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domingo, 30 de setembro de 2018

CHEGA DE SAUDADE


* Florentino Vereda

De passagem pelo Rio, resolvi assistir, mesmo de longe, a uma dessas manifestações que estão mudando a cara do País. Entre tantas placas de “”FORA...”, “BASTA...”, “QUEREMOS...”, uma me chamou a atenção : “CHEGA DE SAUDADE”. Tentei me aproximar da pessoa que a conduzia, mas a multidão me arrastou para outro lado. Só deu pra ver, pelos cabelos grisalhos, que era algum idoso.
Mais tarde, num desses bares de esquina de Copacabana, dei de cara com o tal manifestante, tomando um chope antes de voltar pra casa. Aproximei-me dele e comentei:

- Curiosa sua placa. Saudades de que?

- Senta, cara. Garçom, mais um chope. Olhou em direção do mar e acrescentou:
- Saudades do que poderia ter sido e não foi. Também fui jovem, protestei contra tudo que lá estava, também sonhei com um futuro. Cantava “”Apesar de você”” e acreditava que amanhã seria outro dia. A democracia era, para mim, a mulher com quem todos os homens sonhavam e com quem queriam viver o resto de suas vidas. Hoje a democracia com a qual vivemos é uma balzaquiana de 30 anos, sambada, rodada e prostituída, deformada por cirurgias plásticas intermináveis às quais chamam de emendas constitucionais, medidas provisórias e outros nomes bonitos que disfarçam a feiura de seus propósitos. Já se deitou com centenas de políticos, lambuzando-se nos leitos imundos do poder.

- Posso pedir outro chope?; perguntei.

- Claro. Ainda não acabaram com o papo de bar. Mas já não é a mesma coisa. De futebol, os grandes lances não são as “folhas-secas” de Didi, os dribles geniais de Garrincha e a elegância de Djalma Santos. Os craques de hoje são os cartolas, jogando nos carpetes dos gabinetes, tocando a bola e embolsando uma grana preta. Grana também é o que não falta para os jogadores que somam aos salários astronômicos as vultosas verbas de publicidade, de produtos que sequer usam na vida real. Em campo a vergonha campeia. Veja o Santos do Rei Pelé levar de oito dos deuses do Barça. E a Alemanha meter sete na caçapa da CBF. Saudades do tempo das “”casas simples com cadeiras nas calçadas”” onde vizinhos conversavam depois da janta, até o sono chegar. Hoje está todo mundo trancado em casa, diante da TV, vendo novelas com personagens ridículos, perversos e traiçoeiros tramando golpes e safadezas, coisas que serão imitadas posteriormente na vida real enquanto os anunciantes empurram produtos supérfluos e desnecessários a otários desprevenidos.

Chama o garçom, pede mais dois chopes e continua:

- Por isto, amigo, que ainda saio de casa e me junto à turba ignara, talvez com saudades da minha época de estudante. Vivemos hoje uma agoracracia. O povo está nas ruas forçando o Legislativo a legislar e o Executivo a executar. Não sei se vai dar certo. Sempre há os espertos. Vândalos e saqueadores misturam-se com sindicalistas, todos tentando arrancar algo do navio que está afundando. Políticos adotam como suas as ideias que jaziam adormecidas em berço esplêndido. Mas é melhor do que não fazer nada. Quem sabe, alguma coisa muda? A esperança verde é a última que morre amarela.

Arrisco uma pergunta, olhando nos seus olhos, se essas saudades são também de alguma mulher; algum amor da juventude, cuja chama ainda arde no peito, cuja lembrança ainda não se despregou da memória.

- Nada disso, amigo. Neste quesito dei sorte. Naqueles tempos conheci uma colega de universidade, lá no Calabouço, ali onde mataram Edson Luís. Juntos corremos da Policia. Juntos gritamos palavras de ordem. Juntos cantamos “”pra não dizer que não falei de flores.” Namoramos, juntamos nossas escovas e, desde aquela época continuamos juntos, dois companheiros e dois amantes. Pena que ela não queira mais sair comigo à noite. Anda com medo dos arrastões em bares e restaurantes. Fazer o que? Aliás, se o amigo me permite, vou embora. Ela está me esperando com açúcar, com afeto.

Levantou-se, pediu a conta, pagou as duas rodadas de chope (não admitiu a minha intervenção) e se despediu com um forte aperto de mão, dizendo:

- Boa sorte pra você, que mal vê a luz que mal se acende.

E sumiu no meio da multidão.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

NO TEMPO DOS CANGACEIROS E DOS CORONÉIS

NO TEMPO DOS CANGACEIROS E DOS CORONÉIS: CANGACEIRO MOITA BRAVA DELATA O ENVOLVIMENTO DE IMPORTANTES CORONÉIS PARAIBANOS EM ASSALTOS NA REGIÃO DE POMBAL


* José Tavares de Araújo Neto

O Dr. José Ferreira de Queiroga, deputado estadual, chefe político que comandava Pombal desde 1915, mantinha estreitas ligações com o coronel José Pereira, líder da cidade de Princesa, também com assento na Assembleia Legislativa da Paraíba. José Pereira e José Queiroga integravam, na condição de primeiro e segundo vice-presidentes, a “Chapa dos Três Jotas”, encabeçada por Júlio Lyra, e que apresentada em 1928 pelo Presidente do Estado Joao Suassuna para sua sucessão, mas que foi vetada pelo todo poderoso ex-presidente da República Epitácio Pessoa.

Inimigo declarado do coronel José Pereira, o Presidente João Pessoa se incomodava com essa relação de compadrio entre os dois coronéis, não dispensando o menor sentimento de confiança ao pombalense. Em 1929, na tentativa de indicar o prefeito de Pombal, Dr. José Queiroga teve três nomes rejeitados pelo Presidente João Pessoa, que nomeou para o cargo Elias Camilo de Sousa, sugerido por seu cunhado, o Procurador Geral do Estado Dr. Mauricio de Medeiros Furtado, pai do economista Celso Furtado.

Em 1930, a Paraíba se encontrava no estágio máximo de sua efervescência política. Sob o pretexto de manter a ordem e garantir lisura na eleição presidencial, marcada para dia 1º de março, o Presidente do Estado João Pessoa, candidato a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Getúlio Vargas, enviou à cidade de Teixeira um forte efetivo da polícia militar, comandado pelo tenente Ascendino Feitosa, que determinou a prisão de importantes figuras da oligarquia Dantas, aliada do Coronel José Pereira Lima, e este, por sua vez, em face dos acontecimentos, tinha se feito inimigo político e pessoal do Presidente do Estado.

Sabedor da prisão dos seus correligionários, o coronel José Pereira mandou um recado para o tenente Ascendino Feitosa: Se não soltasse os presos, ele mesmo iria libertá-los e não sobraria um só soldado para contar a história. A princípio o tenente resistiu, porém cedeu quando soube que as tropas do coronel, em grande quantidade e bem municiada já se dirigia a Teixeira. Percebendo a grande desvantagem numérica, o tenente não viu outra saída a não ser ordenar aos seus comandados a imediata retirada. Este evento marcou o início do sangrento conflito que ficou conhecido como “A Guerra de Princesa”.

Para enfrentar os sediciosos de Princesa, o Presidente João Pessoa havia disposto o efetivo policial da Paraíba sob três comandos: um com o Coronel Comandante da Polícia Militar da Paraíba, Elísio Sobreira; outro com o Delegado Geral do Estado, Severino Procópio; e, o terceiro, com o Secretário de Interior e Justiça, José Américo de Almeida. Enquanto os combates com as forças paraibanas centralizavam-se na região de polarizada por Princesa, o coronel José Pereira formou grupos armados destinados a buscar meios para financiar a guerra nas regiões de Coremas, Malta, Pombal, Catolé do Rocha, Brejo do Cruz e São Bento. Os locais de apoio se concentravam no município de Pombal, nas Fazendas Oriente e Olhos D’água, propriedades dos irmãos Dr. José Queiroga e Coronel Manuel Queiroga, ambos filho do Coronel Benedito Queiroga, conhecido coiteiro do cangaceiro Antonio Silvino, falecido em 1921. Os jagunços do coronel José Pereira haviam recebido ordem expressa para atacarem a fazenda Conceição, do Coronel José Avelino de Queiroga, abastado fazendeiro, principal adversário político de Dr. José Queiroga. A rota de fuga seria na direção de cidade de Serra Negra, no vizinho Estado do Rio Grande Norte.

O Grupo, comandado pelo ex-cabo João Paulino, desertor da Polícia Militar do Estado da Paraíba que se aliou ao Coronel José Pereira, tinha como pontos de apoio as Fazendas Oriente e Olhos D’água, propriedades dos irmãos Dr. José Queiroga e Coronel Manuel Queiroga, ambos filho do Coronel Benedito Queiroga, conhecido coiteiro do cangaceiro Antonio Silvino; falecido em 1921. O grupo havia recebido ordem expressa para atacar a fazenda Conceição, do Coronel José Avelino de Queiroga, que apesar de primo, era o principal adversário político de Dr. José Queiroga. Avisado que a força volante se dirigia a Fazenda Aliança, onde o bando se encontrava acoitado, João Paulino juntou seus homens, montaram em seus cavalos e partiram em desenfreada disparada na direção fa Fazenda Olho D’água. Ele, como uma pessoa bastante experiente, sabia que era preciso esquivar-se de embates com a polícia a fim de evitar perdas desnecessárias de homens e, principalmente, economizar munição. Além desses motivos, havia a recomendação de fazer o máximo possível para não comprometer a respeitável figura do deputado Dr. José Queiroga. Na pressa, o cangaceiro Moita Brava sofre uma queda do cavalo, não suportando as dores, sendo deixado aos cuidados de um sertanejo amigo de Dr. Queiroga, enquanto o bando se divide em três subgrupos, que tomam diferentes direções.

Sob a coordenação do Secretário José Américo, a tropa governista impõe uma intensa perseguição. Em 08 de julho, localiza e prende Moita Brava. No dia 10, cerca e mata Candido Honorato, no sitio Pau Ferrado. No dia seguinte, a volante comandada pelo tenente José Guedes ataca o grupo no Sitio Almas, matando uma pessoa, e fazendo apreensão de dois fuzis e recuperação de vários objetos roubados. No dia seguinte, o bando com invade a fazenda Ipueiras, de propriedade de Pedro Marques de Medeiros, roubando dinheiro, objeto e incendeia a fazenda, logo após fugindo na direção vizinha cidade de Serra Negra, no Rio Grande do Norte.

Preso, o cangaceiro Moita Brava é levado para à cadeia da cidade de Brejo do Cruz, onde no dia 10 de julho presta um bombástico depoimento (v. anexo), no qual delata o envolvimento do coronel José Pereira e do Dr. José Queiroga nos fatos acontecidos em Pombal. Quatro dias depois, ou seja, no dia 14 de julho, Moita Brava falece na prisão, acometido por uma pneumonia dupla, cujo diagnostico foi assinado pelo médico Dr. Américo Maia, primo e cunhado dos futuros governadores João Agripino (PB) e Tarcísio Maia (RN).

(*) TERMOS DO DEPOIMENTO DO CANGACEIRO MOITA BRAVA PRESTADO AO SUBDELEGADO DE BREJO DO CRUZ

Aos dez dias do mez de julho do anno de mil novecentos e trinta, nesta Villa de Brejo do Cruz, na cadeia pública, presente o subdelegado de polícia, sargento Delmiro Pereira da Silva, foi ouvido Euclydes Bezerra, que respondeu as perguntas que foram feitas pela dita autoridade, pelo modo seguinte: Perguntado qual o seu nome, filiação, idade, profissão, estado, nacionalidade, residência e se sabia ler e escrever, respondeu chamar-se Euclydes Bezerra, vulgo “Moita Brava”, filho de José Bezerra, com vinte e cinco annos de idade, solteiro, Josécultor, brasileiro, no Espírito Santo, Estado de Pernambuco, não sabe ler nem escrever. Perguntado mais como se passado o facto de ter elle sido preso, respondeu que foi preso pelo dr. secretário de segurança, no logar cujo nome elle ignora, sabendo, entretanto, ter sido o município de Pombal, devido fazer parte do grupo que vinha de Princeza, chefiado por João Paulino, Abilio e Rogério de tal; que ficou em sua casa doente, por não poder seguir com seus companheiros; que faz uns dezoito ou vinte dias que fazia parte do grupo, tendo entrado no grupo no logar Barra, do município de Princeza; que de Barra seguiu para Olho d’Água, dahi dirigiram-se para a fazenda do coronel João Alves, onde houve um tiroteio de dez minutos mais ou menos, tendo o grupo roubado, incendiado e feito outras depredações; dahi da propriedade de João Alves foram para a propriedade do subdelegado de Malta, que reside no município de Piancó, de nome Tota Assis, onde o prenderam e o conduziram, fazendo ali pequeno roubo; que dahi seguiram para o “Oriente” do dr. José Queiroga, onde passaram três dias, onde não fizeram nenhuma depredação, por terem ordem do coronel José Pereira para ali não tocarem em nada; que sahiram do oriente, porque foi um portador de Pombal avisar que ia uma força em perseguição e levava um dinheiro que foi entregue a João Paulino, cuja quantia elle ignora; que lá no “Oriente” receberam quatro animaes de presente, mandados por um senhor por nome de Cabeçudo e mais um rapaz para fazer parte do grupo, de nome José, que foi appellidado pelo grupo pelo nome de “Norato”, cujos signaes característicos são os seguintes: alto, alvarento, secco do corpo, cabello vermelho, faltando um dedo mínimo na mão esquerda; que logo depois da chegada do aviso de Pombal com algumas horas o grupo foi atacado, pela força, havendo um pequeno tiroteio, que dahi eles correram em direcção da rodagem de Malta a Pombal, onde fizeram alguns roubos e depredações; que o grupo era composto de quarenta e seis homens chefiadas por João Paulino, Rogério e Abilio, tendo outro grupo chefiado por José Joca, com perto de trinta e cinco homens, que se separou do grupo de João Paulino no logar Olho d’Água; que o grupo trazia ordem do coronel José Pereira de só passarem três semanas, voltando novamente para Princeza, mas o chefe do grupo disse que passava até três mezes se pudesse; que o grupo tinha ordem do coronel José Pereira de saquear e fazer depredações e não atirarem para não estragar a munição, que o grupo falava em atacar Pombal, Brejo do Cruz, Curema, Catolé, Conceição do Coronel José Avelino, Catingueira, e Serra Negra, não sabendo se nesta era para atacar ou descansar; que o producto do roubo os cabras entregaram ao chefe do grupo; que elle interrogado fez parte do grupo por ter se desgostado com a família; que os nomes do pessoal do grupo e seus apellidos de guerra eram os seguintes: João Paulino, Rogério, Abillo, Adaucto, José Joca, que ficou em Olho d’Água; Adalberto, Sebastião Engraxate, Arthur, cícero Fernandes, Briba, nome de guerra que ignora o nome; Garrincha, Euclydes de Goes, Lino, Norato, José Caetano, Manoel Rocha, Felix Raymundo, Leopoldo e outros que não sabe do nome nem do apellido. E como nada mais foi perguntado, deu a autoridade o auto por findo, mandando lavrar o presente auto, que depois de lido e achado conforme, assigna com Ildefonso Chaves e Octávio Olympio Maia, por não saber o interrogado escrever, commigo Urbano Maia, escrivão que o escrevi, Delmiro Pereira da Silva, Ildefonso Chaves e Octávio Olympio Maia.


(*) Depoimento Transcrito do Diário de Pernambuco, edição de quinta-feira, 24 de julho de 1930, página 3. (edição 00168).

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

STF, O DESGOVERNO

Conrado Hübner Mendes

"A síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo".

Por Conrado Hübner Mendes, na Folha/Ilustríssima


O Supremo Tribunal Federal é protagonista de uma democracia em desencanto. Os lances mais sintomáticos da recente degeneração da política brasileira passam por ali. A corte está em dívida com muitas perguntas, novas e velhas, e vale lembrar algumas delas antes que os tribunais voltem do descanso anual nos próximos dias.

Se Delcídio do Amaral (PT-MS), Eduardo Cunha (MDB-RJ), Renan Calheiros (MDB-AL) e Aécio Neves (PSDB-MG) detinham as mesmas prerrogativas parlamentares, por que, diante das evidências de crime, receberam tratamento diverso?

Se houve desvio de finalidade no ato da presidente Dilma Rousseff (PT) em nomear Lula (PT) como ministro, por que não teria havido o mesmo na conversão, pelo presidente Michel Temer (MDB), de Moreira Franco (MDB) em ministro?

Se o STF autorizou a prisão após condenação em segunda instância, por que ministros continuam a conceder habeas corpus contra a orientação do plenário, como se o precedente não existisse?

Se a restrição ao foro privilegiado já tem oito votos favoráveis, pode um ministro pedir vista sob alegação de que o Congresso se manifestará a respeito? Pode ignorar o prazo para devolução do processo?

Se lá chegam tantos casos centrais da agenda do país, como pode um magistrado, sozinho, manipular a pauta pública ao seu sabor (por meio de pedidos de vista, de liminares engavetadas etc.)?

Se o auxílio-moradia para juízes, criado em 2014, custa ao país mais de R$ 1 bilhão por ano, como pôde um ministro impedir que o plenário se manifestasse até aqui? Se a criminalização do porte de drogas responde por grande parte do encarceramento em massa brasileiro, como pode um pedido de vista interromper, por anos, um caso que atenuaria o colapso humanitário das prisões?

Se um ministro afirma que Ricardo Lewandowski “não passa na prova dos 9 do jardim de infância do direito constitucional”, que Luís Roberto Barroso tem moral “muito baixinha”, que Marco Aurélio é “velhaco”, que Luiz Fux inventou o “AI-5 do Judiciário”, que Rodrigo Janot é “delinquente” e que Deltan Dallagnol é “cretino absoluto”, e além disso tem amigos espalhados entre o empresariado e a classe política julgados pelo STF, como expressará isenção nesses casos?

Se a Lei Orgânica da Magistratura proíbe juízes de se manifestarem sobre casos da pauta, como podem ministros antecipar posições a todo momento nos jornais?

A lista de perguntas poderia seguir, mas já basta para notar o que importa: as respostas terão menos relação com o direito e com a Constituição do que com inclinações políticas, fidelidades corporativistas, afinidades afetivas e autointeresse.

O fio narrativo, portanto, pede a arte de um romancista, não a análise de um jurista. Ao se prestar a folhetim político, o STF abdica de seu papel constitucional e ataca o projeto de democracia.

CHOQUE DE REALIDADE

A separação de Poderes conferiu lugar peculiar ao Supremo. O Parlamento é eleito, o STF não. O parlamentar pode ser cobrado e punido por seus eleitores, os ministros do STF não. O presidente da República é eleito e costuma ser o primeiro alvo das ruas, os membros do STF estão longe disso. A corte suprema tem o poder de revogar decisões de representantes eleitos.

É um tribunal que se autorregula e não responde a ninguém. O que justifica tanto poder e a imunização contra canais democráticos de controle?

Há boas respostas teóricas para esse arranjo. Para alguns, a integridade constitucional depende de um órgão capaz de pairar acima dos conflitos partidários, praticar a imparcialidade e assumir o papel de poder moderador. Para outros, mais do que apenas moderar, caberia ao tribunal inspirar respeito por seus argumentos jurídicos, que tecem padrões decisórios e constroem jurisprudência.

A autoimagem construída pelo STF foi ainda mais longe. Apresentou-se como a última trincheira dos cidadãos, incumbido da missão de salvar a democracia de si mesma, domesticar maiorias, amparar e incluir minorias.

No ápice da automistificação, o ministro Barroso imaginou a corte como “vanguarda iluminista que empurre a história” na direção do progresso moral e civilizatório (Vinicius Mota descreveu a ideia no dia 14/1).

A crise política e a erosão de direitos dos últimos anos trouxe ao Supremo a oportunidade (e o ônus) de atender a suas promessas. A resposta, porém, foi um choque de realidade.

O desarranjo procedimental cobrou seu preço. Despreparado para a magnitude do desafio, o tribunal reagiu da forma lotérica e volátil de sempre. A prática do STF ridiculariza aquele autorretrato heroico, frustra as mais modestas expectativas e corrói sua pretensão de legitimidade.

Por não conseguir encarnar o papel de árbitro, o tribunal tornou-se partícipe da crise. Já não é mais visto como aplicador equidistante do direito, mas como adversário ou parceiro de atores políticos diversos. Desse caminho é difícil voltar.

Atado a uma espiral de autodegradação, o poder moderador converteu-se em poder tensionador, que multiplica incertezas e acirra conflitos. O ator que deveria apagar incêndios fez-se incendiário. Não foi vítima da conjuntura, mas da própria inépcia. A vanguarda iluminista na aspiração descobriu-se vanguarda ilusionista na ação (e na inação).

A síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo.

ILUSIONISMO

Como opera esse poder tensionador? Para decifrar a vanguarda ilusionista, precisamos olhar para além do resultado de cada decisão (se prende ou solta, se anula ou valida). Deve-se prestar mais atenção ao procedimento que gerou tal resultado e ao argumento que o justifica. É no procedimento e no argumento que mora o ilusionismo.

A síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo.

A contradição entre as duas regras é só aparente, pois a arte do ilusionismo permite sua coexistência. Manda a lógica do “cada um por si”, nas palavras de editorial da Folha (24/12).

O argumento constitucional do Supremo já não vale o quanto pesa e tornou-se embrulho opaco para escolhas de ocasião. Basta olhar com lupa as incoerências na fundamentação de casos juridicamente semelhantes que recebem decisão diversa.

A expressão “jurisprudência do STF” sobrevive como licença poética, pois perdeu capacidade de descrever ou nortear a prática decisória do tribunal. Perdeu dignidade conceitual e até mesmo retórica.

No âmbito da esfera pública, o ilusionismo serve para desviar a atenção, responder o que não se perguntou, jogar fumaça na controvérsia e confundir o interlocutor.

O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, é praticante rotineiro dessa técnica. Publicou nesta Folha (17/1) artigo em defesa do habeas corpus (HC). Invoca o direito abstrato à liberdade, do qual ninguém discordará, e se desvia das críticas contra suas decisões recentes.

As críticas às quais Mendes reage nunca miraram o HC em si, mas as evidências de suspeição para julgar, de forma monocrática, pessoas do seu círculo pessoal e político. O ministro se apresenta como defensor da liberdade, mas suas decisões passam a impressão de ser defensor dos amigos. Para dissipar essa impressão, basta que se declare suspeito —o que se recusa a fazer.

Manha ilusionista: discursar sobre o ideal revolucionário da liberdade e silenciar sobre a liberdade concedida a amigos indiciados.

O ilusionismo, nas suas faces procedimental e argumentativa, retira das decisões do STF o selo de integridade institucional.

Por essa razão, tem sido pouco útil aos advogados e analistas da corte perguntar se o texto da Constituição é lido de modo apropriado, se nossas categorias de análise dão conta da tarefa interpretativa e se o tribunal pratica ativismo ou deferência —questões nobres do debate constitucional.

Mais importante é conhecer a biografia do ministro e sua capacidade de atender a ética da imparcialidade, da responsabilidade e da colegialidade.

A ambição do Estado de Direito é produzir um “governo das leis, não dos homens”. Soa como slogan a serviço da distorção ideológica, mas o sentido da expressão não tem nada de esotérico.

A mensagem é mais modesta: não quer dizer que o aparato institucional de interpretação e aplicação das leis deva ser composto por sujeitos sobre-humanos, imunes a afetos e interesses, mas apenas que esses sujeitos devem ter compromisso ético para decidir com maior isenção e ponderação analítica, além de gozar de garantias contra a pressão da barganha política. Não requer muito mais que isso.

A prática do STF pede adaptação daquela máxima: a interpretação constitucional deve estar submetida ao “governo do Supremo, não dos ministros”. O tribunal, porém, tem sido governado pelo voluntarismo incontinente de seus membros. É muito poder individual de fato (e de legalidade duvidosa) para ser usado com tanta extravagância.

Como disse José Sarney, anos atrás, “um dos maiores desserviços ao país é desprestigiar o Supremo Tribunal Federal”. Esse desserviço ao STF vem sendo prestado pelos seus próprios membros. Isso traz consequências.

ARBÍTRIO

O tempo do STF é místico. A corte pode tomar uma decisão em 20 horas ou em 20 anos (como publicou Ivar Hartmann, neste mesmo caderno, em 28/5 de 2017). A duração de um caso não guarda nenhuma relação com sua complexidade jurídica, sua importância política ou o excesso de trabalho do tribunal —alegações usuais de ministros.

É fruto, sim, da idiossincrasia e do instinto de cada julgador. E, às vezes, de negociações nos bastidores palacianos e corporativos.

Ninguém melhor que o ex-deputado Eduardo Cunha para iluminar o problema. Quando afastado de seu mandato pelo STF em 2016, ironizou com a pergunta cínica que muitos se fizeram: “Se havia urgência, por que levou seis meses?” Em outras palavras: por que agora?

Uma ótima questão, que poderia ser aplicada a muitos casos (por exemplo, o pacote natalino de liminares, todas monocráticas e abruptas, tomadas no apagar das luzes de 2017, antes de o Judiciário sair de férias).

Lewandowski, presidente da corte em 2016, desconversou: “O tempo do Judiciário não é o tempo da política e nem é o tempo da mídia. Temos ritos, procedimentos e prazos que devemos observar”.

A resposta é mais um artefato ilusionista. Quando diz que o tempo do Judiciário não é o tempo da política nem o da mídia, recorre a um árido lugar-comum para se esquivar do que se queria saber. A resposta também ignora a inteligência empírica que vem sendo construída ao longo dos último anos sobre o STF por um crescente grupo de estudiosos da corte.

A definição arbitrária do seu tempo decisório é mais uma faculdade que o Supremo conferiu a si mesmo e não explicou a ninguém, um dos poderes mais antidemocráticos que um tribunal pode ter.

INSEGURANÇA

Pede-se a tribunais que produzam segurança jurídica e previsibilidade. Esse fim costuma ser entendido apenas como demanda de conteúdo: que pudéssemos estimar, com algum grau de certeza, à luz das decisões passadas da corte, o que decidirá em casos semelhantes no futuro.

Não é um objetivo possível de realizar por completo, pois muitos casos, apesar de sua similaridade de superfície, suscitam variações interpretativas genuínas.

Ainda que frustre expectativas, é desejável que a jurisprudência tenha um grau de elasticidade. Mas existe uma faceta mais básica da segurança jurídica: a expectativa de que tomará uma decisão em tempo razoável ou sabido. Trata-se de previsibilidade de segunda ordem.

O STF, no entanto, não só tirou a credibilidade da noção de jurisprudência como também nos sonega a possibilidade de saber quando uma decisão será tomada. Em certos casos, não estamos seguros sequer de que haverá decisão, qualquer que ela seja.

Se o STF passasse a observar, de modo criterioso e transparente, “ritos, procedimentos e prazos”, como quis Lewandowski, já seria um gesto quase revolucionário.

Entretanto, a loteria de agenda, somada ao seu oceano de casos, prejudica a construção de uma esfera pública constitucional, de um espaço em que debates democráticos possam se desenvolver, que atores interessados possam mobilizar energia e recursos para participar. Esperam apenas que seus argumentos sejam respondidos e uma decisão seja tomada em tempo publicamente justificado.

Vale a pena observar outras cortes no mundo. Ainda que a comparação tenha limites, pois cada tribunal tem seu próprio desenho, volume de casos e contexto, mostraria, por exemplo, que a discricionariedade com o tempo não é exclusividade do Supremo.

Nem todo tribunal tem a disciplina com o tempo que possuem a Suprema Corte dos Estados Unidos ou a Corte Constitucional da África do Sul. Como ambas decidem poucas dezenas de casos por ano, a tarefa fica menos difícil.

Se olharmos para as cortes espanhola ou mexicana, alemã ou argentina, indiana ou chilena, veremos um mapa muito plural de gestão do procedimento, com problemas particulares. Em nenhuma delas, porém, se consegue encontrar tamanha libertinagem de obstrução individual de ministros.

Que tenhamos perdido a reverência pelo STF é um ganho de maturidade política. Que estejamos perdendo o respeito é um perigo que o tribunal criou para si mesmo.

PERDA DO RESPEITO

Um bom observador do comportamento judicial aprende depressa que “cortes não fazem o que dizem e nem dizem o que fazem”. Pelo menos parte do tempo.

Essa máxima é ainda mais certeira quando aplicada a um tribunal de cúpula, que precisa administrar dinamites da democracia. A crônica constitucional só perde a inocência quando está apta a detectar a dissonância entre as palavras e os atos de instituição ainda tão obscura quanto o Judiciário.

Um bom observador do Supremo Tribunal Federal também aprende que o Supremo Tribunal Federal não existe. Pelo menos na maior parte do tempo.

Tornou-se um tribunal de 11 bocas e 11 canetas dotadas de poder para, sozinhas, tomar decisões (ou não decisões) que geram efeitos irreversíveis. A crônica constitucional brasileira vem captando essa lição à medida que a cacofonia do STF fica mais escancarada, e seus custos sociais, mais palpáveis.

O tribunal foi capturado por ministros que superestimam sua capacidade de serem levados a sério e subestimam a fragilidade da corte.

Decidem (ou deixam de decidir) o que querem, quando querem, sozinhos ou em plenário; falam o que querem e quando querem, não só nos autos e nas sessões públicas de julgamento mas também nos microfones de jornalistas.

Ausentam-se das sessões do tribunal sob pretextos pouco contestados (um congresso acadêmico ou casamento de amigo no exterior, uma honraria oferecida por câmara de vereadores de município remoto, a irritação com voto de colega etc.).

Administram terrivelmente a dimensão simbólica (fonte de autoridade) e deixam esvair a dimensão material do poder do tribunal (a capacidade de ser obedecido). Um STF sem capital político pode ser desobedecido sem custos.

Que tenhamos perdido a reverência pelo STF é um ganho de maturidade política. Que estejamos perdendo o respeito é um perigo que o tribunal criou para si mesmo.

Maquiavel sugeriu, em “O Príncipe”, que um governante não deve buscar ser amado, mas respeitado. Se não for respeitado, que ao menos não seja desprezado, sentimento político mais nocivo. Um governante torna-se desprezível quando é “inconstante, leviano, irresoluto”.

O conselho serve para as instituições democráticas, sobretudo tribunais constitucionais. O STF precisa de anti-heróis, não do contrário. Sua sobrevivência como instituição relevante tem a ver com isso.

Às vésperas dos 30 anos da Constituição de 1988, temos um tribunal constitucional desencontrado. O STF promete mais do que deve, entrega menos do que pode, disfarça o tanto quanto consegue.

Habituou-se à prática do ilusionismo e dela faz pouco caso. Criou uma espécie de zona franca da Constituição, onde reina a discricionariedade de conjuntura e aonde o Estado de Direito não chega.

E não chega por obra dos próprios ministros e ministras, que não promoveram um único aperfeiçoamento digno de nota na última década: nem na forma, nem no conteúdo; nem nos ritos, nem na ética institucional.

Não sabem conjugar a primeira pessoa do plural. Mediocrizaram a tarefa de interpretação constitucional e a própria instituição, cujo status se evapora. Com ele vai a esperança de efetividade da Constituição, a mais avançada que já tivemos.

(*) CONRADO HÜBNER MENDES, 40, doutor em direito pela Universidade de Edimburgo e doutor em ciência política pela USP, é professor de direito constitucional da USP e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

DIMINUIR SALÁRIO DE SERVIDOR PARA ENFRENTAR DÉFICIT É TAPAR SOL COM A PENEIRA

Eduardo Aires Berbert Galvão *

O governo federal, amparado por um estudo do Banco Mundial, prepara um projeto para diminuir a remuneração inicial de todas as carreiras do poder executivo federal. O argumento é que a remuneração de ingresso no serviço público é desarrazoadamente maior que a remuneração inicial de um profissional na iniciativa privada.

Como servidores de carreira, louvamos ações que diminuam gastos públicos, privilegie investimentos e estimule a economia. Também compartilhamos da indignação de saber das distorções absurdas que existem na folha do funcionalismo, as quais, infelizmente, tornam-se invisíveis quando discutem-se médias salariais.
Somos favoráveis a cortes de gastos, mas não compactuamos com a disseminação de informações imprecisas, muitas vezes resultantes de perguntas mal formuladas, das quais só podem surgir respostas equivocadas. Discutir com base em truísmos populistas, que soam doces aos ouvidos, mas que não enfrentam o problema, foi e continua a ser a atitude preponderante que nos trouxe ao atual cenário econômico, de crise.
Que a remuneração inicial na carreira de gestor governamental e todas as outras do Governo Federal estão acima da média inicial de um advogado, engenheiro ou economista recém-formados, não há duvidas. E não poderia ser diferente, já que a comparação é descabida. Os aprovados em concursos públicos de carreiras são, em sua maioria, profissionais com mais de uma década de experiência, 34 anos de idade (em média), detentores de títulos de pós graduação lato sensu e, não raramente, stricto sensu.

Uma discussão séria também deve ter em conta que o aprovado em concurso não está sendo contratado por um escritório sem know how (como ocorre com a grande maioria de profissionais recém-formados), com meia dúzia de profissionais. Estamos falando de uma megaorganização, com centenas de milhares de trabalhadores.

Dito isso, os valores de referência para discussão são outros, pois tratamos do recrutamento de profissionais sênior, egressos do mercado para uma grande corporação. 

Quando uma grande empresa, que busca a excelência e ótimos resultados, abre o processo de seleção para profissionais sênior, não o faz em busca do profissional mais baratos e nem cogita colocar em posições estratégicas recém-formados. Elas buscam o profissional mais qualificado e essa é a razão da opção pelo concurso público e não uma licitação tipo menor preço.
Se os gestores não estão em cargos e desempenhando papel de gestão – como o próprio nome sugere – é devido a uma dificuldade do governo, e não do servidor público. Ao buscar o valor da remuneração média do profissional com esse perfil – e existem esses estudos em nosso país –, um advogado sênior em cargo de direção e assessoramento receberá uma remuneração entre R$ 11 mil e R$ 41 mil, a depender de sua área de atuação, e para ficar somente na profissão de advogado.
Por óbvio que o subsídio do Governo Federal não é nivelado por baixo, mas está rigorosamente dentro da média do mercado. Quanto mais se primar pela qualidade do profissional, mais atrativa deve ser a remuneração – e claro que a população não é desejosa da diminuição da qualidade das contratações no serviço público, que já deixa a desejar por completa falta de estrutura e investimento.
Servidores não desejam e muito menos aceitam que o patrimônio público seja dilapidado – razão pela qual somos favoráveis a correções de eventuais distorções e estamos abertos ao diálogo e à construção de alternativas. Mas até o momento o governo não se mostrou disposto a enfrentar o problema. Somente movimentou-se em busca de melhorarias de sua imagem, espalhando “verdades” fáceis e palatáveis aos que desconhecem a dinâmica da administração pública.
* Presidente da Federação Nacional de Carreiras de Gestão de Políticas Públicas (Fenagesp) e do Sindicato dos Gestores Governamentais de Goiás (SindGestor).

terça-feira, 28 de novembro de 2017

"GILMAR NEM DEVERIA SER IMPEDIDO, DEVERIA SER PRESO"

Na Tribuna da Internet (*) leio o mais veemente ataque a Gilmar Mendes que eu já li. E li muitos.

A matéria é do dia 25 de agosto de 2017. Leiam abaixo:

“Mário Assis Causanilhas

Faz sucesso na internet um comentário que o jornalista Ricardo Boechat fez em seu programa matinal na Bandnews FM, a respeito do comportamento do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que não se considerou suspeito para julgar e libertar um criminoso notório como Jacob Barata Filho, com quem o magistrado e sua mulher mantêm relações de amizade.

Ao proceder desta forma, Gilmar Mendes conseguiu descumprir, ao mesmo tempo, o Código de Processo Civil, a Lei Orgânica da Magistratura e o Regimento Interno do STF. Confiram o comentário do jornalista.

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GILMAR É UM INFILTRADO DO STATUS QUO

Ricardo Boechat

Temos um Ministro do STF que não teme ser defensor explícito do crime organizado. Gilmar Mendes nem deveria ser impedido, deveria ser preso. Os laços de Gilmar e sua mulher com Jacob Barata são de amizade, comerciais e profissionais. O cunhado do Gilmar é sócio de Jacob Barata. Jacob tinha o contato direto da mulher de Gilmar em seus contatos.

Esse senhor Barata, pelos crimes revelados por vários delatores, vem roubando diretamente da população mais pobre do RJ, comprando toda a cúpula da política fluminense e a Fetranspor. O Sr. Barata roubou 10, 20 centavos 4, 6 vezes por dia da população mais pobre do RJ, por anos a fio.

A suspeição da Gilmar Mendes teria o efeito de mostrar que ele nada tem a ver com esses crimes, que a sociedade do cunhado e que a bênção no casamento, foram coincidências.

Mas como ele não se declarou suspeito, mesmo quando o “rabo abanou o cachorro” e com todas as manifestações do MP, demonstrando cabalmente que os elos são pessoais, comerciais e profissionais, a única opção a crer é que Gilmar tem muito a esconder tanto nessa relação como nas outras em que se posicionou de forma imoral.

Jacob Barata é um bandido violento. Provavelmente está roubando dos cariocas há 30 anos. É um milagre da Lava-Jato e adjacências que estejamos trazendo esse esquema à vista, à tona. O judiciário e o MP precisam tratar Jacob Barata de forma especial, com o peso expressivo da lei, pois ele vai entregar Gilmar Mendes.

As últimas atuações do ministro são claras evidências de obstrução intencional da justiça, mandando às favas qualquer resquício de moralidade e racionalidade. Um acinte, um deboche.

Está muito claro que Gilmar é um infiltrado do status quo para explodir os esforços anti-corrupção e redirecionar os entendimentos do STF para a frouxidão ética e moral, apenas com seus “afilhados e amigos”.

Derrubar Gilmar Mendes é atravessar uma das últimas muralhas de proteção do sistema corrupto que moveu a política brasileira nos últimos, pelo menos, 30 anos. Os brasileiros podem até ser impotentes para derrubá-lo, mas a cada atuação do ministro, mais gente desacredita no país e faz questão de não apoiar qualquer movimento de recuperação econômica.

Gilmar Mendes é a certeza da impunidade, portanto é a incerteza econômica. Gilmar Mendes é uma ode à concorrência desleal, portanto é um inimigo da governança e da ética nos negócios. Gilmar Mendes é o Alien parasita no organismo brasileiro.

Gilmar Mendes, mais do que Lula e Aécio (que são mortos vivos fedendo no noticiário), é a próxima fase de todas as lava-jatos do passado, e a primeira de todas as lava-jatos do futuro. Ou é ele, ou é a nação. Jacob Barata não deve entregar Cabral, que é outro cadáver político, esse pelo menos não está fedendo em nossas salas. Tem que entregar Gilmar.

Acreditem. Gilmar convence os brasileiros a não lutar para tirar o Brasil dessa crise. Convence os brasileiros com mais capacidade, mais recursos e maior grau de empreendedorismo a cogitar seriamente sair do país. Gilmar Mendes é nosso ministro bolivariano.

Amigos, entendam a importância de combatê-lo. Não se enganem, é um elemento fundamental para a manutenção do status quo. Está entre nós e a esperança. Assinem tudo, reverberem tudo, tudo o que for contra Gilmar. Esse cara quase torna a sonegação de impostos um imperativo ético. Ninguém merece pagar o salário desse imperador da imoralidade judiciária.”

(*)http://heliofernan.dominiotemporario.com/na-bandnews-fm-ricardo-boechat-afirma-que-gilmar-mendes-tem-de-ser-preso/ 

domingo, 26 de novembro de 2017

A VISITA DA SAÚDE

* François Silvestre

Não me lembro de ter usado esse espaço da Prosa do Domingo, desde os tempos do Novo Jornal, para tratar da política eleitoral do Rio Grande do Norte.

Faço isso hoje. Vejo nas folhas que os senadores José Agripino e Garibaldi Alves ofereceram apoio à candidatura de Carlos Eduardo Alves, prefeito de Natal, ao governo do Estado.

Carlos Eduardo tem chances reias nessa disputa? Sim. Ninguém nega isso. O problema é saber com qual companhia ele pretende enfrentar a disputa. A companhia dos anônimos, vítimas das oligarquias e de si próprios, pela culpa in elegendo, ou a companhia dinástica dos mesmos de sempre?

Imagino Agnelo perguntando: “Se José Agripino visse a chance de eleger um governador com seu apoio, quem seria esse candidato senão Felipe Maia”? Ou “se Garibaldi Alves tivesse idêntica chance, qual seria seu candidato a não ser Walter Alves”?

Ajudo Agnelo: “E se ambos se sentissem com peso de elegerem um governador, não seria entre eles a escolha de um dos filhos”? Ou não é assim que raciocina a dinastia?

Nas oligarquias, os sobrinhos vêm depois dos filhos. Se o prêmio é bom e fácil vai para o filho. Mas se for carne de pescoço, tem cunhado, sobrinho e até irmão. Filé é do filho. O eleitor e o assessor ficam com o arrasto do fato, tripas e miúdos.

Também vejo, nas folhas, que o argumento dos dois senadores parece razoável. Disseram ao prefeito da Capital: “Você tem uma chance ímpar e talvez não tenha outra”. Tudo por conta da garantia de apoio dos dois “generosos” senadores.

Faz sentido? Não. Só parece. Basta ver a história recente, das últimas eleições, para concluir que o sentido é outro. A generosidade é apenas a esperteza fantasiada de desprendimento.

Nas eleições passadas, os dois senadores estavam juntos. E ainda com Wilma de Faria. Com tudo que era prefeito. Mandaram um recado a Robinson Faria: “Você tem a vice-governança, algumas secretarias e facilidades para a eleição do seu filho. Fora disso, você não tem a mínima chance”.

Quem transmitiu essa mensagem? O deputado Getúlio Rego. Se for mentira, não é minha. Foi o próprio Robinson quem me contou, num restaurante da cidade, na presença do jornalista e escritor Alex Medeiros.

Naquele dia eu fui prestar um serviço, gratuitamente, ao governador eleito, em quem eu não votara. Serviços gratuitos que prestei, ao longo da vida, a outras oligarquias e outros oligarcas. Alguns desses serviços eu repetiria; de outros, eu faço autocrítica.

Robinson não aceitou “a única chance” e derrotou todo mundo. Ganhou o desconhecido, pois o eleitor mostrou-se cansado da esperteza manjada dos conhecidos. Infelizmente, ao tornar-se conhecido, Robinson mostrou-se apenas uma repetição decepcionante. Conseguiu a proeza de produzir saudade do governo anterior.

Portanto, Carlos Eduardo tem uma chance. A de mesmo sendo conhecido, não se tornar o boi de piranha dos parentes e aderentes espertos, que buscam a própria salvação. E não o interesse público. O boi distrai as piranhas e os espertos atravessam o rio. Pequeno do Norte.

O envelhecimento de Garibaldi Alves e Agripino Maia não é físico ou mental. É fruto de um tempo que eles construíram de enrugamento político, cansaço histórico e o poder a qualquer custo. O tempo e os fatos oferecem aos dois uma saída digna, que é a abstenção de candidaturas. Se não quiserem sepultar os últimos esperneios das próprias dinastias.

Se Carlos Eduardo decidir a candidatura por essa via, já começa declarando sua aliança com a fisiologia eleitoral. Não será novidade nem ofertará esperança. Será apenas, se vencer, a visita da saúde, ao Estado moribundo. 

E vai pastorear um rebanho de carneiros deslanados, condenados ao embuste, num curral de mourões apodrecidos. Té mais.

"ESPETÁCULO DE TERROR E DE VIOLÊNCIA EXTREMA"

Professor Gilton Sampaio de Souza/UERN

O espetáculo do terror, um show de violência bruta, foi o "presente" do Governo Robinson ofertado gratuitamente, no dia 24/11/2017,  aos professores da UERN e aos  servidores da Saúde em greve, que ocupavam a Secretaria de Estado de Planejamento e Finanças do RN, em Natal.

A polícia militar, a pedido do Governador, veio com tanta violência e truculência, usando bombas, spray de pimenta, jogando cadeiras sobre todo mundo, que quebrava tudo o que encontrava pela frente.

Sinceramente, onde estamos quando sofremos isso sob o silêncio os poderes constituídos? 

O que queremos e por que somos tratados como criminosos? Queremos somente que o governo sente conosco e traga uma proposta efetiva para pagamento dos salários em atraso. Onde está o crime? Quem está descumprindo as leis nessa história? E por que somos nós os punidos?

Pedimos à sociedade norte-riograndense, por favor, que nos ajude. As contas e as cobranças já ocuparam nossas residências e nossos sonos. A quem podemos pedir socorro?

terça-feira, 21 de novembro de 2017

O PLANO CHINÊS PARA MONITORAR E PREMIAR O "BOM" COMPORTAMENTO DE SEUS CIDADÃOS

* Do BBCBRASIL.COM (*)

"O governo da China está testando um "sistema de crédito social". O objetivo é criar uma espécie de "ranking de confiança" da população. Oito empresas já estão participando do projeto piloto.

Imagine que todas as suas atividades e comportamentos são monitorados e pontuados em uma grande base de dados nacional: desde sua informação fiscal, até o tempo que você passa jogando videogame.

China lança avaliação Big Brother para todos os cidadãos

O cenário acima poderia ter saído do romance clássico de George Orwell, 1984, em que os cidadãos estão sempre sob vigilância de uma entidade chamada de "o grande irmão". Lembra também um episódio da série de TV Black Mirror , no qual cada atividade dos personagens rende "pontos" em um futuro distópico.

Mas não é ficção. Esta é uma política de Estado em planejamento na China.

O governo chinês está construindo um onipresente "sistema de crédito social", através do qual o comportamento de cada um dos seus 1,3 bilhão de cidadãos será pontuado em uma espécie de ranking de confiança.

Por enquanto, trata-se de um projeto piloto do qual participam oito companhias chinesas. Com a autorização do estado, elas emitem suas próprias pontuações de "crédito social".

Mas até o ano de 2020, todos os chineses estarão obrigatoriamente inclusos nesta enorme base de dados, e receberão pontuação de acordo com sua conduta.

Controle ou confiança?

Em um longo documento de 2014, o Conselho de Estado chinês explica que o plano do crédito social visa "forjar um ambiente na opinião pública em que a confiança será valorizada", acrescentando que "o sistema recompensará aqueles que reportarem atos de abuso de confiança".

A base de dados nacional concentrará uma ampla variedade de informações sobre cada cidadão. Será possível saber se uma pessoa paga seus impostos e multas em dia, se seus títulos acadêmicos são legítimos, etc.

Haverá também um grande grupo de pessoas que passará por um escrutínio ainda mais pesado, dependendo da profissão que exercem. A lista inclui professores, contadores, jornalistas, médicos e guias turísticos.

Críticos do projeto classificam o sistema de crédito social como "um pesadelo" e "orwelliano".

Mas há quem acredite que um sistema como este é necessário na China.

Os sistemas de crédito constroem confiança entre os cidadãos, defende Wen Quan, uma blogueira que escreve sobre temas de tecnologia e finanças.

"Sem um sistema, um estelionatário pode cometer um crime em um lugar e logo depois fazer o mesmo em outra região do país. Os sistemas de crédito tornam público o histórico de uma pessoa. (O sistema) construirá uma sociedade melhor e mais justa", diz ela.

Notas dadas a partir dos produtos comprados online

Uma das empresas que participa do projeto piloto é a Sesame Credit, a ala financeira do site de vendas online Alibaba, o maior do mundo hoje.

A empresa usa sua gigantesca base de dados de consumidores para criar rankings de "crédito social". A escala é alimentada pelas transações financeiras feitas com o sistema de pagamentos do Alibaba.

A companhia não divulga exatamente como calcula a pontuação de cada cliente, dizendo que se trata de um "algoritmo complexo".

De toda forma, a Sesame deixa claro que leva em conta que tipo de produtos seus consumidores compram online.

"Alguém que joga videogame durante dez horas por dia, por exemplo, seria considerado uma pessoa ociosa. Alguém que compra fraldas com frequência, por outro lado, deve ser pai (ou mãe) e seria considerado uma pessoa com um sentido de responsabilidade", disse Li Yingyun, diretor de Tecnologia da Sesame à revista chinesa Caixin , em 2015.

As autoridades chinesas monitoram o andamento do projeto piloto de forma muito cuidadosa. O sistema do governo não funcionará exatamente como o das empresas privadas, mas adotará características dos algoritmos desenvolvidos pelas empresas privadas.

Por enquanto, a participação no projeto é voluntária, mas a Sesame divulga o cadastro enfatizando os benefícios de obter um bom "crédito social". A empresa incentiva seus clientes a compartilhar a boa pontuação com os amigos e inclusive com potenciais pares românticos.

Para que serve a pontuação?

Pontuar bem no programa dá acesso a uma série de benefícios, desde descontos em hotéis ou aluguel de carros até acesso a apólices de seguro ou a obtenção mais célere de vistos.

Mas o que acontece quando a pontuação é ruim?

Esta é a parte "preocupante", segundo Rachel Botsman, autora do livro "Who Can You Trust" (algo como "Em quem você pode confiar", em uma tradução livre). A obra trata do sistema de crédito social da China.

"Se a sua pontuação de confiança cai abaixo de certo nível, toda a sua vida pode ser impactada. Desde a escola que seus filhos poderão frequentar até os empregos que você poderá escolher e o tipo de empréstimo bancário que você poderá obter", disse Botsman em um programa televisivo co-produzido pela BBC.

"As transgressões podem ter ocorrido na sua vida, mas o seu comportamento poderia ter impacto em seus filhos ou netos durante décadas", diz Botsman.

(*) https://www.terra.com.br/amp/noticias/mundo/asia/o-plano-chines-para-monitorar-e-premiar-o-comportamento-de-seus-cidadaos,236409ba15f05e8af541848f9fc8007e38619mu4.html 

domingo, 19 de novembro de 2017

AS IRMÃS MOCÓS

* Jânio Rêgo

Do alpendre víamos a luz tremulante da lamparina de pavio aceso com óleo de carrapateira, que elas mesmas fabricavam, dizia meu avô Chico Petronilo, deitado na rede.

Pela manhã, na casa, nas fruteiras do baixio, por onde estivéssemos, dava pra avistar o ponto vermelho amarronzado da casinha de taipa encravada em meio ao verde do pé da serra onde elas brocavam pequenos roçados para a precária subsistência.

A casa “das Mocós’ era tão longe aos meus olhos de menino da cidade grande do Mossoró…! e eu construía mistérios inenarráveis sobre as três mulheres que moravam sozinhas naquele mundéu inacessível.

Eram negras, solteiras e sem filhos. Rita a mais nova, Cosma a mais velha e Maria José ‘a dos peitos grandes’.

Não eram simpáticas, nem ‘politicamente corretas’, diríamos hoje, as histórias que ouvíamos e falávamos sobre elas…

Excluídas das excluídas, vivendo numa comunidade rural em meados do século passado, eram espécies de ‘bruxas’ naquela rude contemporaneidade com remanescências semifeudais e patriarcais.

Mas havia uma muda admiração da comunidade por trás de todo o estigma que carregavam e que despejavam sobre elas. Aquela autossuficiência miserável, produzindo o próprio sustento, mulheres livres, fora dos padrões, impunham o mínimo do respeito que precisavam para a convivência social sem sobressaltos.

Em outras vezes que voltei lá, elas já haviam saído do pé da serra e moravam em uma casinha igualmente pobre, mais próxima da cidade de Doutor Severiano.

Quando passávamos na estrada dava pra sentir o cheiro do fabrico do óleo que além de combustível caseiro (que a tecnologia atual transformou em ‘biodiesel’) era também usado como remédio natural para diversas enfermidades naquela época em que a poderosa (e perigosa) indústria farmacêutica ainda estava distante do sertanejo.

Naquela casa o cotidiano das três irmãs ficou mais exposto, elas se tornaram mais reais, mas nem assim desapareceu a sensação de mistério e magia que ainda hoje permanecem quando retomo a infância que nunca sai de mim.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

24 ANDARES EM UM PRÉDIO DE OITO

Guweiz (*)

* Bárbara de Medeiros

Essa madrugada me toquei da verdade de duas frases distintas sobre a profissão de escritor:

1. Escrever é se apaixonar.
Constantemente. O tempo todo. Por todos, por tudo, por qualquer coisa, por nada em particular.

2. Escrever é necessidade, não lazer ou ganha-pão. Descobri que escrever não é o remédio para as minhas noites insones, mas a causa delas, porque se não consigo dormir é porque algo me incomoda, e se algo me incomoda, é porque ainda não escrevi a respeito.

Eu tenho muitas noites insones, e estranhamente me pego desejando para que elas sejam infinitas.

Eu amo dormir.

Sempre me disseram que os escritores são todos loucos, afinal (número três).

Essa madrugada quero falar sobre os quase amores.

Você sabe do que estou falando.

Aqueles que nunca chegaram a ser apresentados como namorados ou namoradas, aqueles que nunca chegaram a ter o prazer – e o desafio – de explorarem cada centímetro do seu corpo e mente, aqueles que, afinal, não tiveram o tempo ou a oportunidade, ou a vontade, Bárbara, lembre-se disso, de se tornarem algo mais.

Mas você se pega desejando, na calada da noite, pelo “e se” e pelo “quase”,  e por aquele que nunca será nada mais do que um desconhecido, porque ele nunca se permitiu ser visto. E eu, que sou A Mais Curiosa Das Curiosas, analiso todas as mensagens trocadas por olhares, toques superficiais (que atingiam até os nervos mais profundos) e whats app, porque quem sabe explicar o que se esconde por trás da mente de outro ser humano?

Eu insisto e pergunto a todos o que eles escondem, sutilmente, mas acabo tendo de completar a história deles na minha mente. Ninguém nunca confiou em mim o suficiente pra me dizer.

Eu nunca confiei em ninguém o suficiente pra dizer que, todas as noites, deito na cama e contemplo o abismo.

Tenho certeza que alguns sabem, outros desconfiam, mas de que adianta se eu nunca pronunciei as palavras?

Mais cedo, assisti à noite cair e as luzes da cidade se acenderem, três ao mesmo tempo em um prédio, duas se apagaram em outro, e a sinfonia silenciosa continuou tocando por horas, tão ensurdecedora que eu pensei que estava, realmente, surda.

É melhor partir – penso eu – do que viver me perguntando o que se esconde na casa ao lado.

É melhor fugir, insisto comigo mesma, porque você nunca vai descobrir o medo mais profundo do seu professor de matemática da sétima série.

É melhor desistir, porque ela disse isso pra você e aos onze, você achou que era verdade.

JÁ FAZ SETE ANOS.

ESQUECE ISSO.

Acredite, é difícil.

É melhor render-se, afinal.

Porque tem tanta gente sofrendo no mundo, e eu sinto tudo, e eu quero chorar.

E é tanta solidão, tanta confusão, eu não sei nem por onde começar.

E eu tento ser feliz, eu juro.

Eu tento ser otimista, é sério.

Mas é tão, tão difícil quando você olha pra todos os carros passando depressa, sentada na beirada do último andar do seu edifício.

E aquele cara nunca vai saber que é a música dele que, todas as noites, lhe impede de voar. 

Arte:  https://guweiz.deviantart.com/