sábado, 12 de janeiro de 2019

A NOÇÃO DE "ESTRANHAMENTO"

* Honório de Medeiros


Camus, em seu "Diário de Viagem" (Record), lá para as tantas escreve o seguinte acerca de uma cena por ele presenciada no navio em que viajava para o Rio de Janeiro:

"Mais uma vez observo entre eles uma mulher já grisalha, mas de uma classe soberba, um belo rosto altivo e suave, (...) e uma postura sem par. Sempre seguida pelo marido, homem alto e louro, taciturno. Colho algumas informações, ela está fugindo da Polônia e dos russos para exilar-se na América do Sul. É pobre. Mas, ao vê-la, penso nas matronas bem vestidas que ocupam alguns camarotes de primeira classe."

Fico fascinado com esse olhar que distingue, o olhar de Camus, mas não me deixo seduzir pelo fascínio da primeira sensação, a da percepção de um estranhamento que separa, de um lado, a soberba elegância de uma imigrante e, do outro, o trivial, o comum, o banal: as matronas da primeira classe.

Deixo-me seduzir, isso sim, ao constatar que o olhar é o instrumento que permite as ideias apreenderem essa distinção. A ideia é anterior ao olhar. Se assim não fosse o olhar nada constataria dessa distinção que Camus percebeu.

Em outro lugar, escrevi:

"Na Retórica dos Objetos é fundamental a noção de “estranhamento”. É por intermédio do “estranhamento”, um primeiro passo, que passamos a compreender os objetos, as coisas, as ideias, o Ser, enfim."

E o que seria o “estranhamento”? Eis algo difícil de conceituar, tal como a liberdade. Sabemos o que esta é, mas não sabemos dizer com propriedade o que ela é.

Em certo sentido “estranhamento” é uma desarmonia em relação ao padrão comum. Tal qual em uma arte marcial refinada, na literatura ou pintura, por exemplo, tornar-se hábil em captar essa desarmonia que extrapola o lugar-comum demanda contínuo exercitar-se até o limite do impossível.

O "estranhamento" antecede o processo de distinção que racionaliza o percebido. Mas somente é possível o "estranhamento" se, em quem observa, existem ideias acerca do que se percebe, uma expectativa de normalidade que não se realiza, que se fragmenta. 

Recordemos o exemplo acima. Para alguém acostumado a perceber o que lhe cerca, a organização limpa, meticulosa  e peculiar da biblioteca de alguém chama a atenção por fugir do padrão comum. Ao conectar essa constatação com a que resulta do “perceber” os restantes dos objetos espalhados pelo ambiente, torna-se possível fazer algumas inferências, ou elaborar algumas hipóteses, para sermos mais precisos, acerca da personalidade do seu proprietário.

Em episódio bastante interessante da série norte americana “The Mentalist”, agentes do FBI buscam, em uma sala, uma câmera de vídeo escondida. As outras já foram encontradas e estavam postadas em lugares óbvios. O personagem principal, Patrick Jane, ao ser introduzido na sala, observa que um determinado espelho estava colocado em uma altura um pouco acima do normal. Levanta-se o espelho e lá está a câmera procurada. A sensação de “estranhamento” permitiu a localização imediata da câmera procurada.

Em outro episódio, esse bastante conhecido na literatura policial, Sherlock Holmes chama a atenção de Dr. Watson para o cão da propriedade onde acontece a investigação. Dr. Watson retruca informando que o cão não latiu. Sherlock pondera, então: “por isso mesmo”.

Ou seja, Sherlock vivenciou, também, essa sensação de estranhamento."

Essa capacidade de sentir a sensação de "estranhamento", e, em seguida, abstraí-la, racionaliza-la, é, penso eu, a base do trabalho, dentre outros dos artistas, filósofos e cientistas.

Outro exemplo, pinçado da literatura, explica melhor a teoria acima:

"Enquanto se movimentavam pela pista, ele estudou o marido com olhos profissionais, de caçador tranquilo. Estava acostumado a fazê-lo: esposos, pais, irmãos, filhos, amantes das mulheres com quem dançava. Homens, enfim, acostumados a acompanhá-las com orgulho, arrogância, tédio, resignação e outros sentimentos igualmente masculinos. Havia muitas informações úteis nos alfinetes de gravata, nas correntes de relógio, nas cigarreiras e nos anéis, no volume das carteiras entreabertas diante dos garçons, na qualidade e no corte do paletó, nas listras de uma calça ou no brilhos dos sapatos. Até mesmo na forma de dar o nó na gravata. Tudo dera material que permitia a Max Costa estabelecer métodos e objetivos ao compasso da música; ou, dizendo de modo mais prosaico, passar de danças de salão a alternativas mais lucrativas." (O Tango da Velha Guarda; Arturo Pérez-Reverte).

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

PRESTAR ATENÇÃO NO DIFERENTE PARA ENTENDER AS COISAS


* Honório de Medeiros

João de Antônio de Luzia me contou uma história de seu pai que vale a pena relatar. 

Eu me encontrara com ele nas imediações do mercado de Martins, onde fora tomar uma cana velha e tirar o gosto com seriguela no bar de João Catingueira. 

Perguntei por seu pai. “Tá por lá, pastorando o tempo”. Ri. “Alguma história nova?” Ele coçou a cabeça. Sabia quanto eu gostava das coisas do velho. 

“Dias desses me lembrei do senhor", disse, "porque na calçada falaram de uma eleição para prefeito bem antiga.” 

E foi contando: “O povo da calçada todo apoiava um candidato, médico, desmantelado que só ele, tomador de cana braba, caçador de peba, que andava de chinela japonesa, camisa aberta no peito, bucho pela goela, o consultório era um prédio velho e pequeno perto da zona, sujo e caindo aos pedaços, atendia quem o procurava no meio da rua, catando um papel no chão e puxando uma caneta velha do bolso que só escrevia por que Deus tem pena de quem faz caridade, para escrever a receita. Bom médico, por sinal.” 

“Todo dia era a mesma coisa. O povo da calçada dando a eleição como certa, elogiando o médico, falando mal do outro candidato, inventando estórias, fofocando, um disse-me-disse danado, o senhor sabe como é.” 

“Meu pai não dizia uma palavra, como sempre. Um dia, vendo todo aquele silêncio, depois que o povo saiu perguntei a ele: o senhor não vai votar no candidato do pessoal? Ele ficou calado um pedaço e depois me disse que o candidato ia ganhar, mas não ia dar certo como prefeito.” 

“Como é o que o senhor sabe?” 

“Seis meses depois da eleição me pergunte que eu lhe digo.” 

“Pois muito bem, o homem ganhou e menos de um mês depois de eleito todo mundo viu que a coisa ia ser um mal-arrumado de perder de vista, como de fato foi. Nada funcionava. Ele mandava na prefeitura como se ela fosse uma bodega, e ruim.” 

“Deixei o tempo passar, me mordendo de curiosidade. Queria porque queria perguntar ao velho, mas não tinha coragem. Sabia que ele nem responderia, antes da hora certa.” 

“Quando chegou o fim dos seis meses, fui a ele: e aquele negócio que o senhor ficou de me dizer seis meses depois da eleição?” 

“Pois é. Eu lhe pergunto: como é que ele ia cuidar das coisas dos outros que prestasse, se nem das coisas dele, ele cuida? Veja como é que ele anda, atende as pessoas, e o consultório.” 

“E como o senhor chegou a esse entendimento?” 

“As pessoas olham, mas não enxergam. É preciso prestar atenção no que é diferente. É prestando atenção no diferente que a gente entende as coisas.” 

João recusou meu convite para tomar uma, adentrou o mercado e me deixou coçando a cabeça, e lembrando de uma passagem de um conto de Conan Doyle e seu genial personagem Sherlock Holmes. 

Em episódio bastante conhecido na literatura policial, Sherlock Holmes chama a atenção de Dr. Watson para o cão da propriedade onde acontece a investigação. Dr. Watson retruca informando que o cão não latiu, à noite. Sherlock pondera, então: “por isso mesmo”. 

Seu Antônio de Luzia tem razão, é prestando atenção no diferente que a gente entende as coisas.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

DAS PESSOAS QUE SE OFENDEM COM O SILÊNCIO

* Honório de Medeiros

No rumo do remanso na beira da Serra das Almas, passei por Martins para dois dedos de prosa com Seu Antônio de Luzia, que Deus o mantenha tal qual está.

Perguntei como iam as coisas, e ele, naquela voz arrastada e grave, me disse que "do mesmo jeito, só que mais velhas".

Era um final de tarde meio quente, no Sítio Canto. Só vez por outra alguém passava e arriscava um dedo de prosa.

E nós dois, como outras vezes, café tomado, calados, cabeça pousada por inteiro no espaldar das cadeiras de balanço, nos entregávamos à quietude e ao canto dos passarinhos.

Lá para as tantas uma vizinha distante encostou e se danou a falar, contando o caso de uma sobrinha solteira que embuchara pelas bandas dos Cariris Velhos.

Falou, falou, falou tanto que espantou os sabiás que cantavam nos cajueiros do terreno em frente.

Quando se foi seu Antônio, sem olhar para mim, sentenciou: "essa mulher se ofende com o silêncio".

E mais não disse até a hora da coalhada, à boca da noite.

domingo, 6 de janeiro de 2019

CARTA ABERTA À GOVERNADORA FÁTIMA BEZERRA

* Do Blog de Gustavo Negreiros

Carta Aberta à Governadora Fátima Bezerra: “que o sonho jamais se transforme em um pesadelo”

"06.01.2019

Carta aberta do Auditor Fiscal José Arnaldo Fiuza Lima para a governadora Fátima Bezerra.

Nesta primeira semana em que a gestão do governo do RN está nas mãos de uma professora, ex-sindicalista e fundadora do Fórum dos Servidores Públicos do Estado, um forte sentimento de angústia e aflição vem tomando conta de uma parcela significativa do eleitorado potiguar, que sem o seu apoio, certamente, o resultado das eleições de 2018 seria outro e Fátima Bezerra continuaria exercendo funções parlamentares na Câmara Alta, em Brasília.

Tais exordiais sensações advém de declarações não muito felizes e tecnicamente equivocadas de membros do primeiro escalão da nova gestão, entre as quais a que proferiu o próprio Vice-Governador, inferindo, em entrevista, que “… Em 2019, com as receitas administradas pelo novo governo, nós passamos, nós já possamos sinalizar um pagamento que, claro, não será possível corrigir todo o passivo. Este passivo pertence a um outro governo…”.

Ora, não se pode confundir nunca governante com governo, pois o passivo salarial existente perante os servidores do Estado é obrigação a ser adimplida pelo governo do RN, sendo irrelevante juridicamente o fato de que tal dívida, de caráter alimentar, tenha sido contraída no fim da gestão anterior ou já na nova, pois não é um débito pessoal do governante, mas institucional do Estado, no qual o governo (organização que conduz e administra o ente estatal), seja quem for o gestor, deve honrar cronologicamente, i.e, na sequência temporal em que cada um deles foi se constituindo, e não, afrontando aos princípios da continuidade da administração pública e da impessoalidade e ao talante pessoal do governante de plantão, escolher o que deseja inicialmente pagar, os de seu mandato, com recursos ordinários, em menoscabo dos débitos precedentes, e que, erroneamente, ora parece se pretender quitar, exclusivamente, com recursos extraordinários e antecipatórios.

Nas mesmas pegadas tortuosas, o novo Secretário do Planejamento, conforme noticia o Jornal Tribuna do Norte e diversos outros meios de comunicação, afirmou, durante a cerimônia de posse do atual secretariado, que, na próxima semana, vai se definir como se fazer o pagamento de janeiro, “mas sem essas definições de calendário de pagamento e todo o passivo atrasado”.

Vejam, e daí se origina, já nos primórdios da gestão de Fátima Bezerra, uma tensão muito forte com aqueles que são historicamente seus companheiros de luta e que foram imprescindíveis para sua vitória eleitoral, pois o que está sendo construído pela sua equipe econômica nada mais é do que uma praxe velha de se fazer política, onde se constrói uma maqueada imagem, distante da realidade subjacente, ao se pagar em dia os salários da novel gestão e só posteriormente os contraídos sob a batuta do governante predecessor, sem que exista nenhuma justificativa minimamente razoável para tanto, nem jurídica, nem contábil, muito pelo contrário, mas que busca passar à sociedade uma pseudoaparência de normalidade, de “arrumação da casa” e de resolução de um gravíssimo problema pelo qual vivem os servidores públicos, hoje por demais penalizados com até 4 (quatro) salários em aberto, caso de alguns aposentados e pensionistas, e, caso tal infeliz ideia seja adotada, mais ainda sofrerão, com seus bolsos vazios e suas dívidas se multiplicando, numa crescente decepção, agravada ainda mais quando, comparativamente, se remete a era Robinson Farias, de tristes recordações para o funcionalismo, que, mesmo com a intempestividade no pagamento de salários que reinou pelos últimos 36 (trinta e seis) meses, jamais sequer cogitou usar tal artifício, o de iniciar um novo ano pagando salários deste e pulando os dos derradeiros meses do exercício findo, sem buscar quitar com precedência os mais antigos, implementando assim, nobre governadora, já no nascedouro de seu mandato, uma medida absurda, que, indubitavelmente, fomentará revolta nos funcionários do Executivo e instaurará um estado de animosidade entre o governo e o seu corpo funcional, indesejável por ambos.

Dito isto, sem explanar sobre a precedência jurídica do pagamento de salários em relação com as demais dívidas do Estado do RN, em virtude disto ser de cognição da governadora e de toda sua equipe, ou ser irresponsável em cobrar imediata solução para os atrasos salariais, pois todos sabem da impossibilidade fática disto ocorrer a curtíssimo prazo, inobstante, e aí reside o apelo que ora se faz, e já nas pegadas do decidido, de forma unânime, nesta semana, pelas diversas lideranças sindicais que estiveram presentes na reunião do Fórum dos Servidores Públicos do Estado, entidade na qual nossa hodierna governante é uma das fundadoras, que se honre, com a máxima brevidade financeiramente possível, sequencialmente e na medida da entrada de recursos ordinários e extraordinários, o restante do décimo terceiro sálario de 2017, no montante de cerca de R$ 42 milhões, o que falta dos salários de novembro de 2018, de cerca de R$ 96 milhões, quitando, em seguida, o décimo terceiro de 2018 e a remuneração de dezembro de 2018, para só então se pagar a folha salarial de janeiro de 2019, e que também se respeite o Princípio da Isonomia quanto à data de pagamento entre todas as categorias e entre ativos e inativos, pois é inadmissível que se mantenha a odiosa discriminação que vem sofrendo os aposentados e pensionistas do Estado, de serem os últimos a perceber os seus proventos, quando pela avançada idade e suas consequências naturais carecem mais de recursos financeiros para fazer frente às despesas elevadas relacionadas à manutenção da saúde.

Para tanto, como o orçamento do presente exercício ainda está fechado, elidindo-se a possibilidade do governo de fazer pagamento de certas despesas, e inexistindo qualquer razoabilidade em se deixar parado nas contas do Erário o dinheiro que está sendo arrecadado, enquanto os servidores públicos estão passando sérias dificuldades financeiras, e analisando o cronograma e a previsão de receitas do RN, urge trazer ao seu conhecimento e da população potiguar que resta possível que o primeiro pagamento, quanto às pendências salariais apontadas, já possa ser feito agora, entre os dias 07 e 08, com a entrada de recursos próprios na ordem de R$ 115 milhões, que excluída a parte referente ao FUNDEB e aos municípios ainda sobrariam, em caixa, cerca de R$ 77 milhões. O segundo e o início do terceiro pagamento já podem ocorrer até o dia 14, com a entrada da primeira parcela do FPE e de recursos próprios, que até tal data importariam, em valores líquidos, de cerca de R$ 260 milhões, e que, com outras receitas que advirão até o fim deste mês, mesmo com as deduções constitucionais e o repasse dos duodécimos aos Poderes e órgãos com autonomia financeira, possa ser continuado tal pagamento e reduzido, em parte, o montante do atraso salarial, dando esperança, desta forma, a todos os servidores, que a promessa firmada no transcorrer da campanha eleitoral será fielmente cumprida desde os primeiros dias do seu mandato.

Claramente, há esperança nos mais de 100 (cem) mil servidores ativos, aposentados, pensionistas e em todos os seus familiares de que o direito trabalhista à percepção tempestiva de suas remunerações será enfim respeitado, e, para tanto, imprescinde que a nova gestão do Governo do RN, sob a titularidade de uma professora, já nestes primeiros dias do ano, envide todos os esforços possíveis para, urgentemente, minimizar e, no menor tempo possível, pôr um fim nestes reiterados atrasos salariais, efetuando os pagamentos remuneratórios à medida que for entrando recursos no Erário e sem que se desrespeite a cronologia e a isonomia, na forma alhures mencionada.

Por fim, finca-se o sincero desejo de que possam, governo e servidores, caminhar unidos e em harmonia pelos anos da gestão que se inicia, para que o outrora sonho, transmutado hoje em esperança, de um lado, e angústia e aflição por certas declarações emitidas na imprensa, do outro, jamais se transforme em um pesadelo, e assim, coloquem, juntos, finalmente, o Estado do Rio Grande do Norte no patamar econômico e social que a sociedade potiguar almeja e merece.”

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

SÃO AS FINANÇAS QUE MANDAM, CARA!

• Honório de Medeiros

Aqui no RN, o desGoverno de Robinson Faria deixou salários de novembro, dezembro, e 13• de dezembro atrasados. Se a Governadora que assumiu apresentar pelo menos um calendário de pagamento ainda em janeiro, desmoraliza de vez o desGoverno passado.

Aliás, qual um “Espectador Engajado”, para lembrar Raymond Aron, meus olhos estão voltados, quanto aos governos estaduais, para a administração de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Maranhão.

O primeiro, liberal, Partido Novo; os outros, de esquerda. 

As finanças públicas são uma grande niveladora e transcendem as ideologias, embora enquadradas pelo processo de seleção natural.

Em um mundo onde tudo é evanescente e fragmentado, queiramos ou não a questão é somente uma: o que vamos fazer com nosso dinheiro?

São as finanças que mandam, cara! No nível macro, claro. 

Para dividir o pão, é preciso que haja o dito cujo.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

ROBINSON FARIA: O FIM DE UM CICLO DO QUAL POUCOS SENTIRÃO FALTA

* Honório de Medeiros

A história de homem público de Robinson Faria no Rio Grande do Norte começou em 1986 quando se elegeu Deputado Estadual, cargo que assumiu em 1987 e exerceu durante vinte e três anos seguidos. 

Entre 2003 e 2010, foi Presidente, por dois mandatos, da Assembleia Legislativa do Estado. 

Em 2010 chegou a Vice-Governador, em chapa encabeçada por Rosalba Ciarlini. 

O próximo passo, em sua carreira política, levou-o ao Governo do Estado do Rio Grande do Norte a partir de janeiro de 2015. 

Tentou a reeleição em 2018, mas foi derrotado de forma humilhante pela então Senadora do Partido dos Trabalhadores Fátima Bezerra.

É possível, dando-se crédito a dados objetivos e muitos juízos de valor, que ao entregar o cargo Robinson Faria poderá assumir o pódio de pior de todos os Governadores do Estado do Rio Grande do Norte ao longo do tempo. 
Os números parecem corroborar essa afirmação. 

Em primeiro lugar há um repúdio sem precedentes a sua administração, expresso por intermédio de uma rejeição maciça e permanente, que atingiu níveis estratosféricos no ano em que resolveu se candidatar à reeleição. 

O Blog do Carlos Santos, respeitado e influente, informou, em março de 2018, a partir de levantamento realizado pela 98,9FM e Instituto Consult, que a gestão do Governador era desaprovada por 85% dos norte-rio-grandenses. 

Apenas 7,59% da população aprovava seu governo. 

Em segundo lugar salta aos olhos sua incapacidade de conseguir encaminhar, ao longo do exercício do cargo de governador, uma tentativa de solução plausível e viável para a calamitosa situação financeira do Estado. 

No final do seu mandato o Estado acumulará um passivo de aproximadamente um bilhão de reais em restos a pagar, além de não ter regularizado a folha de pagamento dos servidores públicos estaduais que até este presente momento não receberam, em sua totalidade, o décimo-terceiro de 2017 e não têm esperança, tampouco informação, quanto ao décimo-terceiro de 2018, assim como quanto aos salários de novembro e dezembro. 

Em terceiro lugar pesa sob seus ombros a péssima gestão da segurança pública estadual. 

Acerca desse assunto, o jornal O Globo, entre outros, noticiou em agosto próximo passado que “O Rio Grande do Norte é o estado do país com a maior taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes: 68. Foram 2.386 mortes violentas no estado em 2017. Em todo o país foram 63.880 mortes violentas em 2017, o maior número de homicídios da história. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (...)”. 

Mas nada de tudo isso é novidade. 

Em 12 de novembro de 2014, ou seja, antes de sua posse, fiz a seguinte publicação aqui, neste mesmo blog (http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2014/11/rn-de-pacto-social-e-reforma-de-estado.html): 

"Tendo em vista as informações que vão surgindo na mídia acerca da alarmante situação financeira do Estado, não enxergo outra alternativa para o futuro Governador do Estado, a não ser liderar a construção de um novo Pacto Social no Rio Grande do Norte para alavancar a urgente, imprescindível, fundamental, Reforma do Estado. 

Pacto Social, vez que todas as forças da Sociedade, representadas pelos poderes constituídos, precisam participar diretamente, sob a legítima liderança do futuro Governador do Estado, da elaboração de uma Carta de Princípios que nortearia a Reforma de Estado. 

Reforma de Estado que permita a reconstrução do Rio Grande do Norte social, econômica e financeiramente, estabelecendo os parâmetros necessários a serem seguidos por esses poderes, para assegurar o desenvolvimento do Estado. 

Uma vez estabelecidos esses instrumentos fundantes da nova realidade política, social e econômica, todas as medidas necessárias a serem tomadas estarão naturalmente legitimadas e contarão com o apoio da Sociedade. 

É o que se espera de alguém que foi escolhido pelo povo para derrotar todas as forças políticas tradicionais do Estado". 

Em 3 de junho de 2015, alarmado com a situação da tragédia que se vislumbrava, voltei a abordar o tema do "pacto social" 
(http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2015/06/por-um-novo-pacto-social-para-o-rio.html): 

"O problema fundamental do RN, hoje, é, antes de tudo, antes mesmo do social, do político, e do econômico, de natureza orçamentária e financeira. 

O Governo precisa de dinheiro e não tem de onde tirar. A entrada no Fundo Previdenciário prova isso. E a situação vai piorar, estamos beirando a recessão. Os repasses estão em queda livre. A arrecadação do Estado, com o declínio da atividade econômica, tende a diminuir lenta e inexoravelmente. As demandas dos servidores e da Sociedade tendem a crescer. 

Se eu fosse o Governador Robinson convocaria os Poderes e a Sociedade para um novo Pacto Social. 

Um pacto social no qual a renúncia e o trabalho de cada um, pensando no todo, fosse mais importante que qualquer demonstração de unilateralidade. 

O Governador é o líder institucional apto a convocar e coordenar esse processo. Com os votos que recebeu, na situação em que isso aconteceu, é de se dizer, até mesmo, que deve assumir esse papel. 

E com os pés firmemente fincados no presente, lançar as bases do futuro." 

É sempre bom lembrar que Pacto Social não é o mesmo que Reforma de Estado, assim como Reforma de Estado não é o mesmo que Choque de Gestão. E, principalmente, conhecimento não é o mesmo que opinião.

Há muito mais a ser dito, claro, mas basta. 

Quanto a esse conjunto de fatos, sabença de muitos, que lhe perseguiram ao longo do mandato, o Governador assim se expressou recentemente, ao encerrar a reunião por intermédio da qual se colocou à disposição da Governadora eleita para as tratativas de praxe relacionadas com a transmissão do cargo: 

“O Rio Grande do Norte está falido.” 

E mais não disse nem lhe foi questionado, até onde se sabe. 

Atitude essa pelo menos questionável, a de lançar ao tempo seu próprio fracasso, vez que foi um dos maiores corresponsáveis por isso acontecer. Afinal antes de ser Governador foi Vice, antes de Vice, Presidente de Assembleia, e durante muitos anos Deputado Estadual, como já mencionado. 

O próprio Governador disse, na leitura da Mensagem Anual de 2018 na Assembleia Legislativa, que tinha sido fartamente avisado da crise econômico-financeira existente no Rio Grande do Norte, “mas como era forte, fora pra cima e a enfrentara”

Ao contrário. Nem foi para cima, nem a enfrentou. Ciscou para um lado, ciscou para o outro, e somente levantou poeira, nada mais. 

Ao invés de cuidar das mudanças que o Estado necessitava, quando assumiu, enclausurou-se em uma bolha feérica típica de deslumbrados pelo Poder, e desconhecendo os fundamentos básicos essenciais para governar um Estado, se tornou prisioneiro da própria vaidade e incompetência. 

Não é verdade que tenha enfrentado a crise financeira, repita-se, e o sabemos todos. Quando cuidou, se o fez, era tarde demais, mero teatro para inglês ver, vaudeville canhestro. 

Robinson disse ainda nessa mesma Mensagem, que passou para a história como um grande equívoco de forma e conteúdo: “Vou repetir: não foi o meu governo quem quebrou o estado.” 

Ajudou, e muito, a quebrar. Foi coparticipe. 

E em o tendo quebrado juntamente com outros, assumiu, a sós, o ônus da omissão. 

Não disse ele que fora fartamente alertado acerca da crise financeira? E em o sabendo, desde o início, do que lhe esperava, não é verdade que se eximiu de tomar as medidas duras, profundas e exigíveis, para reverter o problema? As mesmas medidas que Ricardo Coutinho e Flávio Dino tomaram na Paraíba e Maranhão, respectivamente? 

Por que não renunciou, pela impossibilidade de fazê-lo? 

Houve incompetência ou desídia, ou as duas juntas, não sabemos ainda, mas o tempo dirá. O tempo é senhor da razão. 

Incompetência, descaso, desgoverno, má-gestão, quando os há, ferem e deixam cicatrizes políticas terríveis. Cicatrizes que o Governador e seus auxiliares - tão responsáveis quanto ele - carregarão consigo para o resto dos seus dias.

Serão lembrados sempre por essas cicatrizes. 

No mais, a nós, resta rezar. Rezemos, pois. E esperemos juízo nos homens.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

FELIZ NATAL E ANO NOVO

* Honório de Medeiros

Quando vi essa imagem pela primeira vez, ela tinha sido postada por minha querida amiga Camila Cascudo.

Hoje me lembrei dela e não resisti: aí está para vocês.

Na primeira vez e todas as outras que a vi, senti uma vontade muito forte de pegar essa criança no colo, abraça-la, cuidar dela, tentar manter esse sorriso lindo permanentemente em seu rosto.

É esse abraço que eu mando para todos vocês, enquanto um Feliz Natal e Ano Novo!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

A VISITA DA BRUXA MALDITA

* Isabel Sena

A bruxa maldita me visitou hoje.

Soprou no meu rosto e se divertiu com o desânimo que tomou conta de minha alma.

Riu da minha dor, da estranha dor que a alma às vezes sente, da sensação de que fui e sou um fracasso, um desajeitado traste inútil que não suporta mais viver com suas máscaras cotidianas.

Quando ela vem mergulho de ponta no centro da melancolia e embora me debata, sinto que me afogo num oceano de insegurança, e que na próxima vez afundarei como uma pedra imensa, mas, nem assim, vou me ver livre dessa bruxa maldita.

Quando ela me visita não suporto a companhia dos outros. Não quero conversar. Sinto nojo do contato físico. Quero ficar sozinho, longe de tudo e de todos.

O que me resta agora é fazer de conta que ela não está me olhando, de que se vai, que logo, logo, tudo volta ao normal.

Depois, de fato, ela se vai.

Mas cada vez demora menos a vir. E cada vez demora mais a ir.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

PARA QUE SERVEM AS PALAVRAS

* Honório de Medeiros                


"As palavras valem também para isso, dar alguma existência aos nossos delírios", diz Raduam Nassar em "Cantigas d'amigos", Cadernos de Literatura Brasileira, Ariano Suassuna. 

Ariano, entrevistado pelo Cadernos, em certo momento: "não sou um escritor de muitos leitores; costumo dizer que sou um autor de poucos livros e poucos leitores -, (...) Mesmo que eu não publique, tem um círculo de leitores que sempre lê o que escrevo."

Retruca o Cadernos: "Este é um circuito antimoderno, o circuito da comunidade interessada." 

Qual uma confraria de amigos, na Idade Média.

Assim é, assim será, dado o caráter dos tempos atuais, no qual a imagem evanescente e superficial é tudo e as palavras, mesmo se delírios, manjar para poucos.

Aqui a palavra é arte. 

Relendo "O Crime do Padre Amaro" do imenso Eça, lá encontro essa ideia pela voz do seco Padre Notário:

- Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja uma brincadeira! Irra! Eu não sou um pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que é um meio de persuasão, de saber o que será que passa, de dirigir o rebanho para aqui ou para ali... E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está o que é - a absolvição é uma arma."

Recordo que dizia para meus alunos de Filosofia do Direito ser a confissão um inteligente serviço secreto, à serviço da aristocracia, para a manutenção dos interesses da elite dominante.

A palavra: arte ou instrumento. Às vezes ambos ao mesmo tempo.

Não somente a palavra escrita, mas também a falada, mesmo a que dá existência aos nossos delírios.

Natal, em 7 de março de 2015.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

APENAS FAGULHAS NA NEBLINA

* Honório de Medeiros

"O mais velho estava seguindo os passos do pai, só que em outro ministério, e já se aproximava daquele estágio no serviço público em que a inércia é recompensada com a estabilidade" ("A Morte de Ivan Ilitch", Tolstoi).

Esse pequeno trecho de uma das mais expressivas novelas do grande escritor russo nos mostra como o homem e as relações são os mesmos, malgrado o tempo e a distância.

Aqueles momentos nos quais o homem parece romper com seu destino comum são fagulhas, e elas logo desaparecem na névoa da rotina.

Como se fôssemos livres para nadar no rio, desde que dele não saíssemos, e sempre terminássemos no mar.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

NEGAR O HUMANO QUE HÁ EM NÓS

* Honório de Medeiros

Lidar com as pessoas exclusivamente a partir do seu filtro ideológico é pobreza de espírito. Ideologia é um conjunto de valores que cada um construiu para si. Valores são relativos. Uma ideologia imposta é a negação do humano que há em nós. Persuadir, convencer, sim, impor, nunca. Negar o humano é próprio do pensamento totalitário, seja de esquerda ou direita, e contra tudo quanto a humanidade construiu de relevante ao longo do processo civilizatório.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

UMA HISTÓRIA MARAVILHOSA DA ÉPOCA DOS CORONÉIS

De Laurence Nóbrega, grande amigo meu e do famoso escritor Florentino Vereda, recebi o bilhete abaixo:

"Mando anexo um arquivo em word, com a transcrição que fiz, de uma história contada por Trajano Pires da Nóbrega, no seu estudo da genealogia da família Nóbrega, da qual eu sou um dos menos ilustres membros.

Trata-se da fuga da filha do Capitão Justino Alves da Nóbrega, mais conhecido como Cap. Justino da Salamandra, o mesmo que atacou a cidade de Santa Luzia e libertou o primo Liberato Cavalcanti de Carvalho Nóbrega, preso injustamente por inimigos políticos. Não sei se este é o cangaceiro a quem você se referiu na nossa conversa recente. Caso queira pesquisar mais a respeito dele, consulte as “fotocópias” que lhe enviei ou, se preferir, diretamente no livro de Trajano.

Um bom fim de semana.

Laurence

"Sunila" 

“Ouvi a seguinte história acerca do casamento de Marcionila Bezerra da Nóbrega (Sunila), com Braz Cavalcante, que me foi narrada por Severino Duarte Pinheiro, neto do seu irmão Martinho Alves da Nóbrega. “Marcionila, filha do Cap. Justino Alves da Nóbrega, ou Cap. Justino da Salamandra, chefe do Partido Conservador em Santa Luzia, tinha o gênio forte e voluntarioso como o do pai. Foi pedida em casamento por Brás Cavalcante, rapaz de Sapé que andou em Santa Luzia, pedido que, apesar de ser do seu agrado, foi definitivamente repelido pelo pai. Não se conformando com esta recusa, a moça deliberou fugir, o que chegou ao conhecimento do pai, que logo decretou a sentença de morte da filha, caso pusesse em prática o seu plano de fuga. Nada intimidou a moça, que, seguindo o hábito paterno, usava constantemente pistola e punhal ocultos na própria roupa. 

Sentindo que a filha seria capaz de realizar o seu plano, o Cap. Justino passou a manter constante e ativa vigilância. Como que de propósito, a casa só tinha duas aberturas acessíveis à moça, uma porta e uma janela, esta no oitão da casa. Intensificando a vigilância, o velho admitiu um auxiliar, que era um rapaz de confiança, que sempre mantinha em uma casa na fazenda, à frente da casa grande. Enquanto, à noite, o velho dormia perto da porta, o rapaz dormia perto da janela. 

Não havia outra saída. 

Em uma noite, porém, de grossa invernada com forte trovoada, coincidiu que o rapaz auxiliar da vigilância faltou; mas o velho dobrou o cuidado. A moça, que mantinha secreta correspondência com o noivo, tinha assentado fugir na primeira noite de tempestade que houvesse. Aquela seria a tal. 

Da sala de jantar, ficou observando, ocultamente, os menores movimentos do pai. Viu-o deitar-se, mas sempre atento à chuva. A certa hora o velho levantou-se o foi abrir a porta para olhar a chuva do alpendre. Compreendendo o gesto paterno, a filha a filha abriu a janela no mesmo instante em que o velho abriu a porta, de modo a confundir os dois em um só ruído. E deu certo. O pai não percebeu que a janela tinha sido aberta e que, por ela, sem perder um instante sequer, a moça se passara para fora, saindo para a chuva e a escuridão, não tardando a encontrar-se com o noivo, que a aguardava a pequena distância, com o cavalo de prontidão. Correram até a vila de Santa Luzia, onde chegaram alta madrugada, procurando abrigo na casa de residência do chefe político do Partido Liberal, adversário e inimigo do Cap. Justino. Aí foram guardados, trancados em um quarto, de modo a não serem pressentidos por ninguém, pois o velho Justino era geralmente temido. 

Ao amanhecer o dia, o Cap. Justino foi surpreendido com a realidade. A filha tinha fugido, realizando o plano que tentava frustrar com tanto empenho. E a revolta, na sua alma voluntariosa, que não admitia tal indisciplina, principalmente por uma filha, não teve limite. Determinou imediata perseguição ao casal de fugitivos, até encontrar para matar ambos, sangrados ou fuzilados. Convocou, no mesmo instante, todos os seus homens, e deu ordens severíssimas para saírem em perseguição ao casal, até encontrar e matar. Mas a chuva grossa da noite havia desfeito todos os rastros. Não era possível descobrir o rumo seguido pelos fugitivos. 

Mandou, então, gente em todas as direções; mas nada de notícias, ninguém vira os fugitivos nem deles tivera notícias. Parecia que a terra os havia engolido. 

Depois do terceiro dia, continuando as indagações e as ameaças, cada vez mais terríveis, o chefe da casa que lhes havia dado guarida, temeu pela segurança dos seus e pediu ao rapaz que se retirasse com a moça. Aguardaram a noite e fugiram a cavalo, por volta da meia noite. Tomaram rumo ignorado, o que foi fácil porque ninguém suspeitava que os fugitivos permaneciam em Santa Luzia. 

Cerca de um mês depois chegou a primeira notícia da filha; sem se denunciar onde permanecia oculta, mandou pedir ao pai autorização para casar-se, o que era indispensável na época. Não só recusou o pedido, como intensificou a perseguição, embora sempre improfícua, pela impossibilidade de ser localizado o casal fugitivo. 

Em face desta intransigência do velho pai, a moça passou a fazer vida marital com o noivo, mesmo sem o casamente, o que tinha evitado até aquele dia, com o seu rigoroso senso de honra. Houve diversos filhos desta situação. A perseguição, ou melhor, a ideia de perseguição continuou sem esmorecimento ao longo de 12 anos de vida que ainda teve o Cap. Justino Alves da Nóbrega. Sentindo a proximidade da morte, deixou ao filho mais velho, Martinho, a incumbência de manter a perseguição, por toda a vida. Mas, de ânimo moderado, Martinho Alves da Nóbrega, logo que o velho pai havia desaparecido, relaxou a recomendação, combinando em que a irmã se casasse como desejava. 

O casal veio a residir nas proximidades dos irmãos, perto da Salamandra, da Malhada do Umbuzeiro, da Noruéga, que eram as principais propriedades da família, herdadas do rancoroso pai. Viveram muitos anos. D. Marcionila, já viúva, ainda era viva até há poucos anos, tendo falecido depois de 1950”.

'A FAMÍLIA NÓBREGA' 

Autor: Trajano Pìres da Nóbrega 

1ª edição: 1956 

Pgs. 578 a 580"

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

FREDERICO PERNAMBUCANO DE MELLO E "GUERREIROS DO SOL"


* Honório de Medeiros

"O BRIO DE CRISTAL"

Em 19 de novembro de 2010 debati, com Frederico Pernambucano de Mello, acerca de sua obra-prima “Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço”, sob mediação da escritora Clotilde Tavares, na IIª Feira Literária da PIPA (FLIPIPA).

Debate não é o melhor termo para definir esse encontro. Trocamos ideias, eu como aprendiz, e Frederico Pernambucano de Mello como mestre de todos nós, estudiosos da Cultura e História Sertaneja, ambos pontuados pela inteligência brilhante de Clotilde Tavares, ante uma plateia atenta e participativa.

Eu acabara de lançar meu "Massilon" (Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins).

Mas indo ao que importa, penso que todos os livros do mestre são importantes, entretanto dois são canônicos: "Guerreiros do Sol" e "Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço". 

O primeiro é fundamental, e não há como estudar a cultura sertaneja nordestina sem o ler. Trata-se de obra tão importante quanto, por exemplo, "Os Sertões", de Euclides da Cunha, na opinião de muitos.

Discorrendo acerca do banditismo rural no sertão nordestino, lá para as tantas Pernambucano de Mello, em uma Nota Introdutória que compõe a introdução à 5ª edição revista e atualizada, na qual tive a honra de ser citado, observa:

"Num e noutro dos universos rurais nordestinos o banditismo teve lugar. Na mata litorânea como no sertão profundo. É claro que com diferenças. São dois mundos, afinal. Duas culturas. Dois homens. Duas sociedades. O coletivismo da tarefa agrícola domesticou o litorâneo. Afeiçoou à hierarquia e à disciplina, muito fortes nos engenhos de açúcar. O sertanejo permaneceu puro em sua liberdade ostensiva, quase selvagem. A pecuária não veio se cristalizar ali em trabalho massificado. Não embotou o individualismo do sertanejo. O seu livre-arbítrio. Ou a sobranceria. Veio daí o orgulho pessoal exagerado que apresentava. O brio de cristal. As próprias cercas não  chegam ao sertão antes do século passado. A visão do sertanejo era a caatinga indivisa. Com o homem se sentindo absoluto numa paisagem absoluta".

Talvez alguns não concordem, mas como não se render a essa tessitura finamente composta de "insights" tão precisos quanto envolventes acerca da alma do nosso sertanejo nordestino ancestral?

E prossegue a obra tão densa quanto formalmente atraente, a discorrer acerca da nossa história e cultura comuns, elencando hipóteses, apontando caminhos, propondo soluções, tudo em ritmo forte, que nos exige atenção redobrada e esforço investigativo incomuns para não perdermos o fio-da-meada.

Nela, por exemplo, já se menciona o impressionante tema da estética do cangaço, que viria a ser tema central da obra que pautou o debate.

Mas não somente, claro. Há a teoria do escudo ético; a tipologia dos cangaceiros; a psicologia do homem sertanejo nordestino arcaico; o arcabouço da violência que construiu o habitat próprio do cangaço; a relação seca/economia/cangaço; os fatores que influenciaram o fim desse ciclo tão próprio do nosso Sertão; a análise acerca da disseminação, nas terras sertanejas, do "ethos" da violência como apanágio da masculinidade, a partir do conflito entre famílias; o papel da nossa indiada no ensino de táticas de guerrilha que foram recebidas e aprofundadas pelos cangaceiros... 

"Guerreiros do Sol" recebeu elogios entusiásticos de Gilberto Freyre, em prefácio à primeira edição. De Ariano Suassuna. De Bernardo Pericás. Ouso dizer que Cascudo seria admirador da obra. De tantos outros, ao longo do tempo. Todos lhe aplaudindo sua importância singular.

Assim como eu, anônimo, mas que também sei aplaudir.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

VIOLÊNCIA: HÁ ALGO ESQUECIDO EM SUA ANÁLISE



* Honório de Medeiros

Em 13 de outubro de 2012 escrevi, e postei, em meu blog, um artigo cujo título era “O QUÊ LEVA O JOVEM AO CRIME”.

Nele eu dizia o seguinte:


“Uma das conseqüências possíveis relacionadas com a teoria da Antropóloga Alba Zaluar, Coordenadora do NUPEVI (Núcleo de Pesquisa das Violências), ligado ao Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de que apenas a pobreza e a desigualdade social não explicam a ida de jovens para a criminalidade, é dar razão ao senso comum do povo quando clama pelo endurecimento da legislação penal.

A teoria, exposta em matéria assinada pelo jornalista Antônio Góis, da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro, apresenta como uma das causas do envolvimento de jovens com a violência a estrutura cultural que induz o surgimento do que ela chamou de “etos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”.

É algo decorrente da chamada “cultura machista”: os filhos homens são criados em ambientes que reproduzem condutas herdadas de desrespeito sistemático às mulheres, aos homossexuais, aos negros, às minorias, enfim, e valorização direta ou subliminar dos ícones da masculinidade distorcida; a música, a tradição oral, o lazer, a literatura, a própria postura passiva das minorias contribuem para a construção desse perfil medíocre e ameaçador.

A antropóloga lembra que “se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus (conjunto habitacional favelizado na zona Oeste do Rio de Janeiro) e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime.” É outra comprovação científica que respalda o senso comum: se apenas a pobreza fosse passaporte para o crime, não haveria Sociedade da forma como conhecemos. Melhor, não haveria tantos ricos criminosos. 

De posse do trabalho apresentado por Alba Zaluar talvez pudéssemos pelo menos iniciar a discussão em torno da ampliação das penas no Brasil. Quem sabe instaurarmos a prisão perpétua: não outra punição merece uma quadrilha de assaltantes recentemente presa em São Paulo, todos na faixa dos vinte anos, especializados em condomínios, que se tornaram conhecidos por torturarem suas vítimas, fossem elas novas ou idosas. Prisão perpétua com alimentação, saúde, lazer, tudo pago com trabalho – há tantas estradas para ajeitarmos, Brasil afora, tanta terra para ser arada...

E o maior empecilho, para aumentarmos a dosagem das penas no nosso país, para criarmos a prisão perpétua, é exatamente esse remorso social – quando não é a defesa em causa própria, como por exemplo, o caso dos nossos congressistas, grande parte respondendo algum tipo de processo – hipócrita que nos corrói a capacidade de enxergar o óbvio agora corroborado cientificamente. Sempre achamos, segmentos da elite, que a criminalidade tinha ligação direta com a pobreza. Recusávamo-nos a perceber, com o povão, que sofre nas mãos da delinqüência e nas mãos da polícia, que não era assim, afinal não se justifica que haja tortura e morte desnecessária em cada assalto realizado: a crueldade é um ritual de passagem na hierarquia do crime, dependente da admiração dos companheiros: quanto mais cruel, mais admirado, quantos mais homicídios, mais enaltecido.

Agora é tempo de ir atrás do prejuízo antes que seja tarde demais: contamos nos dedos as casas e condomínios onde não há cerca elétrica e cães, isolamento e medo. Fazemos de conta que não há guerra civil em São Paulo e Rio de Janeiro. Iludimo-nos pensando que o Estado é soberano em algumas áreas das grandes cidades do Brasil.”

Em 13 de junho de 2014, voltei ao tema, novamente em meu blog: 

“Diferente da corrente majoritária hoje nas análises sociológicas acerca das causas da criminalidade e suas consequências, defendo uma abordagem, acerca do tema, de caráter darwinista. 

Ou seja, penso que está mais que no tempo de superar a falida postura de atribuir às condições sociais, à pobreza, por assim dizer, o surgimento da criminalidade.

A pobreza não é causa, é um dos ambientes do surgimento da criminalidade. Para o senso comum, principalmente o brasileiro, é fácil entender essa hipótese: basta acompanhar, diariamente, o noticiário acerca da corrupção. 

Existe uma lógica perversa, típica, por trás da difusão e aprofundamento dessa manobra diversionista que é atribuir á pobreza o surgimento da criminalidade. É uma lógica de gueto, secessionista, da qual se apropriam os interessados em usufruir da confusão que ela origina.

Em relação ao reconhecimento desse "ethos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”, a literatura também se manifesta, mesmo que obliquamente, no sentido de reconhecê-la como uma das causas da criminalidade. 

Leiam atentamente o trecho a seguir, pinçado de "Maigret hesita", do genial Georges Simenon, escrito em 1968: 

‘É provável que lá também encontrasse um pobre sujeito que havia realmente matado porque não podia agir de outro modo, ou então um jovem delinquente de Pigalle, recém-chegado de Marselha ou da Córsega, que eliminara um rival para se fazer crer que era um homem.’"

Inesperado e surpreendente é encontrar o relato feito por Frederico Pernambucano de Mello em sua obra canônica Guerreiros do Sol, o mais completo estudo sobre o cangaço, um tipo de banditismo rural que medrou no Sertão do nordeste brasileiro desde a metade do século XIX até meados do século XX, quanto ao entusiasmo que as façanhas dos bandoleiros exerciam "entre a flor em botão da mocidade".

Na obra Pernambucano de Mello cita Marilourdes Ferraz, festejada escritora de O Canto do Acauã, e sua constatação sobre "o notável poder de sedução que o cangaço exercia sobre os jovens, inclusive os das chamadas "boas famílias".

E complementa apresentando trecho do discurso do deputado estadual pernambucano Maviael do Prado, transcrito no Relatório sobre o ano de 1928, da Repartição Central da Polícia Estadual do Estado de Pernambuco, no qual aquela autoridade discorria sobre o assunto, enfatizando exatamente essa perspectiva.

Ai está o senso comum e a literatura mais uma vez mostrando de forma inequívoca por qual razão podem e devem ser pontos-de-partida para o conhecimento da realidade social.

Arte em Daily Echo 

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

ESSÊNCIA IMUTÁVEL, FORMA EVANESCENTE

* Honório de Medeiros


Não há nada de novo sob o sol. Seguimos aparentemente em frente, para destino ignorado, permanecendo os mesmos de tanto tempo atrás, enquanto as formas, os instrumentos, os meios que são nossa criação, mas dos quais somos reféns para lidar conosco mesmo, fenômenos e coisas, tornam-se cada vez mais complexos e fugazes, em uma espiral, um "vir-a-ser", como diria Nietzche, de proporções incalculáveis.

Essência imutável, forma evanescente.

Leio em "Os Crimes de Paris", de Dorothy e Thomas Hoobler, acerca de Vidocq, um personagem maior que sua vida. "Depois de cometer vários crimes na juventude, trocou de lado e se aliou à polícia. Foi o primeiro chefe da Súrete, o equivalente francês do FBI, e modelo para vários personagens da literatura", dizem-me eles.

Fascínio antigo esse meu por Vidocq. Camaleônico, sofisticado, indecifrável, também foi o criador da primeira agência de detetives do mundo, o "Bureau de Reinseignements", ou Agência de Inteligência. Que outro, além de um francês, criaria uma agência de detetives com esse nome?

Inspirou Maurice Leblanc na criação do célebre Arsène Lupin, O Ladrão de Casaca, que eu lia, fascinado, na adolescência, graças à bondade de um colega de ginásio, na Mossoró que não existe mais. Como inspirou, também, além de muitos outros, tais como Alexandre Dumas, Victor Hugo e Eugène Sue, o ainda mais célebre personagem de Balzac, Vautrin, presente em vários livros da"Comédie Humaine".

Em certo momento, lá para as tantas, Vautrin explica o mundo:

"-E que lodaçal! - replicou Vautrin. - Os que se enlameiam em carruagens são honestos, os que se enlameiam a pé são gatunos. Tenha a infelicidade de surrupiar alguma coisa e você ficará exposto no Palácio da Justiça como uma curiosidade. Furte um milhão e será apontado nos salões como um modelo de virtude. Vocês pagam 30 milhões à polícia e à justiça para manter essa moral... Bonito, não é?"

Como diria minha mãe: "vão-se os anéis, permanecem os dedos..." 

terça-feira, 13 de novembro de 2018

FAVOR DESEQUILIBRA


* Honório de Medeiros


Antônio Gomes é um homem singular. 

Quando está em Natal costuma tomar um café, no final da tarde, na doceria de um hotel com vista para o mar.

Lá Teresa o atendia sempre, e entre os dois terminou se estabelecendo uma certa amizade, na justa medida da reserva natural de Gomes.

Teresa me perguntou dia desses por ele. Fiquei surpreso com a pergunta, porque sabia que estava em Natal.

"Não andou por aqui?". "Não", respondeu. "Sumiu".

Coincidiu que o encontrei logo depois. Disse-lhe que Teresa andara perguntando por ele. 

Gomes sorriu e me confessou que não iria mais por lá.

"Mas o que houve?", perguntei.

"Fiz-lhe um favor, e o equilíbrio da relação desmoronou." "Ela agora acha que está em débito comigo". "A partir de então, por mais que não queira, sou aquele a quem se deve algo." 

E mudou de assunto.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

ROBINSON CONSOLIDA SUA POSIÇÃO


* Honório de Medeiros

Quase um bilhão de restos a pagar; 13º de 2017; salário de outubro de 2018; nenhum compromisso com o salário de novembro e dezembro de 2018; nenhum compromisso com o 13º de 2018.

Maior taxa de mortes violentas por cada 100.000 habitantes.

Saúde às moscas.

Economia moribunda.

Pá de cal no cadáver insepulto das finanças públicas estaduais.

Robinson vai se consolidando como pior dentre todos os que já ocuparam a cadeira de Governador do Estado do Rio Grande do Norte

Cadeira que foi honrada por Aluísio Alves, Monsenhor Walfredo Gurgel e Cortez Pereira.

* Arte: Blog do Brito