diversão, o desafogar das tensões, da mesma forma que da máquina de lavar espera roupa limpa e do frigorífico alimentos frescos. Ao mesmo tempo que subsistem, bem longe desta indústria, aquilo que são as naturais necessidades de lazer e de actividade livre das dos seres humanos e das grandes massas populacionais por eles constituídas, necessidades que ainda não se precisaram devidamente e que qualquer programa político emancipador deverá ter bem em conta.

 

NOTAS

 

[1] A citação do autor é da edição em castelhano de Schiller, Herbert I. (1972) Mind Managers, "Los Manipuladores de Cerebros" (1989), Gedisa, Barcelona (:189). H. I. Schiller (1919-2000) foi um dos mais profundos e radicalmente críticos pensadores do dispositivo mediático. Professor na Universidade da Califórnia, em San Diego, a sua obra está por traduzir em português. Na linha de estudos sobre as relações de dependência mediática imperial, sobretudo da América Latina em relação ao seu país, os Estados Unidos, a sua abordagem da globalização comunicacional e da evolução tecno-política dos dispositivos contemporâneos de comunicação, centrava-se nas possibilidades perversas de os novos meios e as novas redes se transformarem em extensões imperialistas de controlo e manipulação à escala planetária (NT)

 

[2] Freire, Paulo (1970), Pedagogia do Oprimido, acerca oposição entre a teoria dialógica da acção (cujo objectivo é a adesão das massas às formas de organização da sua libertação), e a teoria antidialógica da acção cujo instrumento é a manipulação e objectivo a conquista e a dominação). Ver especialmente páginas 102 e segs. da edição aqui consultada, 17ª, de 1987, Rio de Janeiro, Paz e Terra. (NT)

 

[3] Matéria essencialmente ideológica e política, tal como o autor aqui a coloca, a verdade é que as práticas e o debate em torno do jornalismo participativo, do cidadão-jornalista, etc., têm vindo a conhecer um impulso que à data da edição deste livro, poucos poderiam antever. Um interessante roteiro sobre o estado da arte no debate internacional deste tema, e não só, pode ser encontrado no excelente Ponto Media, o actualizado, atento e cuidado blogue do jornalista português António Granado, disponível em http://ciberjornalismo.com/pontomedia/ (NT)

 

[4] O autor vai, aqui, uma vez mais à raiz da questão. De assinalar, porém, que bem depois de Nordcliffe, as ciências da comunicação chegaram a conclusões que validam palavra por palavra a asserção do lorde britânico. Onde melhor e de modo mais acessível podemos continuar, ainda hoje, a encontrar coligidos, em língua portuguesa, os estudos que corroboram o aqui explanado, é nas colectâneas organizadas por Nelson Traquina, da Universidade Nova de Lisboa, contendo, entre outros importantes estudos, os textos e autores fundamentais das principais teorias do "valor notícia" e dos critérios de selecção noticiosa (gate keeping), das teorias funcionalistas sobre o trabalho e a organização das redacções jornalísticas, bem como das teorias do agendamento (agenda setting), em especial da evolução de 25 anos de pesquisa nesta área por parte dos seus autores McCobms e Shaw (1972 e 1993). Portanto, duas obras de referência e aprofundamento, em português: Traquina, Nelson (org) (1993), Jornalismo: Questões, Teorias 'Estórias', Lisboa, Ed. Vega. E Traquina, Nelson (2000), O Poder do Jornalismo, Análise e Textos da Teoria do Agendamento, Coimbra, Minerva. (NT)

 

[5] Uma das mais importantes e radicalmente profundas obras sobre estes aspectos sócio-comunicacionais e políticos das nossas sociedades é da autoria do co-fundador francês da chamada Internacional Situacionista, Guy Debord: "Comentários sobre a sociedade do espectáculo". Obra original de 1988, escrita duas décadas após o seu outro clássico, "A sociedade do espectáculo" (original de 1967), os "Comentários" antecipam com uma precisão cirúrgica a evolução do sistema espectacular nas suas formas mais recentes, e que ultrapassaram a própria vida do seu autor, que se suicidou a 30 de Novembro de 1994. Existe uma (esgotada) tradução portuguesa dos "Comentários", pela editora Mobilis in Mobile, datada de 1995 e uma outra igualmente esgotada edição portuguesa de "A Sociedade...", de 1991, pela mesma editora, depois de uma primeira edição ter circulado semi-clandestinamente em português em 1972. (NT)

 

[*] Catedrático de Comunicação Audiovisual (jubilado em 2005) da Universidade de Sevilha, doutorado pela Universidade Complutense de Madrid e doutorado cum laude pela Universidade de Münster, autor de 13 livros.    O presente texto é um excerto de A formação da Mentalidade submissa, tradução de Rui Pereira, Deriva Editores , Porto, 2006, 165 pgs., ISBN 972-9250-20-0

 

Este ensaio encontra-se em http://resistir.info/ .

sábado, 2 de junho de 2012

A FEIRA DO SERTÃO, POR UM GRANDE POETA

TUDO PINÇADO DO MEDIOCRIDADE-PLURAL.BLOGSPOT.COM.BR

de Laélio Ferreira


 
 
"A GENTE ENCONTRA NA FEIRA
NOS CAFUNDÓ DO SERTÃO"

NOTA: De autor ainda desconhecido, segundo nota do E-mail que
encaminhou o mote e as glosas. Que apareça, pois o
autor da obra prima!

G L O S A S :

Caco de cuia, cabaça,
Taxo de barro coité,
Urupema, jereré,
Baleeira e alçapão,
Gamela de molungú,
Trinxête, pinhão, ponteira
A gente avista na feira,
Nos cafundó do sertão.
 
Enfileira de piaba,
Cangatí, cará, corró,
Pau de cangalha, bozó,
Candeeiro, lampião,
Caçoá, jarra, quartinha,
Machado, foice e peneira,
A gente avista na feira,
Nos cafundó do sertão.
 
Mel de cana, rapadura,
Caco de fazer pipoca,
Fogo de flexa, taboca,
Torradeira de assar pão,
Alfinim, caldo de cana,
Chapéu de couro e perneira,
A gente avista na feira
Nos cafundó do sertão.
 
 Trança de alho, arapuca,
Quixó, de pegar preá,
Sacola de caroá,
Cabo de enxada, mourão,
Lamparina à querozene,
Dobradiça de porteira,
A gente avista na feira,
Nos cafundó do sertão.
 

Chinelo de couro cru,
Marra, chocalho, sacola,
Grampo de cêrca, gaiola,
Bodoque, mão de pilão,
Serrote, sela, cabresto,
Banco de pau e cadeira,
A gente avista na feira
Nos cafundó do sertão.
 
Fruta de palma, araçá,
Queijo de coalho, paçoca,
Bolo, mingau, tapioca,
Umbu maduro melão,
Pilão de pizar tempero,
Feito de pau de aroeira,
A gente avista na feira
Nos cafundó do sertão.
 
Fumo de rolo, tabaco,
Mel de abelha, cortiço,
Medalha de Padim Ciço,
Foto do Frei Damião,
Anzol de pescar traira,
Cama de pau e esteira,
A gente avista na feira
Nos cafundó do sertão.
 

Casca de pau pra remédio,
Pau-darco roxo, jurema,
Marcela, boldo, alfazema,
Alecrim, manjerião
Babosa, espinheira, santa,
Fedegoso, quixabeira,
A gente avista na feira
Nos cafundó do sertão.

Um velho numa barraca,
Vendendo cocada branca
Um pote embaixo da banca
Com água de cacimbão,
Um camelô receitando
Pomada para frieira
A gente avista na feira
Nos cafundó do Sertão. 

Uma vitrola fanhosa,
Um cabra perto encostado,
Vendendo disco arranhado
Da época de lampião,
LP. De Gonzagão,
Tocando Mulher rendeira,
A gente avista na feira
Nos cafundó do Sertão.

Feijão de corda, cuscuz
Com manteiga feita em casa
Cabrito assado na brasa,
Aguardente com limão,
Sarapatel com pimenta,
Galinha com macaxeira,
A gente avista na feira,
Nos cafundó do sertão.

Caminhão pau de arara,
Levando gente e trazendo,
Gente subindo e descendo,
Jumento, carro de mão,
Menino pedindo um pão
Outros batendo carteira,
A gente avista na feira
NOS CAFUNDÓ DO SERTÃO."

A ÚLTIMA E DECISIVA BATALHA NA "GUERRA DAS MOSCAS"


Carlos Santos
 
 
"Tudo ou nada"


A administração do Mossoró West Shopping (MWS) está com uma missão quase impossível: colocar fim à ‘esquadrilha de moscas’ que diariamente ocupa seu ambiente interno, da Praça de Alimentação às suas lojas de produtos/serviços diversos.

A tarefa não é fácil. E não se pode dizer precipitadamente que não tenha ocorrido empenho à eliminação desse incômodo inaceitável num equipamento mercantil com tais características. O esforço é cotidiano e frenético, mas sem êxito.

Desde sua inauguração há mais de quatro anos, o MWS teve pelo menos duas empresas especializadas em pragas e detetização – com conceito no mercado – atuando no local. Sem sucesso. Perderam feio a guerra para esses “dípteros” (animais que possuem duas asas).

A praga, de fazer inveja às maldições que teriam assolado o Egito, conforme contam as sagradas escrituras, tem demonstrado enorme resistência. Fazem acrobacias e transitam soberanas, imponentes, de ‘nariz empinado’. Não parecem se incomodar com a impertinente presença humana, coabitando o mesmo espaço comercial.




As moscas tornaram-se habituês do lugar. Revelam um lado refinado e chique, como se fossem de uma nova espécie: a ‘Musca Patricinha’.

Sentem-se bem entre mármores, escadas rolantes, granitos, colunas e vitrines iluminadas. O que não chega a ter a concordância da clientela capitalista, obrigada a dividir mesas, cadeiras e os espaços físicos do shopping com esses insetos gosmentos. Eles, de graça; o consumidor, pagando.

Fala-se no shopping, na contratação de uma terceira empresa, sob custo não revelado, para finalmente bani-las. Colocar um fim no problema. Se a nova tentativa falhar, o jeito é recorrermos à turma da lagoa: os sapos. A partir daí, passaremos a testemunhar uma batalha de caráter biológico, com esse exército saltitando entre nossos pés, em lojas e corredores, numa cruzada definitiva.

Predadores naturais das esvoaçantes moscas, os batráquios podem ser chamados a essa ‘deliciosa’ (para eles) refeição. Não duvidemos. Uniriam o útil ao agradável. Com sorte, podem até realimentar o lirismo dos contos de fadas, cedendo um beijo para quem acredita poder descobrir um príncipe encantado em seus lábios finos e gélidos.
Quem duvida, heim?

Princesas, candidatem-se! Moscas, cuidem-se!

sexta-feira, 1 de junho de 2012

ATÉ QUANDO, STF?

Por Honório de Medeiros
 

Nunca antes neste País, parodiando Lula da Silva, o STF se deu ares de tanta mediocridade.
Se um País se medir pelos titulares dos seus poderes, estamos fritos.
Dos último cinco Presidentes do STF, três em nada engrandeceram a antigamente vetusta instituição.
Primeiro, Nelson Jobim, o fraudador da Constituição Federal. Quem quiser saber mais leia: “Anatomia de uma fraude à Constituição”, elaborado em agosto de 2006, de Adriano Benayon, doutor em economia, diplomata, advogado, consultor legislativo da Câmara Federal e do Senado, professor de economia política na Universidade de Brasília (UnB), e Pedro Antônio Dourado de Rezende, professor de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), coordenador do programa de Extensão Universitária em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, ATC PhD em Matemática Aplicada pela Universidade de Berkeley (EUA), ex-representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), em www.cic.unb.br/~pedro/trabs/fraudea_f.
Depois, Gilmar Mendes. Para tanto basta ler “A degradação do judiciário”, artigo de Dalmo de Abreu Dallari jamais respondido, e à disposição dos interessados em www.sul21.com.br/jornal/2012/05/ha-dez-anos-professor-da-usp-foi-profetico-gilmar-mendes-sera-uma-tragedia-no-stf. Quem há de esquecer sua enfurecida cruzada para libertar Daniel Dantas atropelando uma súmula vinculante? E, atualmente, seu envolvimento no episódio com Jobim e Lula?
Finalmente Peluzo. Quanto a este, nunca será demais lembrar sua investida odienta contra o CNJ, na pessoa da Ministra Eliana Calmon, na tentativa de impedir a investigação dos mal-feitos de seu Órgão de origem, o TJSP.
Tempos estes de absoluta mediocridade. Como é medíocre a nossa elite dirigente.
Oh, tempora, oh, mores! Como diria Cícero...

VOTOS, GRANAS E DENÚNCIAS NA CAMPANHA DE 2012

Leia em www.blogcarlossantos.com.br:
 
 
"Tempo quente"
 
Ouvi algumas vozes empresariais influentes e alguns conhecedores profundos da política resmungando e asseverando: a grana vai estar curta na campanha eleitoral deste ano.

Escândalo do Caixa 2 do DEM/Rosalba, Operação Vulcano, Casos dos Precatórios e Sinal Fechado (Detran); Operação Impacto, Operação Hígia e Folioduto assustam financiadores.

Passar dinheiro por debaixo do pano fica cada dia mais difícil. Hoje, qualquer zé-mané tem um celular com gravador ou câmera.

As denúncias pipocam de todos os lados.

Campanhas devem ter forte teor de judicialização.

Ter uma boa retarguarda jurídica para defesa e ataque é muito mais prioritária do que marketing.


Sei não…

FUJA DOS VÍCIOS DE LINGUAGEM



Por Laélio Ferreira
Sabe o que é tautologia?

É o termo usado para definir um dos vícios, e erros, mais comuns de linguagem. Consiste na repetição de uma ideia, de maneira viciada, com palavras diferentes, mas com o mesmo sentido.
O exemplo clássico é o famoso 'subir para cima' ou o 'descer para baixo'. Mas há outros, como pode ver na lista a seguir:
- elo de ligação
...
- acabamento final
- certeza absoluta
- quantia exacta
- nos dias 8, 9 e 10, inclusive
- juntamente com
- expressamente proibido
- em duas metades iguais
- sintomas indicativos
- há anos atrás
- vereador da cidade
- outra alternativa
- detalhes minuciosos
- a razão é porque
- anexo junto à carta
- de sua livreescolha
- superávit positivo
- todosforam unânimes
- conviver junto
- facto real
- encarar de frente
- multidão de pessoas
- amanhecer o dia
- criação nova
- retornar de novo
- empréstimo temporário
- surpresa inesperada
- escolha opcional
- planear antecipadamente
- abertura inaugural
- continua a permanecer
- a últimaversão definitiva
- possivelmente poderá ocorrer
- comparecer em pessoa
- gritar bem alto
- propriedade característica
- demasiadamente excessivo
- a seu critério pessoal
- exceder em muito .
Note que todas essas repetições são dispensáveis.
Por exemplo, 'surpresa inesperada'. Existe alguma surpresa esperada? É óbvio que não.
Devemos evitar o uso das repetições desnecessárias. Fique atento às expressões que utiliza no seu dia-a-dia.
(De um imeio de WALCI PEREIRA JOANNOU)

quinta-feira, 31 de maio de 2012

O PRECIOSO VILLAÇA


Escritor Franklin Jorge


Por Franklin Jorge

Escritor – como opção – uma forma superior de vida, assim como o monarquismo e o sacerdócio, eis a única e integral vocação de Antonio Carlos Villaça para as letras, condensa experiências e idéias em sentenças aforísticas, algo lispectorianas, pensadas em profundo silêncio e escritas com sofreguidão e gulodice abissais.

Numa prosa arfante e elíptica, personalíssima, atua o autor de “O nariz do morto”, iludindo-nos com a magia da literatura. Uma literatura, a sua, não conformista, serena e desesperada; contemplativa e observadora, plena de pausas gramaticais e deliberada pontuação excessiva que dir-se-ia, por sua abruptidão – arfante, dispnéica -, capaz de induzir o leitor a suspender a leitura e cismar numa longa e absorvente ruminação.

Malgrado não ter a rigor uma “biografia” – peripécias, aventuras, envolvimento com fatos históricos etc –, Villaça consegue extrair do seu olhar arguto e analítico sobre os homens, a essencialidade mesma da condição humana.

Representante de uma estirpe de escritores embebidos em humanismo, banhado em angústia e poesia moderna, mantém-se jovial, guardando e velando o menino buliçoso e inquieto que continua existindo nele, o amigo de Manuel Bandeira – o melhor Manuel do mundo -, uma flor humana, Manuel Bandeira.

Recordo-o em dois momentos de sua vida, no Rio de Janeiro e em Natal, ambos marcados por uma emoção muito viva. Em 1979, passeando por nossas ruas, no usufruto do seu cristianismo hedônico; entontecido nessa luz sobrenatural que distingue a cidade oceânica com uma invisível redoma. Natal, pois, o seduziu e encantou.

Visitou Cascudo em seu chalé, numa das tardes mais intensas da sua vida, e impressionou-se com a fidelidade do autor de “Prelúdio e fuga do real” à terra natal. Foi quando o interrogou sobre Bibi, a babá inesquecível, a ama longínqua, ali presentíssima. Cascudo fumava alegremente o seu charuto. E perturbou-se com a pergunta a respeito da sua ama, a mais poderosa presença da sua vida, toda vivida aqui, por toda a cidade, no meio do povo, como um “provinciano incurável”.

Villaça não sabia que naquele dia transcorria as “Bodas de Ouro” do seu anfitrião quando Dona Dahlia, “gentilíssima”, o recebeu no alto da escada e em seguida o introduziu no museu cascudiano. Surdo e quase cego, Cascudo respondeu à curiosidade villaciana com uma fluência calorosa.“Mas devo tanto a essa mulher”, confessou num rompante. Tudo o que sabia, veio dela, Bibi, sua grande fonte inesgotável. E Villaça se lembra que Cascudo se pôs a falar dela, a evocar a ama perdida no tempo. Em seu solilóquio, diante de uns olhos vivazes, vibrava no menino de súbito despertado para o mundo, ouvindo os contos de Bibi.

Havia tanta vida nele – recorda Villaça. –Tanto élan, tanto frêmito…

No ano seguinte, no Rio, após o almoço numa taberna portuguesa, Villaça quis levar-me em visita à casa apalacetada da sua avó Antonia, magistralmente retratada em “O nariz do morto” (Editora Rocco, 1975). De São Cristóvão ao Cosme Velho, possuído daquela alegria do menino que passeia, desvelou-me a alma mesma do Rio. A rua faz-lhe bem, a multidão o alegra. Cada bairro, cada rua, cada praça, cada casa tinham a sua história individualizadora e um nome que as distinguiam. Estavam vivas na memória hospitaleira de Villaça, o cardeal das letras.

Ali, naquela casa, apontava Villaça, teria vivido Nelson Rodrigues, o moralista truculento, antes de mudar-se para o Leme; em Santa Teresa, naquele miradouro de onde se descortina a cidade com a baía da Guanabara ao fundo, Adelino Magalhães, grande escritor esquecido, viveu; agora passávamos pelo Flamengo, diante do edifício onde morava o nosso amigo Walmir Ayala… Em Laranjeiras, a casa do reacionaríssimo Gustavo Corção e, no Cosme Velho, a casa onde morou Cecília, esse chão onde viveu e morreu Machado de Assis, e onde ainda há de viver por muitos anos o artista Augusto Rodrigues… O criador da Escolinha de Arte do Brasil.

De repente, diante da carcaça de uma casa em avançado processo de demolição, portas e vitrais já enfileirados ao longo do muro, mandou parar o táxi. Sem que me dissesse nada, percebi que estávamos diante da casa da infância e da mocidade de Antoninha, sua avó Antonia, de quem, por gratidão de seus pais, herdaria a versão masculina do nome.

Villaça estava visivelmente emocionado e deve ter-se lembrado que essa avó, tão presente em sua memória, ao vê-lo roxo e nu sobre a bancada de mármore, recém-nascido e dado como morto, em seu desespero pôs-se a sacudi-lo com tanta paixão que o trouxe de volta à vida.

Lançou um último olhar sobre a casa – esse olhar contemplativo, alongado e comunicante que conhecemos – e viu as suas tias-avós, as meninas Chiquinha, Cotinha, Juju e Helena,irmãs de Antoninha… Em que pensaria, naquele momento, diante daqueles escombros? Ter-se-ia lembrado que sua tia Cotinha, afilhada de Machado de Assis, levara certa vez um beliscão do autor de “D. Casmurro”, porque não conseguira recitar corretamente uns versos que ele escrevera especialmente para uma festa em família? Onde estaria, agora, toda essa gente do seu sangue? Para onde vão os que desertam desse mundo?

A casa, afinal, era por aqui…

.Fragmento de “Os diários do Rio” [inédito]

HÁ CALOR NA ESCURIDÃO


Bárbara de Medeiros



Por Bárbara de Medeiros



Soldados brancos se aproximam
De armas na mão, sem sangue nas veias.
Tento me preparar,
Mas para quê?
A guerra já está aqui,
A batalha já foi perdida.
Se for pra eu morrer,
Deixe-me morrer assim:
O frio do inverno me sauda,
Seus longos braços me abraçam
Desesperado, tento me aquecer
Por fim desisto
Por que insisto?
Há calor na escuridão.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

LULA, GILMAR E JOBIM, UMA TRINCA DO ESCRACHO!


Gilmar Mendes

blogdopego.blogspot.com

 

Por Elio Gaspari, O Globo

O que aconteceu no dia 26 de abril no escritório de Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça, da Defesa, e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal? Certo mesmo, só que lá se encontraram Lula, o ministro Gilmar Mendes e o dono da casa.

Os repórteres Rodrigo Rangel e Otávio Cabral revelaram a lembrança de Mendes. Coisa tenebrosa. Lula recomendou que se adiasse o julgamento do mensalão: “É inconveniente julgar esse processo agora”, e contou que estava caitituando votos da Corte.

Cármen Lúcia? “Vou falar com o Pertence para cuidar dela.” Referia-se ao ex-ministro Sepúlveda Pertence, por coincidência presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência.

Dias Toffoli? “Ele tem de participar do julgamento.” (O ministro, como ex-advogado-geral da União, poderia dar-se por impedido.)

Ricardo Lewandowski? “Ele só iria apresentar o relatório no semestre que vem, mas está sofrendo muita pressão.”
Joaquim Barbosa: “Complexado.”

Finalmente, Lula prensou Mendes com uma pergunta. “E a viagem a Berlim?”

Por trás da curiosidade estava a maledicência de que o ministro fizera uma viagem a Berlim com o senador Demóstenes Torres e parte do paganini por conta de Carlinhos Cachoeira. O ministro rebateu a insinuação e dobrou a aposta: “Vá fundo na CPI.”

O repórter Jorge Bastos Moreno ouviu a narrativa de Jobim: “Não houve nada disso.” Ele contou que o encontro ocorreu por acaso, durou cerca de uma hora, e em nenhum momento os dois estiveram a sós. Dias depois, corrigiu-se e disse que marcou o encontro a pedido de Lula.

O ex-presidente, por intermédio de sua assessoria, contestou, indignado, a reconstrução de Gilmar Mendes.
Alguém está mentindo. Ou mente Gilmar, ou mentem Lula e Jobim.

Pela narrativa de Gilmar, “fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula”. O ministro conta que narrou o episódio ao presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, na quarta-feira da semana passada, 27 dias depois do ocorrido.

Infelizmente, ambos mantiveram-no restrito ao mundo de confidências que alimentam a nobiliarquia de Brasília.

Se a narrativa de Gilmar é verdadeira, o escracho começou na própria conversa. Nem Lula poderia ter dito o que disse, nem Gilmar poderia ter ouvido. Sua perplexidade diante das “insinuações despropositadas” deveria ter sido expressa no ato.

A comunicação do ocorrido ao ministro Ayres Britto deveria ter desencadeado uma imediata iniciativa pública. A essa altura era Britto quem não poderia ter ouvido o que Gilmar lhe contou. O cargo em que está investido recomendava que pedisse ao colega que narrasse o episódio na sala de sessões da Corte, ao vivo e em cores, como já fez o ministro Joaquim Barbosa quando julgou impertinente um telefonema que lhe dera um ex-ministro da Casa, advogando um caso milionário.

Nessa ocasião, Barbosa começou a construir sua fama de intratável.

Um Supremo Tribunal Federal com onze juízes intratáveis jamais acabaria metido numa história dessas.

P.S.- A memória exige o registro de que em 2008 o ministro Gilmar Mendes, presidindo o STF, denunciou um “estado policialesco” a partir da leitura do que seria a transcrição de uma conversa que tivera com o senador Demóstenes Torres. Até hoje não apareceu o áudio desse grampo.

COMENTÁRIO DO BLOG:

"Viva os três patetas!"

PAÍS TEM 700 MIL FAMÍLIAS EM EXTREMA POBREZA




Pente-fino promovido pelo ministério mostra que estatísticas oficiais ignoravam legião de miseráveis, que ficaram descobertas até pelos programas sociais incrementados na gestão do ex-presidente Lula

27 de maio de 2012

Roldão Arruda - O Estado de S.Paulo

Um ano atrás, o governo federal pôs em andamento uma operação para localizar os chamados miseráveis invisíveis do Brasil - aquelas famílias que, embora extremamente pobres, não estão sob o abrigo de programas sociais e de transferência de renda, como o Bolsa Família. Na época, baseado em dados do IBGE, o Ministério do Desenvolvimento Social estabeleceu como meta encontrar e cadastrar 800 mil famílias até 2013. Na semana passada, porém, chegou à mesa da ministra Tereza Campello, em Brasília, um número bem acima do esperado: só no primeiro ano de busca foram localizadas 700 mil famílias em situação de extrema pobreza e invisíveis.

Considerando apenas o chefe da família, isso corresponde à população de João Pessoa (PB). Se for levada em conta toda a família, com a média de quatro pessoas, é uma Salvador inteira que estava fora dos programas.

O resultado da operação, conhecida como busca ativa, também surpreende pelas características dessa população: 40% das famílias invisíveis estão em cidades com mais de 100 mil habitantes. Com o desdobramento e a análise das estatísticas, é provável que se constate que a maioria dos miseráveis invisíveis não estão nos grotões das regiões Norte e Nordeste, como quase sempre se imagina, mas na periferia dos centros urbanos.

"Estamos falando de famílias extremamente pobres que até agora não faziam parte do cadastro único do governo federal e por isso não eram vistas na sua integridade, de acordo com suas necessidades e carências", observa a ministra Tereza Campelo. "Podiam ter filhos na escola, mas não tinham acesso ao básico dos programas sociais, como o Bolsa Família, a tarifa social de energia elétrica e outras ações."

Para chegar a essas pessoas o ministério partiu do princípio de que, por algum motivo, elas não conseguiam chegar aos serviços de assistência social das prefeituras e pedir a inscrição no cadastro único. "Era preciso sair dos escritórios. Mobilizamos prefeituras, agentes de saúde, empresas de distribuição de energia elétrica", conta Tereza. "As prefeituras estão sendo remuneradas por esse trabalho."

Acidentado. Em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, a assistente social Marisa Lima foi uma dessas agentes mobilizadas para caçar os invisíveis. Em janeiro deste ano ela estava trabalhando na Unidade Básica de Saúde Municipal do Centro, na Avenida dos Coqueiros, quando apareceu por lá Raimundo Marques Ferreira, pintor de paredes, de 52 anos.

Buscava remédios e assistência médica, rotina que segue desde 2007 quando sofreu um acidente de trabalho. Caiu num fosso de elevador e teve os movimentos motores do lado esquerdo do corpo comprometidos. Como não era registrado e a empresa fechou as portas após o acidente, ficou sem nenhum tipo de cobertura. Os laudos médicos, que guarda presos com um elástico, indicam que também sofre com depressão e problemas neurológicos.

Separado, Ferreira mora com quatro filhos num cômodo de pouco mais de 30 metros quadrados, no fundo de um quintal, na Vila Zazu, bairro pobre de Franco da Rocha. É uma casa limpa, mas úmida e escura, erguida rente a um barranco ameaçador. Na época das chuvas, Ferreira sempre é visitado pela Defesa Civil, que insiste para que abandone o lugar. "Sair para onde?", indaga. "Aqui eu não pago aluguel."

Não sabia como fazer. No centro de saúde, abordado pela assistente social, o pintor contou que "já tinha ouvido falar" do Bolsa Família, mas não sabia se tinha direito, nem como se inscrever. Hoje recebe R$ 102 por mês, que usa sobretudo para pagar as contas de água e luz e comprar alguma comida. Dois de seus filhos, com 16 e 13 anos, foram inscritos no Ação Jovem, do governo estadual, que garante R$ 80 por mês, desde que frequentem a escola.

Agora a assistência social orienta Ferreira para que obtenha uma aposentadoria por invalidez, no valor de um salário mínimo, no INSS. Se conseguir, ele quer ampliar a casa onde mora e investir em cursos de informática para os filhos menores. Ele tem o olhar triste e fala em voz baixa, com modos tão humildes que dá a impressão de assustar-se com o mundo à sua volta.

A MELHOR AMIGA

Por Ricardo Sobral

Muito já se escreveu sobre a figura da melhor amiga. Cabe aos doutores em ciências aplicáveis à espécie explicar o fenômeno. Limito-me, pois, como tristemunha ocular, contar um causo que se assucedeu, e não foi no vale do Assu. Os nomes são tão verdadeiros quanto uma nota de mil reais. É bom para todos que assim seja.

Moema é morena, cor de jambo, cabelos pretos e lisos, olhos de jabuticaba, elétrica, direta e objetiva. Alba é loura, cabelos cacheados, olhos claros, fugidios, gestos lentos, estudados. Uma é para a outra a melhor amiga. Estudam juntas desde a primeira escolaridade até a universidade. As outras têm inveja das duas e de tão bonita amizade. Aos vinte e sete anos, experientes, pré-balzaquianas, não há segredo de uma para a outra e pode se afirmar que até então viveram juntas os momentos mais importantes de suas vidas, além de compartilharem quase tudo, exceto escovas de dentes e namorados.

- Alba, amiga, não te conto.

- Diga logo, mulher, não faça arrodeio . Quer me matar, é? - disse Alba rindo.

- Preciso desabafar, tem que ser com você, minha melhor amiga – Afirmou Moema bem baixinho, com receio de ser ouvida, embora não existisse ninguém por perto.

- Lá vem você outra vez, já sei, o namorado apresentou defeito de fábrica e você o despachou.

- Não. Pelo contrário, estou apaixonadíssima. Mais que isso, amiga, jamais pensei, nem nos meus devaneios de adolescente, que existisse nesse mundo um homem como Raul. Simplesmente é o máximo! Não preciso dizer mais nada. É o máximo!

Moema só tem palavras para enaltecer o namorado, cuidando sempre de acrescentar a descoberta de um novo dote. O que não varia é o final do elogio: o máximo!

Amiga íntima, fiel, solidária e inseparável, até que Alba procura com todas as suas forças exorcizar o fantasma da melhor amiga dizendo Raul é o máximo!

Desgraçadamente, não consegue. Ao contrário, a lembrança vira sonho; o sonho convola-se em desejo, e o desejo mina suas resistências, sente que já não se governa. Ajoelha-se em cima de caroços de milho, reza profundamente, faz promessa, jura fidelidade à amiga, chora, faz plano de viajar, quem sabe uma temporada no exterior não tiraria do seu ser o “máximo” de Moema?

- Meu Deus, não posso fazer isso com Moema. Afinal, é a minha melhor amiga. Me ajude.

Por certo Deus não ouve os seus gritos de socorro, embora sinceros e tonitroantes como as trombetas de Jericó.

Moema não tarda em observar que se operara em Alba uma mudança radical. Agora, é outra pessoa, praticamente irreconhecível. Raul também mudara, rareia cada vez mais; e, quando presente, alheia-se; revela-se enfadonho e contumaz queixoso de enxaquecas intermitentes.

Quando Moema descobre a dupla traição chora initerruptamente por quatro noites e quatro dias sem se alimentar. Só água, nem caldinho desce. Pensa que vai morrer de tanta dor; dor que jamais sentira, que sequer sabia existir. Sua melhor amiga, mais que o namorado, havia lhe roubado a alegria de viver. Não sorria mais; não frequenta salão; não se arruma e pouco compra roupas. Vira um Dom Casmurro de Machado de Assis.

E assim vive por três intermináveis anos. Mas, como não há mal que seja eterno nem bem que sempre dure, um dia sente-se curada, fortalecida. Dá a volta por cima. Apaixona-se ainda mais. Beatriz, que assumira o lugar de Alba, notou:

- Amiga, você me esconde alguma coisa. Esse andar sacudido, esse sorriso tipo rio cheio - de barreira a barreira - e essa pele sedosa querem dizer o que?

- Ah! Nem te falei, amiga, pois achei que não valia a pena falar. Não vai dar certo mesmo. O Rogério não é o meu tipo, e além do mais seu desempenho não pode ser considerado nem mesmo satisfatório.

A duras penas, Moema aprendera a lição. Depois, cachorro mordido de cobra tem mede de linguiça.

Preserva o namorado e a melhor amiga.

Até hoje, passados tantos anos, Beatriz, como melhor amiga de Moema, só não entende uma coisa: porque Moema continua com Rogério.

terça-feira, 29 de maio de 2012

PRAZER DA LEITURA


Carlos Santos, por Ricardo Lopes


Por Carlos Santos

blogcarlossantos.com.br

Chego para abastecer meu ‘transporte’ num posto de combustível de Mossoró e a frentista demora a me atender. Nem me queixo. Estamos próximos das 22h do sábado (26).

- Está lendo, né? – brinco.

A leitura de uma revista com texto sobre psicanálise a tirara de sintonia em pleno horário de expediente. Lia sobre Sigmund Freud, o “pai da psicanálise”.

- Adoro Freud – transborda ela. E passa a falar sobre a personalidade do autor de estudos emblemáticos quanto à mente e o corportamento humano. Parece ter intimidade com ele. Fala com ar que oscila entre o professoral e o coloquial.

Vez por outra a gente encontra essas preciosidades: a leitura que empolga e os mais simples envolvidos por ela. São um alento para um país que não lê.

Ontem, direto de Paris-França, via Twitter, Jean-Paul Prates (ex-secretário do Governo Wilma de Faria-PSB) dizia: “Antigamente, a cena típica do metrô de Paris era o leitor de jornais. Hoje são os operadores de iPhones.”

Parisienses letrados, agora sob outra plataforma de leitura e gosto pela cultura, o conhecimento.

Nós, aqui do outro lado do Atlântico e abaixo da linha do Equador, ainda engatinhando no prazer da escrita – seja ela impressa ou digitalizada.

domingo, 27 de maio de 2012

O QUÊ CONVERSAVAM, JUNTOS, TANTOS JORNALISTAS E UM PROFESSOR DE FILOSOFIA DO DIREITO?


No tempo que Carlos Santos ainda era jovem e magro. Da esquerda para a direita, no sentido horário,

Jânio Rêgo, Carlos Santos, Cleilma Fernandes, Carlos Duarte, Franklin Jorge e Honório de Medeiros.

HOUVE, UM DIA, "METRALHAS" EM PAU DOS FERROS


Os lendários "metralhas", todos devidamente domesticados, alguns anos depois de suas peripécias!

Da esquerda para a direita, no sentido horário, João Batista Costa Fontes, Honório de Medeiros, Etelânio Figueirêdo e Laércio. Dá idéia do nível de domesticação a ausência, na mesa, de bebidas e mulheres. 

ALGUNS DE NÓS SAIMOS DE MOSSORÓ, MAS MOSSORÓ NUNCA SAIU DE NÓS!


Da esquerda para a direita, no sentido horário: Anchieta Medeiros, Fernando Negreiros, Segundo Paula, Honório de Medeiros e Benjamin Jr.


MUSEU LAURO DA ESCÓSSIA, EM MOSSORÓ, MANTÉM PRECIOSIDADES INACESSÍVEIS

Do O Mossoroense

museuNa última sexta-feira, 18, foi comemorado o Dia Mundial dos Museus. A data foi instituída pelo Comitê Internacional dos Museus (Icom), com o objetivo de chamar a atenção da sociedade e do público para a importância dos centros históricos. Em Mossoró, o acervo do Museu Municipal Lauro da Escóssia, o principal da cidade, está indisponível à população desde o ano 2000, época em que foi anunciada pela primeira vez uma reforma na estrutura do local, obra que só foi iniciada no mês passado. Dessa forma, muitos daqueles que desejam conhecer um pouco mais do passado mossoroense, sequer tem informações sobre o que realmente está preservado no espaço.

"É uma coleção riquíssima, por isso é uma pena que hoje o Museu, apesar de não estar totalmente fechado, disponibilize para os visitantes apenas aquele material que está exposto logo em sua entrada. Para se ter uma ideia, no Lauro da Escóssia está guardado o despacho original emitido pelo juiz que autorizou Celina Guimarães Viana a ser a primeira eleitora da América do Sul, um documento que, por não estar preservado adequadamente, não pode mais ser exposto à população", destaca o historiador Geraldo Maia.

Além do documento citado pelo historiador, outras preciosidades compõem o acervo do Museu Municipal, que está dividido entre as seguintes categorias: arqueologia, paleontologia, abolição da escravatura em Mossoró, fotografias e desenhos, cangaço, imprensa mossoroense, e ainda objetos diversos, como livros, telefones manuais, discos de cera, entre outros. "Lá está preservada a coleção de todos os jornais que circularam na cidade, como o Jornal do Comércio de Mossoró, e as primeiras edições do jornal O Mossoroense", diz Geraldo Maia.

No setor dedicado à abolição dos escravos, são encontrados elementos como os restos mortais de alguns abolicionistas, o diploma da Sociedade Libertadora de Mossoró, e ainda fotografias de ex-escravos mossoroenses. Já o material referente ao cangaço engloba objetos como uma arma deixada pelo bando de Lampião durante o ataque a cidade, em 1927, estilhaços de balas disparadas pelo grupo, e fotos dos defensores de Mossoró.
O acervo contempla também um candeeiro fabricado em 1955, uma palmatória, assim como fotos de ex-prefeitos da cidade e toda a coleção fotográfica de Manuelito Pereira, que registrou durante décadas fatos importantes da história de Mossoró e personalidades locais. Todo esse material só estará disponível novamente a população no mês de outubro, data prevista pela direção do Museu para que a reforma que está sendo realizada no local, orçada em aproximadamente R$ 300 mil, seja concluída. "Tudo que as pessoas quiserem saber sobre Mossoró está no Museu Lauro da Escóssia, e esperamos que após as obras, o público possa dispor desse rico acervo, que há mais de 12 anos está inacessível", conclui Geraldo Maia

OAB VAI DECIDIR SE FILOSOFIA DO DIREITO ENTRA NO EXAME

Com o argumento de que o mundo atual exige cada vez mais a formação de um advogado que não seja mero repetidor de leis e normas, o Colégio de Presidentes de Comissões de Exame de Ordem Unificado do Conselho Federal da OAB quer incluir, nos futuros Exames de Ordem, questões sobre Filosofia do Direito. A ideia, que ainda não passa de uma proposta, será examinada pela Diretoria da OAB Nacional na segunda-feira (28/5).

A reunião também vai definir a partir de quando a disciplina será cobrada na prova, caso a proposta venha a ser aprovada. A intenção é que sejam cobrados também conceitos de de Ética e Hermenêutica da Filosofia do Direito, conteúdos que dizem mais diretamente à formação e exercício profissional do advogado.

O Colégio tem apenas função consultiva em casos como esse. De acordo com os idealizadores, o advogado precisa ser uma pessoa que saiba interpretar as normas, caso do que cuida a Hermenêutica, e também uma pessoa que possua conduta reta e adequada, o que é tratado pela Ética.

Um total de 111.910 estudantes e bacharéis em Direito prestarão a prova objetiva (primeira fase) do VII Exame de Ordem Unificado, no próximo domingo (27/5), a partir das 14h, em 163 pontos em todo o país. As questões da etapa objetiva do Exame abrangerão as disciplinas profissionalizantes obrigatórias e integrantes do currículo mínimo do curso de Direito e, no mínimo, 15% de questões versando sobre o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/94) e seu Regulamento Geral, Código de Ética e Disciplina e Direitos Humanos. A etapa subjetiva ou prova prático-profissional será aplicada no dia 8 de julho deste ano. Com informações da Assessoria de Comunicação do Conselho Federal da OAB.

Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2012