domingo, 9 de junho de 2013

USE A CABEÇA, SENHOR JUIZ


·                Guilherme Fiúza

 
Enfim, uma unanimidade. A escolha do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, o advogado Luís Roberto Barroso, que pode dar o voto decisivo sobre o mensalão, agradou a todos — governistas e opositores, comentaristas e críticos, simpatizantes da defesa e da acusação. Dilma teria resistido à tentação de inocular na Corte mais uma carta marcada petista, como Lewandowski e Toffoli.

O juízo geral parece ser de que Barroso é politicamente equilibrado e seu julgamento será sóbrio e técnico. Sendo isso mesmo, fica difícil entender o falatório do novo ministro nos últimos dias. ...

Em plena sabatina no Senado, Luís Roberto Barroso achou que devia opinar sobre o processo do mensalão, julgado por seus futuros colegas. E declarou que o Supremo “endureceu” nesse caso.

Com seu palpite, Barroso julgou de uma vez só o jogo jogado, os juízes do jogo e o prognóstico para o resultado final. Depois ressalvou que não estudou nada do processo e só estava dizendo isso porque já tinha dito antes.

O problema é que antes o palpite era só um palpite. Agora ele estava apenas esperando a toga para entrar em campo como juiz.Com uma pitada da sobriedade que lhe atribuem, Barroso poderia ter dito que suas opiniões como advogado sobre um processo onde agora será juiz, naturalmente, não vêm ao caso.

São papéis completamente diferentes, e a primeira responsabilidade de um alto magistrado a serviço do Estado é mostrar, justamente, que não será na Corte um advogado de suas opiniões pregressas.

Quem quiser conhecê-las que vá ao Google. Na sabatina, Barroso ressalvou que aquele era o único momento em que falaria livremente, pois em seguida mergulharia na discrição do cargo.

Ora, ele já estava virtualmente no cargo. Todos sabiam que suas chances de aprovação beiravam os 100%. Evidentemente, suas declarações foram para as manchetes não como opiniões de um jurista, mas como o pensamento do novo ministro do STF.

O que provocou repercussões imediatas — inclusive com declaração de outro ministro do STF encampando a tese do julgamento “duro” no caso do mensalão.

Em bom português, o sóbrio, equilibrado e técnico Luís Roberto Barroso inaugurou sua carreira de juiz fazendo política. O que significa sua declaração de que o Supremo endureceu? Significa que no seu voto ele vai amolecer? E se não for isso, por que não simplesmente se calar e ir estudar o processo? É bom não perder de vista o que significa o STF amolecer nas decisões sobre os recursos dos réus do mensalão.

Significa desde o abrandamento de penas até a possibilidade de os chefes do esquema escaparem da prisão. O novo ministro disse que o rigor da Corte no mensalão foi “um ponto fora da curva”

O que quer dizer isso? Barroso está dizendo que o Supremo Tribunal Federal se excedeu? Ou que o Supremo errou? Sim, porque não existe mulher meio grávida, nem sentença meio certa. Existe sentença meio mozarela e meio calabresa — e essas são muito comuns.

Estará o STF, com sua nova formação, se encaminhando para uma dessas, no julgamento político mais importante da República? Depois da grande catarse nacional no ano passado, o caso esfriou e a opinião pública não mais voltará a olhá-lo com a mesma atenção.

Isso é um fenômeno tipicamente brasileiro, uma espécie de habeas corpus natural, com o qual os delinquentes contam fervorosamente. Mas se o novo ministro do STF acha que o julgamento do mensalão foi um ponto fora da curva, é importante lembrar ao ministro que o escândalo do mensalão também foi um ponto fora da curva.

Seria o caso de perguntar ao ministro Barroso se ele tem notícia de outra quadrilha, na história deste país, que tenha criado um duto entre os cofres públicos e o partido do presidente da República.

Não para um desvio fortuito, mas para diversas operações, devidamente comprovadas, que levaram o dinheiro do contribuinte para o caixa do PT. Seria também interessante lembrar ao novo ministro que o grupo político que pariu e operou esse esquema continua governando o Brasil.

Os réus do mensalão não estão no governo, mas a tecnologia está. Talvez o ministro ainda não tenha tido que andar um quilômetro entre os terminais 1 e 2 do aeroporto do Galeão, por conta de uma esteira que não funciona às vésperas da Copa das Confederações. Pois bem: a agência reguladora que deveria garantir a dignidade dos passageiros é aquela transformada em bazar por Rosemary Noronha — a protegida de Lula que Dilma segurou até onde pôde.

Seria bom lembrar que o PAC, que ostenta níveis ridículos de investimento e planejamento em infraestrutura, tinha como empreiteira campeã a Delta — uma central de negociatas revelada pela CPI do Cachoeira (asfixiada pelo governo Dilma). São cachoeiras de parasitas atarraxados ao Estado pelo governo popular, alguns mais aberrantes, como o ex-ministro Carlos Lupi.

Demitido sob acusação de usar ONGs para desviar dinheiro do Ministério do Trabalho, menos de um ano depois ele já dava as cartas no governo novamente. Dizendo que, no STF, vai fazer apenas o que acha certo, Luís Roberto Barroso disse que seguirá seu coração. Não, ministro. Siga sua cabeça. Estude bem o que essa quadrilha fez ao Brasil, e use a cabeça.

 

sábado, 8 de junho de 2013

TEM ALGO ERRADO EM PINDORAMA!


Carlos Santos
 
http://blogcarlossantos.com.br/

 
Prioridade
 
 
Tem algo errado na cabeça de nossos gestores e parece não mudar, em mais de 120 anos de república e mais de 512 anos de descobrimento oficial desse pindorama.
Infelizmente, o festim é mais importante do que a Saúde, Educação e Segurança.
A vitoriosa festa “Mossoró Cidade Junina” começa oficialmente hoje em Mossoró, com investimentos de mais de R$ 5 milhões.
Nessa mesma hora, a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do bairro Belo Horizonte continua fechada desde sua inauguração no dia 28 de dezembro de 2012.
A prefeitura alega não ter recursos para terminar sua instalação físico-material e à sua manutenção.
Tem algo de errado.
Todos nós precisamos refletir sobre isso, independentemente de paixões e interesses político-partidários-pecuniários etc.
Tem algo de errado. 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

HOUVESSE EM NÓS MAIS CANÇÃO, MENOS TEMAS...


Ezra


 
ENVOI (1919)
 
 
Ezra Pound,
 
"Hugh Selwyn Mauberley - Vida e Contatos"
 
 
 
Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz.
 
Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhe ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.
 
Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.


quarta-feira, 5 de junho de 2013

QUANTO AO MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO ACERCA DO CANGAÇO

Honório de Medeiros


                   Em Setembro, no Cariri Cangaço, se conseguir coletar o restante das informações que eu busco, lanço “Porque Lampião Invadiu Mossoró?”
                   Nesse livro apresento o resultado de uma investigação que culminou na constatação de que existem quatro hipóteses básicas acerca dos motivos pelos quais  houve a invasão.
                   Analiso cada uma dessas hipóteses e mostro os prós e os contras delas deixando, no final, ao critério do leitor, a opção de escolher aquela que considere mais verossímil.
                   Sem falsa modéstia, considero que se trata de uma boa investigação. Caso fosse jornalista, eu denominaria esse trabalho de “jornalismo investigativo”. Como não o sou, deixo aos que o lerem a tarefa de estabelecer seu enquadramento literário, se for o caso.
                   Mas e o que tem esse livro, do qual indiretamente, mas sem malícia, estou fazendo a propaganda, com o tema a ser abordado e debatido, em Sousa, na Paraíba de Chico Pereira, na “avant-première” do Cariri Cangaço 2013, para o qual fomos convidados a participar pela gentileza sem par do historiador e mestre Wescley Rodrigues?
                   É que desde o início da minha investigação, chamemo-la assim, eu me propus aplicar com denodo uma máxima, um aforismo, no sentido francês do termo, que expressa uma postura metodológica em relação ao tema investigado.
                   Seria entediante, talvez, aqui, expor sua matriz filosófica. Registro, entretanto, que ela é corolário da epistemologia de Gaston Bachelard e Karl Raymund Popper que, nesse campo específico, têm mais semelhança entre si do que se possa supor.
                   Pois bem, a máxima é a seguinte: fazemos a investigação avançar não pelas verdades que descobrirmos, mas pelas que refutarmos.
                   Observem que há uma roupagem retórica na máxima exposta. Tecnicamente deveríamos dizer: “fazemos a investigação avançar não pelas verdades que encontrarmos, mas, sim, pelas pseudo-verdades que refutarmos. Podemos não vir a saber com certeza o que algo é, mas podemos vir a saber com certeza o que algo não é.
                   Trocando em miúdos, o que quero dizer é o seguinte: a nossa preocupação, na investigação, deve ser muito mais no sentido de excluir o entulho que nos afasta da compreensão do fato. Quanto mais entulho afastarmos, mais próximos estaremos de nosso objetivo.
                   No que diz respeito à invasão de Mossoró por Lampião, assim procedi, preocupado, principalmente, com a hipótese que atribui à ganância de Lampião e Massilon a realização do ataque. Essa hipótese é a mais corriqueira, é aquela sacramentada pelo senso comum.
Em todas as hipóteses acerca dos supostos motivos da invasão, portanto, também apliquei o que denominei de crítica metódica, para afastar as pseudo-verdades que embaraçavam a compreensão da realidade por trás das aparências.
Ou seja, busquei, firmemente, encontrar e apontar irregularidades, incongruências, desarmonias, inverossimilhanças, tudo quanto me permitisse desconstruir, refutar cada uma das hipóteses existentes em relação à junho de 1927, para ser possível alcançar alguma luz no fim do túnel.
Há uma forma, uma maneira, um meio de aplicar a crítica metódica, que passa pela utilização de uma técnica do jornalismo investigativo aliada à utilização de alguns critérios de natureza lógica. Nada complexo e que não possa ser manejado por qualquer pesquisador.
Assim cheguei ao resultado que o livro apresentará. Não concluo, entretanto. Deixo em aberto. É uma obra aberta. Isso por uma razão muito simples: meu trabalho não é científico, no sentido estrito do termo, vez que não foi possível colher provas que sustentassem uma teoria.
Há indícios, e muitos. Há o trabalho de relacionar esses indícios, dar-lhes unidade, coerência, criar uma malha de conteúdo indagativo e explicativo razoavelmente bem tecida, que talvez seja o que de valioso exista no trabalho a ser apresentado.

Para o futuro pretendo usar esse mesmo método no que diz respeito ao estudo das causas do surgimento do cangaço. Há várias teorias quanto a essas causas. Uma delas, facilmente refutável, aponta como causa do surgimento do cangaço a luta de classes.
Voltando ao tema da mesa-redonda, penso que devemos tentar o estudo dos fatos do cangaço em uma perspectiva mais densa, mais apropriada academicamente, como está sendo feita aqui e agora. E somente podemos fazê-lo se tivermos essa preocupação com o método da investigação.
Isso por várias razões, dentre elas evitar que o estudo do cangaço suscite comentários como o que recebi, recentemente, após ser postado um texto meu acerca da realização da mesa-redonda de Sousa em um dos maiores blogs do Rio Grande do Norte, do jornalista Carlos Santos, que nos gratifica hoje com sua presença.
O comentário dizia o seguinte, textualmente: “Em pleno século 21 ainda se fala de um coisa tão irrelevante e inexpressiva! Tantos assuntos importantes a serem questionados. Esse tipo de assunto é para ser apagado da história diante a sua insignificância”.
Um absurdo, mas a ignorância gera esse tipo de juízo de valor.
Então, para concluir, creio que devemos criticar, no bom sentido, os métodos ou a falta de métodos, no estudo dos fatos do cangaço, para ultrapassarmos, de vez, sua folclorização, no sentido negativo do termo, e esse viés preconceituoso, em relação ao tema, por parte de parcela da academia e da população.
E, mais para o futuro, quem sabe evitarmos que se dê guarida, pelo menos no seio das pessoas mais esclarecidas, a bizarrices como as do homossexualismo entre cangaceiros ou o heroísmo de Lampião.

terça-feira, 4 de junho de 2013

PROUST: UM EXERCÍCIO DE ESTILO (SWAMM E AS MULHERES)


 
Marcel Proust
“Em Busca do Tempo Perdido”
Volume 1
“No Caminho de Swann”
Tradução de Mário Quintana; Editora Globo; 3ª edição; 6ª reimpressão; p. 243.
 
                               “Não era desses que, por preguiça ou resignado sentimento da obrigação que lhes impõe o fastígio social de se amarrarem a determinada margem, evitam os prazeres que lhes oferece a realidade fora da posição mundana onde vivem acantonados até a morte, acabando por chamar de prazeres, na falta de coisa melhor e por força do hábito, às medíocres diversões e aborrecimentos suportáveis que sua existência encerra. Swann, esse, não procurava achar bonitas as mulheres com quem passava o tempo, mas sim passar o tempo com as mulheres que primeiro achara bonitas. E muitas vezes eram mulheres de beleza bastante vulgar, pois as qualidades físicas que buscava sem se dar conta estavam em completa oposição com aquelas que lhe tornavam admiráveis as mulheres esculpidas ou pintadas por seus mestres prediletos. A profundeza, a melancolia da expressão, gelavam-lhe os sentidos, que despertavam, ao contrário, ante uma carne sadia, abundante e rosada.
                   Quando encontrava em viagem uma família com a qual seria elegante não travar relações, mas em que descobriria certa mulher com um encanto que ainda lhe era desconhecido, ‘guardar a linha’ e enganar o desejo que ela lhe despertara, substituir o prazer que poderia conhecer com ela por um prazer diferente, escrevendo a uma antiga amante para que viesse vê-lo, isso lhe pareceria uma abdicação tão covarde diante da vida e uma renúncia tão estúpida a uma nova felicidade, como se em vez de visitar a terra onde se achava, se metesse em seu quarto, a olhar ‘vistas’ de Paris. Não se encerrava no edifício de suas relações, mas fizera com ele, para poder erguê-lo novamente em toda parte onde uma mulher lhe agradasse, uma dessas tendas desmontáveis que os exploradores carregam consigo. Quanto ao que não podia ser transportado ou trocado por um prazer novo, ele o considerava sem valor, por mais invejável que parecesse aos outros. Quantas vezes seu crédito junto a uma duquesa, formado com os desejos que a dama acumulara durante anos, de lhe ser agradável, sem nunca haver encontrado uma ocasião propícia, não o desfazia Swann de uma vez por todas, reclamando dela, com um indiscreto despacho, uma recomendação telegráfica que o pusesse imediatamente em contato com um dos seus intendentes cuja filha lhe chamara a atenção no campo, como faria um esfaimado que trocasse um diamante por um pedaço de pão!”
 
ARTE: william.com.br

segunda-feira, 3 de junho de 2013

A ROLETA-RUSSA DOS JOVENS BANDIDOS


Carlos Santos
blogcarlossantos.com.br

Entre nós
 
A Polícia Militar “fechou” dois marginais hoje pela manhã, no Sumaré (Mossoró). Saiu aplaudida por moradores. 
Os dois jovens adolescentes tinham assaltado pequenos comércios na área, relata a versão policial. Os bandidos reagiram à voz de prisão, empunhando revólveres contra policiais militares. Receberam o troco. 
Chegaram sem vida ao Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM). 
A Polícia Militar e a Polícia Civil, em Mossoró, fazem milagres. Com enorme déficit de homens nas ruas, desdobram-se como anteparo da sociedade acuada. 
Falta investimento em inteligência e polícia técnica. Não basta apenas termos homens nas ruas, carros/motos/armas/munição contra crime. 
A morte desses jovens não é registro isolado. 
Estudemos a vida de ambos. Vejamos seus grupos sociais, companhias e hábitos. Façamos um passeio por endereços nas redes sociais. Lá teremos algumas pistas muito importantes. 
Outros terão mesmo fim. Não é comum bandido morrer com cabelos brancos. 
Esses jovens vivem num universo de falso poder e são “referências”. Entre seus amigos, se destacam. São tratados como “guerreiros”, e exaltados pelo que “têm” e “conquistam”. Falsos rubís. 
A sociedade, amedrontada e vítima da violência, vibra com mais duas baixas no time da bandidagem. Não está errada. Reação normal de quem é vítima. 
Muitos desses rapazes têm emprego, profissão e moram com os pais. Mas querem tênis da Nike, iPhone e grana para saírem com as “mina”, mano. 
O consumismo, a vaidade doentia, necessidade de status, c0nceitos equivocados sobre o sucesso e a fragilização da família produzem esses monstros precoces. Precisam “ter”, para que pareçam um “ser” especial e diferenciado. Se a droga fizer parte do coquetel, aí tudo fica ainda pior. 
A polícia, mesmo matando dois ou três jovens assaltantes todos os dias, num confronto “natural”, não resolverá a escalada da violência. 
O buraco é mais embaixo. 
Por enquanto, a dor dessas “baixas” fica com pais e amigos mais próximos desses jovens. 
Amanhã, ninguém sabe. A gente não sabe bem de que lado estaremos amanhã. 
Podemos ser vítimas de outros jovens bandidos ou chorarmos a eliminação de outros mais próximos de nós, que não sabíamos ou fingíamos não saber que estavam à margem da lei. 
A roleta-russa continua girando.

CHORO E VELA

Regina Azevedo

http://reginazvdo.blogspot.com.br/
 
Levanta dessa cama, vai
Tira essa fronha molhada
o teu travesseiro está úmido
o seu rosto está vermelho.

Levanta daí, vai
Já é tão tarde
Já não temos mais tempo
nosso passado se faz presente.

Não importa o que aconteceu
Levanta daí, vai
faz de conta que foi só mais um pesadelo
nada aconteceu
Eu canto pra você dormir
e aí você vai ouvir a minha voz
e lembrar do seu pai.

Eu vou te balançar na rede
te inventar uma música
e vou desafinar
e você vai continuar molhando
o tecido da rede.

Você vai chorar na minha camiseta
vai tremer inteira sob meu peito
mas vai chorar.

Vai chorar até que tudo seque
e aí
começar de novo.

POEMINHAS POEMEUS!

 
 
Bárbara de Medeiros
 
 
1
Se te digo que te amo, por favor, acredite!
Amor não é fácil de encontrar nesses dias.
 
 
2
Sim, somos de diferentes cores, diferentes cheiros e diferentes gostos.
Mas todos somos igualmente bons.
 
 
3
E assim como as ondas vão e vêm,
eu vou,
e venho junto com elas.
Nada há que me prenda aqui.
Meu amor pelo mar me leva a extremos.
Então por favor, não tente me apaixonar:
não quero magoar ninguém,
não quero ficar.

domingo, 2 de junho de 2013

CRIE JUÍZO, MULHER!


                                                  - Vai dar certo. Mas só três vezes.
                                   - Três?
                                   - Não se lembra? Eu lhe disse. Mais que três fica perigoso. Uma já é perigoso. Três é bom, se tudo der certo: a primeira para experimentar; a segunda para se saciar; a terceira para se despedir.
                                   - Você é muito esquisito.
                                   - Vai ver que é por isso que você me quer. Ou será que é porque eu sou inteligente, lindo, elegante, charmoso, cheiroso?
                                   - Bicho besta...
                                   - Então, topa? E feche essa porta, mulher, você sabe como são as pessoas neste escritório, basta um nada para fazerem um tudo.
                                   - Topo. E vou logo lhe dizendo: topo mundo pensa que você me come, que come a estagiária.
                                   - Isso aí não tem como evitar, mas tem como manipular.
                                   - Lá vem você.
                                   - Não esqueça tudo que conversamos, viu? Depois das três é cada qual pra seu canto, somente fica a amizade...
                                   - Não precisa ficar dizendo isso o tempo todo.
                                   - É só para deixar bem claro. Você sabe, eu não sou muito de acreditar que uma menina nova e bonita como você queira ir pra cama comigo, um cinqüentão, só porque tem tesão em mim. Se fosse mais velha, eu não dizia nada, mas é muito nova. Será que é froidiano, seu caso?
                                   - Que porra é isso?
                                   - Deixa pra lá.
                                   (...)
                                   - Por que você não atende minhas ligações?
                                   - Não estou atendendo?
                                    - Sim, mas faz muito tempo que estou tentando. E eu que não queria acreditar que você só ia sair mesmo três vezes comigo...
                                   - Eu lhe disse! A gente conversou, tá lembrada?
                                   - Você pode ter comido muitas mulheres, mas não entende nada de coração feminino. Não se mancou que eu estava mesmo afim de você?
                                   - Eu lhe disse que não acreditava nessa história.
                                   - Você não queria acreditar, só queria me comer. Quer dizer que não quer mesmo mais saber de mim?
                                   - Eu lhe expliquei mil vezes. Não dá certo. Eu não vou acabar meu casamento e arranjar inimizade com meus filhos por conta de um caso. Eu lhe disse: não é bom para mim nem para você.
                                   - O que é bom para mim só eu sei. Egoísta!
                                   - Não é isso, eu bem que não queria essa história, você que insistiu, insistiu...
                                   - Quer dizer que não tem jeito?
                                   - Você sabe que não.
                                   - Isso não vai ficar assim!
                                   (...)
                                   - O que é que você tem?
                                   - Nada não, só estou meio chateado, meu amor.
                                   - Com quê?
                                   - A liberdade que uma estagiária lá no escritório vem tomando comigo.
                                   - Como é que é? E porque não botam ela pra fora?
                                   - Ela é muito competente e é quem faz o trabalho todo do sócio novo. Fica chato eu persegui-la. E perigoso. Vão pensar que eu quis dar em cima dela e ela não me deu bola. Você sabe como é escritório que tem estagiárias bonitas. Semana passada o pessoal estava falando em câncer de pele e eu disse que tinha muito medo desse negócio, e que tinha um sinal do tamanho de um feijão do lado esquerdo do pênis, vivia mostrando à dermatologista. Sabe o que ela me disse depois, no corredor?
                                   - O quê?
                                   - Então, doutor, muita mulher já viu esse feijão, não foi?
                                   - E você?
                                   - Dei-lhe um carão grande. Não gostei da intimidade. Por azar algumas colegas dela escutaram. E não gostei de como ela me olhou...
                                   - Deixe isso prá lá. Mas cuidado, eu estou de olho...
                                   - Não brinque com isso não.
                                   (...)                            
                                   - Pois é, você pode até não acreditar no que eu estou dizendo, mas eu tive mesmo um caso com seu marido e tudo só acabou porque ele me enganou, prometeu que ia lhe deixar e ia viver comigo, e o tempo foi passando e nada.
                                   - Olhe, não acredito em nada disso que você está me dizendo, e até em respeito a ele eu vou desligar. Você procure tratamento especializado, seu problema é psicológico, talvez psiquiátrico.
                                   - Vc está dizendo que eu sou doida, é? Pois eu vou lhe provar, p-o-pro-provar, que não estou mentindo. Você conhece bem os atributos do seu marido, não é? Pois eu vou lhe provar: ele tem um sinal, mais ou menos do tamanho de um feijão, do lado do pau. Agora me diga, tive ou não um caso com ele?
                                   - Desista, querida. Ele me disse, um dia desses, duas coisas: que estava muito chateado com uma estagiária que estava se botando para cima dele, faltando com o respeito, e que descobrira isso quando contou, no escritório, que tinha muito medo de sinais, de câncer de pele, e que tinha um do tamanho de um caroço de feijão perto do pau, como diz você. Eu chequei a história. Me disseram que o sócio dele e a estagiária estavam na hora. Confirmei tudo. Você saiu do escritório porque é oferecida demais. Vive se oferecendo pra tudo quanto é homem que tenha dinheiro. Vá com Deus e mude de vida.
                                   - E você acreditou nesse teatro? Não percebe que ele planejou tudo? Tem nada não: nada melhor que um dia após o outro com uma noite pelo meio. Acorde logo. Se demorar, você vai se lascar.
                                   (...)
                                   - Sabe de uma coisa?
                                   - O quê?
                                   - Eu acho que você comeu a estagiária.
                                   - Você é doida, é?
                                   - Intuição, meu filho, intuição! Mas como eu não posso provar nada...
                                   - Se fosse verdade, o que você faria?
                                   - Ah! Essa vai ser sua angústia. Agora eu lhe digo: você iria chorar lágrimas muito amargas...
                                   - Crie juízo, mulher!

sexta-feira, 31 de maio de 2013

A TCHECA


Honório de Medeiros                    
 
                            Nossa guia, em Praga, a quem tínhamos contratado desde o Brasil, via internet, para acompanhar nosso pequeno grupo – éramos nove – sorri algumas vezes, brinca outras, e é bastante acessível, o que a tornava diferente, aos meus olhos, da maioria dos seus compatriotas, bastante carrancudos.
                        Pergunto-lhe a razão desse estado de espírito. “O clima”, responde, em tom de brincadeira. Decerto aprendeu a fazê-lo assim no Brasil, onde morou por seis anos, principalmente em Salvador, amou, casou, teve um filho com um baiano, e, em assim sendo, não poderia escapar incólume. Ela confirmou.
                        Em português com pouco sotaque, embora às vezes errado nas declinações mais complexas dos verbos, ela atribui parcela considerável desse estado de espírito do seu povo à transição do comunismo para o capitalismo, e à fragmentação das expectativas dos tchecos com a Democracia.
                        “Antes”, diz ela, ajeitando os óculos “nerd” no nariz delicado, “nós não tínhamos liberdade para decidirmos nossas vidas, mas havia tranquilidade quanto ao presente e futuro: saúde, educação, moradia, trabalho...”  “Penso que as gerações anteriores sonharam com um mundo melhor no qual a ‘quase’ igualdade permanecesse, mas houvesse uma melhoria para todos nas condições gerais e, ainda por cima, liberdade.”
                        “O tcheco, de uma forma geral, é invejoso”, continua, assumindo um pouco o “physique du rôle” da antropóloga que diz ser, com diploma fornecido pela mais prestigiosa instituição universitária de seu País. Faço um parêntese para observar que escutei essa mesma observação, em Lisboa, dada por um português em relação a seus compatriotas.
                        “Mas é um invejoso justo: ele inveja o que o outro tem, querendo que todos tenham igual.” “Com o capitalismo, aos poucos está surgindo uma sociedade acentuadamente de classes, sem que os problemas mais antigos fossem resolvidos.”
                        Anete, esse é, em Português, o nome da nossa guia, espana a neve que vai caindo, minúscula, lentamente, por sobre seu elegante casaco azul escuro, nos diz que “no comunismo a divisão de classes era de outra forma, ou seja, a elite partidária possibilitava aos seus acesso à burocracia que lhes assegurava um status diferenciado.”
                        Já fizeramos um círculo em torno de Anete e a escutávamos atentamente. “Havia um contraponto natural à elite partidária comunista: os, digamos assim, intelectuais, que assumiram o controle após a queda do comunismo, e que se disseminavam, por exemplo, nas universidades secretas, onde se debatiam livros proibidos e se propunham alternativas para o modelo político existente.”
                        “Hoje há muitos saudosistas do comunismo. A Revolução de Veludo, na opinião deles, tirou as vantagens do comunismo e não acrescentou nenhuma do capitalismo...”
                        Não há tempo para muita conversa. Anete tem um trabalho a fazer, e o faz com competência, demonstrando conhecer, com profundidade, a história do seu povo. Leva-nos a lugares muito interessantes e nos conta, detalhadamente, o passado de cada um deles. Mas é sempre hora de ir.
                        Quando os dias chegam ao fim ela se vai pegar seu filho levando essa estranheza comovente de ter vivido em um País tão exótico, para os tchecos, quanto o Brasil. É assim que eles nos vêm.
                        Não somente. Além de ter vivido no Brasil, Anete amou um baiano de Salvador, e, do fruto desse amor, teve um filho que carrega consigo, pelas ruas da República Tcheca, essa mistura também exótica de sangue brasileiro e tcheco. É estranho e comovente. Eu gostaria de lhe ter perguntado acerca de como acontecera sua história de amor. Melhor não, pensei, e me contive.
                        Mas ainda lhe fiz uma última pergunta: você voltaria a morar no Brasil? “Não”, disse-me. “O Brasil é muito bagunçado.” “Além do mais, este é meu povo, esta é minha história.” “Vou voltar lá muitas vezes; não quero que meu filho cresça sem conhecer suas raízes.” “Mas não.” “Eu não voltaria.”
                        Seguiu Anete, após as despedidas, levando nossos cartões, pois nos disse que viria no final deste ano ao Brasil, para as festas de aniversário do seu ex-sogro. Entrará em contato? Duvido. Entretanto, tudo é possível neste mundo de meu Deus. Afinal não aconteceu de uma tcheca vir a Salvador desenvolver um trabalho social, conhecer um baiano, casar com ele, e dele ter um filho? Quem sabe ela não nos surpreenda?
                      Venha, Anete, é como lhe disse: nós a receberemos com imenso prazer. Quem sabe eu tenha coragem de lhe perguntar como foi sua história de amor no Brasil...