sábado, 1 de outubro de 2011

O SISTEMA JOGA SUJO



Honorio de Medeiros


                        O pior da luta contra o Sistema é que não conseguimos individualizar o adversário. Não conseguimos identificar o responsável pela nossa ira. Não conseguimos olhá-lo no olho e lhe dizer o que ele merece escutar.

                        Lutamos contra algo amorfo, sem consistência definida, sem limites delineados, que não oferece resistência imediata e clara. Há pequenos recuos ante nossa indignação, que são apresentados pelos tentáculos do sistema – os seus operadores – e uma imediata, homogênea e difusa contrapressão como resposta ao incômodo que causamos e nós terminamos sendo manipulados e conduzidos, lenta e inexoravelmente, para o lugar que nos foi reservado.

                        Muito abstrato? Exemplifico.

Em uma instituição de ensino superior deste imenso e desgovernado País um velho e experiente professor de História das Idéias Políticas percebeu, em certo momento de desconforto profissional alusivo à “como as coisas estavam acontecendo” no seu Departamento, como quem acorda abruptamente e a realidade penetra sem rodeios sua percepção, um insidioso e ainda opaco processo de mudança nos paradigmas implícitos que governavam a Instituição. Algo sutil, mas persistente.

O velho professor já passara por algo semelhante, em sua longa carreira universitária. Sentiu que a luta era vã, sua resistência inócua, contra o processo que se instalava lentamente, mas decidiu lutar, resistir, para documentar, mesmo que somente para si, tudo quanto estava acontecendo.

“Quando tudo havia começado?”, se perguntou. “Ora, como saber?” Deixou essa questão para trás e tratou de fazer um registro e análise “positivista”, sem levar em consideração possíveis causas estruturalistas, materialistas, marxista-leninistas, do fenômeno em si. Faria o registro, pura e simplesmente dos fatos e os interpretaria a partir da própria lógica do sistema.

Recordou que longe, lá no começo, sua Disciplina, que previa 80 horas/aulas por semestre, fora reduzida para 60 horas/aula. Reduziram, também, para 60 horas/aula a Disciplina co-irmã História das Idéias Sociais. Depois, extinguiram História das Idéias Sociais e a História das Idéias Políticas passou a ser História das Idéias Sócio-Políticas, com as mesmas 60 horas/aula. De uma penada só o Sistema se livrou de vários professores.

Resolveu protestar, então. O Chefe do Departamento o escutou atentamente e se prontificou a levar sua Exposição de Motivos à próxima reunião do Conselho Diretor. Algum tempo depois, sem receber resposta do Chefe, indagou dele acerca da decisão do Conselho. Este lhe comunicou que o assunto estava despertando o devido interesse e que, inclusive, tinha sido encaminhado para a Comissão de Análise, uma instância superior, restando apenas aguardar e ter paciência.

Dias depois o velho professor recebeu formalmente, por intermédio de um Memorando, a notícia da desativação da sua linha de pesquisa. Novo protesto. Nova atitude do dirigente de encaminhar, para escalões superiores, sua queixa. Nova espera. E, como não poderia deixar de ser, nova retaliação: as decisões acerca da rotina futura acerca das relações entre professores e alunos de sua disciplina foram tomadas sem seu conhecimento, sem sua participação.

E o velho professor, no atual estado-de-coisas, ao perceber o esvaziamento profissional para o qual o encaminha o Sistema, passou a duvidar, inclusive, de si mesmo: “será que tudo isso não é o resultado da aplicação dos meios que são usados para afastar aqueles que, como eu, já estão próximos da aposentadoria, abrindo espaço para o “sangue novo” dos “inocentes úteis” que assumiam os paradigmas que lhes eram impostos com questionamentos meramente formais? Lembrou-se de uma antiga tia, professora universitária assim como ele, que se queixava amargamente, pouco tempo antes de sua aposentadoria, de como estava sendo deixada, deliberadamente, para trás em tudo que dizia respeito ao Departamento no qual estava lotada.

Como também se perguntou, muitas vezes, acerca de como o Sistema agia com outras pessoas, individualmente demarcadas, que eram seus opositores, por essa ou aquela circunstância pessoal. Lembrou-se de um amigo que encetara uma guerra solitária e inútil contra o Tribunal de Contas do seu Estado; outro às voltas com o Ministério Público Estadual; outro enredado nas malhas do Tribunal de Justiça; outro sendo massacrado, lentamente, na burocracia da Prefeitura Municipal. Por fim, outro, a quem a posição do seu Sindicato, oportunista e alienada, condenava ao isolamento. Todos vítimas, todos impotentes, todos derrotados.

“Que fazer”, perguntou-se muitas e muitas vezes. Tentar ser um predador, mesmo com os dentes gastos? Imaginar que a experiência compensa o passar do tempo e ir á luta? Ou deixar que tudo passe, sobrevivendo no dia-a-dia, sem se preocupar com o amanhã, agindo como a grande maioria age, engolindo o sapo nosso de cada hora e seguindo em frente? “Não há resposta”, concluiu desanimado. “O Sistema vence sempre”. “É mesmo seguir em frente.” “Caminhante, o caminho se faz ao caminhar”, consolava-se, enquanto a moenda prosseguia, implacável, até que nem o pó de seus ossos existisse mais. Nem o de todos os que viessem pela frente, meras peças de reposição.

Pois a idéia precede a ação, não há ação no vazio da mente, e assim emerge o sistema: uma idéia mutante, uma idéia fora do sistema anterior, fora do padrão, uma idéia que é um vírus em busca de um ambiente fértil no qual se replique, se desenvolva. Um “meme”.

Quando o primeiro ser humano cercou uma área de terra e afirmou que ela lhe pertencia, eis que surge uma idéia-mutante. Uma vez tendo surgido, e sobrevivido, atraiu outras idéias que puderam a ela se conectar, a mutação funcionando como atrator, ensejando o surgimento de uma rede. A rede é o Sistema. O Sistema é idéias e homens. O Sistema passa a se expandir na medida em que supera os obstáculos à sua expansão. Assim foi com o rock; assim foi com o futebol; assim foi com o protestantismo; assim foi, no Direito, com o Positivismo; assim foi com o cálculo integral.

Sistemas destroem Sistemas. O Coronelismo se foi; o Feudalismo se foi; o Cangaço se foi; Roma se foi; todos eles Sistemas que entraram em colapso.

Tudo há de ir, um dia. Enquanto isso, na moenda da vida, homens e idéias são triturados.

ELIANA CALMON CONTRA OS TOGADOS IMPUNES

Eliana Calmon


Publicado em 30/09/11 às 11h16 em http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/

A corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon, baiana arretada que esta semana arrostou a classe dos "bandidos togados", já não está sozinha na sua luta contra a impunidade dos magistrados que, em benefício próprio, desrespeitam as leis no lugar de zelar pelo seu cumprimento.
A boa notícia foi publicada na coluna de Mônica Bergamo desta sexta-feira:
"Racha no CNJ (Conselho Nacional de Justiça): seis de seus 15 integrantes se arrependeram de ter endossado às pressas a nota divulgada pelo presidente do colegiado e do STF (Supremo Tribunal Federal), Cezar Peluso, contra a corregedora Eliana Calmon. E devem divulgar nova manifestação para esclarecer seu posicionamento.
De acordo com vários relatos, Peluso estava muito nervoso com as declarações de Eliana Calmon de que há " bandidos escondidos atrás da toga". Chegou a bater as mãos na mesa ao discutir a nota. Por isso, ela teria sido aprovada "de afogadilho" pelos demais conselheiros".
O que tanto irritou o valente presidente do STJ e do CNJ, egresso do Tribunal de Justiça de São Paulo, o mais corporativista reduto do Judiciário brasileiro?
Em resumo, o que Peluso e seus aliados indignados com Eliana Calmon querem é tirar o poder da corregedoria do CNJ para investigar os crimes praticados por juízes, delegando a tarefa aos tribunais regionais, onde eles seriam julgados por seus pares, no cafofo do compadrio que garante a impunidade.
Peluso deve ter ficado particularmente incomodado com uma comparação feita pela corregedora, quando ela diz que "o Tribunal de Justiça de São Paulo só vai se deixar ser investigado no dia em que o Sargento Garcia prender o Zorro".
Pois é isso mesmo, como sabem todos os que não entenderam as declarações de Eliana Calmon como uma acusação generalizada à Justiça, mas apenas uma constatação sobre os abusos e privilégios de uma casta de supertogados, que se acham acima do bem e do mal.
Os donos do poder do Judiciário não admitem qualquer controle _ nem externo, nem interno. Julgam-se inimputáveis, como as crianças, os idosos e os índios. Dos 33 juízes punidos pelo Conselho Nacional de Justiça, desde a sua criação, em 2005, o Supremo Tribunal Federal já concedeu liminares suspendendo as penas de 15 deles.
É por isso que cada vez mais gente acredita que no Brasil só vai para a cadeia quem não tem dinheiro para contratar um bom advogado. Neste momento, 35 desembargadores estão sendo investigados pela corregedoria do CNJ, mas de que adianta o bravo trabalho de Eliana Calmon se depois o STF vai lá e concede liminares tornando todos inocentes?
O trabalho de Eliana Calmon é em defesa da dignidade e da credibilidade do Judiciário, e não contra os juízes honestos, que trabalham pesado e são a maioria.
"É coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias estaduais, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição".
A frase acima não é de Eliana Calmon, como pode parecer, mas do próprio Cezar Peluso, em 2005, quando ele foi o relator do processo no STF movido pela mesma AMB (Associação Brasileira de Magistrados), que agora novamente quer reduzir o poder de investigação do CNJ.
O que aconteceu para justificar esta guinada? Aconteceu que, sob o comando de Eliana Calmon, a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça está realmente cumprindo seu papel e incomodando os togados da AMB. Sob o pretexto de defender "a independência do Poder Judiciário", o que eles querem na verdade é a impunidade garantida pelo corporativismo.
Eliana Calmon que se cuide. Basta ver o que aconteceu com a juíza carioca Patrícia Acioli, que combatia a corrupção dos fardados do andar de cima da PM do Rio de Janeiro. Levar a sua missão com honestidade às últimas consequências pode ser perigoso.
Na próxima semana, teremos todos a oportunidade de saber mais sobre o que anda acontecendo nos bastidores dos nossos tribunais. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado convidou para depor a corregedora Eliana Calmon e o presidente do CNJ e do STF, Cezar Peluso. Eliana já avisou que vai aceitar o convite.

ACERCA DE "INTELIGENTES E SABIDOS", DO PE. ZÉ LUIS

Recebi do Professor João da Mata Costa o seguiste "post":

"Caro amigo Medeiros, o meu abraço fraterno.

Tentei postar um comentário no seu blog mas não consegui.

A interessante cronica postada no seu blog sobre os inteligente e sabidos , foi publicada no livro
" Apesar de Tudo " ( pp 105- 107) de José Luiz Silva ( Pe Zé Luiz)   Eureka 1983 Natal - RN .

Seria interessante que voce colocasse essa referencia para a posteridade.

Um forte abarço do amigo,

João da Mata Costa"

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

OUTRA AÇÃO GENIAL

 François Silvestre 

         Recebi hoje, do amigo e oficial de justiça Darlan Moura, mais uma citação. Da Quarta Vara Criminal, via Carta Precatória.
         Como já disse, toda Ação contra mim tornarei pública, antes da manchete de picaretagem. Não quero segredo de justiça. Só justiça.
         Sabe qual é o crime desta Ação? Deixei de responder ofícios do MP. Processo criminal. Aliás, em pesquisa recente, apenas sete por cento dos inquéritos por homicídios chegam a termo no Estado. Tempo de sobra para o delírio jurídico. E gente morrendo feito rato, em 93 por cento de inquéritos ao vento.
 Não respondi, segundo a denúncia, quatro ofícios em 2005. Para eu explicar por que não criava rampas de acesso em quatro edificações históricas de Natal. Exigindo que eu praticasse uma ilegalidade.
         Parece até brincadeira. Atravessou a fronteira do ridículo. Enquanto as ruas são propriedade da bandidagem e os cidadãos enjaulados.
         Sou um “criminoso” fácil de apanhar. Lotado em Pau dos Ferros, defendo a Fazenda Pública em dez Comarcas. Patroa de juízes, procuradores, promotores. Roubada por corruptos e esbanjada por holofotes. Percorro as dez Comarcas no meu carro particular. O Estado não me paga um copo de gasolina.
         Restaurei o Palácio da Cultura, que nunca mereceu a preocupação do MP. Recuperei o Forte, com acesso e estacionamento, rebocos e retelhamento. Iluminei-o de forma exuberantemente bela. Com material de primeira. Mas não poderia criar rampas de acesso para deficientes e idosos, por impedimento legal.  
         Desafio o promotor a descrever, por dentro, o Museu Café Filho. Nunca foi lá. Nunca vi um desses promotores prestigiando ação cultural do Estado.
         Todas as edificações objetos da determinação “genial” estão sob legislação vigente de Tombamento do Patrimônio Cultural e Artístico. Basta ver a lei.  
         Se eu fizesse isso seria processado pela outra parte do MP. A que cuida da legalidade do patrimônio ou a que cuida das licitações. Como a FJA possui uma Coordenação de Obras; com Engenheiros, arquitetos e mestres de obras, eu faria tudo com dispensa de licitação. Fiz muita coisa assim. E fui processado noutras ações pelo que fiz. Esse agora é um processo pelo que não fiz. Nunca se fez rampa no Forte.  Nunca se fará. Ele é mais antigo do que Natal.  Quem quer ser levado a sério precisa agir com seriedade. Só faltou um ofício exigindo que eu fizesse um surdo de nascença ouvir o concerto da Orquestra.
         A molecada tá fazendo vestibular pra Direito a torto e a direito. Vocação jurídica? Só sendo! Olho nos salários e vantagens. Grana gorda!
         Temos segurança pública plena. Saúde pública exemplar. Educação pública de fazer inveja à Suécia. Promotores serenos e longe dos holofotes. Verdade? Ou isso é fantasia da ilha de Sancho Pança? Té mais.

SAUDADES DO CARIRI CANGAÇO

João e Severo


João de Souza Lima

o Cariri Cangaço é algo dificil de se explicar, para quem participa é duro encontrar palavras para expor a satisfação de ter estado nesse encontro ou talvez as fotografias, como provas incontestes,  consigam  compor um pouco desse quadro.

 O evento é na realidade um encontro de amigos, pessoas que realizam suas pesquisas, suas buscas e suas descobertas e no exato momento do Cariri Cangaço explanam suas impressões, discutem seus erros e acertos, ajustam suas dúvidas, defendem suas razões.

As vezes as discussões são acirradas, ásperas, uma quase batalha "NAS CAATINGAS DA PESQUISA HISTÓRICA", em cujas plagas o guerreiro transfigura-se em um Mandacarú imponente, brava árvore nordestina que não se abala ante as intempéries que o cercam e as vezes parece o caboclo sertanejo de braços voltados aos Céus clamando a Deus um pouco de água.

O Cariri Cangaço é a expressão maior da arte diversificada dos fatos históricos do meu sertão nordestino e ele está nas pequenas impressões que colhemos: está no sorriso da Nely, na educação carinhosa de Honório de Medeiros, no amor de Manoel Severo, na visão divina de Marcos Passos e seu fiel escudeiro Felipe Passos, na fidelidade de Ângelo Osmiro, na longa caminhada de Antonio Amaury e na epressão ajustada de Alcino Alves Costa, na voz inconfundível de Barros Alves, na gentileza de Geraldo Ferraz,  na felicidade de Ivanildo Silveira, no silêncio contagiante de Kiko Monteiro, na recepção acertada de José Cícero, na inteligência de Renato Casimiro, na presença de Narciso, no barulho eterno de Paulo Gastão e seu discipulo Vilela, na elegância de Pedro Luis, na companhia de Tomás e Afrânio Cisne, na amizade de Reclus, na sensibilidade de Wescley, na educação de Bosco André, nas letras de Pereirinha, no amor de Juliana e Júlio Schiara, no silêncio do Bonessi, nas imagens de Aderbal, nas imagens eternas de Ricardo Alburqueque, na fala de sabino Basseti, nas bombas desativadas de nosso BIN LADEN, na saliência de Lívio, na presença contagiante de  Wilson Seraine, no conhecimento de Múcio Procópio, na participação de Archimedes, na sombra de Aninha, na perseverança do Comendador, na participação de Jairo, Cacau e Inácio Loiola e no pelotão pauloafonsino Gilmar, Rubinho, Alcivandes, Voldi e  Luiz.

O Cariri Cangaço é a expressão maior na discussão da arte Nordestina, é a lembrança do passado como inclusão social no conhecimento do presente e na divulgação pontual desses fatos relevantes que fazem parte da historiografia brasileira.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

NO PÈRE LACHAISE



Honório de Medeiros

Père Lachaise. Tarde de frio, vento, e neblina. Tudo cinza, como convém a um cemitério. Ninguém à vista, exceto duas mulheres que se dirigem a mim e me perguntam se lhes posso informar onde está sepultado Azzis, “Le philosophe Azzis”. Peço-lhes que me perguntem em inglês. “Não, desculpem-me, não sei”, lhes respondo, enquanto me censuro por minha ignorância. Elas se vão. Cochicham. Que dizem entre si? Admiro-lhes o talhe discreto, a beleza madura, o andar elegante, até mesmo os guarda-chuvas, empunhados como complemento, não como proteção.


Tento decifrar o mapa do cemitério para me pôr em marcha batida na busca dos meus mortos queridos. Começo. É um alumbramento. Paro aqui, paro ali, paro acolá. Em cada canto, a história. Túmulos de grandes homens ou mulheres disputam espaço com anônimos. Enterneço-me com uma lápide solitária pousada no chão e rodeada de flores murchas. Foi recente o sepultamento, percebe-se. Em um canto, solitário, um ursinho de pelúcia cumpre a dura tarefa de velar o morto e lhe render as últimas homenagens que alguém – uma mulher? - lhe destinou. Fotografo.


Sigo em frente. Ofereço as flores que carrego comigo a Honoré de Balzac. Rezo, não, converso com ele. Pergunto-lhe por Alexandre Dumas e lhe digo de minhas manhãs, tardes e noites, quando ainda menino, quase adolescente, preenchidas pela genialidade de ambos. Vou mais além, homenageio Oscar Wilde, e enquanto começo a prosseguir, me assusto com alguém que surge de repente, como uma aparição, ao meu lado, e cruzando o braço esquerdo sobre o peito, eleva o direito à face escondendo-a com a mão e se coloca em um isolamento absoluto em relação ao resto do mundo. Quais seriam suas orações?


A tarde cai lentamente. Breve anoitece. Tenho que ir, embora não deseje. O instante é mágico. Olho para todos os lados e não vejo ninguém. Sento em um banco às margens de uma das vias principais do Pére Lachaise, protegido por uma árvore frondosa, e me lanço em uma divagação sem nexo, constituída de fragmentos do passado, na qual estou em plena madrugada, deitado de costas e olhando alternadamente para a torre da igreja por trás de mim – a Igreja de São Vicente, em Mossoró? - e para as estrelas logo acima, enquanto meus amigos conversam ao lado, e estou também em Paris, olhando aquele céu cor de chumbo, molhado, sem que ninguém dê conta. Lá, eu sou adolescente. Aqui, adulto. Em ambas as situações uma angústia metafísica por não conseguir entender tudo que me cerca, tudo que me envolve, tudo que eu sou.


Vou embora. Os passos ressoam no silêncio das alamedas. Aproximo-me da entrada. Cumprimento a guarda, que responde mecanicamente. Chego à rua. A Paris cheia de bulício vem ao meu encontro. Paro ligeiramente atordoado. Sigo, então, enquanto tento guardar as cores, os cheiros, as sensações, os fatos. O cemitério fica para trás. É noite e os vivos passam, ligeiros, enquanto os mortos dormem.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

REUNIÃO DO GRUPO DE ESTUDO DO CANGAÇO, CORONELISMO E MISTICISMO DE NATAL

ATENÇÃO!

PRÓXIMA REUNIÃO DO GRUPO DE ESTUDO DO CANGAÇO, CORONELISMO E MISTICISMO DE NATAL SERÁ NO DIA 4 DE OUTUBRO, ÀS 19:00 HORAS, NA ACADEMIA DE POLÍCIA, NA ALEXANDRINO DE ALENCAR.

QUALQUER INFORMAÇÃO PELO E-MAIL HONORIODEMEDEIROS@GMAIL.COM

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A PEDAGOGIA DO ESPETÁCULO

catablogandosaberes.com.br


Honório de Medeiros


                        Ouço, muitas vezes, elogios feitos à capacidade de um professor ou palestrante de prender a atenção da platéia à custa de piadas, gracejos, histrionismo, até mesmo do que se convencionou denominar “perfomances’. Estas últimas abrangendo trejeitos, mugangas, interpretações corporais...

Quando isso ocorre sempre me lembro da história de um debate na área do Direito no qual um dos debatedores, um dos ícones do nosso ensino jurídico, após assistir, perplexo, durante um longo tempo toda a sorte de bizarrices encetadas por um seu colega no afã de levar os ouvintes à diversão, iniciou sua participação comunicando, secamente, aos estudantes, que “ali estava para os levar a pensar, não para diverti-los”.

                        Penso que essa é a missão do professor, palestrante ou conferencista: atrair e, se possível, até mesmo galvanizar a inteligência dos ouvintes, por intermédio da forma e do conteúdo do seu pronunciamento dirigido à razão. Assim foi desde a Grécia de Demóstenes, passando pela Roma de Cícero, a Idade Média de Bossuet e Massilon, até os dias de hoje, quando reverenciamos Churchill e Martin Luther King, em todos os lugares, enfim, onde o respeito pelo saber e por aqueles que o honram se constitui em diferencial de civilização.

Pois bem, no Brasil, guardadas as exceções de praxe, prepondera o populismo pedagógico, ou seja, a concepção de que é a vontade da platéia, ávida por diversão, que deve balizar a forma da exposição do professor, ou palestrante. Quanto mais divertido o expositor, mais concorridas suas participações, ao ponto de aulas, ou palestras, se transformarem em verdadeiras sessões do humorismo que se convencionou denominar “stand up comedy”.  

                        Essa prática de chamar a atenção divertindo, aparentemente válida na infância, levada a cabo ininterruptamente, conduz a uma conseqüência funesta: ao interromper a linearidade da argumentação – quando há - predispõe a mente, por si só tendente à agitação, a perder o foco, a concentração, a capacidade de apreender o todo e suas implicações na argumentação proferida, a se deter no episódico, no fragmentário, no superficial.

                        Aliás, disciplina intelectual é um verdadeiro anátema no ambiente acadêmico de hoje em dia. Não se lê, não se escreve, não se fala dentro dos padrões que a lógica da argumentação impõe. Não é a ditadura da regra gramatical que se quer; é a lógica da argumentação e a argumentação lógica. Não é a camisa-de-força das regras ortográficas que se deseja obedecer; é a linearidade do raciocínio e o raciocínio linear. Não é à técnica da língua a quem devemos nos submeter; é à clareza do pensar e ao pensamento claro.

                        Não há, hoje, no geral, quando deveria – e muito – haver, rigor intelectivo, disciplina de pensamento, lógica argumentativa. Há espasmos intuitivos, logorréia superficial, pensamento fragmentado. E, em muito contribui para essa realidade, a “pedagogia do espetáculo” e a incapacidade do ouvinte em firmar sua atenção no que lhe é dito.



A rigor, nas universidades brasileiras, os estudantes são tratados com o mesmo método de ensino utilizado em sua meninice: gincanas, júris simulados, aulas-espetáculos, tudo vale a pena para se passar a idéia de que o aluno participa diretamente do processo de aprendizagem. É uma equação sinistra: quanto mais se opta pelo espetáculo, que privilegia os sentidos, menor o desenvolvimento da capacidade de concentração, da disciplina da razão. Não por outra causa essa tendência amplia a quantidade de textos mal escritos e de pronunciamentos mal alinhavados, todos resultantes da incapacidade de se pensar com clareza.

                        A lição do passado está aí, para quem souber apreendê-la a partir das pesquisas especializadas: sem disciplina intelectual e física, não se chega a lugar algum.



COMENTÁRIO DO AUTOR:



Após a publicação do texto acima, recebi a seguinte postagem do Prof. Dr. Gilson Ricardo de Medeiros Pereira, autor de "Servidão Ambígua - Valores e condição do magistério":

  
"Olhe, Honório,

concordo com tudo. Ontem mesmo, na abertura dos trabalhos (após a greve) do nosso Grupo de Pesquisa Ateliê Sociológico Educação &Cultura, eu afirmei algo semelhante. Disse que esperava que os orientandos se expusessem, pois quanto mais a gente se expõe, mais proveito tira da discussão; e disse ainda, na esteira de Bourdieu, que a exposição de um trabalho de pesquisa é o oposto imediato de um show, no qual as pessoas se exibem, procuram ser vistas e, com isso, procuram mostrar o que valem no mercado. Esta precaução, num grupo de pesquisa, é importante para combater a idéia exaltada do pesquisador como gênio inteligente e a pesquisa como procura algo mística das razões últimas das coisas, ou, pior ainda, a pesquisa como truque de predigistador. O trabalho artesanal de pesquisa que desenvolvemos incorpora uma ética propriamente científica voltada ao cultivo daquela modéstia que só os que sabem que nada sabem possuem - para lembrar o velho Sócrates.
Parabéns pelo texto, num momento em que a papagaiada performática substitui o trabalho conceitual - paciente, duro e muitas vezes indigesto.abração, gilson."

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A GRANDE CONSPIRAÇÃO EVIDENCIADA

Bruno Lima Rocha é cientista político

(www.estrategiaeanalise.com.br / blimarocha@gmail.com)

A história aqui narrada é uma autêntica causadora de “comportamento de manada”, quando centenas de investidores seguiram os passos de agentes econômicos com projeção de força em nível planetário, e resolveram por simplesmente, quebrar um país. No caso, a Grécia.

Vazara por algumas publicações espanholas – como o diário Publico e jornais sindicais – que no dia 8 de fevereiro de 2010, no endereço localizado no número 767 da 3ª Avenida, em plena Nova Iorque, houve uma reunião de notáveis “jogadores vorazes” do mercado de capitais.

Ali se combinou de comum acordo, desvalorizar o euro e romper o que restara da coluna vertebral da Grécia.

Nesse episódio, cujo local físico era a sede da Monness, Crespi e Hardt (empresa que opera através de uma subsidiária da Goldman Sachs) estavam presentes, dentre outros operadores financeiros em escala planetária: Aaron Cowen, representante da SAC Capital Advisors, empresa fundada por Steven A. Cohen e que maneja 16 bilhões de dólares em fundos de investimento; David Einhorn, da Greenlight Capital, participante do ataque derradeiro a Lehman Brothers ocorrido no outono de 2008; Donald Morgan, da Brigade Capital, cuja mensagem organizacional ressalta que, dentre seus produtos incluem-se ativos tóxicos ou papéis podres; além de, obviamente, um representante do Fundo Soros.

Teria sido nessa noite do inverno na América do Norte quando se combinou, de forma orquestrada, um ataque aos papéis gregos.

Asseguro que não se trata de evento ocasional e menos ainda de teoria conspiratória. O que de fato ocorre são reuniões periódicas, desta envergadura, incluindo outro encontro semelhante, datado em plena quebradeira fraudulenta do segundo semestre de 2008.

Tais fatos são corroborados em documentários como “Capitalismo, uma história de amor”, de Michael Moore; e “Trabalho Interno”, de Charles Ferguson. Ora, se as reuniões são freqüentes e trata-se de informação privilegiada, porque a mídia especializada não as cobre, uma vez que tem acesso parcial? O acobertamento midiático dá-se por aí.

O Wall Street Journal deu uma nota apagada ao evento, vindo a publicar algo somente em sua edição de 26 de fevereiro de 2010. Em plena era digital, o portal de economia de Rupert Murdoch (controlador do conglomerado NEWS CORP) tarda 18 dias para dar uma informação estratégica para o futuro de mais de 11 milhões e duzentos mil cidadãos gregos.

Depois dessa, será que alguém ainda acredita em balelas como “equilíbrio ótimo” ou “racionalidade dos mercados”?!

LANÇAMENTO DE "REGIONALISMO SERTANEJO", DE RUBERVÂNIO RUBINHO LIMA


Regionalismo Sertanejo, livro do escritor pauloafonsino Rubervânio Rubinho Lima, terá também presença no maior evento sobre cangaço e estudos culturais relacionados ao Nordeste, o CARIRI CANGAÇO 2011.

O livro conta com textos que percorrem por aspectos da literatura em que autores consagrados do período denominado como Regionalismo de 30 é vivido, além também de apontar que, mesmo muitos anos após esse movimento literário regionalista, alguns autores do presente também tratam das mesmas temáticas, o que aponta a resignificação de temas como coronelismo, seca, cangaço e muito mais.

Rubervânio Rubinho Lima é um jovem escritor pauloafonsino que acaba de lançar mais um livro. O primeiro foi “Conversas do Sertão”, uma coletânea de contos lançada em 2009. O título já indica a clara opção do escritor pelo regionalismo literário. Histórias do povo do sertão, sua fala, vestuário, medos, alimentação, tudo aquilo que chamamos de cor local. Agora Rubinho nos brinda com “Regionalismo sertanejo”, uma coletânea de quatro estudos sobre seu assunto preferido. A sequência dos livros deixa clara sua paixão pelo tema. O autor de literatura regionalista resolve estudar sua própria linha de trabalho.

Em pauta a atualidade da literatura regionalista, suas origens e alguns dos nomes mais conhecidos do estilo. O regionalismo surge como afirmação da região, de suas particularidades, em relação ao conjunto da nação. É uma das manifestações da literatura moderna. O auge do regionalismo na literatura se dá entre os anos 30 e 50. Graciliano Ramos, Jorge Amado e José Lins do Rego são alguns dos nomes mais conhecidos. Uma das características principais desta literatura é a denúncia dos problemas sociais da região: a seca, a fome, a sede, os desmandos das elites locais, além de temas como CANGAÇO, Coronelismo, etc, são revividos. Na visão de Rubinho a vigência destes flagelos sociais ainda nos dias de hoje provoca a atualidade deste tipo de literatura.

SINOPSE DO LIVRO

Estudos que percorrem por alguns aspectos ligados ao período do Regionalismo, iniciado no fim da década de 20 e início de 30. Essa literatura trouxe uma linguagem seca e ríspida, apontando um novo realismo, inspirado pelas primeiras obras a retratarem o sertão, a seca, o banditismo, o coronelismo, o messianismo, no período do Modernismo. Autores como Graciliano Ramos, Lins do Rego, Jorge Amado, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, formam o elenco dos escritores que trataram das temáticas regionalistas, seguindo uma linha de realismo crítico e representando os problemas do Brasil daquela época. Além disso, também trata de autores atuais que, através do uso de temáticas abordadas no período do Regionalismo de 30, tais como Cangaço, seca, coronelismo, ressignificam essa literatura.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

"SEO" CHICO PIU E A TEORIA DA EVOLUÇÃO



Honório de Medeiros

                   Não fossem as fotografias guardadas com muito carinho, nas quais um Honório de Medeiros aparece magro e sorridente, sem rugas e cabelos grisalhos, as lembranças daquele mágico passeio a cavalo, eu e Silvério Crestana, até a fazenda de café de “Seo” Chico Piu, serra acima na área rural de São Carlos, interior montanhoso de São Paulo, tudo seria apenas borrão na minha memória, algo como um filme antigo, com paisagens e pessoas esmaecidas pelo tempo. Pego-as e sorrio, sempre. Depois, um toque de amargor toma conta do espírito e lamenta a juventude passada, os amigos que se foram, os sonhos desfeitos, as promessas não cumpridas, os amores perdidos. “C’est la vie”, diriam os franceses.

                   Naquela tarde conheci “Seo” Chico Piu, homem sob todos os aspectos singular. Em primeiro lugar vivia quase recluso, lá no seu pé de serra. Raras vezes descia à cidade. Bastava-lhe, para viver bem, estar pisando descalço sua terra rica e roxa, cercado por sua gente, que lhe margeava como uma tribo ao seu cacique. “Seo” Chico era baixo, moreno gretado pelo sol, de braços e pernas fortes, espadaúdo, e com uma face como que esculpida em bronze, com traços muito demarcados. Mas o que impressionava eram seus pés. Estes, de fato, se viram sapatos, ou mesmo chinelos, foi em tempos muito idos, segundo suas próprias palavras. Eram verdadeiros cascos, endurecidos por todos os invernos e verões aos quais “Seo” Chico os havia submetido. Segundo nos contou, e sua família confirmava, descia descalço até mesmo para a cidade, onde raramente ia. E, nos pés, não sentia frio ou calor, não era sensível à água ou à rocha mais dura.

                   “Seo” Chico era homem de pouca conversa quando no trabalho ao qual se entregava como qualquer um dos seus trabalhadores. Junto a eles, colhia o café, batia, ensilava, ensacava, derrubava as reses, ferrava-as... Um maestro em pleno exercício de sua arte, cegamente obedecido por seus músicos. Um general a conduzir seu exército com doçura, mas com firmeza. Era, basicamente, dono de cafezais e de rebanho leiteiro, que se espargiam serra abaixo, tendo a Casa Grande como epicentro. Vivesse no Sertão nordestino e nele tivesse aquela terra e todo aquele gado seria um homem de posses, por assim dizer.

No final de uma tarde como aquela, no entanto, tempo esfriando ligeiro indicando noite gelada a chegar, visita no pátio da casa grande e rústica, a sisudez era deixada de lado e o café forte e a aguardente feita sob sua própria orientação lhe iluminavam o semblante e abriam seu coração e mente originando conversas recheadas de casos passados e argutas observações acerca da vida, dos homens e das coisas.

                   Mas tudo que é bom dura pouco.

                   Com a chegada da noite veio a hora de voltar sob a fria luz da lua, a passo leve, nas trilhas estreitas, para manter a compostura e a possibilidade de se envolver com a beleza da serra sob o luar.

Tomamos o último café, bebemos a última caneca de cachaça e ele, se despedindo, bateu na anca da mula que me conduzia, apontou para mim e para si próprio, e como que refletindo, me disse para guardar comigo que o tempo havia lhe ensinado ser a vida, acerca da qual tanto havíamos falado, como uma serra de onde cada um descia na justa medida em que outro subia lhe tomando o lugar.

Dito isso, me lembrou que “seu pensamento” se tratava de um presente, assim como a garrafa da mais pura cachaça de sua moenda que me passou às mãos, deu um passo para trás, ajeitou o casaco de lã por sobre os ombros tocados pelo sereno da noite e lá ficou, a nos observar partindo, com seus pés indiferentes à temperatura que caíra bruscamente e, com certeza, desconhecendo meu conhecimento sorvido dos livros acerca da teoria da evolução que diziam, de forma muito pomposa e circunspecta, aquilo que ele concluira somente observando, no seu pé de serra, a vida passando ao largo.    

O QUE É QUE ESSA TERRA TEM?

(Imitação burlesca do samba "O que é que a baiana tem",

de Dorival Caymmi


O que é que essa terra tem?

O que é que essa merda tem?


Tem muito poeta, tem!

Tem bardos de beco, tem!

Tem erva do diabo, tem!

Tem craque na rua, tem!

Tem coca sobrando, tem!

Ricaço roubando, tem!

Tem muito veado, tem!

Piranha na esquina, tem!

Tem fome e miséria, tem!

Mas como os ladrões vão bem!


Se você for reclamar

Você se fode - é o fim,

Você se fode – é o fim,

Você se fode – é o fim...


O que é que essa terra tem?

O que é que essa bosta tem?


Tem mil faculdades, tem!

Fudendo no preço, tem!

Formando analfas, tem!

De seis em seis meses, tem!

Doutor pra caralho, tem!

Cultura fraquinha, tem!

Mamata os governos, têm!

Tem muito otário, tem!

Aqui, não se fode bem!

- O que é que essa terra tem?



Só vem a Natal que tem

Uma promessa de ouro,

Uma maleta assim.

Quem não tem um pistolão

Não se queixe a mim.

Um sabichão de foro

Uma fome sem fim

Quem não tem um pistolão

Quem não tiver a fim

Oi, vai fazer pantim,

Oi, vai fazer pantim.

Uma bruaca de ouro

E um canalha ruim.

Quem não tem um pistolão,

Oi, vai dançar no fim.

Oi, vai dançar no fim...


Laélio Ferreira

Natal/set/2011

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O PRIMEIRO A EXERCER A TIRANIA SOBRE OUTROS HOMENS

nimrod-palace.jpg



"Filho de Cus e neto de Cam, filho de Noé, Nemrod (há também em português a forma Nimrod, que parece mais correta em relação à origem hebraica) foi o fundador da Babilônia, segundo o Gênesis (10, 8-12). Era um homem valente, 'robusto caçador diante do Eterno'. Foi o primeiro a exercer a tirania sobre outros homens. Contos árabes e persas fazem dele o centro de muitas lendas."

OS INTELECTUAIS NA IDADE MÉDIA; LE GOFF, Jacques.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A POESIA VIROU PAGODE



Franklin Jorge


Escrevendo certa vez, em circunstância jornalística, disse o critico Jayme Hipólito Dantas, dos nossos escritores, que não costumam exercer o direito à crítica, corroborando dessa forma para a consolidação de um perfil do intelectual como um provinciano tímido e alienado das provocações proporcionadas pelo acicate da realidade.

Realmente, se nos detemos para verificar se são justas ou não as suas palavras, deparamo-nos com um quadro que deixa muito a desejar, seja no exame direto das obras aqui produzidas seja nas páginas do próprio jornal, quando chamados a opinar ou discorrer sobre os fatos, mostram-se os nossos escritores superficiais ou indiferentes às questões que dizem respeito ao pleno exercício da cidadania. O resultado é um caldo ralo e insípido, a delatar a pobreza de idéias e o descomprometimento em relação à sistemática da história e aos próprios mecanismos literários.

Contam-se nos dedos, portanto, entre os nossos autores, aqueles que parecem dispor de um acervo de idéias e do conhecimento necessário à produção de uma obra que extrapole os limites do anedótico e do charlatanismo literário, sempre tão presentes em uma produção que excede em diletantismo e numa cultura insuficiente que prospera diante da apatia e do absenteísmo de editores que se escusam de exercer plenamente o seu papel, no sentido de proporcionar ao leitor, sob a forma de um texto bem escrito e concatenado, a originalidade do enfoque capaz de fazê-lo interagir com o autor.

A verdade crua e seca nos diz que os nossos escritores evitam opinar, a não ser que o faça como louvação, para não sofrerem contestação, posto que sabidamente ninguém desmente elogios, especialmente num âmbito que se faz notar pela elefantíase de egos inflados como balões de aniversário de kids.

Nota-se, com raras exceções, a dificuldade com que se depara o escritor ao escrever em prosa, uma prova das mais difíceis, pois ao contrário da poesia costuma expor mais claramente as deficiências de um talento limitado à serviço de uma cultura geralmente precária, pois adquirida às pressas e de qualquer jeito, com o intuito de se fazer notar mais pela aparência do que pelo conteúdo; mais pelo excesso de autoconfiança do que pelo estilo que distingue o homem de letras daquele que não o é.

Daí a proliferação de poetas, ou seja, de pessoas de sensibilidade que se iludem com a facilidade com que o verso acode ao chamamento da vaidade, sem consideração pelas exigências do aprendizado que se faz sob o circulo da lâmpada, na solidão e no silêncio. Prova-a a existência de uma sociedade de poetas que, sozinha, conta com mais de quinhentos associados. Fazem parte daquele famoso grupo identificado por Machado de Assis, se não me engano em “Esaú e Jacó”, que possui sensibilidade, mas carece de talento; ou seja, sente, mas não sabe expressar…

Toda essa pagodeira me faz lembrar o Sylvio Romero, um dos mestres de Cascudo, que dizia ser a pobreza intelectual de um povo proporcional ao número de seus poetas. Levando-se em consideração o eminente polígrafo, em relação àqueles que versejam entre nós, estaríamos inapelavelmente no mais baixo patamar da cultura.