sábado, 27 de abril de 2019

LEGALISMO, GARANTISMO, LEGITIMISMO, COISA E TAL

* Honório de Medeiros

Os juízes e promotores brasileiros são, em sua grande maioria, tendo em vista as poucas e honrosas exceções, metamorfos jurídicos(1) garantistas (2), quando julgam os outros, e legalistas (3) quando se trata de defender benefícios para eles mesmos.

(1) Metamorfoses ambulantes, à  Raul Seixas; 

(2) Garantismo: confusa teoria jurídica que entende a norma jurídica como uma casca ou invólucro cujo recheio, ao interpretá-la, será composto a partir da noção individual ou particular específica acerca do que seja "O Justo", "O Certo", "O Bem Social", etc., para cada juiz; solipsismo jurídico; crença na onisciência do juiz enquanto alguém capaz de saber, mais que a própria Sociedade, o que é bom ou ruim, justo ou injusto, certo ou errado, para cada um dos outros, ou para todos de uma só vez; desapreço ou descrença oblíqua na capacidade da Sociedade de regular seu próprio Destino.

(3) Legalista: teoria jurídica que prega a interpretação fria ("ipsis litteris") da norma jurídica positiva, ou seja, aquela constante dos códigos e legislações; para o legalista, pau é pau, e pedra é pedra, e não existe nada entre uma coisa e outra; às vezes são denominados, pelos apedeutas, de positivistas, demonstrando, assim, que a estratégia de desconstrução do óbvio, por parte de quem o deseje, não pertence apenas à Política e sua incrível capacidade de demonizar reputações; idolatram Heráclito de Éfeso, um pré-socrático, por ter afirmado que "o povo deve lutar por suas leis como pelas muralhas de sua cidade".

O "garantismo", ou seja, a "interpretação constitucional da legislação", no Brasil, que é a face exposta e retórica do ativismo judicial, nada mais é que a vitória do STF em sua queda de braço com o Poder Executivo e a Sociedade, no sentido de estabelecer quem, de fato, exerce o Poder Político no País.

Por intermédio da interpretação constitucional o STF (seus ministros), esgrimindo difusos e confusos princípios constitucionais que externam seus difusos e confusos juízos de valor (aureolados por uma retórica de "cientificidade"), e atropelando o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal, governa, de fato, o Brasil.

A tradicional ojeriza do Homem em assumir a responsabilidade pelos seus atos o levou a construir um "escudo ético" para ocultar-se quando interpreta, constrói e/ou aplica a norma jurídica: atribui seus atos à "ciência", quando nada mais são que juízos de valor investidos de Poder.

Houve uma melhora, ao longo do tempo: antigamente atribuíam-se esses atos à vontade de Deus, dos quais alguns homens seriam seus intérpretes.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

A RETÓRICA É UMA TÉCNICA DE PODER

* Honório de Medeiros

* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências,pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

Na verdade, a Retórica é uma técnica para a obtenção e manutenção do Poder.

Muito além de uma mera técnica de persuasão, como propõem alguns teóricos. A persuasão é, apenas, uma das faces da Retórica, tal como a manipulação ou a sedução.

A Retórica pressupõe a existência, em polos distintos, de alguém a almejar que o Outro faça ou deixe de fazer algo.

Há uma tentativa de circunscrever a Retórica ao espaço da persuasão, que ocorre quando o Outro cede, por vontade própria, posto que convencido, à vontade do persuasor.

Nada menos verdadeiro: na tentativa de persuasão do Outro, em ocorrendo, por mais ética que seja,  a vontade do persuasor se impôs à do persuadido, alterando sua percepção das coisas e dos fenômenos.

Como a ninguém é dado a primazia de saber o que é certo ou errado, se o Outro é persuadido sem que isso tenha ocorrido por si mesmo, sem interferência externa, então temos, mesmo quando inconscientemente, uma imposição de vontade.

Evidente que no mundo das verdades da ciência não se há que falar em persuasão: aqui a demonstração lógica se impõe por si mesma.

Na persuasão, a ocultação inconsciente da intenção de imposição da vontade do persuasor pressupõe, na maioria das vezes, uma crença, a fé nos próprios desígnios de quem persuade, mas nem sempre é assim.

Aquele que tenta persuadir não raro o faz deliberadamente, querendo influenciar o Outro a modificar sua vontade. Em tese, seria esse um dos alicerces da Democracia.

A manipulação, por sua vez, é "la bête noire" da Retórica. O propósito a ser obtido é escuso. Aqui não há limite ético quanto à intenção da alteração da vontade do Outro.

Assim ocorre, também, no que diz respeito à sedução.

Qual a diferença entre manipulação e sedução? Sutil. Somente pode ser percebida por intermédio da introdução da noção de “vontade”.

Essa noção, segundo Hannah Arendt[1], foi introduzida na discussão filosófica por intermédio de São Paulo, em sua famosa Carta aos Romanos. E, através dela, podemos entender por que o “eu quero” nem sempre corresponde ao “eu consigo”.

Ou seja, minha razão pode determinar claramente o rumo a ser seguido, entretanto não consigo me colocar em movimento.

Na manipulação[2], a razão e a vontade do Outro, enganado, aderem à vontade do persuasor; na sedução, a razão é contra, mas cede por não ter forças para a recusa.

Na sedução o Outro não é enganado e não muda sua percepção das coisas ou fenômenos, entretanto não consegue resistir ao sedutor.

Seja persuasão, seja manipulação, seja sedução, todas são instrumentos da Retórica, que é uma técnica de obtenção e manutenção do Poder, e têm, como objetivo, fazer com que a vontade de quem a utiliza influencie, seduza ou manipule, no sentido de alterá-la, as ações do Outro.

[1] Responsabilidade e Julgamento; ARENDT, Hanna.

[2] Justiça versus Segurança Jurídica e Outros Fragmentos; de MEDEIROS, Honório.

sábado, 6 de abril de 2019

ÀS MÁQUINAS, O MUNDO!

* Honório de Medeiros

Conto, em meu Poder Político e Direito - A Instrumentalização Política da Interpretação Jurídica Constitucional, um fato narrado por Sir Winston Churchill em My Early Life – A Roving Comission, para ressaltar seu “lado” pouco conhecido de epistemólogo que fez uma opção decidida pelo Realismo, em oposição ao Idealismo.

Esse seu “lado” de filósofo – é bom lembrar que ele foi também escritor, pintor e memorialista e a sua obra, nomeadamente as Memórias de Guerra (1948-1954), valeu-lhe o Prémio Nobel da Literatura em 1953 – me veio à mente ao ler, quase que por acaso, uma frase que ele proferiu: “Moldamos os nossos prédios e depois eles nos moldam”.

A leitura foi da excelente resenha que Ricardo Abromovay publicou na Revista “Quatro Cinco Um”, acerca de três obras ainda não traduzidas para o português e que tratam daquilo que o autor denomina de “Sociedade da Vigilância em Rede”.

Pois bem: Abromovay nos induz ao seguinte raciocínio analógico: se nos moldam os prédios que nós construímos, segundo o brilhante “insight” de Churchill, podemos esperar algo diferente em relação à “Rede”?

Até aí tudo tranquilo. É difícil quem pense o contrário entre “cabeças pensantes”. O problema é que o diabo mora nos detalhes, como diz o famoso provérbio alemão.

Cito Abromovay:

“Na verdade, as informações permanentemente coletadas e analisadas por algoritmos, cujo funcionamento nos é completamente opaco, permitem que nossa conduta seja previsível e, justamente por isso, abrem caminho a uma interferência em nosso cotidiano que é inédita e atinge todas as esferas da vida social. 

Em 2014, por exemplo, a Amazon patenteou um sistema que permite antecipar o que os clientes querem comprar, antes mesmo que eles próprios o saibam. A mágica está nas informações reunidas sobre cada um de nós e na análise que delas é feita”.

Apavorante.

Lembrei-me que certa vez perguntaram a Stephen Hawking se a inteligência artificial iria nos superar – a chamada “singularidade tecnológica”. “É bem provável que sim”, respondeu ele. E propôs embutir sensores éticos nas nossas máquinas inteligentes. “Como assim”, me perguntei. “Sensores éticos?”

E me lembrei da sociedade distópica imaginada por George Orwell em 1984: no futuro totalmente controlado por intermédio da inteligência artificial não é o “Grande Irmão” quem dará as cartas. Serão as máquinas.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓS DO ALTO OESTE POTIGUAR (III)

Honório de Medeiros
* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências,pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, O TRONCO

Do casamento de DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ (filho do "Marinheiro" JOSÉ PINTO DE QUEIRÓZ, o patriarca da Serrinha dos Pintos e ANNA MARTINS DE LACERDA) com MARIA JOSÉ DO SACRAMENTO (filha primogênita de MATHIAS FERNANDES RIBEIRO e MARIA GOMES DE OLIVEIRA MARTINS) surgiram, como dito no artigo anterior, os FERNANDES DE QUEIRÓZ do Alto Oeste do Rio Grande do Norte.

Acerca de DOMINGOS JORGE, quase nada se sabe. Teria nascido em 1772. Em Memorial de Família, João Bosco Fernandes nos conta que o casal teve quatorze filhos, abaixo nominados, em texto transcrito, ipsis litteris:

"1. ANTÔNIO FERNANDES DA SILVEIRA QUEIRÓZ (o Major do Exu), casado com sua prima JOANNA GOMES DE AMORIM;

2. JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ E SÁ, Tenente Coronel de Batalhão, casado com MARGARIDA GOMES DA SILVEIRA (filha do Coronel AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ);

3. AGOSTINHO JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, casado com MARIA GOMES DE QUEIRÓZ;

4. O Cônego PEDRO FERNANDES DE QUEIRÓZ, deputado provincial em três legislaturas: 1835/1837, 1838/1840, 1845/1847. Retirou-se para Pernambuco, onde residiu por quase trinta anos, vindo a falecer naquele Estado, em 1875;

5. DOMINGOS JORGE DE SÁ FILHO, casado com COSMA DE QUEIRÓZ, sem deixar filhos. Domingos faleceu com 98 anos, na fazenda João Gomes;

6. JOSÉ JOAQUIM DE QUEIRÓZ, casado com ISABEL DE QUEIRÓZ;

7. RAIMUNDO JORGE DE QUEIRÓZ, casado com sua sobrinha JOANNA MARTINS DE LACERDA, filha de MANOEL FERREIRA DA SILVA e JOANNA FRANCISCA DE LACERDA;

8. JOANNA FRANCISCA DE LACERDA, que se consorciou com seu tio ANTÔNIO FERNANDES RIBEIRO (o Perna de Pau), filho de MATHIAS FERNANDES RIBEIRO; casada pela segunda vez com MANOEL FERREIRA DA SILVA SANTIAGO;

9. SILVANA MARTINS DE LACERDA, que convolou núpcias com IGNÁCIO FERREIRA DA SILVA, filho do anterior;

10. MARIANA MARTINS LOPES, esposa de VICENTE LOPES (da Serrinha), filho de JOSÉ LOPES e CLARA MARTINS; 

11. THEREZA MARTINS LOPES, casada com Domingos Lopes, irmão de VICENTE LOPES, citado acima;

12. BENTA MARTINS DE LACERDA, consorciada com FRANCISCO PEIXOTO (do Pinhão);

13. MARIA DE JESUS FERNANDES GURJÃO, foi mulher do Major VICENTE BORGES GURJÃO, descendente de família do Pará;

14. ANNA MARTINS, que se casou com FRANCISCO da Serrota".

No próximo artigo trataremos do Tenente-Coronel José Fernandes de Queirós e Sá. 


[1] FERNANDES, João Bosco; Memorial de Família: Pesquisa Genealógica; 1ª edição: 1.994; Halley S/A: Gráfica e Editora, Teresina, Piauí. 

[2] LIMA, Manoel Jácome de; Martins; Coleção Mossoroense - V. 852;  Coleção Humanas Letras - CCHLA/UFRN - Natal, 1995. 

sexta-feira, 29 de março de 2019

A PEQUENINA FLOR LILÁS

* Honório de Medeiros

Havia uma única e pequenina flor lilás no nicho de cimento no qual algumas poucas plantas ressecadas resistiam bravamente à secura daquele começo de dezembro.

Bárbara desceu da cadeira onde a tínhamos colocado e enquanto se preparava para explorar os seus arredores, pediu nossa aprovação nos olhando com o silêncio próprio dos seus dois anos e pouco.

Em passos trôpegos se dirigiu para o canteiro. Parou. Fixou sua atenção na pequenina flor solitária e, em seguida, estendeu sua mãozinha gorducha. Não a pegou com a mão inteira como seria próprio em sua idade. Com o polegar e o indicador, cuidadosamente, segurou no talo que sustentava a flor e o puxou decidida.

Arrancou a flor na primeira tentativa. Manteve-a na mão e a contemplou durante algum tempo, provavelmente pensando no que fazer. Virou-se para nossa mesa. Olhou para mim, e, atenta ao meu olhar, veio em minha direção bamboleando e estendendo a flor numa oferta silenciosa, enquanto meu coração se apertava lentamente. 

Essa flor, a pequenina flor lilás, eu, quanto a ela não tive dúvida: em frente ao local onde então trabalhava havia um mercado aberto de camelôs e, dentre eles, um operador de máquina de plastificação de documentos.

Procurei-o e lhe expus minha história e meu projeto: aprisioná-la entre duas páginas de plástico. Ele entendeu – eu poderia jurar que um ligeiro brilho clandestino formado por um misto de lembrança e saudade surgiu no canto dos seus olhos.
A flor foi depositada em cima de uma folha de plástico, recebeu outra por cobertura e a máquina, previamente aquecida, as comprimiu unindo-as para sempre.

Depois, foi só recortar e depositá-la, para que ficasse guardada, qual talismã, na minha carteira de documentos onde jaz, a primeira flor, lilás, que minha filha me deu de presente quando tinha dois anos e pouco de idade.

De lá para hoje, várias vezes me pego pensando acerca daquele momento mágico, o da oferta da flor. Tento reproduzir em detalhes toda a cena, desde o início até o final, quando então suspendi minha filha e a cobri de beijos. 

Os detalhes vão ficando esmaecidos ao longo do tempo e os contornos dos objetos – a mesa, as cadeiras, o terraço, a face de minha esposa, a imagem de Bárbara – vão desaparecendo lentamente, e todo o processo de recordar vai sendo substituído, aos poucos, pelo desejo de compreender algo impossível: o quê se passava na cabecinha dela quando olhou para a flor, resolveu colhê-la e, em seguida, entregá-la a mim? Em que momento decidiu dar esse último passo? Por quê? Como uma criança de dois anos e pouco pode ter em seu ainda pouco povoado universo simbólico, a noção de que a oferta de uma flor é um gesto através do qual se externa um afeto? 

Claro que dirão que estou imaginando coisas. Nada teria havido ali de especial. Seria tudo muito simples e fácil de explicar: trata-se de um gesto surgido de uma associação de ideias. Ela viu alguém fazendo isso e se lembrou de fazer o mesmo. Ora, meu Deus! Essas pessoas não creem. Veem tudo cinza. Acham que um arco-íris é tão-só gotículas de água atravessadas por um raio de sol. Percebem o mundo apenas através da lógica do senso comum.

São os homens-ocos, dos quais falou o poeta T. S. Elliot em Os Homens Ocos

"Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou os pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada".

Por causa dessas mesmas pessoas eu mesmo poderia não acreditar, hoje, em anjos, mas sei que eles existem, existem sim, sou capaz de jurar, basta, para isso, contemplar minha pequenina flor lilás.

segunda-feira, 25 de março de 2019

A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓZ DO ALTO OESTE POTIGUAR (II)

* Honório de Medeiros
* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências,pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.



JOSÉ PINTO DE QUEIRÓZ, A OUTRA RAIZ


Vimos no artigo anterior que MATHIAS FERNANDES RIBEIRO pode e deve ser considerado uma das raízes dos Fernandes de Queiróz do Alto Oeste potiguar. A outra raiz foi o Marinheiro[1] JOSÉ PINTO DE QUEIRÓZ, o patriarca da Serrinha dos Pintos, hoje Município, mas que pertenceu a Martins. 

Dele pouco se sabe exceto o que se pode colher, conforme João Bosco Fernandes[2], em seu inventário, datado de 1781 e existente no Cartório do Registro Civil de Portalegre, RN, assinado por sua viúva ANNA MARTINS DE LACERDA, no qual consta seu falecimento em 25 de novembro de 1780. 

ANNA MARTINS DE LACERDA, filha de FRANCISCA DA COSTA PASSOS e VIOLANTE MARTINS DE LACERDA, era irmã de JOANNA MARTINS DE LACERDA, MARIANNA MARTINS DE LACERDA, LUIZA MARTINS DE LACERDA, ANTÔNIO MARTINS DE LACERDA e MATHIAS FERNANDES RIBEIRO. 

MATHIAS FERNANDES RIBEIRO, como sabemos, foi casado com MARIA GOMES DE OLIVEIRA MARTINS (filha primogênita do Capitão Francisco Martins Roriz e Micaela), de quem teve vários filhos, dentre eles, MARIA JOSÉ DO SACRAMENTO, nascida em 1778. JOSÉ PINTO DE QUEIRÓZ e ANNA também tiveram muitos filhos, dentre eles DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, nascido em 1772. 

Do casamento de DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ com MARIA JOSÉ DO SACRAMENTO surgiram os FERNANDES DE QUEIRÓZ do Alto Oeste do Rio Grande do Norte. 

Antes de continuar, entretanto, é importante traçar o perfil de um irmão de DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, O Tenente-Coronel AGOSTINHO PINTO DE QUEIRÓZ, depois AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ. 

AGOSTINHO PINTO DE QUEIRÓZ, depois AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ nasceu em Martins, no Rio Grande do Norte, em 21 de abril de 1870, e faleceu em 6 de março de 1866 na mesma cidade. Casou-se com FRANCISCA ROMANA DO SACRAMENTO, filha de MATHIAS FERNANDES RIBEIRO. Foi um homem notável, em sua época. Revolucionário em 1817, e encarcerado na Bahia de 1817 a 1822, quando foi anistiado[3]

Em 1832 combateu Pinto Madeira na fronteira com o Ceará. Manoel Onofre Jr[4] nos conta, citando Nestor Lima, que por terem fugido do batalhão por ele comandado “dois soldados, Patrício e Felizardo (...), o comandante mandou prendê-los e sumariamente fuzilá-los por deserção. Foi, por isso, julgado e condenado, mas a condenação prescreveu, porque nunca foi executada, e ele sempre residiu na serra”. 

Logo após o combate, escreveu ao Governador da Província do Rio Grande do Norte pedindo para trocar o sobrenome “Pinto” por “Fernandes”, da família de sua esposa. Em 27 de fevereiro de 1842 passou a ser o primeiro Presidente da Câmara Municipal (Intendente) da Vila de Maioridade (atual Martins). 

Tavares de Lira[5] lembrou que “Quando o saudoso desembargador Vicente de Lemos fazia a remodelação do Arquivo da Secretaria do Governo, encontrou a prova documental desse fato e a entregou a um bisneto daquele revolucionário: 

“Quartel de Portalegre, 7 de maio de 1832. 

Ilmo. e Exmo. Snr. Presid. da Prov. do Rio Grde. do Norte, 

JOAQUIM VIEIRA DA SILVA E SOUZA 

Tenho em mta. consideração o Respeitável ofício de V. Excia., de 7 de maio p.p., e de toudo conteúdo estou certo a dar sua devida execução. 

Deus guarde V. Excia. mO amO. 

L.S. Sempre foi o meu Velaxo de PINTOS, como tenho excomungado o PINTO MADRa., mudei o meu Velaxo deora indeante pa. FERNANDES. 

Tente. Coronel 

AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ[6].” 

Em 1838, o regente do Império nomeou-o um dos Vice-Presidentes da Província do Rio Grande do Norte. 

Câmara Cascudo[7] relatou que de Agostinho vem uma tradição comovente: “Prisioneiro na cadeia da Baía, Agostinho teve um grande amigo na pessoa de um oficial chamado Childerico. Dispensa de serviços, melhoria na alimentação, livros para ler, notícias de Martins, tudo Childerico arranjava. Indultado, Agostinho Pinto de Queiróz fez a singular promessa de manter na família o nome daquele a quem devia tantos obséquios. Até hoje, há mais de cem anos, a família Fernandes cumpre a imposição emocional de seu antigo chefe. Há sempre vários Childericos, nomes de reis merovíngios, entre os sertanejos norte rio grandenses”.

No próximo artigo começaremos o estudo da descendência de DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ.

[1] Como eram conhecidos os portugueses homens naquele tempo. 

[2] FERNANDES, João Bosco; Memorial de Família: Pesquisa Genealógica; 1ª edição: 1.994; Halley S/A: Gráfica e Editora, Teresina, Piauí. 

[3] Em Natal a revolução se mantivera de 29 de março a 25 de abril de 1817, encerrando-se com o assassinato do comandante André de Albuquerque. 

[4] MARTINS A Cidade e a Serra; 3ª edição; Sebo Vermelho; Natal, Rn. 

[5] História do Rio Grande do Norte.

[6] Conforme “A República”, Natal, Rn, 30 de abril de 1926. 

[7] Citado em O Guerreiro do Yaco, de Calazans Fernandes.

sábado, 23 de março de 2019

DE UMA LONGA E ÁSPERA CAMINHADA

* Honório de Medeiros



Nos anos 90 dediquei-me a estudar Hegel.

Peguei meu exemplar do Princípios da Filosofia do Direito, cuja primeira edição é de 1918, e me lancei na empreitada, mesmo a contragosto, ante a dificuldade de compreender o pensamento do autor, que se expressava em uma linguagem abstrusa, própria de sua época.

Fichte, a quem se atribui ter sido a ponte entre Kant e Hegel, era ainda pior, mas eu acreditava que era uma espécie de dever moral um estudante de Direito e do marxismo conhecer sua obra.

A duros custos cheguei lá. Não pelas dificuldades que o texto, em si, e que são grandes, propunham, e do qual o parágrafo abaixo é um bom exemplo:

"O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo".

É que eu não conseguia esquecer, em cada momento da leitura, a opinião que de Hegel tinha Schopenhauer, por quem nutro grande admiração.

Para se ter uma ideia Schopenhauer disse, citando Shakespeare (Cimbelina, ato V, cena 4), em sua Vontade da Natureza, que a filosofia de Hegel era "uma conversa de loucos, vinda da língua e não do cérebro". E em O Mundo Como Vontade e Representação, não deixou por menos:

"Hegel, imposto de cima pelos poderes vigentes, como o Grande Filósofo oficializado, era um charlatão de cérebro estreito, insípido, nauseante, ignorante, que alcançou o pináculo da audácia por garatujar e fornicar as mais malucas e mistificantes tolices. Essas tolices foram barulhentamente proclamadas como uma sabedoria imortal, por seguidores mercenários, e prontamente aceitas como tal por todos os tolos, que assim se juntaram num coro perfeito de admiração, como nunca antes se ouvira."

Tem muito mais de Schopenhauer em relação a Hegel, mas é o suficiente. Além dele, na mesma época há, por exemplo, Kiekergaard, autor de O livro do Juiz e crítico severo de seu historicismo, e citado por Sir Karl Raymund Popper em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos:

"Houve - escreve Kierkegaard - filósofos que tentaram, antes de Hegel ... explicar a história. E a Providência só podia sorrir ao ver tais tentativas. Mas a Providência não se ria às escâncaras, pois havia neles sinceridade e honestidade humanas. Mas Hegel!... Aqui preciso da linguagem de Homero. Como os deuses gargalharam trovejantemente! Esse pequenino e horrendo professor compreendeu simplesmente a necessidade de cada uma e de todas as coisas que existem, e agora executa em seu harmoniozinho toda a peça: 'Escutai, deuses do Olimpo!'"

Karl Popper comenta a citação dizendo que as expressões de Kierkegaard são quase tão fortes quanto as de Schopenhauer, quando afirma, um pouco depois, que o hegelianismo, "esse brilhante espírito de podridão, é a mais repugnante das formas de licenciosidade", "mofo de pompa", e possui um "infame esplendor de corrupção".

Em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, Popper, lá para as tantas, se pergunta a razão pela qual ainda precisamos nos incomodar com Hegel:

"A resposta é que a influência de Hegel permaneceu como força poderosíssima, apesar do fato de que os cientistas nunca o levaram a sério (...) A influência de Hegel e especialmente a do seu jargão, é ainda muito forte em sua filosofia moral, e social, como nas ciências sociais e políticas (com a única exceção da economia). Especialmente os filósofos da história, da política e da educação, ainda estão sob seu império, em ampla extensão. Em política isso é mais amplamente mostrado de que tanto a ala extrema marxista, assim como o centro conservador e a extrema direita fascista baseiam suas filosofias políticas em Hegel; a ala esquerda substitui a guerra de nações que aparece no esquema historicista de Hegel pela guerra de classes; a extrema direita substitui-a pela guerra de raças; mas ambos o seguem mais ou menos conscientemente (o centro conservador é, em regra, menos consciente do que deve a Hegel)".

Mesmo assim li Hegel. Conclui minha tarefa auto-imposta. Ter continuado a estuda-lo me permitiu, algum tempo depois, procurar entender a ligação entre a dialética de Heráclito de Éfeso, a de Hegel e sua Filosofia da Identidade, e a de Marx.

Fez-me capaz de, certo ou errado, conectar esse entendimento com a Teoria da Evolução, por intermédio da Teoria do Meme, exposta por Sir Richard Dawkins em O Gene Egoísta.

Permitiu-me, por fim, compreender que sem a ciência qualquer teoria acerca de fatos históricos é mera especulação.

Quanto à Filosofia, pura metafísica, delírio da Razão.

quarta-feira, 20 de março de 2019

NÃO É MARTINS UMA ILHA?


Serra do Martins

muitasoutras.blogspot.com 


* Honório de Medeiros                           

Os olhos claros da garçonete não olhavam, ou faziam de conta que não olhavam, os seus admiradores espalhados pelas mesas do restaurante onde trabalhava. 

Também não olhavam para os passantes na calçada da praça em frente, tampouco para nós outros que estávamos em restaurantes vizinhos e separados por um espaço puramente imaginário.

Mas nós sabíamos que ela sabia dos nossos olhares. Havia uma sabedoria ancestral, herdada de Eva, naquela sua reserva dissimulada à nossa admiração. Sabedoria que a Serra burilara com seu isolamento ilhéu. 

Pois não é a Serra uma ilha no vale? Não é Martins com seu frio invernal de Julho, a névoa como um véu ocultando as formas das árvores centenárias nos sobrenaturais caminhos de barro que conduzem para os sítios, uma ilha no coração do Sertão?

Não sabia disso Francisco Martins Roriz quando fincou, no século XVIII, seus pés portugueses à margem da Lagoa dos Ingás e construiu uma Capela exatamente onde sua companheira, Micaela, foi encontrada morta?

Não sabia que ali estava um lugar como não havia igual em todo aquele mar de terra, sol, cinza, pó, pedra e solidão que lhe cercava? 

A garçonete, vai e vem. O que pensará enquanto desliza e atende, alheada de si e da presença de sua beleza, a beleza das mulheres de Martins, a todos nós que subimos a Serra e nos entregamos ao prazer ancestral de comer, beber, amar e conversar, receber a dádiva do frio e das árvores, do céu estrelado onde a escuridão, no Vale, somente se rende às luzes trêmulas de pequeninas casas isoladas? 

Talvez não pense. Talvez aja mecanicamente. Mas, ali, em Martins, não é possível que a realidade seja menor que a arte. Ao contrário. Ali, a arte imita a vida. E seu pensamento, com certeza, não desmerece todo o clima que envolve a cidade.

Há luzes, cores, música, risos, então há romances, amores, paixões que surgem, outras que desmoronam, no interminável e efervescente ciclo da vida.

Em sua cabecinha loura com certeza há a espera ansiosa pelo fim da noite ou começo da madrugada, como queiram. Decerto há alguém que a espera com palavras, carinhos, compromissos; há tudo quanto é humano e os deuses abençoam. Não pode ser de outra forma. 

Talvez ela seja de um sítio vizinho ou mesmo distante. Não quis perguntar. Pode ser que eu conheça algum dos seus moradores. Alguém vivido, que conseguiu sair de Martins e voltou depois de muitos anos sem que a saída afetasse seu coração e sua alma. Alguém que não foi corrompido pelo mundo exterior – por que Martins é uma ilha! -, não esqueçamos. 

Esse homem ou mulher já mal vê o mundo, seus olhos estão ficando velados pelo tempo. Não importa. Com sua idade e sabedoria, o mundo está em sua mente e a sua mente é o mundo.

Ele ou ela, quando foram embora, interpretaram o mundo a partir de Martins; hoje, apenas confirmam, com sua experiência, que em quase tudo estavam certo. “O mundo lá fora”, dizem, quando ao seu redor sentam os que o visitam, “não é nada diferente de nossa Serra. É como uma mulher coberta de joias e vestidos e pintura. E quando se tira tudo isso, o que fica? Mas a nossa Serra não precisa de nada disso para ser bonita"  

Todos estão juntos ali impulsionados por um código imemorial: escutam atenciosamente quem pode lhes explicar o mundo que Deus lhes legou e que às vezes parece tão incompreensível.

Ainda bem que Deus lhes mandou também algumas pessoas que têm o dom de perceber suas mensagens deixadas nas linhas da natureza e explica-las aos outros. Por isso tais reuniões. Para escutar e reforçar os laços de solidariedade que os mantém unidos e protegidos em sua ilha, Martins. 

A garçonete se fora. Quem a terá recebido em seus braços? Faz frio. A praça está repleta de silêncio. Os restos da festa jazem espalhados. Alguns retardatários encaminham-se para suas cobertas. O ar puro e suavemente perfumado da Serra envolve Martins. Às margens da Lagoa dos Ingás a escuridão mal deixa perceber suas águas, mas elas estão ali, muito mais antigas que os passos dos que viviam, no seu entorno, desde a ocupação portuguesa.

Águas misteriosas que vêm não se sabe de onde. Águas que ouviram o grito de dor de Francisco Martins Roriz quando se deparou com o cadáver de Micaela, morta por afogamento, às margens do Ingá.

Águas testemunhas, dizem os antigos, dos passos inquietos dos seus antigos proprietários, os índios, que nas noites enluaradas caminham incansavelmente da Lagoa dos Ingás para a Casa de Pedra, da Casa de Pedra para a Lagoa dos Ingás, e assim será até o final dos tempos.

segunda-feira, 18 de março de 2019

A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓZ DO ALTO OESTE POTIGUAR (I)

* Honório de Medeiros
* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências,pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

MATHIAS FERNANDES RIBEIRO, A RAIZ

Consta[1] que em 7 de janeiro de 1742, sob a justificativa de que era descobridor das terras e morador da Capitania do Rio Grande do Norte, solicitou Francisco Martins Rodrigues, nascido na Ribeira do Jaguaribe, Ceará, em 1702, e morto em Martins, Rio Grande do Norte, em 1786 ou 1796, uma concessão no Sítio Telha, Ribeira do Apodi.

Alegou que possuía e pretendia criar gado cavalar e vacum, além de lavrar. Requereu as terras para si e seus herdeiros, isenção de pagamento de foro e pagamento de pensão, oferecendo-se para pagar somente o dízimo.

A terra pretendida localizava-se na Ribeira do Apodi, e seguia em direção a Serra que se encontrava no Sitio Telha. Tinha como ponto central a Lagoa do Ingá[2] e o olho d’água Tabocas, esse nas confrontações da Lagoa de São João. Na carta não há referência à direção em que a Lagoa São João confrontava com tais terras, dessa forma foi atribuído como ponto cardeal Norte a dita Lagoa. 

A solicitação foi deferida como Data de Sesmaria. É o que se lê no Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN - Fundo Sesmarias), Livro IV, n. 303, fls. 87-88. A data da concessão é 1º de março de 1742 e a autoridade que a concedeu o Capitão Mor Francisco Xavier de Miranda Henriques. 

Nos registros da Plataforma observa-se que a Carta apresentou como exigência que o suplicante registrasse a sesmaria que lhe foi concedida. Acredita-se que isso não aconteceu conforme ordenou o Capitão-Mor, pois o documento não possui a indicação do local, nem da data, tampouco do escrivão responsável pelo registro. Sabe-se, entretanto, que a carta de sesmaria foi registrada de alguma forma, visto que a mesma existe no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Existe a possibilidade de que seu nome fosse Francisco Martins Rodrigues, não Roriz. Na cópia da Carta de Data e Sesmaria da Telha, pinçada do "Sesmarias do Rio Grande do Norte", publicada por Vingt-Un Rosado, lê-se, claramente, "Francisco Martins Roiz", não Roriz. Saliente-se que no século XVIII, era muito comum usar-se "Roiz" como abreviação de "Rodrigues". "Roiz é tanto quanto tenho verificado nos registos paroquiais, a abreviatura de Rodrigues", lê-se em "http://geneall.net/pt/forum/829/familia-roiz/".

 Ainda: "normalmente estes registos tinham lateralmente o nome próprio seguido de Roiz e quando se lê o registo, verifica-se ser Rodrigues o apelido. No entanto poderá haver famílias que adaptaram esta abreviatura como apelido." Roriz ou Rodrigues, a tradição já consolidou a primeira hipótese, mesmo sem amparo oficial. Temos, pois, que o nome do fundador de Martins é admitido como sendo Francisco Martins Roriz, que se fixou na Serra da Conceição[3] em 1742, como escreveu João Bosco Fernandes no seu Memorial de Família[4]. 

Acerca de Francisco Martins Roriz quase nada se sabe, exceto o que foi exposto acima. É da tradição que tenha se casado com Micaela, que teve morte trágica, por afogamento na Lagoa dos Ingás, decorrente de distúrbios mentais. 

Conta-se que tendo desaparecido de casa, duas semanas após buscas incessantes Francisco Martins Roriz prometeu que onde fosse ela encontrada, no local construiria uma capela consagrada à Virgem do Rosário. Encontraram-na às margens da Lagoa dos Ingás e a promessa foi cumprida originando-se, dessa construção, a futura cidade do Martins. É de se lembrar, também, a lenda que atribui a morte de Micaela aos índios tapuias-janduís que residiam nas cercanias.

Do casamento de Francisco Martins Roriz com Micaela é comprovado que teve uma filha denominada Maria Gomes de Oliveira Martins, que se casou com Mathias Fernandes Ribeiro, de cujo casamento surgiram todos os Fernandes do Alto Oeste Potiguar, bem como outras famílias. 

Maria Gomes de Oliveira Martins, primogênita de Francisco Martins Roriz com Micaela, casou-se com Mathias Fernandes Ribeiro (imagem colhida do livro O Guerreiro do Yaco, de Calazans Fernandes)

Mais precisamente: os Fernandes de Queiróz e Fernandes de Oliveira, radicados em Pau dos Ferros, Martins, Mossoró, Natal, Ceará, Paraíba e alguns estados do Sul; os Moreira Pinto, Moreira da Silveira e Gomes da Silveira, radicados em Tenente Ananias, Sousa, Cajazeiras, Uiraúna, São João do Rio do Peixe e Ceará; os Claudino Fernandes, Fernandes Moreira e Correia de Queiroga, radicados em Luiz Gomes, Tenente Ananias, Sousa, Uiraúna, Cajazeiras, João Pessoa (Paraíba) e Terezina (Piauí); os Vieira da Silva, Vieira Coelho e Fernandes Vieira, radicados em Tenente Ananias, Uiraúna e Sousa (ambas na Paraíba); os Maia, Fernandes Maia, Rosado Maia, Fernandes Lopes e Fernandes Pimenta, radicados em Catolé do Rocha (Paraíba), Mamanguape (Paraíba), João Pessoa (Paraíba), Marcelino Vieira, Pau dos Ferros, Martins, Mossoró, Natal e Ceará.

Mathias Fernandes Ribeiro[5], nascido pela década de 1750, era filho de Francisco da Costa Passos e Violante Martins de Lacerda. Podemos ler, em Memorial de Família, o seguinte: 

"Quem consultar o Livro de Registro de Batizados da Paróquia de Missão Velha, Estado do Ceará, no período de 1748-1764 encontrará, nas folhas 3v. a referência seguinte: "Francisco da Costa Passos - de Goiana, marido de Violante Martins, de idêntica procedência" (ver obra "Povoamento e Povoadores do Cariri Cearense" - de Joaryvar Macedo)". Residentes na antiga freguesia de São João Batista da Vila de Princesa, hoje cidade de Açu-RN, Francisco da Costa Passos e Violante Martins de Lacerda deixaram ali numerosa descendência. A sua importância, para a presente pesquisa, advém do fato de terem sido eles os pais de Anna Martins de Lacerda, Joanna Martins de Lacerda, e de Mathias Fernandes Ribeiro, cernes da árvore genealógica aqui estudada."

Anna Martins de Lacerda casou-se com o "marinheiro" (nome que, à época, se atribuía aos portugueses) José Pinto de Queiróz, da Serrinha, município de Martins-RN. Hoje é o município de Serrinha dos Pintos, no Rio Grande do Norte. No Cartório do Registro Civil de Portalegre-RN, encontra-se o inventário, datado de 1781, assinado pela viúva. O patriarca da Serrinha faleceu em 25 de novembro de 1780 e Anna Martins de Lacerda, em 1805. Do casamento de Anna com José Pinto de Queiróz nasceu Agostinho Fernandes de Queirós, personagem emblemático, cujo esboço biográfico será apresentado na próxima crônica.


Joanna Martins de Lacerda casou-se com o português Manoel Fernandes que, segundo a revista nº 102, volumes XVIII e XIX, dos anos 1920-1921, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), seria procedente da Vila de Faral, região do Douro, norte de Portugal, princípios do século XVIII. Um seu irmão, com ele vindo, Antônio Fernandes, alcunhado Pimenta, originou os Fernandes Pimenta de Caraúbas, Rn, e Mamanguape, Pb. Outro, possivelmente primo, Francisco Fernandes, tomou o rumo do Ceará e originou os Fernandes Távora. Calazans Fernandes, em obra citada, informa que Manuel Fernandes e um filho tornaram-se concessionários, no Governo Jerônymo José de Melo e Castro (Pb), em 1790, das sesmarias 375 e 972, de três léguas de comprimento por uma de largura cada, localizadas respectivamente na Várzea do Mulungu (Rn) e Serra do Coité, extremas da Fazenda Bom Jesus, Seridó paraibano. 

Mathias Fernandes Ribeiro foi um dos homens mais ricos do seu tempo, e pelo casamento foi herdeiro do fundador de Martins. Residia no Sítio Cruz D’Alma, naquela cidade, embora tivesse como sede dos seus negócios a fazenda “Curral Velho”, distante poucos quilômetros da cidade de Pau dos Ferros. Seu inventário concluiu-se em 1.830, ano no qual faleceu, e relaciona como sendo de sua propriedade, além de escravos, ouro, gado e prataria, as propriedades “Cruz D’Alma”, “Curral Velho”, “Saco”, “Santiago”, “Saco Grande”, “Passarinho”, “Passagem de Onça”, “Gurjão”, “Arapuá”, “Coito”, e “Estrela”. O inventário registrou um total de sessenta e um conto de réis como monte-mor. Uma fortuna imensa. 

Registre-se que seu inventário desapareceu misteriosamente. Calazans Fernandes[6] comenta que a última vez a ser visto o inventário de Mathias Fernandes Ribeiro ele estava nas mãos do Major Antônio Fernandes da Silveira Queiróz, o “Major do Exu”, um dos senhores da Serrinha dos Pintos, no ano da morte deste, em 1865. O Major era filho de Domingos Jorge de Queiróz e Sá e neto de José Pinto de Queiróz e Anna Martins de Lacerda.

Em A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓZ DO ALTO OESTE POTIGUAR (2), veremos um pouco acerca do emblemático personagem Agostinho Fernandes de Queiróz, filho de Anna e José Pinto de Queiróz. 

[1] Plataforma S.I.L.B. (Sesmarias do Império Luso-Brasileiro) - http://www.silb.cchla.ufrn.br/sesmaria/RN%200504

[2] No coração da Martins de hoje.

[3] Como era conhecida a Serra do Martins na época do pedido da Sesmaria.

[4] FERNANDES, João Bosco; Memorial de Família: Pesquisa Genealógica; 1ª ed.ição: 1.994; Halley S/A: Gráfica e Editora, Teresina, Piauí. 

[5]  FERNANDES, João Bosco; Memorial de Família: Pesquisa Genealógica; 2ª ed. 

[6] FERNANDES, Calazans; O Guerreiro do Yaco; Natal: Fundação José Augusto, 2002.

sexta-feira, 15 de março de 2019

A JUSTIÇA DOS DEUSES

* Honório de Medeiros

Os fenômenos físicos, sua repetição, o padrão idêntico de suas conseqüências uma vez presentes as mesmas causas, quando apreendidos, são expressos através de fórmulas – abstrações – em uma linguagem sofisticada, a matemática.

A certeza da inalterabilidade dos fenômenos físicos originou a consciência da causalidade, pelo mecanismo da associação de idéias: não pode haver chuvas sem nuvens; não pode haver vida, sem morte; ao sol, sucede a lua. E a expectativa de que todos os fenômenos ocorram da mesma forma, tanto na Grécia quanto no Egito, ontem como hoje, pertence ao mesmo gênero.

Esses fenômenos, para os antigos, ocorreriam em virtude da “Justiça” dos deuses, entendida esta como “ordem”, “desígnio”, “determinação”, em um mundo na aurora de sua história.

Surgiram, então, os intérpretes dos deuses, seus intermediários. Assim os mais espertos fizeram uso da confusão entre um fenômeno físico e um fenômeno que é conseqüência da vontade do homem, tal qual a proibição de matar, ou a condenação à morte, e se colocaram como representantes dos deuses na Terra. Ainda hoje há quem creia que os terremotos são punições divinas.

Foi essa a história, por exemplo, da Igreja Católica até dias mais atuais. Não somente a Igreja Católica, claro. Os japoneses, na Segunda Guerra Mundial, matavam-se tentando resistir ao poderio americano, em obediência ao seu imperador, que para eles era um deus.

Hoje esses “deuses” foram substituídos por abstrações, como a “vontade do povo”, “a moral média da Sociedade”, "os ditames do Partido", "os desígnios divinos", "as lições da história", e assim por diante. Permanecem, entretanto, os intérpretes e intermediários, bem como os inocentes-úteis, aptos a serem manipulados. Ou seja, permanecem os lobos e as ovelhas, os predadores e suas vítimas.

Obviamente esse processo acontece ao sabor da vontade das elites dirigentes que o criam, mantém e acentuam.

Impressiona que ainda se creia, ainda hoje, em Direito Natural, ou "garantismo social" quando qualquer conhecedor da história do Homem pode constatar, ao ler as primeiras compilações de leis escritas pela humanidade, que suas existências se devem, única e exclusivamente, à necessidade de impor a ordem dos dirigentes, líderes, chefes.

Isso sem mencionar que, com certeza, na pré-história do Direito, apenas a necessidade de sobrevivência do clã originava a imposição de condutas, nunca algo abstrato quanto qualquer ideia de Justiça.

Se se acreditar – é possível que alguém pense assim – que esse ordenamento jurídico natural estaria à espera da maturidade da humanidade para ser colocado à sua disposição, bem, também se pode acreditar em Saci Pererê.

A conclusão é simples: as leis devem expressar a vontade da maioria, respeitados os direitos fundamentais da minoria, e as leis devem ser intransigentemente respeitadas por todos, principalmente por quem tem o dever de aplica-la, o juiz.

Um Tribunal cujos integrantes ousem dizer, publicamente, que a lei é aquilo que disserem que ela é, representa a mais odienta face do Estado em sua tentativa de subjugar a Sociedade que o antecede e da qual emana.

sexta-feira, 8 de março de 2019

A QUESTÃO É MORAL



* Honório de Medeiros


Imagine que você precisa da segunda via do documento do seu carro. Dirige-se ao Órgão apropriado. Em lá chegando recebe uma ficha que indica sua vez de ser atendido. Pelo número da ficha você percebe que não adiantou chegar cedo. Seu atendimento, se acontecer, ocorrerá no final da manhã, começo da tarde, e olhe lá.

No dia seguinte, comentando o episódio com um amigo, escuta dele: "mas por que você não pagou um despachante para fazer isso?" "Ele resolveria tudo na mesma hora e lhe entregaria a segunda via em casa." "Você não teria incômodo algum."

O despachante é aquela figura nebulosa que abre todas as portas, em qualquer momento, das repartições públicas, providenciando soluções para quem não quer se submeter a filas e tem dinheiro suficiente para contratá-lo.

A questão é a seguinte: e quanto aos que não têm dinheiro para contratar um despachante? E quanto aos que acordaram cedo, pegaram a fila, esperaram, mas são ultrapassados, às vezes sem saber, pelas artes e ofícios de quem abre, na hora que quer, todas as portas?

Como se percebe facilmente, trata-se de uma questão cujo cerne é constituído por moral e dinheiro.

É esse o tema do livro O Que O Dinheiro Não Compra, de Michel J. Sandel, professor em Harvard, professor-visitante na Sorbonne.

Sandel ficou midiático desde que ministrou um curso denominado "Justice", no qual interagia com seus alunos lhes propondo questões de natureza moral. Apareceu na internet e ganhou o mundo. Em 2010 a edição chinesa do "Newsweek" o considerou a personalidade estrangeira mais influente no País.

Sandel elenca, no livro, muitos exemplos de "coisas" que hoje estão à venda, graças à onipresença e influência do mercado. Trocando em miúdos: graças ao afã do lucro.

Alguns até mesmo cômicos, se não fossem trágicos: "upgrade" em cela do sistema carcerário; barriga de aluguel; direito de abater um rinoceronte negro ameaçado de extinção; direito de consultar imediatamente um médico a qualquer hora do dia ou da noite...

Nos EUA, segundo Sandel, é florescente o negócio de comprar apólices de seguro de pessoas idosas ou doentes, pagar suas mensalidades enquanto está viva, e receber a indenização quando ela morrer. Ou seja: quanto mais cedo o segurado morre, mais rápido o comprador ganha.

O professor considera que "hoje, a lógica da compra e venda não se aplica mais apenas a bens materiais: governa crescentemente a vida como um todo." E não aceita a teoria dos que atribuem à ganância essa falha moral, pois, no seu entender, o que está por trás é algo maior, qual seja à "extensão do mercado, dos valores do mercado, à esferas da vida com as quais nada têm a ver."

Eu compreendo esse salto que o professor dá desde a ganância até o mercado. Mas não concordo. Para o professor, o mercado deixa o Homem ganancioso; eu, pelo meu lado, penso que foi a ganância que criou o mercado.

O Homem é esse misto de egoísmo e altruísmo.

Se lá na aurora da história do Homem o primeiro ganancioso tivesse morrido bebê, seu "gene" não teria sobrevivido. Ou será que era para ser assim mesmo, caso contrário não existiria a nossa espécie?

Antes que imputem a mim uma percepção simplista da questão, saliento logo que ela é mais profunda: diz respeito a uma discussão de natureza ontológica.

Em última instância, no que concerne ao surgimento da ganância, do egoísmo, está o Homem ou a Sociedade? Melhor dizendo: a Sociedade é egoísta porque o Homem o é, ou o Homem o é porque a Sociedade é egoísta?

Aceita a premissa de que a Sociedade é gananciosa porque o Homem o é, cabe então perguntar: por que o Homem é egoísta?

Essa questão, a verdadeira questão, não é enfrentada como deveria ser, hoje em dia, já que virou moda escamotear o óbvio atribuindo ao "sistema", ao "meio", a uma "realidade exterior a nós", "ao mercado", à "luta de classes", aquilo que somos individualmente.

Se a culpa é de algo externo a nós, fica mais fácil, em assim sendo, fugir da nossa responsabilidade individual, moral, e nos auto-excluir da culpa por nossas decisões e atitudes.

Exemplo patente dessa perspectiva vil e equivocada, mas compreensível e eficaz, são os escândalos do Mensalão e Lava-Jato, essas nódoas permanentes e intransferíveis da nossa elite política.

Ao invés do mea culpa, mea maxima por parte dos culpados, nós, os cidadãos inocentes deste País de bandalheiras que sustentamos passivamente ao longo dos anos, lemos e escutamos cretinices tais quais as que pretendem imputar a responsabilidade pelos malfeitos acontecidos ao sistema eleitoral e de financiamento de campanhas aqui existente.

Querem nos fazer crer que quando o irmão de Zé Genoíno foi flagrado escondendo dinheiro enlameado na cueca, em um dos mais grotescos episódios da crônica da corrupção tupiniquim, assim agia porque o sistema eleitoral não presta.

Faz parte da lógica do aparato intelectual que sustenta uma hipótese como essa, a teoria de que o "meio", "a luta de classes", "o sistema" cria o Homem (determinismo social). Juntemos esse aparato com a incapacidade da grande maioria em compreender o que está em jogo, em termos científicos, e a tragédia está anunciada.

Como contestar essas teorias? 

Darwin está aí, basta lê-lo. Aliás, como a imensa maioria dos nossos cientistas sociais é herdeira de uma tradição marxista que eles não compreendem em seus fundamentos, por lhes faltar preparo e leitura, ou então são devedores de uma ultrapassada tradição liberal fundamentalista norte-americana, estão atrasados gerações em relação ao que se discute, em termos científicos, nos centros de pesquisa das grandes universidades do mundo.

Nos centros de pesquisa avançados do mundo estuda-se Darwin, estuda-se ciência.

Não compreendem esses cientistas os fundamentos do marxismo ou da suposta hegemonia do mercado, mas usam seus bordões, suas frases feitas, os raciocínios simplistas,  tudo fora do contexto, em disputas pelo Poder. Usam e são usados. 

Como se não fosse responsabilidade nossa sermos como somos. Como se não fosse responsabilidade nossa os nossos atos. Com tal conduta trazendo para a vala comum  do rés-do-chão inclusive aqueles que, ao longo do processo civilizatório, tornaram-se referências, por ousarem ser pontos de luz no meio dessa escuridão.

Mas o que se há de fazer? Talvez contestar a Baronesa Thatcher: "você se enganou: a ganância, não, o altruísmo, sim, é um bem".