Barcelona, 26 de dezembro de 2014.
"Sapere Aude"
Barcelona, 26 de dezembro de 2014.
* Honório de Medeiros
@honoriodemedeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
Antônio Gomes pousou a xícara de café no pires e me disse que "a arte de lavar louça pode ser mais complexa do que se imagina".
"Primeiro, porque a forma como a lavamos diz muito a nosso respeito; segundo, porque se analisarmos a lavagem, em si, nosso método, descobrimos meios mais eficientes de fazermos qualquer coisa que queiramos fazer".
Ele me confessou que lava sua louça escutando uma playlist de sinfonias previamente montada. "As mais bonitas, em minha humilde opinião".
Depois dessa conversa, nunca mais lavei a louça como antes. Fico olhando desconfiado para aquela pilha de pratos e panelas e me perguntando o que ela quer me ensinar...
D. Adélia Prado. Imagem: @jornalrascunho
* Honório de Medeiros
@honoriodemedeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
Madame, beijo suas mãos e me sinto honrado em partilhar este nosso quintal com a senhora.
Muito obrigado pela leveza, simplicidade, pureza dos seus versos lindos.
É tão bom partilhar o mundo com quem se emociona com a sinfonia da chuva tamborilando no chão!
Assim como a senhora, "eu quero depois...eu quero o tempo inteiro" esse "viver de novo, a ressurreição", o pão compartilhado por todas as mãos.
Deus lhe abençoe.
Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros
O Sertão é assim: uma secura medonha, nuvens poucas no céu, o mato ralo e seco, um sol de lascar o cocuruto, preás, mocós e cascaveis correndo nas lajes, um ou outro gavião pairando lá em cima, voando rasante, mas quando chega o por do sol, os sabiás e cabeças-vermelhas se recolhem, o rasga-mortalha se assanha, os juritis começam seu canto e os chocalhos do gado ecoam nos currais, vai chegando a hora da coalhada, então uma melancolia suave se espalha pela imensidão, o vivente se esquece de tudo e uma certeza chega forte: ali é seu lugar, seu chão, sua pátria...
Cerro Corá, Serra de Santana, Colina dos Flamboyants, 22 de junho de 2024. Longe, ouço a Novena de São João Batista, na voz do pároco. Logo mais, o leilão, tradição sertaneja antiga, seguido de um forró pé de serra legítimo, com sanfona, zabumba e triângulo, enquanto o Galego da Serra prepara, em sua imensa tina, para todos verem, o queijo de manteiga que lhe rendeu premiação na França. Uma mesa, imensa, comportará mugunzá, canjica, pamonha, bolo preto, bolo da moça, pé de moleque, dadinhos de tapioca com geléia de pimenta e assim por diante, tudo arte de Jane Silva, incomparável. Celebraremos a amizade, os afetos, os laços de família: é o que esperamos, tudo sob a proteção de São João, a quem invocamos a benção, proteção, e a abertura dos caminhos que queremos percorrer. Saudade de meus filhos, tão longes, e de minha irmã...
Honório de Medeiros
(honoriodemedeiros@gmail.com)
Seu Antônio de Luzia continua firme e forte no Sítio Canto, Serra da Conceição, como teima chamar sua Martins, onde nasceu, lá pelos idos de trinta para quarenta, ninguém sabe ao certo, e ele muda de assunto quando se toca no tema.
* Honório de Medeiros.
Dia cinzento. Prédios cinzentos. Rue de Granelle. Paris. Sigo por Saint-Germain-des-Prés-Prés, a passos hesitantes. Abril de 2009. É o mais cruel dos meses, disse Elliot em célebre poema. Talvez seja. Nasci em abril. Vou andando entre absorto e distraído. O pensamento voa, mergulha no passado distante. Sou adolescente, e, deitado na rede, livro de Dumas pousado no peito, sonho com uma Paris medieval, onde os mosqueteiros do rei defendem a rainha das astúcias ciumentas do cardeal Richelieu. Ah, Dumas. Percebo um mendigo. Não parece, não olha os passantes, não pede, mas a tigela pousada no papelão, à sua frente, não o nega. Seus olhos não desgrudam do livro, grosso e novo. Não consigo perceber o título. Deixo-lhe algumas moedas. Agradece, sem me olhar. Sigo em frente. Paris, Paris, onde andará esse mendigo, os mosqueteiros, a bela Ana de Áustria e o cardeal Richelieu?
* Honório de Medeiros
Père Lachaise. Tarde de frio, vento, e neblina. Tudo cinza, como convém a um cemitério. Ninguém à vista, exceto duas mulheres que se dirigem a mim e me perguntam se lhes posso informar onde está sepultado Azzis, “Le philosophe Azzis”. “Não, desculpem-me, não sei”. Elas se vão. Cochicham. Admiro-lhes o talhe elegante, a beleza madura, até mesmo os guarda-chuvas.
* Honório de Medeiros
Enquanto a tarde se fazia noite nas quebradas da Serra Verde, pelas bandas da Serra de Santana, no Seridó, e se ouvia, longe, o canto melancólico do Juriti sob o manto cinza de uma chuva miúda, puxávamos conversa, eu e Genilson, com Seu Sebastião Bento, noventa e nove anos nos couros, como dizemos no Sertão profundo.
Ele nos dava notícias de sua gente, espalhada pelos quatro cantos do mundo, talvez uns vinte e tantos filhos, somente três casamentos, porque não se dera ao gosto de aprender a dançar, tal qual seu filho Geraldo, vaqueiro e dançarino respeitado nas redondezas.
O feijão branco, largado no chão e esperando debulhe, bem como a garrafa de pitu, carinhosamente guardada no canto do banco de madeira, ao alcance da mão, escutavam a história.
Nascera lá mesmo, naquele recanto, e os anos, muitos, se passaram velozes, mas ainda sobrava energia para cuidar do gado solto na revença do açude, e da roça de milho. A voz rouca, marcada pelo tempo, faz um contraponto sutil com o canto das cigarras e pássaros que saudam a noite vindoura.
Dou fé, disse a ele. Eu o vira surgir afastando o mato com sua bengala singela, enquanto tomava o rumo de casa em busca da lapada de cana que espalharia o sangue, antes da coalhada com raspa de rapadura.
Depois, tomamos rumo em busca do por de sol ao som do canto triste do Juriti. Quanta beleza ignorada pelos homens. Quanta solidão naquele mundaréu de Deus...
Voltamos.
Dia seis de abril, onde estivermos, vamos homenagear seus cem anos, Seu Sebastião. Ô meu filho, eu agradeço muito essa visita e consideração.
Fique com Deus, Sal da Terra, eu lhe disse enquanto apertava sua mão, dura e áspera como uma rocha, me lembrando de São Mateus.
Voltarei.
Longe, as serras. Acima, nuvens carregadas de chuva. O verde da mata. A estradinha de terra vermelha rasgando o chão. A água do açude. A árvore onde araras fizeram pouso. O perfume do ar carregado de umidade. Vou amarrar minha burra choteira aí, nesse presente de Deus. Eu e minha amada. Numa casinha simples, alpendrada, onde a passarinhada faça pouso, e, de noite, um ou outro saci venha pitar, quando for lua cheia...
Tão antiga era a relação de Padre Sátiro com meus pais, comigo, e minha irmã Emília, que começou antes que eu nascesse.
Sátiro assumiu a capela de São Vicente em 1956. Eu nasci bem dizer ao lado da igreja, em 1958.
Minha mãe foi diretora da Escola 13 de Junho - criada por ele - ali na esquina da Rua Dr. Francisco Ramalho, a partir de sua instalação até quando adoeceu. Administrou a capela e integrou eu coro anos a fio; meu pai foi seu financeiro e lá serviu como Ministro da Eucaristia.
Até vir para Natal, em 1974, e desde o primeiro ano primário, tive Sátiro como Diretor e várias vezes professor.
Menino, junto com meus amigo de infância, brincamos todos os dias, chovesse ou fizesse sinal, no patamar da capela, destruindo os jardins que ele mandara plantar , o que nos custava infindáveis "carões" memoráveis quando éramos encontrados no Diocesano.
Não brincávamos, apenas. Lembro bem de Marcos Porto e eu, meninos, balançando o turíbulo sob nuvens de incenso, nas anuais noites da novena de Santo Antônio que ele oficiava, cujo hino ainda sei de cor.
Bem depois, em um gesto de grande carinho e delicadeza, abriu a capelinha do Colégio Diocesano para celebrar meu casamento.
Por fim, estava presente, solidário na dor, encomendando os corpos de Seu Chico Honório e Dona Aldeiza Sena, quando de suas mortes.
Mas a lembrança que sempre permanecerá comigo, foi a imagem dele rezando um terço, de cabeça baixa, sentado próximo ao altar da capela, em frente ao caixão no qual meu pai recebia as despedidas definitivas.
No final, fui cumprimentá-lo. Ele olhou para mim e disse: "você perdeu o pai; eu, um grande amigo".
Adeus, Sátiro. Ou até algum dia.
Boa noite! Saúdo os integrantes do Instituto Cariri Cangaço, Instituto Câmara Cascudo, UNI-RN e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, assim como todos os outros participantes deste evento.
Historiador, jurista, antropólogo, etnólogo, folclorista, sociólogo, memorialista, crítico literário, biógrafo, filósofo, cronista, romancista, poeta, ensaísta, bastaria “Civilização e Cultura”, que completou 50 anos em 2023, para colocar Câmara Cascudo entre os grandes pensadores nordestinos.
É pouco, porém, para tão
grande obra, ampla, profunda e complexa. Ele congrega tudo isso e muito mais.
Pela intensidade, quantidade e qualidade de sua produção intelectual, ele é,
sem sobra de dúvidas, um dos maiores pensadores brasileiros.
Cascudo é um oceano.
Considero
singular e apropriada esta homenagem, hoje, a Câmara Cascudo, vez que, pela
primeira vez presencialmente, até onde sei, conecta-se o descortínio do pensador
potiguar, com o fenômeno do cangaceirismo.
Cascudo,
permitam-me chama-lo assim, como o fazemos desde sempre, carinhosamente, foi o
primeiro norte-riograndense a escrever acerca desse tema, em Viajando o Sertão,
sua sexta obra, cuja primeira edição é de 1934.
Nela
tratou, pela primeira vez, do tema “cangaceirismo”[1],
e escreveu não somente acerca de Jesuíno Brilhante, mas, também, de Virgolino
Lampião, em dois capítulos distintos[2].
Em
Vaqueiros e Cantadores, cuja primeira edição é de 1939,
Câmara Cascudo avançou um pouco mais no tema, tentando resolver a dicotomia
entre o modo-de-vida de Jesuíno Brilhante e o de Lampião. Tentou, pelo menos.
É
quando introduz a hipótese do “fator moral” como elemento significativo e
diferenciador entre os tipos de cangaceiros, "insight" anterior de Felipe Guerra,
mais tarde brilhantemente desenvolvido por Frederico Pernambucano de Mello em
sua obra canônica acerca do cangaço, Guerreiros do Sol, na qual o denomina de “escudo ético”.[3]
Câmara
Cascudo voltou ao cangaceirismo em duas Actas Diurnas, escritas para o
Jornal A República de 31 de maio de
1942 e 7 de junho do mesmo ano, escrevendo acerca de Jesuíno Brilhante.
Curiosamente,
em 1944, citou Jesuíno em um verbete, na primeira edição do Dicionário do Folclore Brasileiro, quando,
em rápidas pinceladas, expôs o perfil do cangaceiro, tratou um pouco de sua
história, e elencou quais as fontes de sua pesquisa, sem acrescentar nada de
novo ao que já havia escrito anteriormente.[4]
Vinte e dois anos depois, em Flor de Romances Trágicos, cuja primeira edição é de 1966, Cascudo inovou e apresentou "Nota" contendo a definição, digamos assim, positivista, diferente acerca do que seria "Cangaceiro" e "Cangaceirismo".[5]
Os tempos
eram outros e ele, sempre atento, não ficou fora das novas correntes
filosóficas que grassavam na Europa.
Obra
notável, sob todos os aspectos, seja como historia, seja como estilo literário,
apresenta aos seus leitores Liberato, Antônio Silvino, Jararaca, Adolfo Rosa
Meia-Noite, Jesuíno Brilhante, Lucas da Feira, Cabeleira, dentre outros valentões, cabras, jagunços e cangaceiros.
Ainda
encontra tempo e lugar para introduzir, até onde sei, pela primeira vez no Brasil,
intuitivamente, dois exemplos de feminicídios que foram desdobramentos perversos do
exercício do Poder privado, através da morte de Ana Freire de Brito e Dona Ana
de Faria Souza.
Registre-se,
no livro, a notável informação, típica de Câmara Cascudo, na qual aponta a definição
mais antiga acerca do que seria “Cangaço” (cangaceirismo): a do Tenente-General
Visconde Henrique de Beaurepaire-Rohan, explorador, geógrafo, soldado e
político brasileiro, nascido em 1812 e falecido em 1894, autor do Diccionario
de Vocabulos Brazileiros, publicado em 1889 pela Imprensa Nacional, no Rio
de Janeiro, conjecturando que cangaço é "o conjunto de armas que costumam
conduzir os valentões".
Antes,
em 1955, Raimundo Nonato tinha visitado Cascudo para lhe entregar, sem que houvesse entrado em circulação, seu Lampião em Mossoró, que foi o
primeiro livro escrito por um potiguar acerca do cangaço.
Nonato conta, na parte que denominou de “Breve
Notícia Antes do Livro”, que Câmara Cascudo, ao receber o presente, o convocou
para escrever “a gesta do cangaço no Nordeste Brasileiro”. Cascudo lhe dissera,
na ocasião:
No itinerário a percorrer, varando caatingas e
estradas iluminadas pelos clarões dos tiros dos velhos bacamartes de
pederneira, falará, de começo, sobre Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico,
caudilho de batalhas incontáveis, que respeitava as famílias e defendia os
oprimidos.
Tempos
depois, precisamente quinze anos (1970), no que foi o primeiro livro dedicado
exclusivamente a Jesuíno Brilhante, Raimundo Nonato da Silva lançou Jesuíno
Brilhante, O Cangaceiro Romântico, sob instigação de Cascudo.[6]
O livro repetiu a fórmula que Raimundo Nonato usara em Lampião em Mossoró, de 1955.[7]
Por fim, na trajetória tangencial, embora relevante,
de Câmara Cascudo no estudo do cangaceirismo, alguns temas são instigantes:
1) suas
definições e hipóteses acerca do cangaceirismo;
2) sua
teoria do “fator moral”;
3) os
perfis de Jesuíno Brilhante e Lampião, antagônicos entre si, segundo sua
perspectiva;
4) os
perfis de cangaceiros menores, tais quais Jararaca e Moita Brava;
5) a hipótese do paralelismo entre coronelismo e feudalismo, nunca desenvolvida, mas
insinuada;
6) o esboço acerca de uma taxonomia dos cangaceiros, precursora da tipologia de
Frederico Pernambucano de Mello;
7) o esboço da presença do fator genético, assim como do social na gênese do
cangaceirismo.
8) o esboço histórico de casos de feminicídio.
O
cangaço é um fato social relevante, sob qualquer aspecto: basta que o examinemos sob a ótica da nossa
cultura popular nordestina sertaneja ou do banditismo
rural, fenômeno internacional.
Os
problemas para estuda-los são complexos, Cascudo percebeu isso quando escreveu
acerca de Lampião, Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e outros cangaceiros.
Precisamos
ir além da crença injustificadas de que o cangaço é produto mecânico do meio, ou um
movimento de resistência popular, narrativas inócuas. Quem assim pensa conduz
os verdadeiros resistentes, aqueles que não se entregaram ao crime, ao limbo da
história.
Por
que não há um estudo acerca desses homens comuns, os verdadeiros heróis, o caudaloso rio da vida?
Ressalte-se,
por fim, que tudo isso é apenas o começo. O desafio, em estuda-lo, está
lançado.
Uma
vez dito isso, nós, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,
saudamos todos os presentes e lhes damos as boas-vindas, colocando-nos à
disposição.
Muito
obrigado.
[1]
Uso o termo “cangaceirismo”, mais preciso, no lugar de “cangaço”, para designar
a conduta ou modo de viver do cangaceiro.
[2]
CÂMARA CASCUDO, Luís da. Viajando o
Sertão. São Paulo: Global Editora. 4 ed. 2009.
[3]
PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico. Guerreiros
do Sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa.
5 ed. 2011.
[4]
CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário de
Folclore. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, Ministério da
Educação e Cultura (MEC). 2 ed. 1962.
[5]
O.a.c.
[6]
SILVA, Raimundo Nonato da. O.a.c. Ver se houve
prefácio de Cascudo.
[7] SILVA, Raimundo Nonato da. LAMPIÃO EM MOSSORÓ. Mossoró: Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005.
Imagem: Bárbara Lima
DIÁRIO DE VIAGEM – NÚMERO 1
Macau, 27 de julho de 2023.
Após quase 3 horas de viagem, com uma rápida parada em João Câmara, a Comitiva do IHGRN chegou em Macau. Passava pouco das 11 horas da manhã, quando eu, Gustavo Sobral, Honório de Medeiros e sua esposa Michaella Lima (nossa fotógrafa), subimos a escadaria da igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição para encontrarmos nossos anfitriões, o poeta Horácio de Paiva Oliveira, presidente da Academia Macauense de Letras e Artes (AMLA) e sua esposa Rosália.
Imagens: Gustavo Sobral
Caderno de ViagemHonório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
Leão Veloso (Pedro Gomes Leão Veloso) nasceu em Itapicurú, Bahia, no dia 1º de janeiro de 1828. Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo. Filiou-se ao Partido Conservador e foi várias vezes Deputado Provincial pela Bahia. Presidiu a Província do Espírito Santo, Alagoas, Maranhão e, então, de 1861 a 1863, o Rio Grande do Norte.
Depois, ainda administrou o Piauí, o Pará e, por duas vezes, o Ceará.
Em 1878, foi escolhido Senador do Império pela Bahia. Ministro do Império em 1882 chegou, finalmente, a Conselheiro de Estado em 1889.
O melhor relato acerca de Leão Veloso no Rio Grande do Norte é de Câmara Cascudo, em seu Governo do Rio Grande do Norte[1], no qual consta que ele visitou o interior da província, indo a Mossoró e, em julho de 1862, a Caicó.
É uma informação extremamente suscinta acerca da viagem que a Comitiva Governamental empreendeu ao interior do Rio Grande do Norte, chegando a entrar na Paraíba, visitando Macau, Açu, Acari, Jardim do Seridó, Caicó, Martins, Portalegre, Patu, Pau dos Ferros, e Mossoró.
Nessa viagem, que durou 44 dias, e que começou no dia 16 de julho de 1861, às 8 horas da manhã, no vapor Jaguaribe, fez-se acompanhar por João Carlos Wanderley, inspetor da tesouraria provincial; Ernesto Augusto Amorim do Vale, engenheiro; Manoel Ferreira Nobre, ajudante de Ordens; e Francisco Othilio Álvares da Silva, jornalista, que registrou tudo, em deliciosas crônicas, para o jornal O Recreio[2].
162 anos depois, neste ano da graça de 2023, Honório de Medeiros, André Felipe Pignataro e Gustavo Sobral, em uma comitiva do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), vão refazer o mesmo percurso e, ao final, da mesma forma que a viagem anterior de Leão Veloso originou um relatório governamental, desta vez um outro será apresentado formalmente, por eles, ao Instituto[3].
Cascudo lembra que durante a administração de Leão Veloso, a Província atravessava um período de grande depressão econômica e isso o levou a comprimir as despesas por todos os lados:
Diminuiu até a iluminação pública, cortou três cadeiras do Atheneu, demitiu dezenas de funcionários. Seu “Relatorio” (16-2-1862) é um dos documentos mais completos, elevados e nítidos que possuímos da administração Imperial. Nada conheço superior. A situação financeira era terrível. O funcionalismo estava morrendo de fome, (mas) Leão Veloso, energicamente, enfrentou o problema, atacando despesas inúteis e suprimindo tudo quanto lhe parecia adiável.
Por fim, arremata Cascudo: “Veloso tem (teve) ideias originais e justas”.
Difícil é tirar Leão Veloso do limbo da história. Entretanto, não é possível esquecermos a ousadia de sua viagem, a primeira do gênero no Rio Grande do Norte, que seria repetida no período de 16 a 29 de maio de 1934, pelo Interventor Federal Mário Câmara, em cuja comitiva oficial constavam Anfilóquio Câmara (Diretor geral do departamento de Educação); Antônio Soares Júnior (Prefeito de Mossoró); Alcides Franco (Chefe da segunda seção técnica do Serviço de Plantas Têxteis); e Oscar Guedes (inspetor do mesmo Serviço), e Luís da Câmara Cascudo.
Dessa viagem, surgiu Viajando o Sertão, publicado em 1934 no formato de livro e também como uma série de crônicas no jornal "A República" de 31/05 a 22/07 de 1934.
Pedro Gomes Leão Veloso faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de março de 1902.
[1] CASCUDO, Luís da Câmara. Governo do Rio Grande do Norte. Mossoró, Coleção Mossoroense, série “C”, volume DXXXI: 1989.
[2] Com informações do jornalista e escritor Gustavo Sobral (gustavosobral.com.br).
[3] As peripécias da viagem estão em @comitiva1861
Sérgio Dantas
é, desde algum tempo, o principal pesquisador e escritor acerca do
cangaceirismo no Rio Grande do Norte, graças à seriedade e talento com o qual
trata do assunto.
Autor
cuidadoso, seus livros se tornaram referências em razão do zelo que é sua marca
registrada, e, aos poucos, sua obra, ou seja, o conjunto dos seus estudos
publicados ao longo do tempo, o creditam, pela relevância, como um nome de
expressão nacional.
Não
há um livro “menor” dentre os que escreveu, seja Lampião no Rio Grande do
Norte; ou Lampião na Paraíba – Notas para a História; passando por Lampião,
o Processo de Martins; Antônio Silvino, o Cangaceiro, o Homem, o Mito; Lampião
entre a Espada e a Lei; até Corisco, A Sombra de Lampião. Todos merecem
ser presença certa na biblioteca de qualquer estudioso do cangaceirismo.
Lampião no
Rio Grande do Norte, cujo subtítulo é “A história da grande jornada”, livro
de estreia de Sérgio Augusto de Souza Dantas, é uma obra seminal, cujo tema
central, o ataque a Mossoró em junho de 1927 liderado por Lampião, é analisado
minuciosamente a partir de informações colhidas durante quatro anos de
pesquisa, perambulações, visitas, entrevistas, cruzamento de informações,
consulta à literatura hoje vastíssima acerca do cangaceirismo. Para coroar, um
valioso acervo fotográfico é colocado à disposição do leitor.
Em relação a
Massilon, cangaceiro cuja importância no ataque é muito relevante, Sérgio
Dantas agregou informações valiosíssimas, dentre elas o “raid” que esse
personagem singular empreendeu nos costados do Jaguaribe e Cariri logo após o
episódio de Mossoró.
Isso significa
dizer que a lenda segundo a qual Massilon, antes da célebre foto de Limoeiro,
Ceará, já se separara de Lampião e teria ido embora para o Norte, não é
verdadeira.
Detalhada, a
história da “jornada” espanta pela riqueza de detalhes. Não por outra razão ficamos
sabendo de cada passo do grupo cangaceiro por todo o território do Rio Grande
do Norte, cidade por cidade, povoado por povoado, sítio por sítio, fazenda por
fazenda.
Os acontecimentos
nas cercanias de Martins e Umarizal, antiga “Gavião”, são relatados com
precisão. E tudo quanto aconteceu em Apodi, antes da chegada de Lampião,
protagonizado por Massilon, recebe tratamento de pesquisador sério e
interessado.
A descrição
geográfica e sociológica dos lugares pelos quais passou o bando de cangaceiros
merece respeito. Através dela é possível perceber o dia-a-dia daquelas
comunidades existentes no início do século XX. Os relatos dos mal tratos,
arruaças, bebedeiras, torturas físicas e psicológicas nos comove e revela a
sensibilidade do Autor.
Quanto
a Antônio Silvino, o Cangaceiro, o Homem, o Mito, somos apresentados a
um cangaceiro cru, recortado do contexto mítico inserido em sua dimensão
humana, sem que restasse perdido tudo quanto o tornou um dos mais interessantes
personagens da trindade básica que forjou a alma sertaneja – o cangaço, o
misticismo, o coronelismo.
Louve-se a
felicidade na escolha do “nome” de cada capítulo bem como o excerto que o
acompanha, próprio para chamar a atenção do comprador desatento, em uma
homenagem ao estilo jornalístico de outrora, e a indicar um texto enxuto, leve,
de parágrafos curtos e bem encadeados.
Chamam a atenção
episódios, trazidos a lume, que por si somente têm dimensão histórica, como a
convivência entre Antônio Silvino e Gregório Bezerra, lendário líder comunista
pernambucano, sua entrevista com Graciliano Ramos, e o assalto à Usina Santa
Filonila na qual morreu Feliciana na flor da idade – crime do qual o cangaceiro
jamais deixou de se arrepender.
O Antônio
Silvino que emerge do ótimo texto de Sérgio Dantas é um personagem emblemático:
é o retrato nítido de uma saga que nos permite identificar e compreender os
nexos causais que originam certa circunstância histórica – o período do
cangaceirismo – e até mesmo ir além, na medida em que também permite
identificar o viés comum a entrelaçá-los, ou seja, a questão do Poder Político.
Basta colocar
esses retratos sobre a mesa e examiná-los com olhar crítico: Antônio Silvino,
Sinhô Pereira, Lampião; Coronel Zé Pereira, Coronel Isaías Arruda, Coronel
Floro Bartolomeu; Pe. Cícero, Beato Zé Lourenço, Antônio Conselheiro, tomando
distância de qualquer tentativa de tentar a lógica do fenômeno a partir de uma
explicação oriunda exclusivamente a fatos alusivos à posse da terra ou luta de
classe.
Afinal,
a ideia antecede a ação. E a ação, antes de tudo, é sempre algo individual.
É difícil
conjecturar se Sérgio Dantas vai se aventurar em novos resgates históricos ou
cuidará de desbravar outras fronteiras. Sua obra tem estado, até agora, entre
um ciclo e outro: a mera narrativa e a pura interpretação, no que diz respeito
à literatura acerca do cangaceirismo.
Talento, não
lhe falta.
A mera
narrativa provavelmente está perto do fim: já não é mais possível, até onde
sabemos, ressalvada a possibilidade de documentos desconhecidos surgirem
inesperadamente, prosseguir com a literatura elaborada a partir de relatos,
fotos, testemunhos ou escritos, ou seja, fontes primárias.
Dos sobreviventes
daquelas “eras” já se extraiu mais do que tudo. Os papéis estão virando pó,
vítimas da ação inclemente do tempo e da incúria das nossas elites.
Um outro ciclo
está surgindo: a interpretação de todos esses dados, ou seja, uma literatura de
tese, iniciado por Frederico Pernambucano de Mello com Guerreiros do Sol, onde
se aliou pesquisa de ponta e interpretação dos fatos.
Esperemos,
então. E que sua obra, importante como é, além dos merecidos elogios semeie
críticas e informações outras, alguma correção de rumo – se for o caso – retornando
ainda mais rica para o acervo dos historiadores e sociólogos do Brasil.
É assim que ocorre quando uma obra deixa de pertencer ao Autor, por sua importância, e passa a fazer parte do referencial bibliográfico ao qual pertence.