sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

O GOVERNO ROBINSON ACABOU

* Honório de Medeiros

O Governo Robinson acabou.

É, hoje, um final de festa ruim, cuja pá-de-cal foi a péssima tentativa fora-de-tempo de ajuste fiscal batizado de “RN Urgente”. 

E imagino que tenham acabado as pretensões eleitorais do Governador à reeleição, quando comparou seus últimos movimentos com os de Carlos Eduardo, cada vez mais candidato ao Governo do Estado. 

Enquanto o Prefeito de Natal se expôs ao povo impaciente, durante o Carnaval, e recebeu elogios de todos os lados, o Governador se escondeu.

E como foi bom o Carnaval Multicultural de Natal!

Por fim deve também ter comparado sua Mensagem Governamental, verdadeiro caldo de casca de pinha, como se diz no Sertão quando a coisa é rala, ao denso e bem redigido discurso anual à Câmara Municipal do Prefeito e não deve ter gostado do que viu e ouviu. Perdeu por muito. 

Pois é, Governador. A cadeira que Aluízio Alves e Cortez Pereira sentaram não é nada fácil.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

ROBINSON ERROU EM SUA MENSAGEM ANUAL

* Honório de Medeiros

O Governador Robinson Faria, na leitura da Mensagem Anual de 2018, errou.

Errou ao dizer que como era forte, foi pra cima e enfrentou a crise econômico-financeira existente no Rio Grande do Norte.

Ao contrário, ele se omitiu.

Quando cuidou, era tarde demais.

Ele disse: “Vou repetir: não foi o meu governo quem quebrou o estado.”

Tudo errado, Governador.

Como esquecer que você foi Vice-Governador, Presidente da Assembleia e Deputado Estadual nos governos anteriores ao seu?

Seu erro foi a omissão.

Se por desconhecimento ou desídia, não sabemos.

E, claro, somente os fracos transferem suas culpas.


 O escolhido desta vez foi a Petrobrás.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

TODOS ESTAMOS ILHA



* Honório de Medeiros


O mundo está se fragmentando.

Cada homem, hoje, é uma ilha.

Uma ilha em permanente guerra contra as outras.

Tudo quanto formava a unidade entre as pessoas, como a crença em Deus, a fé na Razão, a vida comunitária, se desfaz lentamente.

Não nos damos mais as mãos, a não ser quando tomados por algum interesse menor.

O altruísmo morre. O egoísmo cresce.

Todos são, desde algum tempo, donos da verdade única, e agimos como se quem não concordasse fosse um inimigo visceral.

Breve esse individualismo exacerbado, que se firma nos nossos piores defeitos, há de nos conduzir para uma realidade na qual cada um será somente por si, e ninguém por todos.

* Arte: somostodosum.ig.com.br

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

STF, O DESGOVERNO

Conrado Hübner Mendes

"A síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo".

Por Conrado Hübner Mendes, na Folha/Ilustríssima


O Supremo Tribunal Federal é protagonista de uma democracia em desencanto. Os lances mais sintomáticos da recente degeneração da política brasileira passam por ali. A corte está em dívida com muitas perguntas, novas e velhas, e vale lembrar algumas delas antes que os tribunais voltem do descanso anual nos próximos dias.

Se Delcídio do Amaral (PT-MS), Eduardo Cunha (MDB-RJ), Renan Calheiros (MDB-AL) e Aécio Neves (PSDB-MG) detinham as mesmas prerrogativas parlamentares, por que, diante das evidências de crime, receberam tratamento diverso?

Se houve desvio de finalidade no ato da presidente Dilma Rousseff (PT) em nomear Lula (PT) como ministro, por que não teria havido o mesmo na conversão, pelo presidente Michel Temer (MDB), de Moreira Franco (MDB) em ministro?

Se o STF autorizou a prisão após condenação em segunda instância, por que ministros continuam a conceder habeas corpus contra a orientação do plenário, como se o precedente não existisse?

Se a restrição ao foro privilegiado já tem oito votos favoráveis, pode um ministro pedir vista sob alegação de que o Congresso se manifestará a respeito? Pode ignorar o prazo para devolução do processo?

Se lá chegam tantos casos centrais da agenda do país, como pode um magistrado, sozinho, manipular a pauta pública ao seu sabor (por meio de pedidos de vista, de liminares engavetadas etc.)?

Se o auxílio-moradia para juízes, criado em 2014, custa ao país mais de R$ 1 bilhão por ano, como pôde um ministro impedir que o plenário se manifestasse até aqui? Se a criminalização do porte de drogas responde por grande parte do encarceramento em massa brasileiro, como pode um pedido de vista interromper, por anos, um caso que atenuaria o colapso humanitário das prisões?

Se um ministro afirma que Ricardo Lewandowski “não passa na prova dos 9 do jardim de infância do direito constitucional”, que Luís Roberto Barroso tem moral “muito baixinha”, que Marco Aurélio é “velhaco”, que Luiz Fux inventou o “AI-5 do Judiciário”, que Rodrigo Janot é “delinquente” e que Deltan Dallagnol é “cretino absoluto”, e além disso tem amigos espalhados entre o empresariado e a classe política julgados pelo STF, como expressará isenção nesses casos?

Se a Lei Orgânica da Magistratura proíbe juízes de se manifestarem sobre casos da pauta, como podem ministros antecipar posições a todo momento nos jornais?

A lista de perguntas poderia seguir, mas já basta para notar o que importa: as respostas terão menos relação com o direito e com a Constituição do que com inclinações políticas, fidelidades corporativistas, afinidades afetivas e autointeresse.

O fio narrativo, portanto, pede a arte de um romancista, não a análise de um jurista. Ao se prestar a folhetim político, o STF abdica de seu papel constitucional e ataca o projeto de democracia.

CHOQUE DE REALIDADE

A separação de Poderes conferiu lugar peculiar ao Supremo. O Parlamento é eleito, o STF não. O parlamentar pode ser cobrado e punido por seus eleitores, os ministros do STF não. O presidente da República é eleito e costuma ser o primeiro alvo das ruas, os membros do STF estão longe disso. A corte suprema tem o poder de revogar decisões de representantes eleitos.

É um tribunal que se autorregula e não responde a ninguém. O que justifica tanto poder e a imunização contra canais democráticos de controle?

Há boas respostas teóricas para esse arranjo. Para alguns, a integridade constitucional depende de um órgão capaz de pairar acima dos conflitos partidários, praticar a imparcialidade e assumir o papel de poder moderador. Para outros, mais do que apenas moderar, caberia ao tribunal inspirar respeito por seus argumentos jurídicos, que tecem padrões decisórios e constroem jurisprudência.

A autoimagem construída pelo STF foi ainda mais longe. Apresentou-se como a última trincheira dos cidadãos, incumbido da missão de salvar a democracia de si mesma, domesticar maiorias, amparar e incluir minorias.

No ápice da automistificação, o ministro Barroso imaginou a corte como “vanguarda iluminista que empurre a história” na direção do progresso moral e civilizatório (Vinicius Mota descreveu a ideia no dia 14/1).

A crise política e a erosão de direitos dos últimos anos trouxe ao Supremo a oportunidade (e o ônus) de atender a suas promessas. A resposta, porém, foi um choque de realidade.

O desarranjo procedimental cobrou seu preço. Despreparado para a magnitude do desafio, o tribunal reagiu da forma lotérica e volátil de sempre. A prática do STF ridiculariza aquele autorretrato heroico, frustra as mais modestas expectativas e corrói sua pretensão de legitimidade.

Por não conseguir encarnar o papel de árbitro, o tribunal tornou-se partícipe da crise. Já não é mais visto como aplicador equidistante do direito, mas como adversário ou parceiro de atores políticos diversos. Desse caminho é difícil voltar.

Atado a uma espiral de autodegradação, o poder moderador converteu-se em poder tensionador, que multiplica incertezas e acirra conflitos. O ator que deveria apagar incêndios fez-se incendiário. Não foi vítima da conjuntura, mas da própria inépcia. A vanguarda iluminista na aspiração descobriu-se vanguarda ilusionista na ação (e na inação).

A síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo.

ILUSIONISMO

Como opera esse poder tensionador? Para decifrar a vanguarda ilusionista, precisamos olhar para além do resultado de cada decisão (se prende ou solta, se anula ou valida). Deve-se prestar mais atenção ao procedimento que gerou tal resultado e ao argumento que o justifica. É no procedimento e no argumento que mora o ilusionismo.

A síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo.

A contradição entre as duas regras é só aparente, pois a arte do ilusionismo permite sua coexistência. Manda a lógica do “cada um por si”, nas palavras de editorial da Folha (24/12).

O argumento constitucional do Supremo já não vale o quanto pesa e tornou-se embrulho opaco para escolhas de ocasião. Basta olhar com lupa as incoerências na fundamentação de casos juridicamente semelhantes que recebem decisão diversa.

A expressão “jurisprudência do STF” sobrevive como licença poética, pois perdeu capacidade de descrever ou nortear a prática decisória do tribunal. Perdeu dignidade conceitual e até mesmo retórica.

No âmbito da esfera pública, o ilusionismo serve para desviar a atenção, responder o que não se perguntou, jogar fumaça na controvérsia e confundir o interlocutor.

O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, é praticante rotineiro dessa técnica. Publicou nesta Folha (17/1) artigo em defesa do habeas corpus (HC). Invoca o direito abstrato à liberdade, do qual ninguém discordará, e se desvia das críticas contra suas decisões recentes.

As críticas às quais Mendes reage nunca miraram o HC em si, mas as evidências de suspeição para julgar, de forma monocrática, pessoas do seu círculo pessoal e político. O ministro se apresenta como defensor da liberdade, mas suas decisões passam a impressão de ser defensor dos amigos. Para dissipar essa impressão, basta que se declare suspeito —o que se recusa a fazer.

Manha ilusionista: discursar sobre o ideal revolucionário da liberdade e silenciar sobre a liberdade concedida a amigos indiciados.

O ilusionismo, nas suas faces procedimental e argumentativa, retira das decisões do STF o selo de integridade institucional.

Por essa razão, tem sido pouco útil aos advogados e analistas da corte perguntar se o texto da Constituição é lido de modo apropriado, se nossas categorias de análise dão conta da tarefa interpretativa e se o tribunal pratica ativismo ou deferência —questões nobres do debate constitucional.

Mais importante é conhecer a biografia do ministro e sua capacidade de atender a ética da imparcialidade, da responsabilidade e da colegialidade.

A ambição do Estado de Direito é produzir um “governo das leis, não dos homens”. Soa como slogan a serviço da distorção ideológica, mas o sentido da expressão não tem nada de esotérico.

A mensagem é mais modesta: não quer dizer que o aparato institucional de interpretação e aplicação das leis deva ser composto por sujeitos sobre-humanos, imunes a afetos e interesses, mas apenas que esses sujeitos devem ter compromisso ético para decidir com maior isenção e ponderação analítica, além de gozar de garantias contra a pressão da barganha política. Não requer muito mais que isso.

A prática do STF pede adaptação daquela máxima: a interpretação constitucional deve estar submetida ao “governo do Supremo, não dos ministros”. O tribunal, porém, tem sido governado pelo voluntarismo incontinente de seus membros. É muito poder individual de fato (e de legalidade duvidosa) para ser usado com tanta extravagância.

Como disse José Sarney, anos atrás, “um dos maiores desserviços ao país é desprestigiar o Supremo Tribunal Federal”. Esse desserviço ao STF vem sendo prestado pelos seus próprios membros. Isso traz consequências.

ARBÍTRIO

O tempo do STF é místico. A corte pode tomar uma decisão em 20 horas ou em 20 anos (como publicou Ivar Hartmann, neste mesmo caderno, em 28/5 de 2017). A duração de um caso não guarda nenhuma relação com sua complexidade jurídica, sua importância política ou o excesso de trabalho do tribunal —alegações usuais de ministros.

É fruto, sim, da idiossincrasia e do instinto de cada julgador. E, às vezes, de negociações nos bastidores palacianos e corporativos.

Ninguém melhor que o ex-deputado Eduardo Cunha para iluminar o problema. Quando afastado de seu mandato pelo STF em 2016, ironizou com a pergunta cínica que muitos se fizeram: “Se havia urgência, por que levou seis meses?” Em outras palavras: por que agora?

Uma ótima questão, que poderia ser aplicada a muitos casos (por exemplo, o pacote natalino de liminares, todas monocráticas e abruptas, tomadas no apagar das luzes de 2017, antes de o Judiciário sair de férias).

Lewandowski, presidente da corte em 2016, desconversou: “O tempo do Judiciário não é o tempo da política e nem é o tempo da mídia. Temos ritos, procedimentos e prazos que devemos observar”.

A resposta é mais um artefato ilusionista. Quando diz que o tempo do Judiciário não é o tempo da política nem o da mídia, recorre a um árido lugar-comum para se esquivar do que se queria saber. A resposta também ignora a inteligência empírica que vem sendo construída ao longo dos último anos sobre o STF por um crescente grupo de estudiosos da corte.

A definição arbitrária do seu tempo decisório é mais uma faculdade que o Supremo conferiu a si mesmo e não explicou a ninguém, um dos poderes mais antidemocráticos que um tribunal pode ter.

INSEGURANÇA

Pede-se a tribunais que produzam segurança jurídica e previsibilidade. Esse fim costuma ser entendido apenas como demanda de conteúdo: que pudéssemos estimar, com algum grau de certeza, à luz das decisões passadas da corte, o que decidirá em casos semelhantes no futuro.

Não é um objetivo possível de realizar por completo, pois muitos casos, apesar de sua similaridade de superfície, suscitam variações interpretativas genuínas.

Ainda que frustre expectativas, é desejável que a jurisprudência tenha um grau de elasticidade. Mas existe uma faceta mais básica da segurança jurídica: a expectativa de que tomará uma decisão em tempo razoável ou sabido. Trata-se de previsibilidade de segunda ordem.

O STF, no entanto, não só tirou a credibilidade da noção de jurisprudência como também nos sonega a possibilidade de saber quando uma decisão será tomada. Em certos casos, não estamos seguros sequer de que haverá decisão, qualquer que ela seja.

Se o STF passasse a observar, de modo criterioso e transparente, “ritos, procedimentos e prazos”, como quis Lewandowski, já seria um gesto quase revolucionário.

Entretanto, a loteria de agenda, somada ao seu oceano de casos, prejudica a construção de uma esfera pública constitucional, de um espaço em que debates democráticos possam se desenvolver, que atores interessados possam mobilizar energia e recursos para participar. Esperam apenas que seus argumentos sejam respondidos e uma decisão seja tomada em tempo publicamente justificado.

Vale a pena observar outras cortes no mundo. Ainda que a comparação tenha limites, pois cada tribunal tem seu próprio desenho, volume de casos e contexto, mostraria, por exemplo, que a discricionariedade com o tempo não é exclusividade do Supremo.

Nem todo tribunal tem a disciplina com o tempo que possuem a Suprema Corte dos Estados Unidos ou a Corte Constitucional da África do Sul. Como ambas decidem poucas dezenas de casos por ano, a tarefa fica menos difícil.

Se olharmos para as cortes espanhola ou mexicana, alemã ou argentina, indiana ou chilena, veremos um mapa muito plural de gestão do procedimento, com problemas particulares. Em nenhuma delas, porém, se consegue encontrar tamanha libertinagem de obstrução individual de ministros.

Que tenhamos perdido a reverência pelo STF é um ganho de maturidade política. Que estejamos perdendo o respeito é um perigo que o tribunal criou para si mesmo.

PERDA DO RESPEITO

Um bom observador do comportamento judicial aprende depressa que “cortes não fazem o que dizem e nem dizem o que fazem”. Pelo menos parte do tempo.

Essa máxima é ainda mais certeira quando aplicada a um tribunal de cúpula, que precisa administrar dinamites da democracia. A crônica constitucional só perde a inocência quando está apta a detectar a dissonância entre as palavras e os atos de instituição ainda tão obscura quanto o Judiciário.

Um bom observador do Supremo Tribunal Federal também aprende que o Supremo Tribunal Federal não existe. Pelo menos na maior parte do tempo.

Tornou-se um tribunal de 11 bocas e 11 canetas dotadas de poder para, sozinhas, tomar decisões (ou não decisões) que geram efeitos irreversíveis. A crônica constitucional brasileira vem captando essa lição à medida que a cacofonia do STF fica mais escancarada, e seus custos sociais, mais palpáveis.

O tribunal foi capturado por ministros que superestimam sua capacidade de serem levados a sério e subestimam a fragilidade da corte.

Decidem (ou deixam de decidir) o que querem, quando querem, sozinhos ou em plenário; falam o que querem e quando querem, não só nos autos e nas sessões públicas de julgamento mas também nos microfones de jornalistas.

Ausentam-se das sessões do tribunal sob pretextos pouco contestados (um congresso acadêmico ou casamento de amigo no exterior, uma honraria oferecida por câmara de vereadores de município remoto, a irritação com voto de colega etc.).

Administram terrivelmente a dimensão simbólica (fonte de autoridade) e deixam esvair a dimensão material do poder do tribunal (a capacidade de ser obedecido). Um STF sem capital político pode ser desobedecido sem custos.

Que tenhamos perdido a reverência pelo STF é um ganho de maturidade política. Que estejamos perdendo o respeito é um perigo que o tribunal criou para si mesmo.

Maquiavel sugeriu, em “O Príncipe”, que um governante não deve buscar ser amado, mas respeitado. Se não for respeitado, que ao menos não seja desprezado, sentimento político mais nocivo. Um governante torna-se desprezível quando é “inconstante, leviano, irresoluto”.

O conselho serve para as instituições democráticas, sobretudo tribunais constitucionais. O STF precisa de anti-heróis, não do contrário. Sua sobrevivência como instituição relevante tem a ver com isso.

Às vésperas dos 30 anos da Constituição de 1988, temos um tribunal constitucional desencontrado. O STF promete mais do que deve, entrega menos do que pode, disfarça o tanto quanto consegue.

Habituou-se à prática do ilusionismo e dela faz pouco caso. Criou uma espécie de zona franca da Constituição, onde reina a discricionariedade de conjuntura e aonde o Estado de Direito não chega.

E não chega por obra dos próprios ministros e ministras, que não promoveram um único aperfeiçoamento digno de nota na última década: nem na forma, nem no conteúdo; nem nos ritos, nem na ética institucional.

Não sabem conjugar a primeira pessoa do plural. Mediocrizaram a tarefa de interpretação constitucional e a própria instituição, cujo status se evapora. Com ele vai a esperança de efetividade da Constituição, a mais avançada que já tivemos.

(*) CONRADO HÜBNER MENDES, 40, doutor em direito pela Universidade de Edimburgo e doutor em ciência política pela USP, é professor de direito constitucional da USP e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.

domingo, 28 de janeiro de 2018

ARIANO SUASSUNA E O ARISTOCRATA PELO ESPÍRITO

Ariano Suassuna

* Honório de Medeiros

Acabei de ler a apresentação que Ariano Suassuna, fez da obra de um seu parente, Raimundo Suassuna, acerca da genealogia da família que lhes deu o sobrenome ("Uma Estirpe Sertaneja Genealógica da Família Suassuna"; A União; 1993; João Pessoa). 


Ariano, a quem Raimundo Suassuna pedira que fizesse uma apresentação "simpática", de seu livro, praticamente escreveu um ensaio onde, entre outras coisas, abordou duas coisas que me chamaram a atenção: seu orgulho por ser um "Suassuna"; e o seu conceito de "aristocracia". 

É preciso que se diga que o orgulho de Ariano com o fato de pertencer a essa lendária família nordestina é decorrente da intensa, profunda, ligação que ela tem com o Sertão. 

Ariano Suassuna entende que existe uma aristocracia pelo espírito, que é profundamente diferente daquela resultante de títulos nobiliárquicos. 

Ele estabelece essa diferença confrontando o "homem", com o "cortesão". Neste caso, chega a manifestar, implicitamente, um verdadeiro asco dos títulos comprados, recebidos por favores prestados através de subserviência, barganhados, ou oriundos de qualquer outra forma utilizada por serviçais do poder que caracterizam, em última instância, o comportamento dos alpinistas sociais. 

A verdadeira aristocracia, para Ariano, é aquela adquirida pelo espírito. Essa nobiliarquia é decorrente de uma postura moral ilibada, aliada a um exponencial senso de honra e vocação pública. Aristocrata, então, seriam Albert Schweitzer, Gandhi, Albert Sabin, entre outros.

Titãs morais, verdadeiros cavaleiros da távola redonda, homens sem mácula e sem medo, sempre à disposição dos injustiçados ou a serviço de causas mais que nobres. Individualidades poderosas, que se recusaram ser conduzidas, cooptadas, amordaçadas.

Não aceitam ser a folha que o rio leva para o mar; muito antes, pelo contrário, assemelham-se às represas que domam a marcha das águas.

Essa aristocracia pelo espírito de Ariano é fecundada, em termos ideológicos, por um socialismo que lembra o cristianismo primitivo em sua perspectiva ética.

É como se ele acreditasse que a verdadeira revolução seria aquela promovida através da encampação da dignidade como único fulcro da conduta humana, legitimando-a.

É um contraponto dialético à ética burguesa que exposta a olho nu por suas contradições básicas, mostra a conduta humana amesquinhada por obra e graça da lógica do capitalismo. Esse burguês, caricato, cortesão, jamais diria: "ao Rei tudo, menos a honra", mas, sim, "à elite tudo, até o bolso".

Trata-se de uma crítica ética ao capitalismo. A busca do lucro, revestida pelo fetiche ideológico da "competição", da "livre concorrência", amesquinha o homem que aceita participar de tal jogo.

Um aristocrata pelo espírito, cuja conduta é calcada na honra, no senso de justiça pública, recusa-se a aceitar uma competição cujo resultado final seja a obtenção de um ideal tal como, por exemplo, a obtenção de lucro.

Talvez haja algo de quixotesco na dimensão humana de Ariano Suassuna. É interessante, entretanto, observar o quanto sua concepção filosófica, nesse aspecto, aproxima-se daquela professada por Saint-Exupèry, aristocrata pelo espírito e por genealogia, em seus escritos de "Cidadela", livro póstumo.

E, por outra, do "bushido", o caminho do samurai. Note-se que Yukio Mishima, em seu comentário acerca do "Hagakure", um manual escrito por um samurai, para samurais, critica asperamente os nobres por ele chamados de "aristocratas de contas de despesas". 

Ou seja, tanto para Ariano, quanto para Saint-Exupèry e Mishima, o homem, assim considerado, é aquele que transcendeu o apequenamento, o amesquinhamento inerente à ética do capitalismo, da qual nos fala Max Weber, e tornou-se um aristocrata pelo espírito.

Aristocrata pelo Espírito: Não considerei correto o título "aristocrata do espírito". Difícil dizer por quê. Acho que "aristocrata pelo espírito" expressa com maior clareza a idéia de uma nobreza obtida através do espírito - tudo aquilo que caracteriza o humano, como a razão, incluindo, inclusive, o seu pendor místico. 


* Arte em Poemia - wordpress.com

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

BALADA DO ABISMO, A QUEDA



* Honório de Medeiros

Nada espere de mim:
sou todos, sou ninguém.
De mim colherá um instante, apenas um instante.

Nele, o que há?

O sopro de um Deus;
A gota de chuva na tempestade,
A cinza, do fogo-vento.

Frases pinçadas ao léu;
No abismo, a queda,
Na morte, a evanescência.

Não esqueça jamais:

Todos homens são Um,
Um homem é Todos.
Tudo espere de mim.

Arte em don-aleksander.blogspot.com

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O TRIBUNAL DE CONTAS DO RN E SUAS CONTRADIÇÕES

* Honório de Medeiros

Diz-se que nas crises abundam as contradições. E que as contradições expõem a verdade.

Trazem, à luz, tudo quanto as aparências escamoteiam do nosso conhecimento.

Revelam, pelo sim ou pelo não, como de fato são os fenômenos e as coisas.

É o que se percebe a partir da atual conjuntura político-econômica no Rio Grande do Norte.

Uma crise implacável em expor as entranhas das relações de domínio que entrelaçam e conduzem os homens. Ou seja, o Estado, essa hipostasia.

Pois desde há algum tempo que as instituições e o homens, no nosso Estado, em agindo, parecem mostrar, à Sociedade, não os véus, a cortinas, as máscaras, mas a verdade nua e crua que mesmo demorando em aparecer, e aparecendo de forma canhestra, é percebida senão por todos, mas pela grande maioria, ao longo do seu processo histórico.

Tomemos um exemplo dentre os muitos que estão à nossa disposição. 

Trata-se do comportamento do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte enquanto instituição co-responsável pela conjuntura acima mencionada.

Os mais entendidos - e como os há aqui na província - dizem que a atual crise remonta ao Governo Garibaldi Alves.

Se o é, não importa. O que importa é que é antiga, e o Tribunal de Contas nada fez para evitá-la, mesmo sendo de sua competência fazê-lo.

E poderia? Sim, a julgar por sua dura e imediata reação ao Projeto de Lei apresentado pelo Governo para liberar o restante do saldo do FUNFIR.

Restante do saldo que podendo pagar o presente, sequer pagará o futuro dos aposentados do Estado que padecem a muito tempo com o atraso no pagamento dos seus proventos.

Atraso que gerou e tem gerado histórias horríveis de sofrimento e desespero.

Pergunta-se: por qual motivo o TCE não agiu com a mesma dureza e rapidez ao longo dos governos Garibaldi, Wilma, Fernando Freire, Iberê, e Rosalba?

Não adianta "comunicar" que houve advertências e mais advertências. Por que não agiu antes como o fez hoje?

O comportamento do TCE é, sem dúvida, questionável. 

Não por outro motivo o Procurador Geral de Contas da União a ele fez duras críticas em relação ao não cumprimento de seu papel institucional.

Leia: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/procurador-de-contas-da-unia-o-critica-governo-e-tce/400817.

Se há uma contradição no comportamento do TCE neste período de crise, existem, também, teorias para explicá-las. 

Uma delas é duríssima, e foi desfechada pelo Deputado Federal Fábio Faria, filho do Governador Robinson Faria, e pode ser lida "au complet" em conhecido blog deste Estado, o do BG:

"“Os aposentados poderiam acordar amanhã com seus salários na conta".  "Não irão por causa dessa decisão”, escreveu o deputado, anotando achar “estranho o Conselheiro do TCE Paulo Roberto Alves bloquear o dinheiro da Previdência dos aposentados do RN”.

Fábio historiou o posicionamento do conselheiro em matéria semelhante em tempos recentes.

“Em 2014, o governo Rosalba usou o FUNFIR para pagar novembro, dezembro e o décimo-terceiro. Paulo Roberto Alves não foi contra. Em 2015, de novo, o FUNFIR foi usado. E Paulo Roberto Alves também não se posicionou contrário”, lembrou o deputado.

Fábio aproveitou para questionar: “Por que só agora o conselheiro foi contra? Qual posicionamento vale? Por que antes valia e agora não pode? Por que não alegou impedimento pra votar? Alguém explica? O conselheiro é contra o Rio Grande do Norte, contra os aposentados, ou contra ambos?”"

Pois bem, contradição como essa, apontada pelo Deputado, somam-se às críticas de instituições sérias, tal qual a Transparência Brasil, entidade cuja principal bandeira é o combate à corrupção.

Esta, em estudo recente, revelou que 62% dos 238 conselheiros de tribunais de contas conquistaram os cargos depois de exercer mandatos políticos ou posições em governos.

De acordo com o relatório, os tribunais são caros, altamente politizados e “desenhados para não funcionar”.

Leiam mais em:
https://www.transparencia.org.br/downloads/publicacoes/TBrasil%20-%20Tribunais%20de%20Contas%202016.pdf.

Também permitem a jornalistas antenados como Alex Medeiros, atenta testemunha dos fatos do cotidiano, dizer o seguinte, em seu twitter:

"Procurem coincidências. O ato do TCE (o cabide luxuoso) proibindo o pagamento dos salários de aposentados  pelo fundo previdenciário dos próprios aposentados, foi protagonizado pelo irmão do senador Garibaldi Filho."

Essas contradições expõem a verdade?

sábado, 20 de janeiro de 2018

ALGEMAR DESNECESSARIAMENTE É TORTURA

* Honório de Medeiros

O ex-Governador Sérgio Cabral deve ser punido por seus erros, todos eles. Todos. 

Isso é óbvio.

Mas algemá-lo não é exemplo de outra coisa senão do quão opressor o Estado pode ser quando ultrapassa seus limites.

Pobre ou rico, ninguém deveria ser algemado, exceto em situações excepcionais. Muito excepcionais.

Ao algemá-lo como a Polícia o fez legitimamos o excesso estatal, a tortura que seus agentes - não todos, claro - cometem, a humilhação desnecessária.

Esmagar o espírito de um homem revela quanto somos bestiais, uma vez jogada fora a tênue casca que aprisiona nosso íntimo.

ESQUERDA NACIONALISTA E DIREITA AUTORITÁRIA

* Honório de Medeiros

Um "meme", quando surge, impacta e sobrevive aos trancos e barrancos.

Uma vez estabelecido, retro-alimenta-se e se expande qual vírus, ao ponto de seu surgimento cair no domínio da lenda, da fantasia.

Vem o tempo da manipulação.

É o que acontece com as teorias conspiratórias, muito em uso por grande parte da direita nacionalista e esquerda autoritária.

Irmãos siameses.

REDE SOCIAL E CÃES DE RUA

* Honório de Medeiros

A Rede anda tão tomada por incivilidade que eu não tenho mais ânimo para nela discutir qualquer assunto. 

E uma realidade evanescente como a nossa, na qual tudo pode ser falso, parece somente sobrar espaço para defesas grosseiras das próprias crenças.

 É a vitória do grito, do ódio, da ira.

É a vitória do tribal, da gangue, da luta pelo próprio quintal.

É tempo de escatologias, palavrões, agressões.

Tempo de demarcar território, quais cães de rua.

domingo, 14 de janeiro de 2018

SOLIDÃO (CAMINHAREMOS ENTÃO TU E EU)

* Honório de Medeiros

"Caminharemos então tu e eu,
companheiros de nossas sombras,
da luz das estrelas, da lua, da noite,
e nossas pegadas saudarão o tempo, 
a terra, a pedra, o verde ou o asfalto, 
durante toda essa busca incessante.

Caminharemos então tu e eu,
dizendo a solidão que não sentimos,
dos seus efeitos nos homens e nas coisas,
enquanto a doçura indecifrável do instante
aprisiona a mim e a ti em uma teia 
cujo começo e fim começa e termina no mesmo ponto.

Caminharemos então tu e eu,
e diremos fragmentos de discursos de amor,
outrora lido às sombras de nossas sombras,
esses queridas e amorosas companheiras,
até que o presente se confunda com o futuro,
até que o tempo se esvaneça, miragem que é. 

Caminharemos então tu e eu,
para dizermos das equações que o vento
(o vento?) ou as asas das borboletas
traça nas hastes flexíveis das abstrações,
antes que o efeito que de si projetam,
e o Homem, e as Formas, tudo seja interrompido.

Caminharemos então tu e eu,
e eu lhe direi da solidão de quem pensa,
da minha solidão, eu, um solitário de idéias absurdas,
resignado ante a longa estrada que nos resta percorrer,
cansado de tanta busca vã,
enquanto a trilha que conhecíamos se esvai no tempo.

Caminharemos então tu e eu,
E você me dirá da reforma das ilusões 
que se entoavam em rituais mágicos à luz das estrelas.
Conheceremos a história do Homem,
dos seus santos e das imagens vazias de vida,
e prenhes de história.

Toda nossa caminhada nos dirá, quem sabe,
o significado oculto de tudo que percebemos,
o sonho loucos dos deuses alucinados,
a verdade última, a coisa-em-si,
e então, à sombra do futuro, descansaremos.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

BALADA DO RETORNO

* Honório de Medeiros

Agora retorno.
 Recolho as velas da minha nau imaginária. 
Solto a âncora.
 Desço ao cais.
 Respiro fundo a solidão.
 Olho o começo da noite, as luzes, as construções, e sigo.
 Caminho lentamente.
 A neblina molhas as pedras, me molha. 
Chego à minha porta. 
Entro.
 Enxugo o rosto molhado com o braço.
 Tomo um grogue. 
Eis que chega seu sorriso luminoso.
 Seu colo perfumado.
 Seu olhar de madrugadas.
 Nossa história comum. 
Faz-se, primeiro o silêncio.
 Depois, há vinho, cantigas e risos.
 Dança-se. 
Estou em casa.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

DISTINGUIR PARA CONHECER

* Honório de Medeiros                                    


Nós distinguimos para conhecer, e o conseguimos na medida em que somos capazes de descobrir tudo quanto o “Objeto[1]” que queremos apreender possui diferenciado de todos os outros.

Somente conseguindo perceber essas distinções entre um “Objeto” e outro é possível avançar no conhecimento[2].

Às vezes não percebemos, mas a todo instante estamos distinguindo para conhecermos.

Quando, por exemplo, conhecemos alguém, e somos capazes de descrevê-lo para outrem, nada mais estamos fazendo que relacionar suas características intrínsecas e as utilizando para distingui-lo de qualquer outro.

Poderemos dizer: ali está João, branco, alto, magro, cabelos e olhos castanhos, usando óculos, vestido com calças jeans, camisa pólo amarela e tênis.

Essa descrição permite-nos distingui-lo de José. Quanto mais distinguirmos João, mais poderemos distingui-lo de todos os outros.

Não é errado afirmar que se não fôssemos capazes de distinguir e, em assim o sendo, conhecermos, não teríamos sobrevivido como espécie.

Na aurora da história do homem, distinguir entre os inimigos naturais e aqueles outros que não ofereciam perigo à sobrevivência talvez fosse a diferença entre voltar vivo ou ficar morto na caçada.

Esse processo demanda encontrar aquilo que os antigos chamavam a “essência” de cada coisa. Tal “essência” era única, inigualável, e tornava um Objeto diferente de qualquer outro.

No âmbito do Direito, por exemplo, podemos perceber que uma das suas características intrínsecas, essenciais (se é que existem outras), é a existência da norma jurídica – sem ela, apenas sem ela, não há Direito.

Usando uma imagem não muito sofisticada, mas reveladora, podemos dizer que a norma jurídica está para o Direito como a célula para o tecido, e o átomo para a matéria.

No universo do Direito, como em qualquer outro ramo do conhecimento humano, essa atividade ou atitude, de distinguir para conhecer, chamemo-la assim, é fundamental. 

É através da identificação das características essenciais do Direito que podemos estabelecer sua diferença da Moral, por exemplo. É através dessa identificação que podemos estabelecer diferença entre a norma de poder e a jurídica. Entre a norma religiosa e a jurídica.

Conhecer um Objeto é também dizê-lo. Se esse “diálogo” do Sujeito Cognoscente com o Objeto Cognoscível é puramente subjetivo, ou seja, existente apenas para aquele que tenta conhecer, a Filosofia ou a Ciência aqui não existem.

É como a poesia que somente o poeta que a fez conhece: nada dela podemos falar, por que nunca nos foi apresentada.

Quando, entretanto, no processo de conhecer, dizemos a alguém ou aos outros tudo quanto apreendemos, estamos expondo, de forma objetiva, seja falando, seja escrevendo, aquilo que, no nosso entendimento é o “Objeto”, e submetendo essa exposição à crítica.

Dizer o “Objeto” somente é possível através de juízos de fato, juízos de fato que não podem ser testados, ou juízos de valor. (Os juízos dizem nossas conjecturas, teorias acerca de nós mesmos; do outro (s); das coisas ou dos fenômenos).

Os fenômenos decorrem das coisas[3]: a luz diurna, do sol; o Direito, da sociedade, etc. No primeiro caso, nossos juízos ou proposições ou afirmações podem ser verdadeiras ou falsas, conforme sendo submetidas a testes, venham a sobreviver.

Se eu digo: “o consumo de bebida alcoólica nos finais-de-semana amplia o índice de acidente automobilístico”, este é um juízo de fato que poderá ser verdadeiro ou falso. Se verdadeiro ou falso, de qualquer forma o conhecimento avançou.

No primeiro caso, por que passamos, a saber, qual o efeito da bebida alcoólica no trânsito e, assim podemos prognosticar o futuro; no segundo, porque excluímos definitivamente uma afirmação das nossas tentativas de conhecer – já não será mais necessário testar essa afirmação, vez que isso já foi feito e já sabemos o resultado.

Enquanto os juízos de fato são do mundo da ciência, os juízos de fato que não podem ser testados e os juízos de valor não o são.

Com efeito, os juízos de valor são afirmações ou proposições às quais nós agregamos um valor que é nosso e que nos dizem não como a realidade é, mas, sim, como nós queremos que ela seja e fazem eles parte do “mundo” da persuasão ou convencimento; da retórica, enfim.

Quando eu digo: “Maria é bela”, esse juízo de valor não é falso ou verdadeiro em si mesmo e nada acrescenta quanto ao conhecimento real de Maria. Até por que muitos poderão achar que ela não seja bela. Trata-se de uma opinião pessoal, com a qual se pode ou não concordar.

Os juízos de fato que não podem ser testados fazem parte da filosofia. Se eu digo: no ano 3.000 não existirá Direito, aqui não há um juízo de valor, tampouco um juízo de fato, mas, sim, um juízo de fato que não pode ser testado.

Os juízos de fato, se verdadeiros ou não, agregam conhecimento para todos. Os juízos de valor podem agregar conhecimento acerca de quem os proferiu, mas, com certeza, não agrega acerca do “Objeto” analisado.

O conjunto sistematizado dos juízos forma uma teoria/conjectura acerca do “Objeto”. Essa teoria somente será verdadeira se testada e, portanto, comprovada suas afirmações. 

Se houver o teste, e as afirmações revelarem-se verdadeiras, a teoria é provisoriamente perfeita, embora possa ser limitada quanto ao alcance de sua abrangência. É por exemplo o caso da teoria de Newton que continuou sendo verdadeira, mesmo após a teoria da relatividade de Einstein, embora limitada à velocidade inferior à luz.

Assim, tanto na ciência como no dia-a-dia, estamos permanentemente elaborando teorias acerca de algo ou alguém.

Essas teorias podem ser formadas por juízos de fato, juízos de fato que não podem ser testados, ou juízos de valor. No primeiro caso, podem ser verdadeiras ou falsas e, no segundo e terceiro, aceitas ou não, de acordo com a persuasão de quem as elaborou.

[1] É indiferente, para esta discussão, se o Objeto é algo real ou um processo.

[2] Em “A Arte de Pensar”, o notável Pascal Ide nomina o processo de “distinguir” como “dividir”, e considera que é um dos instrumentos fundamentais para aprender a pensar.

[3] Kant.