sábado, 30 de setembro de 2017

O RN NÃO PAGA EM DIA POR CONTA DO "DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO"?

* Honório de Medeiros

Li atentamente o que a mídia publicou das declarações do Secretário de Estado de Planejamento e Finanças, Gustavo Nogueira, em entrevista coletiva nessa sexta-feira próxima passada, dia 29, quando afirmou que o principal motivo da dificuldade em fechar a folha de pagamento dos servidores do poder Executivo é o "déficit da previdência".

Esse discurso de culpar a previdência é relativamente novo: basta acompanhar o histórico de declarações do Secretário desde que começou o atraso no pagamento dos servidores do executivo potiguar.

Logo que dados reiteradamente publicados por entidades de classe, dentre elas o Sindicato dos Auditores Fiscais do Estado, começaram a apontar um crescimento na Receita do Estado, o discurso do Secretário mudou para culpar o aquilo que ele nominou de “déficit da previdência”.

O que nos leva a supor que a estratégia governamental é encontrar meios de tentar inibir a pressão por aumentos salariais ou pagamentos de atrasados. Funciona assim: antes o culpado era a queda na arrecadação; agora é “como posso atender sua reivindicação, se os salários estão atrasados, e estão atrasados em decorrência do déficit da previdência”?

Vamos aos fatos, pois.

Para questionar esse discurso do Secretário, basta comparar alguns dados do vizinho Estado da Paraíba com outros nossos. Saliente-se que a Paraíba está absolutamente em dia com o pagamento dos seus servidores do Poder Executivo.

A Paraíba tem 118.230 servidores no Poder Executivo; o Rio Grande do Norte, 102.000; a PB tem 72.267 ativos; o RN, 54.000; a PB, 33.954 inativos; o RN, 38.000; a PB, 12.009 pensionistas; o RN, 10.000.

Os dados da Paraíba foram coletados no https://portal.tce.pb.gov.br/aplicativos/sagres/. Os do Rio Grande do Norte foram fornecidos pelo próprio Secretário de Planejamento do Estado do Rn.

Embora a PB tenha menos inativos que o RN, tem mais pensionistas. E a PB tem muito mais servidores na ativa que o RN.

Podemos ver que, no geral, é semelhante a situação da Paraíba e Rio Grande do Norte quanto ao número de servidores do Poder Executivo e relação entre ativos/inativos nos dois Estados.

Entretanto o “déficit da previdência” de lá não impede o pagamento em dia dos seus servidores.

Observo que está sendo analisada a causa apontada pelo Secretário do Rio Grande do Norte para o não pagamento em dia dos salários (remuneração) dos nossos servidores públicos. Como a causa anterior por ele apontada, que era a queda na arrecadação, não se sustenta mais, fico esperando discursos novos.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

ARTE? QUE ARTE?

* Honório de Medeiros

Em 2015, causou celeuma uma "performance", denominada "Macaquinhos", em que os atores exploravam os ânus uns dos outros, apresentada em uma unidade do Sesc em Juazeiro do Norte, no Ceará.

Veja aqui: http://odia.ig.com.br/diversao/2015-11-23/grupo-de-teatro-faz-exploracao-anal-em-performance-e-gera-polemica.html

"A performance mostrava um grupo composto por homens e mulheres totalmente nus, em círculo, explorando com as mãos o ânus do companheiro a frente. De acordo com os artistas Caio, Mavi Veloso e Yang Dallas, idealizadores do projeto, a apresentação tem o intuito de 'ensinar que existe ânus, ensinar a ir para o ânus e ensinar a partir do ânus e com o ânus'."

Este ano, em agosto, o Santander Cultural abriu suas portas para a primeira exposição queer realizada no Brasil. De origem inglesa, o termo é utilizado para designar pessoas que não seguem o padrão da heterossexualidade ou de gênero definido - notadamente gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.

Choveram denúncias nas redes sociais de pedofilia e zoofilia, principalmente para duas obras em especial: “Cenas do Interior II” (1994), de Adriana Varejão, que teve uma cena em que um homem penetra uma cabra, e “Travesti da Lambada e Deusa das Águas” (2013), de Bia Leite, que faz referência ao meme da internet “criança viada”. Também há menção a um vídeo que mostrava um homem recebendo um jato de sêmen no rosto. A obra é intitulada “Come/Cry” e é assinada pelo “artista” Maurício Ianes. O nome do artista consta na lista entregue ao Ministério da Cultura como um dos autores das obras expostas no Queermuseu. 

Mais recentemente, em uma performance na abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, na última terça-feira, o artista fluminense Wagner Schwartz se apresentou nu, no centro de um tablado. Em vídeo que circula nas redes sociais, sob fortes críticas, uma menina que aparenta ter cerca de quatro anos aparece interagindo com o homem, que estava deitado de barriga para cima, com a genitália à mostra.

Basicamente discute-se o seguinte, nas redes sociais acerca dessas "manifestações": deve haver limite na liberdade de expressão, quando o tema é arte?

Permito-me ir além.
 
Em um comentário no meu blog 
https://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2015/06/a-civilizacao-do-espetaculo-mario.html, escrevi o seguinte:

"Fecho o livro de Llosa, Mário Vargas Llosa, “A Civilização do Espetáculo”, cujo título foi calcado no “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, um dos mais originais pensadores do século, e me percebo confortável por ter encontrado um texto, da melhor qualidade, que desse corpo a essa sensação permanente de estranhamento e solidão vivenciada por mim e alguns poucos, originada pelo descompasso entre a “cultura” na qual fomos criados e a realidade que encontramos nos dias de hoje.

Não é, portanto, “saudosismo”, o que sentimos. Há, de fato, um progressivo, solerte e profundo processo de banalização dos valores fundantes da cultura, entendida esta como o pressuposto da construção do processo civilizatório. Cultura como a pensou, por exemplo, T. S. Elliot, citado por Llosa, em “Notas para uma definição de cultura”, de 1948, tão atual, posto que, por exemplo, lá para as tantas, expõe: “E não vejo razão alguma pela qual a decadência da cultura não possa continuar e não possamos prever um tempo, de alguma duração, que possa ser considerado desprovido de cultura.”

E, agora, recordo Bárbara Tuchman, em "A Prática da História":

"O maior recurso, e a realização mais duradoura da humanidade, é a arte. O domínio da linguagem demonstrado por Shakespeare e seu conhecimento da alma humana; a complicada ordem de Bach, o encantamento de Mozart".

Percebo, pois, os sintomas da decadência da cultura, e jamais levaria filhos meus a "manifestações culturais" como essas acima - eles que optem por frequenta-las ou não quando forem adultos.

Mas não concordo em impedi-las.

O decadente, na arte, o banal, o medíocre, o aviltante, exerce sua tirania destruidora tanto quanto a proibição da liberdade de expressão estética.

E ninguém tem o direito de impedir, a quem quer que seja, de se manifestar esteticamente.

Contanto que tais "manifestações" não invadam o campo próprio de outros valores absolutos previstos na nossa Constituição.

Como ninguém pode impedir, a quem quer seja, de exercer o saudável direito de criticar.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

POR QUE NÃO TE CALAS, GILMAR?

* Honório de Medeiros

Gilmar Mendes disse, em entrevista à Folha de São Paulo, que seus colegas Ministros Luíz Fux, Rosa Weber e Luis Roberto Barroso, integrantes da Primeira Turma do STF, e que com seus votos impuseram o recolhimento noturno a Aécio Neves, tinham um "comportamento suspeito":

"Quando a turma começa a poetizar, começa a ter um tipo de comportamento, vamos dizer assim, suspeito, certamente seria bom que a matéria viesse para o plenário."


Chamou-os de "poetas".

Antes já havia dito, em sessão no TSE, que a Primeira Turma era uma "câmara de gaz".

Já não me envergonho, enquanto cidadão, pelas atitudes de Gilmar Mendes e o consequente aviltamento do STF.

Hoje eu me envergonho pelo silêncio, pela omissão dos seus pares.

Silêncio e omissão que colaboram, definitivamente, para que se instaure o "status quo" ambicionado pela escória que domina o País, qual seja a lama política atingindo tudo e todos, indiscriminadamente.

Quando tudo e todos estão no mesmo patamar, não há espaço nem condições para que se estabeleça qualquer espécie de julgamento de quem quer que seja.

É o caos, que começa no topo, e corrói sem piedade, instituições e cidadãos, até a base. Caem por terra todos os valores e a Sociedade lentamente, se desintegra.

Aliás é isso mesmo que está acontecendo. Somente não vê quem não quer, ou quem é incapaz de fazê-lo.

Gilmar Mendes vem, ao longo do tempo, reiteradamente, dando motivos mais que legais, mais que legítimos, para sofrer impeachment. Está lá, na Lei:

Diz o art. 39, da Lei 1.079/50, que são crimes de responsabilidade dos ministros do STF:

"Alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;

Proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;

Ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo:

Proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções." 


Mas como a competência do julgamento é do Senado...

Falta, também, alguém que tenha autoridade moral, alguém que transcenda o lamaçal no qual estamos ancorados e faça, com Gilmar, o mesmo que o Rei Juan Carlos fez com o iníquo ditador venezuelano Hugo Chavez: "Por que não te calas?", em 2007.

¿Por qué no te callas? (espanhol para "Por que não te calas?") foi uma frase dita pelo Rei Juan Carlos da Espanha ao Ditador venezuelano Hugo Chávez durante a XVII Conferência Íbero-Americana, realizada na cidade de Santiago do Chile, no final de 2007.

Por que não te calas, Gilmar
?

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

DE PALOCCI, ANTONIO GRAMSCI E OSCAR WILDE

* Honório de Medeiros


E a carta de Palocci pedindo sua desfiliação do PT, heim?


Derruidora.

Fez mais pela desconstrução da imagem de Lula e do Partido que o conjunto da obra que anda pelos atalhos da Justiça.

É bem verdade que a Deputada Maria do Rosário, em discurso na Câmara dos Deputados, afirmou que se tratava da "carta de um homem preso (...) de alguém que não fala a partir de um lugar de liberdade, mas de um lugar que busca a liberdade".

Queiram desculpar os equívocos, a Deputada estava nitidamente muito emocionada.

Ou seja, a Deputada disse que a carta não vale nada: é de um homem preso.

Escritos de homens presos, para a Deputada, de nada valem.

De nada valem o "De Profundis", a longa e emotiva carta de Oscar Wilde para seu amante, escrita na prisão de Reading, bem como os "Cadernos do Cárcere", de Antonio Gramsci, escritos em sua prisão, na Itália. Nem as "Memórias do Cárcere", de Graciliano Ramos.


Mundo estranho, este.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

FEUDALISMO, CORONELISMO E CANGAÇO

* Honório de Medeiros

Convido-lhes a empreender, comigo, uma ousadia.

Para tanto precisamos recordar o que sabemos acerca do feudalismo, esse nicho histórico que começou com a queda de Roma – gosto de imaginar a cena de Hipona, da qual Santo Agostinho era bispo, incendiada pelos bárbaros enquanto ele agonizava, como sendo o verdadeiro marco inicial – e terminou com o início da idade moderna, mais precisamente, segundo vários historiadores, com a descoberta da América por Cristóvão Colombo e o início do absolutismo, cujo primeiro momento, e ninguém há de me convencer do contrário, ocorreu quando Felipe, o Belo, criou seu próprio papa, o de Avignon, e dizimou os templários, fortalecendo a instituição do Estado.

O feudalismo – sabemos todos – calcava-se na propriedade da terra e na rígida divisão da Sociedade em nobres, clero e servos das glebas. Os nobres e o clero eram aliados, claro, para espoliar o povo.

O epicentro dessa estrutura de poder era o Barão feudal, latifundiário, em cujo entorno gravitavam seus vassalos, ou seja, proprietários de terra de menor importância, e a nobreza eclesiástica. A ele pertencia o direito de aplicar o baraço e o cutelo – ou seja, de criar, interpretar e aplicar as leis ou costumes. Sua vontade era lei. 

A igreja exercia papel fundamental nesse sistema, por vários motivos: em primeiro lugar era detentora de muitas riquezas; em segundo lugar sua nobreza era formada pelos filhos segundos dos senhores feudais – os primeiros seguiam o caminho das armas; e, em terceiro, a ela cabia a formatação ideológica que assegurava o domínio da nobreza e do clero, bem como a fiscalização de possíveis desvios – instrumentalizada por intermédio da confissão e delação – além da punição dos recalcitrantes, via inquisição. 

Brigavam muito entre si, os nobres, disputando terra e prestígio político. Quem tinha terra, tinha Poder; quem tinha Poder, tinha terra. Por exemplo: a primeira cruzada não foi à Terra Santa, como comumente se crê. Foi contra os Cátaros, uma heresia que ameaçava dominar todo o Sul da França, sob o beneplácito do Conde de Toulouse.

Contra os Cátaros levantou-se a Igreja, ameaçada em sua soberania ideológica, e os barões feudais do norte da França, liderados por São Luís, ou Luís XI, como queiram. Na verdade o pano de fundo dessa cruzada foi a disputa pelas ricas terras do sul da França. Nada mais. 

Para essas brigas mobilizavam os nobres seus vassalos, seus servos, bem como exércitos de mercenários. Qualquer mobilização era acompanhada pela Igreja, abençoando ou punindo, conforme o caso.

Pois bem, embora ainda haja muito a se dizer acerca do feudalismo, façamos uma parada estratégica e utilizemos o “desenho” – chamemo-lo assim – de sua estrutura de poder para analisar o nicho histórico brasileiro ao qual denominamos de coronelismo. 

Há alguns autores, para não dizer vários, que dizem não ter havido feudalismo no Brasil. Eu, pelo meu lado, com fulcro em Raymundo Faoro, Gustavo Barroso e Câmara Cascudo, penso que tal não procede.

Analisemos.

O coronelismo também se calcou na posse da terra e no prestígio político. O coronel – verdadeiro senhor feudal – era o epicentro de uma estrutura de poder. Também ele tinha, enquanto senhor feudal, seus vassalos, os proprietários menores de terra, a si ligados por laços de compadrio e interesses mútuos, que lhe prestava vassalagem. 

O coronelismo dependia, ideologicamente, da igreja, que tratava de fiscalizar e punir desvios da ortodoxia, como o demonstra tudo quanto ocorreu com Padre Cícero. E dependia da confissão e delação, principal forma de obtenção de informação por parte da igreja, sempre à disposição do coronel que a mantinha.

Quem não se lembra da estreita relação do Coronel com o Padre, em "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna? 

O coronel tinha os seus servos da gleba, empregados que viviam às custas dos sobejos do grão-senhor. E da mesma forma que no feudalismo, a vontade do Coronel era lei. Ele era senhor de baraço e de cutelo. 

Claro, brigavam entre si disputando terra e prestígio, briga essa que arrebanhava vassalos – os compadres; servos da gleba, os jagunços; e mercenários, os cangaceiros, como nos demonstra a rica história do Cariri cearense.

Exemplo paradigmático é o do cangaceiro Chico Pereira. 

A relação é a seguinte: Chico Pereira, assim como Jesuíno Brilhante, o mais remoto, passando por Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião, Corisco, e outros menores, tal qual Cassimiro Honório, e por aí segue, não eram servos da gleba. Eram proprietários rurais em maior ou menor escala. Todos ligados a coronéis, todos ligados a alguma estrutura de Poder, dele detendo parcela própria.

Ou seja, os grandes líderes cangaceiros estão mais próximos da nobreza da terra que do proletariado. 

Em sendo assim, não faz o menor sentido a teoria do banditismo social, de Hobsbawn quanto aos cangaceiros. É como pensa, por exemplo, aproximadamente, Luiz Bernardo Pericás, autor de “Os Cangaceiros”.

Tampouco faz sentido a teoria que aponta os cangaceiros enquanto desviantes, por identificar o fenômeno, mas não apontar a causa, da qual faz uso Frederico Pernambucano de Mello, em seus celebrados estudos do cangaceirismo. Muito menos a teoria marxista da luta de classes, esteio do pensamento de Rui Facó e de alguns outros. 

O cangaço é resultante de brigas intestinas entre famílias que dispunham de terra e prestígio. A briga era no seio do coronelismo. Era o coronelismo. Tratava-se de questões do Poder Político, em sua origem. Todo líder cangaceiro, com raras e honrosas exceções – até mesmo Sabino Gore, por exemplo, está inserido nesse contexto.

Não por outra razão, o fim do coronelismo coincidiu com o fim do cangaço.

O referencial teórico aqui talvez seja Gaetano Mosca e sua teoria da classe política, enquanto situação limite em um plano teórico mais complexo, a teoria darwiniana.

Nesse sentido concluo propondo o seguinte: 1) que se faça o estudo do cangaço a partir do coronelismo, ambientando o epifenômeno no fenômeno; 2) que se estude Chico Pereira, por exemplo, a partir do panorama político de sua época, no Sertão paraibano.

Chico Pereira não era um bandido social, no sentido de Hobsbawm, e embora possamos denominá-lo de desviante, por ter se voltado contra o sistema legal de sua época, essa informação nada acrescenta quanto a entender causa e efeito de sua existência enquanto cangaceiro.

Por fim, lembro uma consequência imediata da assunção desse modelo teórico: entender que a verdeira história do ataque de Lampião a Mossoró é a história da briga entre coronéis paraibanos e coronéis norte-rio-grandenses por prestígio político no Oeste e Alto Oeste potiguar.

sábado, 23 de setembro de 2017

AS FORÇAS ARMADAS ESTÃO INQUIETAS

* Honório de Medeiros

Com a nova denúncia apresentada contra si, e encaminhada pelo STF à Câmara, Temer começou o processo de liberar emendas parlamentares. Será, em uma primeira penada, um pouco mais de um bilhão. O objetivo é claro: obter, dos parlamentares, o arquivamento da denúncia.

Quando da primeira denúncia, não somente foi liberado muito dinheiro, bem mais que um bilhão, mas também foram distribuídos cargos públicos aos que integram aquilo que se convencionou chamar de "base de sustentação".

Enquanto isso continua o processo de cortar recursos dos outros setores da administração pública. Alguns, senão todos, vitais. Por exemplo: as Forças Armadas. O corte dos seus recursos orçamentários foi da ordem de quarenta e quatro por cento, o que as colocou perto do colapso.

Três fatos ocorreram estes dias e estão conectados entre si.

Primeiro: O Alto Comando do Exército reuniu-se em Brasília, em sua 314ª edição, com cinco dias de duração e, com certeza, mais do que certeza, o quadro político nacional foi analisado em suas entranhas, detalhadamente.

Segundo: o General Mourão, que não está sozinho quanto a suas idéias, e tampouco representa somente ele mesmo, aborda claramente, em palestra, a intervenção militar no País, em decorrência da "grave crise ética, político-institucional".

Terceiro: as Forças Armadas dão demonstração de poderio invadindo a Rocinha, cercando-a, e nela passando um pente-fino. Tanques, helicópteros, homens, armamento pesado, tudo quando se possa imaginar em termos de poderio bélico está sendo utilizado lá.

É de se levar em consideração que hoje segmento expressivo da população clama por intervenção militar no Brasil, bem como é de se levar em consideração que as Forças Armadas compreenderam substancialmente a importância de atuarem com força na chamada "rede social", de forma inteligente e eficaz na construção de uma imagem sólida de honradez e competência. Basta acompanhar na mídia.

Mas a elite governante do País, o Executivo, Legislativo e Judiciário agem e reagem como se vivessem em uma bolha, desconectada da realidade pela qual passa o Brasil.

Temer, sem qualquer outro objetivo senão salvar a si mesmo, deixa de lado os últimos resquícios de uma dignidade outrora existente, e ao invés de renunciar, persiste em comandar o afundamento do barco.

O Legislativo, integrado por políticos profissionais, vive uma crise de credibilidade, inteligência e honestidade sem igual na história do País. Há as exceções de praxe, cada vez mais isoladas e desanimadas. Pedro Simon que o diga.

O Judiciário segue achando que é o fiador da República e que paira acima do bem e do mal. Quando precisam, são legalistas, quando não, são legitimistas. E de marmota em marmota jurídica, vão insultando a Constituição e se apequenando aos galopes. E aqui nem se há de falar nas vantagens remuneratórias que golpes de esperteza jurídica lhes vêm assegurando ao longo do tempo, em detrimento das outras categorias do serviço público que não pertencem a esse panteão de deuses da Pátria.

Pois bem: quem imagina que as Forças Armadas não acompanham o que se passa no País, integralmente, comete erro crasso. Não somente acompanham como têm quadros muito bem preparados para fazer isso.

E além de terem quadros muito bem preparados, seus integrantes estão espalhados pelo Brasil e sua grande maioria vem da base da pirâmide social ou da classe média e escutam e observam, diariamente, no seio de suas famílias, a ira popular contra tudo que compõe a realidade política, social e econômica do Brasil de hoje.

Principalmente contra os "príncipes" da República.

Portanto...

terça-feira, 22 de agosto de 2017

AS FASES DA VIDA

Honório de Medeiros

Até certo momento da vida nossa luta é para ser conforme a tribo, o grupo; depois, a luta será para estabelecermos diferença entre nós e esse grupo, a tribo; um pouco mais para a frente nós nos abrimos para percebermos aquilo que, nos outros, é único, e esse único nos atrai ou  nos causa repulsa ou indiferença; se nos atrai, fomos fisgados. Se não chega esse momento no qual é preciso estabecer nossa diferença para com o grupo, a tribo, então é preciso temer: há algo de errado na nossa vida, na nossa mente, na nossa alma.

domingo, 20 de agosto de 2017

QUANDO UM HOMEM SE RETIRA

* Honório de Medeiros

Seu Antônio de Maria decidiu se retirar aos setenta. Enfastiou-se, disse-me ele. "Fiz o que podia fazer". "Agora vou cuidar de mim". Recusou-se a sair de casa, a não ser muito raramente, quando lhe dava na telha, como quando foi assistir um sermão do pároco recém-chegado, de quem diziam maravilhas como pregador. Perguntei sua opinião. "É, fala bem; mas não diz nada". Também dava longas caminhadas por veredas ignoradas e desertas, serra abaixo e serra acima, nas madrugadas, sempre desestimulando aproximações em busca de conversa. Contratou uma senhora já passada nos anos para cuidar da casa e da sua comida, a quem exigiu limpeza, silêncio, honestidade e distância. Em troca pagava-lhe tudo que a lei mandava. Botava a cadeira na calçada às cinco da tarde e a tirava às oito, nas horas mortas. Era a deixa. As visitas debandavam, depois de visitarem o bule de café. Tomara o hábito de escrever uns "garranchos" no caderno preto que trouxera da última viagem que fizera. Não quis me mostrar. "É uma ruma de besteira. Já tem muito papel escrito mundo afora." Contei-lhe do costume dos hindus de saírem pelo mundo quando chegava o outono de suas vidas, cajado à mão, em busca da paz interior, sem nada além de uma tigela na qual comiam o que lhe davam pelo caminho. "Cada um sabe onde lhe aperta o sapato, mas o mundo é o mesmo em todos os cantos." E estendeu a mão, à guisa de despedida.

sábado, 19 de agosto de 2017

GILMAR MENDES E O PRÍNCIPE DE FALCONERI

* Honório de Medeiros

Em cada ação por intermédio da qual diminui a importância do seu cargo de Ministro do STF e, em decorrência, da Instituição a que pertence, Gilmar Mendes vai alcançando seu objetivo estratégico de colocá-la no mesmo patamar ético daquelas que já atingiram um nível de repúdio facilmente constatável na Sociedade, ou seja, o Executivo e o Legislativo. 

O intento parece claro: ao conseguir o que almeja, suas ações passam a ser entendidas como "naturais" no âmbito do quadro político-institucional no qual vivemos, e os objetivos pessoais pelos quais luta ferozmente serão atingidos e parecerão meras consequências de tudo que aí está. 

Não por outra razão a incontinência verbal, as decisões aparentemente esdrúxulas, a intolerância com o Ministério Público e a Lava-jato. 

Bem como a apresentação de propostas para resolver nosso impasse atual: até parece inspirar-se na célebre frase do Príncipe de Falconeri do romance de Lampeduza, "O Leopardo": "para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude". 

Para Gilmar Mendes que desde sempre foi estrategicamente intenso, disciplinado e focado, nada mais fácil. Basta compara-lo, por exemplo, com seus pares, que dançam conforme a música que ele toca, e cujo contraponto, Joaquim Barbosa, deixou-lhe o campo livre após o Mensalão, com sua aposentadoria. Barbosa foi o único a enfrenta-lo.

É, pois, tudo "caso pensado".

quarta-feira, 19 de julho de 2017

VIVA O GOVERNO DA PARAÍBA!

* Honório de Medeiros


O GOVERNO DA PARAÍBA PAGOU, EM JUNHO, DIAS 29 e 30, EM DIA, a remuneração dos servidores públicos estaduais.

O pagamento do funcionalismo, mais uma vez, aconteceu dentro do mês trabalhado.

“Continuamos, apesar da diminuição da receita em maio, mantendo nossos compromissos em dia e pagando os servidores no mês trabalhado. Também continuamos repassando a todos os poderes o duodécimo fixo. Lembrando que já pagamos no dia 14 a primeira parcela do décimo terceiro para os servidores”, observou o governador Ricardo Coutinho.

ENQUANTO ISSO, NO RIO GRANDE DO NORTE, NÃO HÁ QUALQUER NOTÍCIA ACERCA DO PAGAMENTO DO MÊS DE JUNHO. DE JUNHO!

O pagamento do funcionalismo dentro do mês trabalhado injetará na economia paraibana R$ 335 milhões, aquecendo setores como serviço e comércio em plena crise econômica que o País ainda enfrenta, obrigando alguns estados da federação a atrasar ou parcelar salários.


VIVA A PARAÍBA!

quarta-feira, 31 de maio de 2017

90 ANOS DA RESISTÊNCIA DE MOSSORÓ AO BANDO DE LAMPIÃO


A SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS DO CANGAÇO (SBEC),
COM O APOIO DO:

* INSTITUTO CULTURAL DO OESTE POTIGUAR (ICOP);
* FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO (FJA);
* PREFEITURA MUNICIPAL DE MOSSORÓ (PMN);
* FÓRUM MUNICIPAL SIQUEIRA MARTINS;
* UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UERN);
* e CÂMARA MUNICIPAL DE MOSSORÓ (CMM);

PROMOVE:

AS COMEMORAÇÕES DOS 90 ANOS DA RESISTÊNCIA AO BANDO DE LAMPIÃO.

PROGRAMAÇÃO OFICIAL, INCLUINDO O JÚRI SIMULADO QUE JULGARÁ O CANGACEIRO "JARARACA":




quarta-feira, 17 de maio de 2017

OS GALOS-DE-BRIGA NA/DA RINHA DO CONHECIMENTO

* Honório de Medeiros

Antigamente eu tinha a ingenuidade de supor que sabia alguma coisa além do trivial variado. 

Era novo, desprevenido contra a astúcia da vida. Coisas da juventude.

Hoje, calejado, rendido, convicto de que nada sei, fiz um pacto com a vida; digo pouco, pergunto muito e calo mais ainda. Não o suficiente para evitar escorregadas, mas o bastante para apaziguar meu senso do ridículo.

Está sendo confortável, o cumprimento desse acordo, principalmente se levarmos em consideração que é cada vez mais fácil topar com algum gênio nas esquinas da rede social.

Gênios tonitruantes, cuja inibição em pontificar desapareceu tão rápido quanto uma bolha de sabão à luz do sol, graças à invisibilidade física e o distanciamento que o anonimato proporciona.

Invisíveis, distantes, a grande maioria das vezes, mas não todas, desconhecidos, mas audaciosos, definitivos, iracundos, assertivos, são tais gênios, na defesa intransigentes de suas verdades.

Verdadeiros galos-de-briga na e da rinha do conhecimento.

Os poucos que primeiro duvidam, depois perguntam, para então formar seu juízo, esses, coitados, são atropelados e encarados com um desdém comovente.

Ó tempos. 

domingo, 14 de maio de 2017

UMA MULHER ALTIVA


* Honório de Medeiros

​​Eu pegava as mãos calosas de minha mãe e lhe perguntava: "como pode"? Ela, pela milésima vez falava: "foi algo que eu não sei explicar. Mas sua avó nada podia fazer a não ser olhar com aqueles olhos tristes de quem tudo perdoa por tudo compreender. Que posso lhe dizer? Me encantei por aqueles olhos verdes, aquele sorriso, e fui com ele. Movi céus e terras, enfrentei a família, e fui feliz. Chorei muitas lágrimas pelo que não pude lhes oferecer, mas nunca chorei qualquer lágrima pela escolha que fiz." Eu apertava sua mão e lhe fazia uma ligeira cócega na palma, que ela afastava como se tivesse vergonha da dureza de sua pele, antes tão aveludada. Meu pai tudo escutava calado. Nunca soube o que se passava no seu pensamento. Um sorriso enigmático bailava em seu rosto. Talvez estivesse pensando no contraste entre a pobreza que deixara para trás, a pé, tantos anos antes, e a lembrança da beleza daquela mulher, quando jovem, que decidira tudo largar para acompanhá-lo sem deixar a altivez de lado.

terça-feira, 9 de maio de 2017

GILMAR MENDES E A LATA DE LIXO DA HISTÓRIA

* Honório de Medeiros

Gilmar Mendes chamou Zé Dirceu, Eike Batista e os outros que se livraram da cadeia graças a seu protagonismo jurídico, de "reféns".

A mídia repercutiu: se esses aí são reféns, então Moro, o Ministério Público, bem como os ministros Celso de Mello, e Edson Fachin, que votaram contra a trinca Gilmar, Toffoli e Lewandowsky, no episódio da liberação de Zé Dirceu, são sequestradores.

Mas na entrevista Gilmar não parou por aí. Do alto de sua condescendência, falando por todo o STF, e passando por cima de sua Presidente, asseverou: "A operação Lava Jato fluirá normalmente, mas sem 'extravagâncias jurídicas'".

Gilmar Mendes é o retrato fiel de parte do segmento instruído do Judiciário brasileiro, respeitadas as exceções: vaidoso, arrogante, e prepotente. O que tem de conhecimento técnico, lhe falta em sabedoria. 

Acha que manipula os fatos quando, na verdade, deles é escravo, como qualquer um de nós. E alicerça seu status quo, fortemente, nas relações de compadrio, típicas de um País subdesenvolvido como este nosso.

Como bem disse J. R. Guzzo, em antológico artigo nominado de "Gilmar e Guiomar": (O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal), "é uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro. Não há nada de especial com ele - é apenas mais um, na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país."

Pois é. Vai para a lata de lixo da história com esse galardão.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

DE UM LEITOR MAIS QUE QUALIFICADO

O Professor Paulo de Barros Carvalho, ladeado por Marília Barros Xavier, segura "Massilon" e "Histórias de Cangaceiros e Coronéis".

* Honório de Medeiros

Dia desses jogávamos conversa fora, eu e meu amigo de infância Zé Maria Dias Xavier, dono do “Dolce Vita”, ali na Mossoró, onde se come, e bem, a culinária mediterrânea e francesa, quando lhe perguntei por Marília, sua filha que faz Mestrado em Direito Tributário na PUC São Paulo, sob a orientação de Robson Maia, doutor em Direito Tributário, Professor da mesma Instituição, e advogado associado no escritório Barros Carvalho Advogados Associados, fundado pelo Professor Paulo de Barros Carvalho.

Passado algum tempo Zé ligou para me dizer que Marília estava cá por Natal, que lhe revelara o interesse do Professor Paulo de Barros Carvalho pelo cangaço, cultura sertaneja, bem como suas raízes nordestinas, fincadas no solo histórico de Pernambuco, e me encomendar meus livros “Massilon” e “Histórias de Cangaceiros e Coronéis”, para presenteá-lo.

“Como encomendar.” “É uma honra enviar esses livros para o Professor Paulo de Barros Carvalho”, respondi.

E assim foi feito.  Marília levou os livros para o Professor, que fez a gentileza de se deixar fotografar, por ela ladeado, segurando os livros. Marília revelou que ao recebe-los o Professor manifestou, de imediato, seu conhecimento acerca do assunto, ao observar que “Massilon havia sido o maior responsável pelo ataque de Lampião a Mossoró”.

Escrevi esse texto para expressar minha surpresa e alegria com dois fatos: que um homem da estatura do Professor Paulo de Barros Carvalho, Mestre, Doutor e Livre Docente pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP; Professor Titular na PUC-SP, onde leciona desde 1971 nos cursos de Bacharelado, Especialização, Mestrado e Doutorado; Coordenador do Programa de Pós Graduação em Direito da PUC-SP, desde 1993; Professor Titular na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Professor Emérito da PUC-SP e da USP; eleito um dos melhores tributaristas do mundo pela revista britânica “Corporate Tax-Who’s Legal”, publicada pela “Law Business Research Ltd”, cultive suas raízes nordestinas e demonstre interesse pela leitura acerca do Cangaço; e que esse tema tenha tão forte penetração, como já constatado por mim diversas vezes, em segmentos intelectuais aparentemente muito distantes de si.

Grato ao meu querido amigo Zé Maria, à futura Mestra e Doutora Marília Barros Xavier, pela oportunidade proporcionada, e ao Professo Paulo de Barros Carvalho, verdadeira lenda do ensino jurídico deste País, pela simplicidade e nobreza de gestos. 

terça-feira, 2 de maio de 2017

O MAL VENCEU

* Honório de Medeiros

Ensinei Filosofia do Direito durante um bocado de tempo. Publiquei dois livros acerca do assunto, um deles tratando da Hermenêutica Jurídica Constitucional: "Poder político e direito: a instrumentalização política da interpretação jurídica constitucional". Finalmente cansei. Eu dizia para meus alunos que as normas jurídicas são instrumentos de e do Poder. Que não há relação necessária entre o Justo e a Norma. Que a correlação de forças e interesses é quem diz a interpretação vitoriosa. O resto é parlatório flácido para dormitar bovinos. É assim desde os gregos. Desde Homero e Hesíodo. Hesíodo, em "Os Trabalhos e os Dias", já prescrevia uma vida de trabalho honesto, atacando a ociosidade e os juízes injustos, setecentos anos antes de Cristo. Não mudou nada. Sabem aquele ditado popular "manda quem pode, obedece quem tem juízo"? Pois é. É a pura verdade. Olhem para a Venezuela, aí de lado. Olhem o STF, aqui no Brasil. Observem Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Lewandowsky. PT, PMDB e PSDB. Eles acabaram de soltar Zé Dirceu. Acintosamente. E a lenga-lenga jurídica deles para explicar o que fizeram não vale nada, nada. Nada mesmo. Aliás, o STF é uma piada. De péssimo gosto.

sábado, 22 de abril de 2017

AS FORMAS E OS HOMENS PROJETAM SOLIDÃO

* Antônio Gomes

As formas e os homens projetam solidão.
Os homens solitários são espelhos de quem lhes vai ao encontro.
Na estrada, homens debruçados em janelas nada dizem, 
vertem olhares opacos, cansados, pesados de angústia desconhecida.
Nada perguntam, não falam.
A rua é penumbra da alma, a rua é vazia.
Esses homens nada mais almejam que serem espelhos de quem passa.
Refletem a indolência de tardes silenciosas, 
olhares perdidos em desvões do passado.
Quimeras.

O PAN-SISTEMA; O SISTEMA; A TEIA

* Honório de Medeiros


O Pan-sistema; O Sistema; A Teia; conjunto de todas as relações entre todos os seres vivos.

Uma teia que não tem um centro e ocupa todos os espaços. Dinâmico, complexo e adaptativo. Aberto quanto ao que lhe cerca e fechado internamente.

O Pan-sistema; O Sistema, A Teia, é finito, porém ilimitado.

Finito, posto que há um número finito de seres humanos; ilimitado, posto que ilimitadas são as relações internas a serem estabelecidas DENTRO do Sistema. 

O Sistema tende a ocupar espaços vazios externamente a Si; internamente os elementos que o compõem tendem a ocupar os espaços vazios em Si, reforçar os elos, expandi-los, retraírem-se.

Um Meme é um novo elo. Elos se desfazem e são construídos em uma perspectiva potencialmente finita, porém ilimitada.

Dada a quantidade de variáveis que compõem o Sistema, é praticamente impossível, conforme a ciência de hoje, prever o futuro, principalmente porque ele está em construção.

É possível imaginar o Efeito Borboleta, da Teoria do Caos, mas não é concebível descrever matematicamente as consequências totais de qualquer fato, por menor que seja, no âmbito do Sistema.

O Sistema é maior e mais complexo que a soma de todos os elementos que o compõem.

quinta-feira, 30 de março de 2017

QUANDO TUDO VALE, NADA VALE; QUANDO NADA VALE, TUDO VALE

* Honório de Medeiros

O combate à meritocracia é a ponta-de-lança da defesa do relativismo moral.

O relativismo moral apregoa que os valores são relativos, ou seja, o que é certo para mim, pode não ser certo para você, o que justo para você, pode não o ser para mim, e não há nada, absolutamente nada, nesse sentido, que a ciência possa dizer quanto a essa questão, e que possa erradicar nossas dúvidas.

Tirando a ciência, que descreve o que algo é, e quando o faz, revela algo que você somente não aceita se não tiver juízo, tal como a lei da gravidade, ou a lei da entropia, sobra a religião, o senso comum, e por aí vai, mas quanto a isso cada um tem a sua, e acredita no que lhe der na telha, portanto a conclusão possível, segundo esses parâmetros, é que a moral seria relativa, e se assim o é, não existiriam valores absolutos aos quais devêssemos reverências definitivas.

Se não há valores absolutos então não podemos falar em mérito, pois este pressupõe que sejamos capazes de avaliar os outros e reconhecer, neles, qualidades que mereçam respeito, elogio, e, claro, confiança para lhes entregar responsabilidades que não estão ao alcance dos que não foram avaliados com o mesmo reconhecimento.

Se não é possível estabelecer critérios para reconhecer o mérito, então todos estamos no mesmo barco, ninguém pode avaliar quem quer que seja, e, dessa forma, a conclusão óbvia é que desapareceria a civilização como a conhecemos, e é bem possível que então somente sobrassem escombros, ruínas, o caos, enfim.

Voltemos ao ponto-de-partida. É válida a hipótese do relativismo moral, de que todos os valores são relativos?

Se acreditarmos  que os valores estão por aí, no espaço e no tempo, se acreditarmos que o certo, o errado, o bem, o mal, o justo, e o injusto existem por si mesmos, como entidades fora-de-nós, bastando que os encontremos onde estiverem e as colhamos, qual frutas maduras, e os utilizemos, então, sinto dizer, isso não tem o menor fundamento. 

É essa vertente filosófica, derivada de Platão, melhor dizendo, de sua Teoria das Formas e das Ideias, que os relativistas morais criticam e com razão, embora de forma oblíqua e a grande maioria da  vezes sem conhecerem seu fundamento, seus pressupostos teóricos. 

Mas os valores não são entidades, fenômenos físicos aguardando algum iluminado que as descreva e os coloque a serviço da humanidade. Não são objetos da matemática, física, química ou biologia. Não são, em si mesmos, objetos da ciência.

É por isso, e não por outra razão, que Jesus calou quando Pilatos lhe perguntou: "o que é a verdade?". Pilatos lhe fez uma pergunta de natureza ontológica. Provavelmente era um cético, quanto à moral, e somente acreditava no Poder pelo Poder. Se sua pergunta dissesse respeito à fé, Jesus teria lhe respondido: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida", e o seu silêncio não perturbaria tanto os filósofos através do tempo.

Entretanto se compreendermos que os valores são construções do homem ao longo do seu processo civilizatório, são estratagemas adaptativos, estratégias de sobrevivência, então a questão muda completamente de perspectiva. 

E a ciência nos dá razão porque, aqui, vamos estudar não o valor em si mesmo, mas os comportamentos que os criaram, sua finalidade, sua natureza. É o mundo da Sociologia.

É científico conceber que em algum momento da história o Homem, a nossa espécie, teve um "insight" que lhe permitiu dar um passo à frente no processo evolutivo: descobriu a cooperação. Percebeu, ele, que podia até mesmo enfrentar seus predadores naturais, e os vencer, caso cooperassem entre si. Percebeu, ele, trocando em miúdos, que a união faz a força. Naquele momento nasceu o que hoje chamamos de pacto social.

O pacto social, para existir, constrói e impõe direitos e deveres, e, em decorrência, valores, para que o grupo social, a Sociedade, possa avançar. Ele foi um "meme", uma invenção do processo evolutivo. Ou seja, foi uma construção humana, uma elaboração social, claro que sempre dependente de sua circunstância histórica.

Muito embora possamos rastrear a ideia de pacto social até Protágoras de Abdera bastando, para tanto, ler o diálogo platônico homônimo, é de se considerar que sua melhor descrição, de forma alegórica, está em "Leviatã", de Hobbes.

Homo homini lupus, escreveu Thomas Hobbes, o primeiro dos grandes contratualistas, o homem é o lobo do homem, Frase de Plauto, em “Asinaria”, textualmente Lupus est homo homini non homo, que expõe a causa-síntese, a constatação que impele o Homem a optar pelo pacto social: em o assegurando, a sociedade regula o indivíduo, o coletivo se impõe sobre o particular, e fica, assim, assegurada a sobrevivência da espécie.



Caso não aconteça o pacto social, bellum omnium contra omnes, guerra de todos contra todos até a auto-aniquilação no Estado de Natureza, é o que ocorreria se imperasse a liberdade absoluta com a qual nasciam os homens, diz-nos, ainda, Hobbes, no final do Século XVI, início do Século XVII - recuperando a noção de contrato social exposta claramente por Protágoras de Abdera, a se crer em Platão.


Essa noção, de pacto ou contrato social, até onde sabemos, foi pela primeira vez exposta por Licofronte, discípulo de Górgias, como podemos ler na “Política”, de Aristóteles (cap. III): De outro modo, a sociedade-Estado torna-se mera aliança, diferindo apenas na localização, e na extensão, da aliança no sentido habitual; e sob tais condições a Lei se torna um simples contrato ou, como Licofronte, o Sofista, colocou, “uma garantia mútua de direitos”, incapaz de tornar os cidadãos virtuosos e justos, algo que o Estado deve fazer.

E muito embora um estudioso outsider do legado grego tal qual I. F. Stone defenda que a primeira aparição da teoria do contrato social está na conversa imaginária de Sócrates com as Leis de Atenas relatada no “Críton”, de Platão, há quase um consenso acadêmico quanto à hipótese Licofronte estar correta. É o que se depreende da leitura de “Os Sofistas”, de W. K. C. Guthrie, ou da caudalosa obra de Ernest Barker.

Tudo isso significa que o  conteúdo dos direitos e deveres pode variar no tempo e espaço, mas a noção da "fôrma", do "ambiente" que os contém, não. Ou seja, a ideia de pacto social é onipresente, mas seu conteúdo muda ao sabor das circunstâncias históricas.

É por essa razão que certas condutas anteriores ao tempo atual eram consideradas erradas, e hoje já  não o são, mas a regulação, as normas morais, o ambiente que as contém, não. Sempre existiram normas que regulassem a conduta humana. Repetindo: mudou o conteúdo, mas não mudou a forma.

Ainda: o que é certo e errado pode mudar no tempo e no espaço, mas a compreensão de que deve existir um conjunto de regras que mesmo de forma difusa diga o que é certo e errado, em cada época, isso aí não, por uma razão muito simples, tão bem apontada por Hobbes, qual seja a de que sem ele (o conjunto de regras) a civilização deixa de existir. 

Quando não temos um "norte" moral, tudo vale, e se tudo vale, nada vale.

Então, embora seja relativo o conteúdo da norma moral, a necessidade da existência de normas morais é absoluta,  um fenômeno sociológico, pelo menos no que diz respeito à realidade social conforme conhecemos, e não há como conceber outra.

É preciso que entendamos que a construção do conteúdo da norma moral é sempre resultante do entrechoque de ideias, interesses, crenças, etc., daqueles que integram a Sociedade. Mas ao contrário do que se supõe, o conflito social, a interação social é fundamental para a elaboração da "Constituição" moral á qual nos apegamos para sobrevivermos em Sociedade.

Por fim, o discurso do relativismo moral é sabidamente ilógico. Argumentar contra os valores também é uma postura moral. Não há alternativa à existência dos valores morais. O que há é a possibilidade de aperfeiçoamento desse instrumento social, das normas morais. 

É isso que estamos tentando fazer desde aquele remoto momento no qual o Homem se deu conta de que a cooperação permite sua sobrevivência.

No final das contas, ninguém foge da moral, seja contra ou a seu favor. Quem a critica, duvidando de seu papel social, questionando sua eficácia, quer apenas mudar as regras do jogo para se beneficiar, ou favorecer aquilo que defende.

Nada mais.

quarta-feira, 22 de março de 2017

A SOLIDÃO É IMOBILIDADE E SILÊNCIO

Imagem: Honório de Medeiros


* Antônio Gomes

Ah, você que se situa como antítese do que não perece.
Do vazio.
Somente seu coração bate.
Você que olha a noite escura recortada por pontos de luz,
e não encontrou o limite entre o horizonte e a matéria.
Sua busca somente encontra solidão.
Solidão.
Não há caminhos, não há som, somente espaço.
O nada.
A plenitude do nada.
Imobilidade aniquilante, o silêncio escoimando a vida,
a imensidão do céu estrelado.
Noite, silêncio, imobilidade.
Espaço, tempo.
O tempo não passa, é.
Solidão.
Eu lhe digo: a solidão é imobilidade e silêncio.

domingo, 19 de março de 2017

RUSSEL E O CÓDIGO DE CONDUTA LIBERAL

* Honório de Medeiros

Russell propôs, em sua autobiografia, um "código de conduta" liberal baseado em dez princípios, à maneira do decálogo cristão.

"Não para substituir o antigo", diz Russell, "mas para complementá-lo".

Os dez princípios são:
 
1. Não tenhas certeza absoluta de nada.
 
2. Não consideres que valha a pena proceder escondendo evidências, pois as evidências inevitavelmente virão à luz.
 
3. Nunca tentes desencorajar o pensamento, pois com certeza tu terás sucesso.
 
4. Quando encontrares oposição, mesmo que seja de teu cônjuge ou de tuas crianças, esforça-te para superá-la pelo argumento, e não pela autoridade, pois uma vitória que depende da autoridade é irreal e ilusória. 

5. Não tenhas respeito pela autoridade dos outros, pois há sempre autoridades contrárias a serem achadas.
 
6. Não uses o poder para suprimir opiniões que consideres perniciosas, pois as opiniões irão suprimir-te.
 
7. Não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas.
 
8. Encontra mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda.
 
9. Seja escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente, pois será mais inconveniente se tentares escondê-la.
 
10. Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso.