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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO - VI


O FOGO DE APODI


CONTINUAÇÃO...
 
“A empreitada, organizada e dirigida de longe, por pessoa ligada a importante família do Apodi, tinha uma terrível missão a cumprir na cidade. Em primeiro lugar figurava, no plano sinistro, o assassinato do então chefe político Francisco Ferreira Pinto, para cuja residência se dirigiram os bandidos , prendendo-o imediatamente. O vigário da paróquia, que naquele instante acabara de celebrar a santa missa, foi chamado às pressas, para salvar o chefe político, em poder dos cangaceiros, que já se preparavam para eliminá-lo.”
 
“Enquanto permanecia preso o chefe local Francisco Pinto, por cuja liberdade o bandoleiro Massilon exigia vultosa quantia em dinheiro, elementos do grupo terrorista praticavam na cidade, atos de violência, e assassinato. Tomada de terror, ante a ação dos cangaceiros, quase toda a população abandonou a cidade, buscando refúgio na zona rural, nos sítios e fazendas.”
 
“Desta cidade os cangaceiros se retiraram pela manhã do mesmo dia 10, entre as nove e dez horas, rumo ao distrito de Itaú, neste município.
 
"Frustrado o assassinato do Coronel Francisco Pinto em 1927, mesmo assim não serenou o ânimo dos seus inimigos políticos. Em 1934, durante o Governo Mário Câmara, novo atentado pôs fim a sua vida e trouxe, ao poder, aqueles que combatiam, sem êxito, sua liderança. Acerca desse episódio nos conta o historiador Válter de Brito Guerra, em seu “Apodi, sua História”, acima mencionado:
 
“Assaltada de surpresa, a cidade não teve condições de reagir ao premeditado ataque, sob o comando do temível Massilon, famoso por suas façanhas na história do crime e banditismo no Nordeste, onde se criou na época, um ambiente propício ao cangaceirismo.”

“Os ânimos serenaram e houve um período de relativa calma. Porém as marcas e os resquícios daqueles dramáticos acontecimentos, permaneceram vivos no espírito de muitos, sempre sequiosos de represálias.”

“O movimento revolucionário de 1930 veio reavivar os graves acontecimentos do passado. Não só em Apodi, mas em todo o Rio Grande do Norte, o panorama sofreu radical transformação, com o advento da revolução vitoriosa de 1930. Iniciou-se então, neste Estado, o mais revoltante período de hostilidade e humilhações contra adversários políticos decaídos. Com a vitória da revolução, a família Pinto em Apodi perdeu o mando político e administrativo, conquistando novamente o poder em 1935, com a vitória do Partido Popular.”

“Realmente, a Revolução de 1930 não cumpriu a missão a que se propusera. Os seus princípios, seus postulados e ideais, que serviram de alento àquela arrancada cívica, caíram por terra ou foram esquecidos. Prevaleceu, acima de tudo, a vontade dos oportunistas, que a tudo custo, queriam encastelar-se no poder, à sombra do governo revolucionário.”

“Instalou-se então no estado, o terrorismo político que tomou vulto a partir de 1933, com a designação do quinto Interventor Federal, filho da terra, nomeado pelo presidente revolucionário, Getúlio Vargas.”
 
“Incutira o novo governante em sua cabeça, a idéia de candidatar-se à sua própria sucessão, na eleição que se aproximava para governador do Estado. A partir desse momento, e com o objetivo de ganhar eleitores e conquistar chefes políticos, o interventor pôs em jogo a máquina administrativa do Estado, desencadeando-se, então, a mais violenta e desastrosa campanha política de que se tem notícia no Rio Grande do Norte.”
 
“A série de atos de suborno, coação e violências, segundo os depoimentos da história, preparada pelo partido do governo, espalhou-se por todos os recantos do Estado.”
 
“Nenhum município ficou livre das arbitrariedades que atingiram o Rio Grande do Norte em todas as direções, sob a conivência das autoridades governamentais.”
 
“Ao aproximarem-se as eleições de 14 de outubro de 1934, em plena campanha política, contingentes policiais foram destacados para cidades, vilas e povoados, com a finalidade de coagir os adversários do governo, generalizando-se o pânico e o medo entre as populações. Populações que se dividiam em duas facções partidárias: o Partido Popular, de oposição ao governo; e a Aliança Social ou Liberal, partido governista. Perrepista ou perré, era a denominação dada ao partidário da oposição, liberal ou Pela-Bucho, era o correligionário do Governo ou a pessoa filiada da Aliança Liberal.”
 
“A proporção que se aproximava o dia das eleições, a onda de crimes aumentava assustadoramente, sob as mais diversas formas. Prisões ilegais, espancamentos de adversários do governo. Assassinatos eram presenciados a todo o instante, ficando os criminosos livres de qualquer punição.”
 
“Em Apodi, onde o chefe político Francisco Ferreira Pinto liderava a corrente de oposição ao governo, as perseguições políticas alcançaram o seu ponto culminante. Sucediam-se as prisões, intimidações a adversários do partido governista, surras e ameaças de toda a ordem.”
 
“O esquema de opressão posto em prática, estarrecendo a opinião pública, não se limitou apenas às agressões físicas e desmoralizadoras, pelos agentes do partido revolucionário, de que foram vítimas chefes políticos de prestígio e respeito. O processo de violência evoluía a todo momento, amedrontando as famílias e eleitores oposicionistas.”
 
“Acontecimentos de maior gravidade começaram a surgir em diversos municípios do Estado; o assassinato de chefes políticos do Partido Popular. Isso devia fazer parte do plano preestabelecido, com o objetivo de aterrorizar o eleitorado e afastá-lo do pleito que se aproximava.”
 
“Incluído na lista negra da Aliança Social, comandada neste município pelos senhores Luis Ferreira Leite e Benedito Dantas Saldanha, estaria o líder Francisco Ferreira Pinto, ou Chico Pinto, como era chamado, assassinado nesta cidade no dia 02 de maio de 1934. O crime, praticado às caladas da noite, teve grande repercussão em todo o Estado, principalmente no seio do Partido Popular, onde o falecido gozava de elevado conceito. Era um dos chefes políticos de maior prestígio desta região. Não só pela expressão do colégio eleitoral que comandava, mas também pela sua bravura cívica e qualidades morais, que caracterizavam sua personalidade. Desenvolveu no município intensa atividade político-partidária, ao lado de João Józimo de Oliveira Pinto e João de Brito Ferreira, tendo sido eleito Prefeito Municipal e Deputado à Assembléia Legislativa Estadual.”
 
“Os métodos postos em prática pelo Governo e seus partidários com a finalidade de ganhar a eleição, não arrefeceram o ânimo dos eleitores populistas, que se mantiveram firmes nos momentos mais difíceis, quando sofriam as mais absurdas perseguições. A eleição de 14 de outubro de 1934, deu ao Partido Popular a mais consagradora vitória. Com a eleição de Dr. Rafael Fernandes ao Governo do Rio Grande do Norte, pela Assembléia Constituinte, o Estado voltou à sua normalidade. A paz voltou a reinar entre as famílias potiguares.”
 
CONTINUA...




































quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO - V

O FOGO DE APODI

Continuação...

Em 10 de maio de 1927, dá-nos conta o historiador Marcos Pinto, em sua obra “Datas e Notas para a História de Apody”, Coleção Mossoroense, Série “C”, Volume 1.164, Mossoró, Rn, 2001, “A pequena e pacata cidade de Apody é assaltada por uma horda de cangaceiros comandados pelo célebre bandido Massilon Leite ou Massilon Benevides, chefiando parte do bando de Lampião”.

“A malta de desordeiros procedia do Pereiro, no Ceará, por determinação de Décio Holanda, Tilon Gurgel e Martiniano de Queiroz Porto, ferrenhos e virulentos adversários da família Pinto, do Apody.”

“Chegaram à cidade por volta das três horas da madrugada tendo início, de imediato, uma série de truculências, culminando com o assassinato do comerciante Manoel Rodrigues.”

“O bandido Mormaço, preso posteriormente nas imediações de Martins, Rn, em princípio de junho, afirmou, em seu depoimento, que Décio Holanda os acompanhou até a fazenda Pau de Leite, próximo a Apody. Décio era genro de Tilon Gurgel.”

“De início os bandidos inutilizaram os aparelhos do telégrafo nacional. Dando seqüência à macabra missão de que estavam contratados, aprisionaram alguns cidadãos. Saquearam e incendiaram totalmente a casa comercial ‘Jázimo & Pinto’, da viúva do Coronel João Jázimo Pinto, a Senhora Isabel Sabina Filha, conhecida como Dona Bebela de João Jázimo.”

“Dentre os cidadãos presos estava o Coronel Francisco Pinto, prefeito municipal, que obteve sua liberdade mediante pagamento de vultuosa quantia e pela eficaz e enérgica intervenção do padre Benedito Alves, vigário da cidade, que intercedia piedosamente pelo preso já condenado à morte.”

“O ataque terminou às 11 horas, para alívio da pequena urbe oestana.”

“O eminente historiador Válter Guerra escreveu minucioso artigo sobre este episódio, intitulado ‘A Madrugada do Terror’, publicado no jornal ‘Gazeta do Oeste’.”

“Neste mesmo dia o Coronel Francisco Pinto enviou mensageiro especial a Mossoró, montado em fogoso alazão, com a missão de procurar o seu parente Rodolfo Fernandes e entregar uma missiva, com pormenores que soubera por terceiros, de que o celerado grupo de Lampião tencionava atacar Mossoró. O historiador Raimundo Nonato aborda este fato em seu livro ‘Lampião em Mossoró’, à pág. 53.”

“Por ocasião do ataque, Apody assumira o aspecto de cidade saqueada e sitiada, invadida que fora pelos bandidos comandados por Massilon, deflagrando os mais hediondos crimes, enormes pela truculência e brutalidade com que foram perpetrados.”

Observemos que em 12 de maio de 1925, já acontecera o que foi denominado “Fogo de Pedra de Abelhas”, também relatado na obra do historiador Marcos Pinto, e que tem relação direta com os acontecimentos acima relatados:

“Neste dia ocorreu o famoso ‘Fogo de Pedra de Abelhas’. Os truculentos Décio Holanda e seu sogro Tilon Gurgel arregimentaram vultuoso grupo de jagunços, em consonância com Martiniano Porto, primo do bandido Júlio Porto, componente do bando de Lampião, espalhando o terror em Apody e região.”

“Como era do seu dever, o Coronel João Jázimo comunicou ao governador José Augusto a triste e vexatória situação vivida no Apody e região circunvizinha. De imediato o chefe do Executivo Estadual encaminhou um contingente policial composto por 40 praças, comandado pelo Capitão Jacinto Tavares, exemplar oficial da Polícia Militar do Estado que ficou aquartelada em Apody.”

“Na manhã de 12 de maio a tropa dirigiu-se até a povoação de ‘Pedra de Abelhas’ objetivando efetuar a prisão de Décio, Tilon Gurgel e toda a jagunçada. Antes da força policial chegar ao seu destino, já Décio era sabedor de que o contingente estava vindo ao seu encontro, por mensageiro enviado por Martiniano Porto.”

“Quando Décio preparava-se com seus ‘cabras’ para empreenderem fuga rumo ao Ceará, eis que surge a tropa policial, travando-se cerrado tiroteio, culminando com a debandada da jagunçada rumo ao Rio Apody, morrendo na ocasião um ‘cabra’ de Tylon Gurgel, por nome Mamédio Belarmino dos Santos, da família dos ‘Caboclos’, daquela paragem.”

“Após esse entrevero bélico, a tropa policial retornou ao Apody, com a missão de retornar no dia seguinte, o que não se efetivou pelas informações concretas de que o grupo armado se homiziara no Ceará.”

“Depois desta ocorrência coibitiva, voltou a reinar a paz naqueles rincões, mas não satisfeitos com a reprimenda policial, eis que Martiniano, Tilon, e seu genro Décio (primo do coiteiro Izaías Arruda, protetor de Lampião) tramam e efetivam o famoso ataque de 10 de maio de 1927 à cidade do Apody, contando com o empenho de Massilon Leite, comandando parte do grupo de Lampião.”

Acerca do episódio de 10 de maio de 1927, o historiador Válter de Brito Guerra, em “Apodi, sua História”, Coleção Mossoroense, Volume 1.145, Mossoró, Rn, 2000, é enfático:

“O ataque a Apodi, de 10 de maio de 1927, por um grupo de bandidos, organizado no Estado do Ceará, município de Pereiro, foi resultado de uma vingança política, insuflada por elementos de fora, inimigos de Apodi. Na madrugada daquele dia, penetraram nesta cidade, causando pânico e terror à nossa população, nada menos que 18 bandidos, fortemente armados, comandados por Massilon Leite.”

“A empreitada, organizada e dirigida de longe, por pessoa ligada a importante família do Apodi, tinha uma terrível missão a cumprir na cidade. Em primeiro lugar figurava, no plano sinistro, o assassinato do então chefe político Francisco Ferreira Pinto.”
 
CONTINUA...


































terça-feira, 27 de outubro de 2009

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO - IV

O FOGO DE PAU DOS FERROS


Continuação...




FINAL DO DEPOIMENTO DE TERTULIANO AYRES, o ‘TERTO AYRES’, participante da ‘Hecatombe de 1919’, acerca do episódio, trinta e sete anos depois, a jornais da época, no Museu Histórico Lauro da Escóssia, em Mossoró, comprovando a deposição, pela força das armas, do Coronel Joaquim Correia, pelo Coronel Adolpho Fernandes, uma prática quiçá importada do Cariri Cearense, no qual era bastante comum por aquela época.

“E assim, eu armado com uma chaleira de água fervente, coloquei-me à porta que dava entrada para a sala de jantar, disposto a reagir. Tudo isso que historiei passou-se em menos de um minuto. Nessa ocasião vejo papai na sala de jantar, derramando muito sangue, vejo Manoel Justino cambaleando e perguntei a papai o que havia sido aquilo e ele me respondeu: ‘foi Martiniano que me furou’.”

“Creiam-me, meus amigos, isso aconteceu há 37 anos passados, mas estou sentindo neste momento os mesmos horrores daquele miserável dia. Continuo. Em certo momento vejo em frente a uma janela da sala de visitas um soldado que ia deitando a boca do rifle em minha direção. Pulei imediatamente para dentro de uma cozinha onde já se encontravam papai, Manoel Justino, Pedro Justino, Terto Primo e meu irmão Paschoal Ayres, Adelino Ayres e Nana Ayres.”

“Vi Paschoal com a faquinha salva-vidas e lhe perguntei: onde arranjou isso? Ele: ‘sei lá’. Neste momento ouvimos verdadeiro tiroteio dentro de casa, entramos na despensa e fechamos a porta. Momentos após bateram na porta dizendo: ‘abram a porta senão botamos no chão”. Eu respondi: abro se vocês nos garantirem a vida. Ao que responderam: ‘está garantida’. Abri a porta, e ao abri-la, deparei-me com um soldado que desfechou três tiros contra mim à queima-roupa, os quais não me atingiram por que ao ver o soldado descer a boca do rifle abaixei-me, indo as balas atingir a parede do fundo do quarto.”

“O soldado atirou e pulou para dentro do quarto, ocasião na qual eu tive uma agilidade que não sei explicar. Quando percebi estava com o soldado sentado em cima de um caixão, eu com a mão no pescoço dele, e minha irmã arrancava o rifle de suas mãos. Nesta posição, eu ainda agarrado com o soldado, ouço novas pancadas e eu lhe disse: ‘diga, desgraçado, que nós estamos presos’. O soldado pediu que eu lhe afrouxasse a garganta para ele poder falar e gritou: ‘cheque que dois aqui estão seguros’.”

“Creiam-me, meus caros amigos, que apesar de tanto horror eu achei graça com a afirmação do soldado. Lá foram insistiam para que abríssemos a porta ou botariam abaixo. Respondi como da outra vez, pedindo garantia de vida. Disseram: ‘agora está garantido’. Soltei o soldado que estava desarmado. Nessa ocasião vejo Manoel deitado no chão e Pedro Justino seu filho agarrado com ele. Tinha sido a facada que Martiniano tinha dado nele, e Manoel já não tinha ânimo para ficar em pé.”

“Abri a porta e vi à minha frente o delegado Marcelino Dantas, que me deu ordem de prisão. Nesse ínterim, meu irmão Paschoal Ayres sai de dentro do quarto onde estava e correu, através do portão do muro. Ouvi um soldado dizer: ‘lá vai um correndo e aquele eu mato já’. Um soldado armado com um rifle encosta em mim e me diz: ‘Seu Terto não tenha medo que aqui ninguém lhe toca’. Vou saindo da cozinha para a sala de jantar e vejo Eliza Correia, neta do Coronel Correia, sentada em uma cadeira a me dizer: ‘Terto, me acuda’. Ela havia sido baleada na perna por um soldado e não conseguia se levantar.”

“Dali seguimos presos papai, meu irmão Adelino Ayres, e eu. A nossa prisão foi no próprio quartel onde estava alojado o novo destacamento do Tenente João Pedro. Ali fomos recebidos pelo referido Tenente que se dirigindo a mim, gritando, injuriava-me e dizia: ‘você é miserável, faz uma reunião em sua casa, convida os seus adversários para atacá-los a bala. Eu ainda tive coragem de lhe responder: eles foram que me convidaram e lá me atacaram a faca e bala e teria sido muito justo se eu tivesse reagido.”

“Entra Chico Olívio trazendo-me a miserável notícia de que meu irmão Paschoal Ayres havia sido assassinado por um soldado. Mais tarde vim saber que na ocasião que Martiniano Papagaio esfaqueou papai, meu irmão Paschoal tomou uma faca salva-vidas e o furou o qual, sentindo-se ferido, saiu imediatamente da sala.”

“Voltemos ao começo da luta. Quando Martiniano procurou matar o Coronel Correia, este retirou-se à carreira da sala. Ao sair encontrou o Dr. Régulo Tinoco, juiz de Direito da Comarca e a ele se dirigiu pedindo: ‘Doutor, garanta minha vida’. ‘Está garantid’, respondeu Régulo Tinoco. E deu o braço ao Coronel Correia. Quando vão se afastando da casa, vem chegando a polícia na carreira e, avistando o Coronel Correia, um soldado vai botando a boca do rifle em cima do mesmo e diz: ‘o homem é este’. Doutor Régulo reage: ‘não atire que o homem vai garantido por mim’. E o levou para sua casa onde o maltratou horrivelmente, com palavras injuriosas, insultando-o dizendo ser ele o causador daquela carnificina.”

“Preso, comecei a saber que tudo aquilo tinha sido preparado. No referido destacamento um soldado meu conhecido me contou. Tinham vindo para Pau dos Ferros para fazerem um serviço e ali aquartelados, receberam ondens de não se afastarem do quartel, nem mesmo para irem ao mercado próximo. No primeiro grito de chamada, corressem armados de rifle e muita munição. Os soldados, vendo a rua em completa calma, se perguntavam: ‘que serviço é esse’? Interrogação esta que ninguém sabia responder.”

“João Leite, chefe político de São Miguel, nas vésperas do dia 3 de abril, mandou para Pau dos Ferros 6 rifles e homens armados para tomarem parte nos acontecimentos daquele dia, se houvesse necessidade.”

“Dali por diante corre o inquérito assistido pelo Doutor Régulo Tinoco e, depois de muita tinta, o juiz sentenciou que não fora possível apurar quem tinha sido os criminosos, portanto não houvera crime. O Tribunal de Justiça, porém, devolveu o processo, mandando que se procedessem novas diligências, pois não era possível, depois de tamanha luta, na qual tinham morrido duas pessoas, e três ficado gravemente feridas, em plena luz do dia e à vista de tanta gente, não houvesse um criminoso.”

“Assim, o Doutor Régulo procede a novo inquérito e pronuncia Martiniano. Este, sabendo que tinha sido pronunciado, zangou-se e propagou logo que estava quieto no campo quando lhe foram procurar e se recusara, quando lhe disseram que, sem ele, nada poderiam fazer. E que por insistência de Chico Dantas, Mano Marcelino, com o recado de Guilherme Lins e Adolpho Fernandes, foi e fez tudo aquilo.”

“Logo o acalmaram dizendo que aquilo não seria nada, que não tivesse medo que ficaria livre, e que só havia sido pronunciado por que o Tribunal obrigara Dr. Régulo Tinoco a pronunciar alguém. E esse alguém era ele. Aproximando-se o júri foi uma comitiva de políticos seus correligionários buscá-lo para a cadeia e veio ele festivamente, entrou no júri e saiu livre.”

“Depois dos referidos acontecimentos minha família achou por bem que eu devia me casar e me retirar de Pau dos Ferros. A princípio relutei, mas terminei aceitando e no dia 11 de junho eu me retirei com minha esposa e papai para Mossoró e, mais tarde, veio toda a nossa família. O Coronel Correa retirou-se para Lages e seus amigos tiveram também que se retirar de Pau dos Ferros, ficando assim completamente esfacelado o seu partido político.”

“Toda essa chacina resume-se no seguinte: a família Fernandes é considerada como uma das maiores, tendo muitas ramificações em vários municípios do Estado. Embora os residentes no interior sejam pobres, os de Mossoró são muito ricos. A parte dos Fernandes residente em Mossoró trabalhava na política oposicionista obedecendo à chefia do Dr. Almeida Castro. E, às suas expensas, mantinha em Pau dos Ferros o partido de oposição ao Coronel Joaquim Correia, chefiado por Adolpho Fernandes, sendo o referido partido orientado por Dr. Horácio Barreto.”

“Dr. Horácio Barreto há muitos anos juiz em Pau dos Ferros, sempre foi oposição ao Coronel Correia. Com a eleição de Ferreira Chaves para o governo do Estado e sendo seu parente afim, foi chamado para Natal e procurou reforçar sua liderança através de Adolpho Fernandes e Guilherme Lins.”

“Em Mossoró foi fácil derrubar o partido chefiado pelo Coronel Bento Praxedes. Isso se deu sem nenhuma luta. Em Pau dos Ferros, porém, estava mais difícil, por que o Coronel Correia era um chefe de grande prestígio político entre os pauferrenses e, embora desprestigiado pelo Governador, de modo algum perdia o voto popular. Mas o Governador desejava satisfazer às exigências do seu auxiliar Dr. Horácio Barreto derrubando de qualquer forma o Coronel Correia fazendo subir, assim, a família Fernandes, que se mostrava interessadíssima em sua ascensão ao poder, apesar de terem sido fortes adversários de Ferreira Chaves.”

“Como resolver? O prestígio político do Coronel Correia em Pau dos Ferros somente desapareceria com sua morte, teriam portanto que dar fim a ele e a alguns dos seus amigos, para que os Fernandes chegassem ao poder.”

“Antecipadamente o Governador Ferreira Chaves nomeou para Pau dos Ferros o Dr. Régulo Tinoco como juiz da Comarca, e enviou o Tenente João Pedro e seu destacamento, por que os soldados da cidade não se prestariam a executar as ordens para uma chacina. A prova de tudo isso é que poucos dias depois do 3 de abril o Tenente João Pedro retirava-se de Pau dos Ferros com toda a sua tropa.

“Mossoró, fevereiro de 1956



Tertuliano Ayres Dias”

Continua...






















































segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO - III

O FOGO DE PAU DOS FERROS

CONTINUAÇÃO...


Abaixo, a transcrição do depoimento de TERTULIANO AYRES, o ‘TERTO AYRES’, participante da ‘Hecatombe de 1919’, acerca do episódio, trinta e sete anos depois, a jornais da época, no Museu Histórico Lauro da Escóssia, em Mossoró, comprovando a deposição, pela força das armas, do Coronel Joaquim Correia, pelo Coronel Adolpho Fernandes, uma prática quiçá importada do Cariri Cearense, no qual era bastante comum por aquela época.


“Nos anos de 1907 a 1908 os pauferrenses, aqueles que se achavam em melhores condições financeiras, incentivados pelo Dr. Horácio Barreto e o Coronel Joaquim Correia, respectivamente Juiz de Direito e Chefe Político da localidade, resolveram comprar um instrumental para a organização de uma banda de música local.”


“A compra foi de 12 a 14 instrumentos, inclusive a pancadaria e o seu custo foi de um conto de réis e pouco. A referida corporação musical teve, porém, vida efêmera e a sua existência não chegou a dois anos. Extinta, porém, a banda de música, os instrumentos ficaram espalhados em mãos diversas que fizeram parte da banda, sem conservação, em completo abandono.”


“Eu também fiz parte da banda e em meu poder encontravam-se um ou dois instrumentos que estavam em bom estado de conservação, visto que gostava imensamente da arte musical e por este motivo jamais deixei de estudar música.”


“Em 1918 eu resolvi organizar uma nova corporação musical lançando, para isto, mão dos instrumentos abandonados, isto em conjunto com Horácio Bernardino, músico da antiga banda. Reunimos novos elementos, fiz-me professor de música. Dentro de alguns meses, estávamos com a banda formada.”


“A banda era composta por gente moça, solteiros e independentes, levando ali uma vida de festa, tocando por que gostávamos da arte e não como meio de vida. Era o Coronel Joaquim Correia o Chefe Político de Pau dos Ferros e pessoa de muito prestígio. Nós, da banda de música, acompanhávamos a política do Coronel, com exceção de um único elemento.”


“Era Governado do Estado do Dr. Ferreira Chaves, a quem o Coronel acompanhava e para quem muito trabalhou em sua eleição. Encontrava-se em Natal o Dr. Horácio Barreto que, a chamado do Dr. Ferreira Chaves, ali ocupava um lugar de destaque no Governo do Estado.”


“Em Pau dos Ferros a política fervia e o Coronel Adolpho Fernandes, juntamente com o Dr. Guilherme Lins, Francisco Dantas, Galdino de Carvalho e Mano Marcelino organizaram-se chefiados em Natal pelo Dr. Horácio Barreto e o próprio Governador Ferreira Chaves, para derrubar o Coronel Joaquim Correia de qualquer maneira.”


“O prestígio do Coronel Correia, no entanto, em Pau dos Ferros, era grande, e destituí-lo por meio do voto popular seria muito difícil. Neste estado de coisas inesperadamente chega a Pau dos Ferros o Tenente João Pedro com uma tropa de 10 soldados. Isso surpreendeu a todos por que lá já existia um destacamento suficiente para policiar a cidade. Causou estranheza, também, o fato de a tropa vinda não se aquartelar com o destacamento local, indo abrigar-se em uma residência, a de Marcelino Dantas, no centro da cidade. A chegada dessa tropa foi na segunda quinzena de Março.”


“Em fins de Março surge uma história: o partido do Coronel Adolpho Fernandes e Dr. Guilherme queria dividir o instrumental da banda de música em meu poder, uma vez que pessoas do citado partido tinham contribuído para sua compra. Diante disso eu e outros ligados ao Coronel Correia procuramos fazer um levantamento dos que tinham contribuído para a compra dos instrumentos e, assim, encontramos, se não todos, mas quase, a grande maioria correligionários.”


“No dia 3 de abril por volta das três horas da tarde atravessava eu a rua quando vem ao meu encontro Adolpho Fernandes e me diz: ‘Terto, eu quero uma reunião em sua casa para tratarmos desse negócio da música’.” Eu lhe perguntei: quando? Ele respondeu-me: Daqui a pouco. Eu lhe disse: sim, senhor.”


“E por volta das três horas chegaram em minha casa Adolpho Fernandes, Dr. Guilherme Lins, Francisco Dantas, Martiniano Papagaio e outros, todos pertencentes ao partido político do Dr. Horácio Barreto, por eles representados. Convidei-os a entrar e sentarem-se.”


“Adolpho Fernandes expôs que aquele instrumental pertencia a várias pessoas e queria a divisão. Vi logo que o assunto era importante e que se tratava de política. Propus, então, chamar o Coronel Correia para tomar parte no assunto, no que fui atendido. Minutos depois chegava o Coronel Correia.”


“O Dr. Guilherme Lins, em tom severo, disse que estavam ali para dividirem os instrumentos da banda de música. Por sua vez, o Coronel Correia disse que sim, pois era um caso fácil de ser resolvido visto estar ali a lista dos contribuintes, e como instrumento era algo indivisível, propunha pagar a parte dos outros e ficava com eles, ou vice-versa.”


“A esta proposta o Dr. Guilherme, em tom alto, respondeu que aquilo era proposta para botocudo e não para ele, ao que o Coronel Correia retrucou: ‘não conheço outra forma, por se tratar de peças indivisíveis, mas sugiro que, neste caso, que o Senhor lance outra fórmula’.” Nisto, Francisco Dantas interrompe dizendo que é para partir ao meio e o pedaço que lhe tocasse daria a um ferreiro para fazer solda.”


“Neste momento silenciaram todos, não havendo discussão, nem alteração dos ânimos, apenas silêncio, que foi interrompido por Martiniano Papagaio que, levantando-se, foi abrindo o palito como que para puxar uma arma e, dirigindo-se ao Dr. Guilherme, disse: ‘É tempo, Dr., e foi partindo para o Coronel Correia. Estas palavras eu as ouvi, pois estava bem próximo a Martiniano.”


“Outros, porém, confessaram que ouviram Martiniano completar a frase dizendo: ‘é tempo, Dr., não viemos para isto?’ E ao terminar as últimas palavras desfechou uma facada contra o Coronel Correia. Ao lado deste estava o Padre Galvão que se levantando ligeiramente deu com a mão no braço de Martiniano, que empunhava a faca, desviando assim o golpe, ferindo-se levemente.”


“Tumultuou-se o ambiente.”


“Chico Bernardino, tabelião público e amigo do Coronel Correia, apanhou o chapéu que estava em cima de uma mesinha e foi saindo quando lhe surge Francisco Dantas interrompendo-lhe a passagem, com a mão dentro do palito em posição de puxar a faca ou uma outra arma. Eu, nessa ocasião, afastei Francisco Dantas, dizendo-lhe: você está doido, Dantas?”


“Entrei para um quarto ligado à sala, e quando passei pela segunda porta que daria para o corredor da sala, vi o barbeiro Cecílio deitado no chão. Martiniano tinha lhe rasgado o ventre com a faca, pois no momento em que partiu para o Coronel Correia os amigos deste lhe cercaram defendendo-o e Cecílio caiu, com o ventre rasgado, dizendo: ‘por este eu morro’.”


“Além do barbeiro, que teve morte imediata, sofreram ferimentos graves papai - José Ayres -, e Manuel Justino, genro do Coronel Correia, ferido por Martiniano. No momento desta carnificina meu irmão Paschoal Ayres viu quando papai foi furado por Martiniano e, não sei como, de posse de uma faquinha, que naquele tempo tinha o nome de salva-vidas, o atingiu. Logo que Martiniano recebeu a facada, retirou-se da casa. Penso mesmo que esta facada foi salvadora, pois sem ela Martiniano invadiria a casa a esfaquear quem encontrasse, desde que amigo do Coronel Correia.”


“Neste tumulto eu gritava chamando a polícia para nos garantir. Procurei entrar no interior da casa à procura de uma arma, com o fito de impedir que minha família fosse alcançada por aquela selvageria. A única arma que encontrei foi uma chaleira com água fervendo que estava no fogo para fazer café e oferecer aos presentes, velho costume do Sertão.”


CONTINUA...















domingo, 25 de outubro de 2009

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO - II

O FOGO DE PAU DOS FERROS

CONTINUAÇÃO..

“Ponderei que a nenhum dos contribuintes serviriam pedaços de instrumentos, ao que respondeu o Dr. Guilherme: ‘a nós serve’.”

“Fiz ainda outras propostas conciliadoras que não foram aceitas, repetindo o Sr. Doutor Guilherme: ‘só nos serve a divisão dos instrumentos, ainda que sejam em pedaços’.”

 
“Propoz meu amigo Joaquim de Hollanda que se depositasse o instrumental acrescentando eu: ‘pondo-se em hasta pública para se dividir o produto proporcionalmente à contribuição de cada um’.”


“Esta proposta também não foi aceita pelo Sr. Doutor Guilherme que, nessa ocasião, atirou-me palavras grosseiras, secundado nesse gesto pelo Sr. Adolpho Fernandes.”



“Em seguida levantou-se bruscamente o Sr. Martiniano Rego, e disse: ‘vamos Doutor Guilherme, já é tempo, não viemos para isso?’”



“E sacando uma formidável faca o mesmo Martiniano arremessou contra mim, sendo o golpe recebido por Cecílio Nascimento que tomou a minha frente caindo morto instantaneamente.”



“Nessa ocasião o Sr. Francisco Dantas de Araújo, atirando-me uma punhalada, foi ela atingir o meu genro Manoel Justino que igualmente tinha se atravessado na minha frente, procurando livrar-me.”



“Logo após o Sr. Lindolpho Noronha sacando uma pistola para atirar em mim, foi esta arma arrebatada pelo Sr. Francisco Olívio.”



“A esse tempo, vendo o meu genro Manoel Justino que deitava golfadas de sangue pela boca, entrando para o interior da casa procurei segui-lo alcançando-o já cambaleando para cair gravemente ferido.”



“Quando examinava o ferimento do meu referido genro, ouvi uma voz que dizia: ‘José Ayres está muito ferido; corri então ao encontro desse amigo, e na ocasião em que examinava o seu ferimento, chegou o Dr. Régulo Tinôco, Juiz de Direito da Comarca, e me convidou para uma conferência em sua casa, ao que aquiescendo lhe respondi: ‘estou às suas ordens, Sr. Doutor, mas V.Excia. me garante a vida’.”
 
“Está garantida, respondeu o Doutor.”



“Então demo-nos os braços procurando sair; ao chegar à porta da frente, nos separamos, e quando transpunha o batente da porta, disse o Delegado de Polícia para a força postada à frente da casa: ‘é este o homem’, e os soldados foram apontando os rifles contra mim, não tendo porém feito o disparo por que o Sr. Doutor Régulo Tinoco, em tempo, falou: ‘Coronel Correia vai garantido por mim que sou o Juiz de Direito da Comarca’.”



“Chegando à casa do Sr. Doutor Régulo, onde demorei-me alguns minutos, ali soube que a minha neta Elysa Correia tinha sido baleada pela força pública comandada pelo Tenente João Pedro, e que Paschoal Ayres havia sido assassinado pela mesma força, que sobre ele atirara de rifle”.”



“Em vista destas notícias, estando o Doutor Régulo ocupado, disse-lhe que, precisando tomar providências a respeito de pessoas amigas e de minha família gravemente feridas, e outros detidos na cadeia pública, conforme acabava de saber, pedia-lhe licença para aquele fim, caso a conferência pudesse ser adiada, assegurando-lhe então que, à qualquer hora que ele julgasse desocupado, poderia mandar me chamar, que prontamente seria atendido.”



“Minutos depois fui novamente à casa do Sr. Doutor Régulo, atendendo o chamado de Sua Excelência por um praça da força pública, ali demorando-me alguns momentos, e como o Dr. Régulo me disse que estava muito ocupado, me retirei, voltando para minha casa onde, apenas chegado, falava-me, à porta, o Doutor Régulo, acompanhado do Delegado de Polícia Marcellino Onofre de Macedo e do Tenente João Pedro, comandante da força pública.”


“Recebendo-os, e quando lhes dava entrada em minha casa, disse-me o Doutor Régulo que tendo a polícia denúncia de se achar a minha casa cheia de armas e munições, vinha varejá-la, constando mais tarde que o Doutor Régulo fora acompanhando a polícia por consideração com a minha pessoa.”



“Efetivamente o Doutor Régulo não tomou parte no varejamento da casa tendo ficado sentado na sala de visita em companhia de meu genro Antônio Justino.”



“Varejada a casa com a mais rigorosa vigilância e cuidadoso exame pelo Delegado de Polícia e o Tenente João Pedro, e já ao saírem para a sala de visitas, eu disse: ‘os senhores já varejaram todos os compartimentos da casa na parte térrea, mas ainda falta o sótão que não foi visto. E apesar dos mesmos se recusarem a visitar esse departamento, alegando-me que não havia armamento em minha casa, eu insisti em conduzi-lo ao sótão, onde subindo apenas o Delegado, lá encontrou dois rifles velhos desmantelados e enferrujados, onde se deposita todos os móveis imprestáveis em minha aludida casa’.”



“Eis aí o histórico dos desgraçados fatos do dia e de Abril.”



“Disse o ‘Mossoroense’ que ‘Paschoal Ayres foi quem iniciou a sangueira de Pau dos Ferros, apunhalando o Sr. Martiniano Rego’. Paschoal Ayres, só depois que viu Martiniano Rego apunhalar seu pai José Ayres podendo adquirir, no momento da catástrofe, uma faca salva-vida, desta fez uso em legítima defesa, ferindo o mesmo Martiniano.”



“Disse ainda o ‘Mossoroense’ que ‘a morte de Paschoal Ayres resultou de um tiroteio havido entre as hostes aguerridas do Correismo e a força pública que procurando manter a ordem, foi recebida a tiros de rifles.”



“Ora, como se acreditar que os meus amigos, dentro da casa de José Ayres, tivessem feito fogo contra a força pública, quando eles de armas tinham as unhas e a boca para pedir socorro e garantia de vida?”



“E se tivessem essas armas, presos que foram imediatamente à hecatombe, por que a força pública e o criminoso Delegado de Polícia não as apreenderam? Onde estavam essas armas? Não foram, logo após os crimes, varejadas as casas de José Ayres e a minha? Quais as armas encontradas?”



“A morte de Paschoal Ayres deu-se do seguinte modo: quando a força pública que, sob o comando do Tenente João Pedro, atirava de rifle sobre a casa de José Ayres, a invadiu, a família deste procurou abrigar-se em um quarto da mesma casa para se livrar das balas; desse quarto pôde Paschoal, pulando uma janela que dava para o quintal da casa, correr completamente desarmado, sendo perseguido pelos praças que continuaram a atirar contra o mesmo até que, a uma certa distância, um dos projéteis o atingiu, deitando-o por terra, onde veio a falecer poucos momentos depois.”



“Houve tiroteio, é verdade, mas somente da força pública contra uma família mansa, pacífica e de bons costumes, não tendo sido ela assassinada por um milagre da providência.”


“Disse mais o ‘Mossoroense’ que ‘a outra morte e outros ferimentos de parte a parte, foram conseqüências da luta travada dentro de casa, onde diversos amigos meus, bem armados, atiravam com premeditada atenção’.”



“Santo Deus! Quanta miséria!”



“Cecílio do Nascimento quando caiu vítima da facada que lhe vibrou Martiniano Rego, não estava armado. Paschoal Ayres, quando caiu assassinado pela bala de rifle da força pública, estava completamente desarmado, pois a faca que ele adquirira na ocasião da carnificina já lhe havia sido tomada por um membro da família. Com Manoel Justino, apunhalado por Francisco Dantas de Araújo, não foi encontrada arma de espécie alguma. José Ayres, ferido por Martiniano Rego e preso, não tinha arma. Tertuliano Ayres, Tertuliano Primo, filho e genro de José Ayres e Pedro Correia, meu neto, presos juntamente com José Ayres e recolhidos à cadeia, não tinham armas.”



“Onde, pois, estavam essas armas?”



“Por que não disse ‘O Mossoroense’ que os únicos armados de facas, punhais, revólveres, pistolas e rifles eram os criminosos apontados e a força pública ali destacada sob o comando do Tenente João Pedro e a serviço deles?”



“Por que não disse que os que ali foram com premeditada intenção de praticar aqueles crimes são os Srs. Adolpho Fernandes, armado de revólver, Doutor Guilherme Lins, armado de revólver, tanto assim que quando correu sofreu uma queda no meio da rua caindo-lhe, igualmente da mão o revólver, Galdino de Carvalho, de revólver, Francisco Dantas de Araújo de punhal e revólver, o mesmo que apunhalou Manoel Justino, Lindolpho Noronha de pistola que foi tomada pelo Sr. Francisco Olívio, quando aquele procurava atirar contra mim, Martiniano Rego de faca, com a qual assassinou o infeliz Cecílio quando este procurava livrar-me da facada que o dito Martiniano tentou vibrar-me, e com a mesma ainda feriu José Ayres, gravemente no ventre.”


“Por que ‘O Mossoroense’ não diz que a casa do Sr. Galdino de Carvalho era um verdadeiro arsenal onde encontravam dezenas de rifles e munição para mais de dois mil cartuchos, e para onde todos os criminosos corriam dando assim lugar a que a força pública pudesse alvejar os meus amigos, sem o risco de atingir a qualquer deles criminosos?”



“Está aí a realidade dos fatos criminosos do dia 3 de abril, premeditados e ajustados que ao ‘Mossoroense’ não convinha dizer, sobre os quais até hoje nenhuma providência se conhece no sentido de serem punidos os criminosos, continuando alguns dos mesmo, a ostentarem, em pleno mercado público, em dias de feiras, armas, e a repetirem a ameaça terrorista de que se eu a Pau dos Ferros voltar, me tirarão para sempre a vida.”



“Natal, 13 de junho de 1919”



“JOAQUIM CORREIA”



Segundo informação do Professor João Bosco Queiroz Fernandes na obra mencionada, não foi possível encontrar a edição do jornal “O Mossoroense” que publicou editorial acusando o Coronel Joaquim Correia de causador da “Hecatombe de 1919”, motivando sua resposta, intitulada “Sucessos de Pau dos Ferros”, com transcrição acima apresentada. Ao que consta a edição desapareceu. Há indícios, segundo o professor, que a péssima repercussão do editorial originou seu desaparecimento.




CONTINUA...




































sábado, 24 de outubro de 2009

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO I

O FOGO DE PAU DOS FERROS


Corria o ano de 1901. No Cariri, mais precisamente em Missão Velha, o Coronel Antônio Joaquim de Santana, mais conhecido como Coronel Santana apeou do poder, pelas armas, o Coronel Antônio Róseo Jacamaru, seu chefe político e intendente. Pertencendo à família dos Terésios, originária de velhos troncos coloniais, fundadores do Engenho de Santa Teresa, entre Missão Velha e Barbalha, o governou durante dezesseis anos e alimentou o sonho de dominar o sul do Ceará colocando, em cada município, na chefia, uma pessoa de seu sangue.





Seguiu-se a deposição do Coronel José Belém de Figueiredo, chefe político do Crato, em 1904, após tiroteio que durou dois dias e deixou vinte e uma vítimas, das quais oito mortas. Logo depois, em 1906, após tiroteio que durou oito horas, caiu o Coronel Manuel Ribeiro da Costa, conhecido por Neco Ribeiro, sobrinho do célebre caudilho Joaquim Pinto Madeira, da guerra civil absolutista de 1832. Seu algoz foi o Coronel João Raimundo de Macedo, o Joca do Brejão. Venceu quem conseguiu reunir um maior exército de “cabras”.





Veio, após, o fim do reinado político do Coronel Marcolino Alves de Oliveira, arrancado da chefia política do Quixadá pelos Coronéis Joaquim Fernandes de Oliveira e José Alves Pimentel e, em 1907, em Lavras da Mangabeira, a queda do Coronel Honório Correia Lima, curiosamente o filho mais velho de Dona Fideralina Augusto Lima e irmão de Gustavo Augusto Lima, seus carrascos.





Não foram diferentes os anos seguintes, como qualquer leitor poderá constatar lendo “Império do Bacamarte”, obra inigualável de Joaryvar Macedo, fonte dessa pequena introdução, sem qualquer sombra de dúvida uma referência para os estudiosos do fenômeno do coronelismo no Brasil, principalmente do Sertão nordestino, e sua relação com o cangaço e o misticismo próprios da região. Joaryvar, alicerçado em profunda pesquisa bibliográfica, em jornais antigos, depoimentos pessoais, literatura de cordel, e outras fontes primárias, tal como processos-crimes, nos legou um impressionante painel histórico do Cariri cearense e seus principais personagens, os coronéis.





Teria sido esse epifenômeno, o coronelismo, circunscrito ao Sertão do Cariri? Claro que não. Muito pelo contrário, acerca de sua importância, sua presença no mundo rural brasileiro, conseqüência tardia de certa estrutura de poder típica de uma aristocracia renascida na América litorânea - os senhores de engenho pernambucanos e paulistas -, renovação da velha árvore multissecular portuguesa, como podemos inferir a partir da obra de Raymundo Faoro, “Os Donos do Poder”, e sua abordagem do feudalismo nacional, “nascido neste lado do Atlântico, gerado espontaneamente pela conjunção das mesmas circunstâncias que produziram o europeu”. Diz-nos Faoro: “O quadro teórico daria consistência, conteúdo e inteligência ao mundo nostálgico de colonos e senhores de engenho, opulentos, arbitrários, desdenhosos da burocracia, com a palavra desafiadora à flor dos lábios, rodeados de vassalos prontos a obedecer-lhe ao grito de rebeldia. Senhores de terras e senhores de homens, altivos, independentes, atrevidos – redivivas imagens dos barões antigos”.





O próprio Joaryvar Macedo assim começa “Império do Bacamarte”: “No território pátrio, o fenômeno do coronelismo esboçou-se na Colônia, tornou-se realidade no Império e consolidou-se após o advento da República”. Ainda: “Entre nós a Primeira República, também denominada, consoante já se esclareceu, República dos Coronéis, teve no coronelismo uma das suas marcas principais. Mais acentuado no Nordeste, o fenômeno generalizou-se por todo o País, do Amazonas ao Rio Grande do Sul”.





No Rio Grande do Norte, que houve coronéis, disso não há qualquer dúvida. Basta consultar “Coronéis do Seridó”, de Pery Lamartine, e conhecer desde o Coronel João Damasceno Pereira de Araújo, o João Damasceno do Saco do Martins, até o Coronel Cazuza do Ipueira, passando por Silvino Bezerra de Araújo Galvão, José Bernardo de Medeiros, Laurentino Theodoro da Cruz e vários outros senhores proprietários de terra e líderes políticos. Todos descendentes de portugueses que avançavam Sertão adentro, a arrancar da indiada insubmissa a terra que lhe pertencia imemorialmente até o fim da Guerra dos Bárbaros (1687-1697), quando, por fim, do Vale do Açu, passando por Apodi, no Alto Oeste, até o Seridó, em Acauã, os vitoriosos fincaram definitivamente seus marcos sob os despojos do conflito.





Mas teria, havido, no Rio Grande do Norte, alguma deposição, entre coronéis, pela força das armas? Alguma violenta tomada do poder? Sim, houve, embora pouco conhecido hoje, um episódio em nada diferente de tantos ocorridos no Cariri, do qual talvez tenha vindo o eco, dada a relativa proximidade entre aquela região e o Alto Oeste potiguar, onde ocorreu a história aqui abordada. Para contá-la, a melhor fonte pesquisada foi “Joaquim José Correia LIDER OESTANO”, do professor João Bosco Queiroz Fernandes, da Coleção Pauferrense.





Estamos em 1919. Com o advento da República o Partido Republicano foi organizado no Rio Grande do Norte sob a liderança de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Em Pau dos Ferros essa responsabilidade caberia ao Coronel Joaquim José Correia, sob a liderança direta de Joaquim Ferreira Chaves, que havia sido juiz do município até 1887, quando foi promovido para Nova Cruz.





Joaquim Ferreira Chaves partira tendo deixado o Partido Republicano Federal cindido ao meio em Pau dos Ferros. De um lado, Joaquim José Correia e as famílias Rêgo e Ayres. Do outro, o Coronel Adolpho Fernandes e as famílias Bessa e Marcelino Oliveira. Em 20 de março de 1917, pressionado por Ferreira Chaves, Joaquim Correia e Adolpho Fernandes assinaram um acordo político por intermédio do qual caberia, ao primeiro, a liderança política regional, que mesmo assim, teve demitidos seus correligionários dos cargos por eles ocupados e substituídos por indicações de seu opositor. Como conseqüência, Joaquim Correia rompe com Ferreira Chaves, mas permanece no partido sob a liderança de Tavares de Lyra e Alberto Maranhão.





Essa cizânia política foi o pano-de-fundo da denominada “Hecatombe de 1919” ocorrida em Pau dos Ferros, que ocasionou a retirada de Joaquim Correia para residir em Natal. Segue o relato do Coronel, publicado em 13 de junho de 1919 no jornal “A Opinião”, de Natal, transcrita em 20 de julho do mesmo ano no jornal “O Nordeste”, de Mossoró, e editado pelo articulista:





“No dia 2 de abril deste ano (1919), às duas horas da tarde, fui chamado pelo meu distinto amigo Tertuliano Ayres, então diretor e professor da Filarmônica Pauferrense, à casa de seu pai José Ayres.”





“Ali chegando, encontrei os senhores Adolpho Fernandes, Doutor Guilherme Lins, Francisco Dantas de Araújo, Galdino de Carvalho, Martiniano Rêgo (vulgo Papagaio), Hypólito Cassiano de Souza, Ezequiel de Souza, filho deste, Marcelino Francisco de Oliveira (vulgo Mano Marcelino), Lindolpho Noronha e outros, meus adversários.”





“Depois de cumprimentar a todos, me disse o meu amigo Tertuliano Ayres: ‘Coronel, mandei chamá-lo por que o Senhor Adolpho Fernandes pediu-me uma conferência em nossa casa e, aqui chegando, acompanhado dessas pessoas presentes, o Senhor Doutor Guilherme Lins apresentou-me uma lista das pessoas amigas dele que contribuíram para a compra do instrumental da Filarmônica Pauferrense, acrescentando que querem retalhá-lo hoje mesmo. Em vista disso, peço=lhe para entender-se com estes senhores, a fim de resolver o negócio amigavelmente’.”





“Então pedi a lista para ver os contribuintes que nela figuravam, dizendo em seguida: ‘os senhores já estão munidos da lista de seus amigos que concorreram para a compra do instrumental, nós, porém, assim de surpresa, não podemos liquidar este negócio, por que nada existindo escrito, de momento, não nos é possível, com certeza, dizer quais os nossos amigos que também contribuíram para a dita compra, e, nem tampouco, com quanto contribuiu cada um, portanto peço aos senhores para adiarmos a liquidação para amanhã, à mesma hora de hoje, quando então poderemos chegar a um razoável acordo, pois vou colher informações nesse sentido.”





“O Senhor Doutor Guilherme Lins e outros seus amigos relutaram em atender esse pedido, repetindo aquele, com insistência: ‘o negócio deve ser decidido hoje’.”





“Afinal a reunião ficou adiada para o dia seguinte.”





“À hora marcada compareci à casa de José Ayres, onde já encontrei reunidos os mesmos do dia anterior e mais outros meus adversários, estando também presentes alguns amigos meus e o Reverendíssimo Padre Manoel Galvão, Vigário da Freguesia, como um dos contribuintes por parte da Igreja.”





“Ao entrar saudei a todos, dando a mãos aos senhores Doutor Guilherme, meu colega de Congresso, e Adolpho Fernandes, chefe situacionista de há poucos dias.”





“Sentando-me, disse: ‘conforme me comprometi, trago hoje a lista dos amigos que também contribuíram para a compra do instrumental’.”





“Em seguida passei a ler a dita lista, sendo impugnada a assinatura de Francisco Pedro pelo Senhor Doutor Guilherme, tendo o mesmo Francisco Pedro, ali presente, confirmado-a.”





“Conhecidos assim os contribuintes de ambas as partes, fiz a seguinte proposta: ‘proponho pagar aos senhores a importância com que contribuíram para a compra do instrumental, ficando nós com o mesmo, ou de modo contrário, os senhores nos pagam a importância com que contribuímos para a mesma compra, ficando com o dito instrumental.”





“Ao que respondeu imediatamente o Dr. Guilherme Lins: ‘não aceitamos absolutamente proposta alguma; só nos serve a divisão dos instrumentos, ainda que sejam em pedaços’.”





CONTINUA...