terça-feira, 2 de agosto de 2016

PALESTRA E LANÇAMENTO DE LIVRO





Informações e Reservas com Genário Pinheiro, (84) 99653-5487, ou no local.

"Li e recomendo. Escrita leve e articulada, traz análise consistente da política e do cangaço no Oeste Potiguar. Deve tornar-se leitura obrigatória para a história política e cultural do Rio Grande do Norte" (Professor Doutor da UERN Gilton Sampaio).

"Li e fiquei encantado. Abordagem atual de problemas antigos do cangaço, com luzes novas sobre assuntos obscuros" (Médico e Artista Plástico Etelânio Figueirêdo).

domingo, 31 de julho de 2016

O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO: O DIREITO ENQUANTO EPIFENÔMENO DO PODER POLÍTICO

*  Honório de Medeiros

O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO: O DIREITO ENQUANTO EPIFENÔMENO DO PODER[1] POLÍTICO[2][3]

1) A sociedade[4] enquanto constituída por um conjunto[5] de fatos[6] que se entrelaçam[7]. É possível identificar vários desses fatos específicos:

a)  O fato econômico;
b) O fato religioso;
c)  O fato político;
d) O fato jurídico, etc.

2) Há um método para estudar o conjunto desses fatos: o científico. Aqui se pode pensar em monismo metodológico[8], ou seja, há somente uma ciência[9], e esta pressupõe:

a)  Um Objeto;
b) Uma teoria acerca do Objeto;
c)  Uma testabilidade.

3) A ciência que estuda o conjunto dos fatos sociais é a Sociologia. O ramo da sociologia que estuda o fato jurídico é a Sociologia Jurídica.

4) O fato jurídico = campo jurídico, portanto o campo jurídico possui uma lógica (complexo de causas) que lhe é externo e que determina seus pressupostos estruturais (complexo de causas) internos (interior do campo jurídico). Para que se perceba essa realidade imagine-se um jogo de xadrez: a lógica externa (complexo de causas) estabelece quem são os participantes, qual é o jogo, quais são as regras; a lógica interna (complexo de causas) estabelece como vai acontecer o jogo a partir dessas premissas estabelecidas exteriormente. Para que se perceba a dependência da lógica interna em relação à lógica externa basta que se imagine a possibilidade desta impor novos jogadores, novo jogo, novas regras[10].

5) Essa lógica interna, campo específico da dogmática jurídica ou teoria geral do direito é de natureza técnica: diz respeito à construção dos conceitos próprios internos do campo jurídico, tais quais os de validade da norma jurídica, eficácia, hierarquia das normas, normas coativas, normas imperativas, normas permissivas, normas atributivas, bem como produção da norma jurídica, interpretação e discurso legitimador do campo jurídico ou legitimação retórica[11].

6) A sociologia política conjectura que a lógica externa que engendra o campo jurídico[12] é resultante de relações de domínio (Poder[13] Político[14])[15]. A comprovação advém da história: a história das normas sociais e das normas jurídicas é a história da imposição de regras aos dominados pelos dominantes (surgimento do Estado – a norma jurídica abstrata e geral substituindo a regra social concreta e casuística).

7) Nesse sentido o caráter hegemônico de produtor da norma jurídica que é próprio do Estado e que a história comprova, inclusive no que diz respeito ao fenômeno da recepção. Caráter de legitimação da norma jurídica por que produzida pelo Estado para mascarar a ilegitimidade do próprio Estado.

8) Sendo o Estado[16] algo que resulta da Sociedade, e sendo esta uma realidade na qual o conflito, a discordância, a divisão, a luta de classes, o confronto grupal, o dissenso é a essência, aquele somente pode surgir da imposição da vontade dos que detêm o Poder Político sobre aqueles subjugados.

9) As relações de domínio se externalizam[17] através de:

a)  convencimento: através da propaganda (mídia), retórica (O Estado Sedutor)[18];

b) constrangimento: através do poder econômico;

c)  sedução: carisma;

d) subjugação: força.

10)             No que diz respeito à subjugação o Poder Político se configura através de normas jurídicas produzidas através do aparelho estatal ou por este reconhecidas. Aparelho estatal que pode ser o Poder Executivo, o Legislativo ou o Judiciário.

11)             Sendo o Poder a fonte do Direito ele se manifesta através da produção, interpretação e aplicação da norma jurídica[19]. Podemos contar uma história do Direito a partir dessa perspectiva: como se produzia, interpretava e aplicava a norma jurídica na era arcaica, antiga, medieval, moderna, contemporânea? Para tanto é fundamental definir Poder e Norma Jurídica. Quanto a Norma Jurídica, temos que analisar o conceito de governo que lhe é inerente (território, população e governo); temos que expor e criticar suas características: soberania; tributação; força policial independente e podendo agir contra o povo a quem, até então, estava restrito a posse de armas para a defesa comum da sociedade; a norma jurídica geral e abstrata em contraposição à norma social o mais das vezes concreta e específica; a burocracia; a centralização.

12)             A ação política se exerce através do Direito. Neste caso o Direito é um epifenômeno do Poder Político. Ou, então, a ação jurídica delimita e disciplina a ação política (convicção liberal).

13)             O Poder é o parâmetro fundamental: está por trás de tudo, engendrando as soluções para transpor os obstáculos que possam surgir, ou seja, estratégias adaptativas. Não há vazio no espaço social. O Poder está sempre presente. Mudamos seus titulares por que o Poder muda de dono de acordo com fatores tais como competências circunstanciais. Tudo é prolongamento ou instrumento do Poder. O que há por trás dele? Ernst Becker diria: o medo da morte. Darwin diria: o processo de seleção natural.

14)             A relação entre a esfera econômica e a esfera política é um problema de delimitação de campos, de exercício do poder por distintos meios. A relação entre moral e política é um problema de distinção entre dois critérios de avaliação de ações. A relação entre política e direito é um problema de interdependência recíproca ficando, entretanto, o poder com a última palavra.

15)             Somente há direito onde houver em última instância a força. Não há outro direito senão aquele estabelecido direta ou indiretamente reconhecido pelo poder político (Hobbes).

16)             É possível a redução do jurídico para o político, e do político para a teoria da evolução de Darwin. É possível a redução do econômico de Marx para o poder através de Darwin. É possível reduzir o Poder à teoria da evolução de Darwin.           





[1] Poder: capacidade quem alguém tem de influenciar ou determinar a conduta de outrem.

[2] Política: conjunto de ações que objetivam a conquista do Poder (último, supremo ou soberano) em uma comunidade de indivíduos sobre um território.

[3] Poder Político: poder exercido na Polis (cidade), ou seja, comunidade autossuficiente de indivíduos que convivem em um território (Estado).

[4] A sociedade é uma malha cujas linhas são as relações de domínio. Há uma lei natural social – a lei da evolução – à qual pode ser reduzida a conduta humana e que dá ao ser humano o aparato físico/mental para tecer as condições de domínio. Um fato social, qualquer que seja ele, é um conjunto de ações específicas de domínio. No modelo tradicional, o Estado legitima a norma jurídica – mas observemos que ele cria as regras que dirão quando estas são legítimas. Até onde a história pode alcançar o homem viveu em sociedade. Ele é uma anima social antes de ser um animal. Até onde a história pode alcançar sempre houve, existindo sociedade, o fenômeno do Poder. Talvez, inclusive, não seja possível o primeiro sem o segundo, devido ao instinto de sobrevivência – sobreviver é mais fácil em grupo, e onde houver grupo haverá Poder, como demonstram todas as pesquisas realizadas em Psicologia Social. O Estado, entretanto, pertence a um estágio ulterior de civilização. Neste caso há ingredientes que exigem a presença de uma força armada que aja internamente contra quem não aceita a submissão, bem como uma legislação geral e abstrata para a gestão do território e de uma população maiores, além de funcionários para cuidar dos impostos e da lei – a burocracia. O Estado é, assim, uma resposta adaptativa da espécie humana a um desafio de Poder.

[5] Os fatos teleológicamente encarados, ou seja, com um propósito específico: marxismo; darwinismo. Aparentemente sem um propósito específico: “autopoiesi”. Através de Darwin poderíamos pensar em uma evolução do mais simples ao mais complexo, sempre produzindo condições mais favoráveis de sobrevivência aos mais aptos, embora essa evolução não conduza para um progresso em termos de valores; podemos avançar para um Estado mais evoluído e pior, em termos de valores. Spencer diria que há especialização e finalidade. A teoria da dinâmica de redes proporia a “autopoiesi” (mas para quê, por que, com qual sentido?). O marxismo falaria em evolução para o comunismo. O funcionalismo ou a teoria de sistemas não se questiona acerca da causa e finalidade, tomando esse conjunto de fatos sociais como se sempre tivessem existido. Não questionar a causa e a finalidade é dar ensejo ao surgimento de uma teoria funcionalista da sociedade que advoga a semelhança entre esta e o corpo humano, no qual cada órgão cumpre uma função no sentido de se alcançar a saúde. No que diz respeito à sociedade seria a saúde social, ou paz social. O modelo funcionalista prega que assim como cuidamos da saúde de um determinado órgão para que ele não afete o todo, devemos cuidar do órgão social para que a paz não seja perturbada. Então se fala em Estado em Crise, e se defende o aperfeiçoamento do Estado. Isso conduz a soluções autoritárias por que engendra modificações nas legislações de controle. Não há Estado em Crise por que os pressupostos básicos de seu funcionamento somente são ameaçados quando há uma revolução ou guerra. Esse tipo de perspectiva oculta as causas reais dos problemas cujos reflexos são sentidos através dos aparelhos do Estado e são consequências de conflitos no âmbito da Sociedade. Uma imagem diz mais: querer consertar o Estado para melhorar a sociedade é querer melhorar o carro cujos pneus estão ruins sem ajeitar as estradas. Essa visão de Estado tem a incumbência de ocultar a realidade. É como querer resolver o problema de hipertensão através de drogas sem resolver as causas do stress.

[6] Um elemento da realidade cuja existência é incontestável e pode servir de base para o raciocínio ou hipóteses (há de pressupor um realismo crítico).

[7] Esse conjunto de fatos entrelaçados forma uma rede, uma malha, uma teia, um sistema, um tecido social. Através de liames (relações) que vão ser mais ou menos densas dependendo de certo contexto: as relações entre o fato religioso e o jurídico são mais densas no Irã que no Brasil.

[8] Dois obstáculos a esse postulado: 1) diferença ontológica entre fato social (existe por que o homem existe) e o natural (existe independente da existência do homem), superada por Émile Durkheim que propõe o postulado da identidade entre fato social e natural quanto à aplicação do método científico.

[9] A ciência dita humana ou do homem que advogue um método dialético, ou compreensivo, ou hermenêutico, vai esbarrar sempre na obrigação de submeter suas teorias ao controle da observação, para evitar a metafísica, as verdades auto evidentes, e termina caindo no falibilismo popperiano. Essa ciência parte do pressuposto de Durkheim de que fato social e fato natural se equivalem enquanto objeto de um método da ciência.

[10] Revoluções, golpes de estado, etc. Outra imagem que pode ajudar: a lógica externa fornece o terreno, o material de construção e os construtores para que seja construída uma casa; esta casa pode ter qualquer forma, mas necessariamente terá que possuir sapata, teto, paredes, e tudo quanto nela ou para ela for feito está adstrito aos parâmetros impostos do terreno, do material de construção, dos construtores...

[11] Se formos estudar o campo interno econômico teremos que construir uma teoria do salário; entretanto essa construção está necessariamente adstrita a leis que regem o campo externo tal qual a do mercado. No campo jurídico podemos pensar em algo do campo interno tal qual a definição de validade da norma jurídica, sem o qual não é possível a ideia de ordenamento jurídico. A definição de validade da norma jurídica é inerente a de ordenamento jurídico, que é inerente a de Estado, que é inerente a uma lógica do Poder Político.

[12] E o econômico, e os outros. Nesse caso há uma redução, ao político, com fulcro na Teoria da Evolução, semelhante à redução ao econômico feita por Marx com fulcro no materialismo dialético. Para além do Político e de Darwin, e enquanto pura especulação, o “medo da morte” de Ernst Becker.

[13] Tipos de poder (em “Política”, de Aristóteles): a) pai sobre o filho (patriarcalismo) – “ex natura”; b) senhor sobre o escravo (despotismo) – punição “ex delicto”; c) governantes sobre governados (poder político) – “ex contractu”.

[14] Características do Poder Político: a) critério da função: o Poder Político é a mente do corpo social; b) critério da finalidade: o Poder Político tem a finalidade de alcançar o bem comum (juízo de valor); c) critério do meio: o Poder Político se caracteriza pela utilização da força (“summa potestas”; poder soberano) que distingue a classe dominante.

[15] Podemos ver que incipiente no tráfico, no cangaço, nas comunidades nos limites das áreas urbanas, nos presídios, as tribos das eras arcaicas têm todos os elementos daquilo que irá constituir o Estado, À EXCEÇÃO DA NORMA GERAL E ABSTRATA.

[16] O Estado é um exemplo de como: a) um instrumento formal pode desenvolver-se ao longo do tempo em complexidade para suprir expectativas em relação ao manejo do Poder; b) algo pode surgir para resolver um problema específico de Poder – somente uma norma jurídica geral e abstrata daria conta de uma população maior, território maior, e complexidade de gestão maior. Uma vez surgido o instrumento se auto alimenta gerando condições para sua sobrevivência. Na verdade não é o instrumento em si, mas, sim, aqueles que o manuseiam.

[17] A categoria filosófica da “vontade” é o fio condutor para entender essa tipologia: na persuasão a vontade adere; no constrangimento, cede sem querer; na sedução, é contra, mas cede querendo; na subjugação aniquila a vontade. Conceito de vontade em São Paulo, sem o qual não haveria livre-arbítrio, inferno, Igreja impondo seu reino.
 
[18] A tendência a dizer que o Direito resolve as coisas é o mesmo que dizer que “o carro” é veloz, ou “o carro foi para a oficina”, ou seja, uma antropoformização para ocultar o verdadeiro sujeito da ação. É como quando o juiz diz: “não fui eu, foi a lei.”

[19] As normas jurídicas que aparentemente são conquistas dos menos favorecidos (do Poder, portanto, mesmo que circunstancialmente) ou aquelas que aparentemente limitam o Poder de quem o detêm são engolfadas pelos mecanismos construídos pela elite dominante – enquanto estratagemas – para assegurar o predomínio na interpretação e na aplicação. Portanto, normas como as que asseguram isonomia somente se tornam eficazes em relação aos hipossuficientes quando estes dão demonstração de força política, o que, convenhamos, é residual.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

(VI) A SAGA DOS FERNANDES DO ALTO OESTE POTIGUAR (continuação)

* Honório de Medeiros

A SAGA DOS FERNANDES VI

Ainda o CAPITÃO CHILDERICO JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ

Como vimos, foi dito que indiscutivelmente o Capitão da Guarda Nacional Childerico José Fernandes de Queiróz, o primeiro dos Childericos com esse nome graças à história de Agostinho Pinto de Queiróz, já contada nestas crônicas, é considerado a encruzilhada na qual se encontram e entrelaçam todas as grandes famílias do Alto Oeste Potiguar.

Antes de abordarmos alguns aspectos alusivos aos seus descendentes, convém lembrar que Childerico I, era primo legítimo de Antônio Fernandes de Queiróz Filho (ou Júnior), o irmão do Major Epiphanio José de Queiróz e do Cônego Bernardino José de Queiróz e Sá.

Antônio Fernandes de Queiróz Filho (ou Júnior) foi o pai de José Antônio de Queiróz (o “Zeco”) que, por sua vez, foi pai de Abílio Fernandes Gurjão, casado com Maria Urcina Fernandes Gurjão, este o pai de Raphael Fernandes Gurjão, que nasceu em Pau dos Ferros, em 24 de janeiro de 1891.

Raphael Fernandes Gurjão formou-se em medicina no Rio de Janeiro, 1912. Clinicou em Mossoró[1], lá se firmou como industrial e comerciante. Foi proprietário do jornal “O Mossoroense” e Prefeito da cidade. Eleito deputado estadual as décimas e décimo-primeira legislatura (1918-1920; 1921-1923) e Deputado Federal (1922), seria eleito vezes seguidas para este cargo até a revolução de 1930.

Foi o primeiro Governador eleito pela Assembleia Legislativa (29 de outubro de 1935) após o período intervencionista de Getúlio. Sua administração foi a mais longa desde o período imperial. Faleceu no Rio de Janeiro, em 11 de junho de 1952.

E Childerico I foi, também, primo legítimo de Joanna Gomes de Oliveira Martins, irmã do Major Epiphanio, do Cônego Bernardino e de Antônio Fernandes de Queiróz Filho (ou Júnior). Joanna Gomes de Oliveira Martins foi casada com Antônio Manoel de Oliveira Martins, e mãe de Rodolpho Fernandes de Oliveira Martins, o herói de Mossoró na luta contra Lampião, em 13 de junho de 1927.

Por intermédio do casamento de sua tia Carolina Gomes da Silveira Fernandes Maia (“Mãe Calola”), irmã de seu pai o Tenente Coronel José Fernandes de Queiróz e Sá, Childerico I ligava-se aos Maia e Rosado, vez que Mãe Calola foi a segunda esposa de Diogo Alves Fernandes Maia, já mencionado nestas crônicas. Mas não somente. Childerico I casou-se, em primeiras núpcias, com Guilhermina Fernandes Maia, filha do primeiro casamento de Diogo Fernandes Maia. Um emaranhado sem igual, que será decifrado melhor mais a frente, pouco a pouco. 

E por intermédio de Diogo Alves Fernandes Maia ligava-se aos Diógenes, posto que a filha dele, Christina Fernandes Maia, foi casada com Napoleão Diógenes Paes Botão, um dos troncos da tradicional família Diógenes do Alto Oeste potiguar.

Continuaremos.

[1] Conforme “Personalidades Históricas do Rio Grande do Norte”; Fundação José Augusto; 1999; Natal, Rn.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

O OURO DA SERRA DAS ALMAS


"Era 1914, início da Primeira Grande Guerra. O bem de maior em todo o mundo estava ao alcance do pai e do futuro sogro de Zé Rufino. Os dois se prepararam para reativar a mina do Cabelo-Não-Tem. Tinham pressa. Compraram ferramentas e animais. Juntaram homens e entraram na Serra das Almas. Na pequena fonte, refrigério de garimpeiros, caçadores e feiticeiros, pararam para saciar a sede. Na água que vertia da raiz da grande árvore, minúsculas bolotas de ouro faiscavam na escuridão da mata. Era a Gruta do Jatobá. Estavam a assuntar locais seguros para acomodações. Mas naquele mundo de encantamentos e assombrações não andaram três braças. Tropeçaram na visão das próprias sombras. NAS BOCAS DE QUINZE ESQUELETOS BRANCOS COMO LOUÇA DEITADOS NA FOSFORECÊNCIA DO SALÃO DE ESTALAGMITES, FAISCAVAM QUINZE DENTADURAS DE OURO.

Sem ninguém saber acontecera o embate de bordunas e espadas nas contas de séculos que restavam acertar na Tromba do Elefante. A morte do amigo Jacob Rabbi fora vingada em 1654 e os despojos da vingança ficaram expostos por 260 anos, para que não pairassem dúvidas acerca de quem foram os vingadores..." 

terça-feira, 19 de julho de 2016

(V) A SAGA DOS FERNANDES DO ALTO OESTE POTIGUAR (continuação)

* Honório de Medeiros


A SAGA DOS FERNANDES V


O CAPITÃO CHILDERICO JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ

Se Mathias Fernandes Ribeiro, de quem era bisneto, posto que este era pai de Maria José do Sacramento, mãe do Tenente Coronel José Fernandes de Queiróz e Sá, e do patriarca José Pinto de Queiróz (da Serrinha), posto que este era pai de Domingos Jorge de Queiróz e Sá, pai do mesmo Tenente Coronel, foram as bases, os alicerces dos Fernandes de Queiróz do Alto Oeste Potiguar, indiscutivelmente o Capitão da Guarda Nacional Childerico José Fernandes de Queiróz, o primeiro dos Childericos com esse nome graças à história de Agostinho Pinto de Queiróz, já contada nestas crônicas, é considerado a encruzilhada na qual se encontram e entrelaçam todas as grandes família dessa região, como há de se ver a seguir.

Childerico I, ou Childerico, o velho, era o primeiro juiz de paz da Vila de Pau dos Ferros lá pelos idos da segunda metade do século XIX. Liderava, então, em Pau dos Ferros, o Partido Liberal, que congregava os Fernandes, em oposição ao Partido Conservador, dominado pela família Rêgo. Childerico I foi personagem de proa no ocorrido em Pau dos Ferros, no ano de 1872, denominado “A Guerra das Telhas”.

O episódio é melhor entendido a partir da correspondência[1], datada de novembro de 1873, endereçada por “Zé das Cangalhas[2] a “Bento Tremelique”[3]:

“Pau dos Ferros, novembro de 1873.

Meu caro Bento Tremelique,

Só agora consegui o seu endereço, graças a uma terceira pessoa conhecedora das correspondências entre você e o Pe. Zé Paulino[4].

Olha, já se passaram mais de dez anos desde aqueles acontecimentos desagradáveis entre você e os Rêgos e neste ínterim, muita coisa mudou e muito aconteceu nesta, agora Vila, Pau dos Ferros de meu Deus. Ou não será dos Fernandes? Quiçá, dos Rêgos? Pois nesta seara, meu bom Tremelique, não mudou nada. Desde a emancipação de Portalegre, em 1856, amparados pelas facções Conservadores e Liberais, eles se alternam no mando.

Uma vergonha, meu caro Tremelique. Vou te expor à vagar.

Primeiro, em 1864 a Câmara foi multada pelo Presidente da Província por não promover as sessões legislativas. A única alegação oferecida pela casa foi a de que seu presidente, Manuel Pereira Leite, encontrava-se foragido da Polícia.

Já no ano passado, nas eleições para Câmara, o caldo esquentou.

Marcada para o primeiro domingo de outubro, se passaram quinze dias sem que nenhum voto fosse tomado.

Não por falta de eleitores, mas porque os Rêgos e os Fernandes não chegavam a um acordo sobre onde instalar a Junta de votação.

Na falta de ajuste, os Rêgos se puseram na dianteira e montaram uma Junta na Matriz de Nossa Senhora da Conceição.

Logo no início, os Fernandes protestaram de irregularidades da mesa. E com razão: o Presidente era apenas 3º Juiz de Paz, e os outros membros, Florêncio do Rego Leite, seu desafeto, e Vicente José de Queiroz não estavam qualificados como eleitores.

A discussão descambou em rixa.

Dentro da Junta Paroquial a maior pancadaria, do lado de fora, na lateral da Igreja, os opositores se enfrentaram às pedradas. Os prejuízos à padroeira, dentro e fora da Matriz, foram imensos.

Sobrados vários feridos, acalmado um pouco, os Rêgos, montaram um cerco armado à Igreja Matriz, só deixando entrar os seus eleitores.

Inconformados, os Fernandes montaram uma outra Junta de votação na Casa da Câmara sobre a presidência do 1º Juiz de Paz, Childerico José Fernandes. Já os Regos, foram terminar a eleição à noite, no Sítio Logradouro, onde, se diz à língua solta, que utilizaram um chapéu como urna.

Em 16 de novembro, a Câmara apreciou o resultado das duas juntas e em sessão presidida pelo Dr. Hemetério Raposo de Melo, por unanimidade de votos, reconheceu a eleição realizada na Casa da Câmara e anulou a eleição realizada na Junta Paroquial.

Em seguida foram diplomados os Vereadores, Ten. Cel Epifânio José de Queiroz, Alferes José Alexandre da Costa Nunes, Manoel Francisco do Nascimento Souza, Manoel Queiroz de Oliveira e Pedro Lopes Cardoso.

Mas não se engane que as coisas morreriam aí.

Os Rêgos recorreram à instância superior e, em 21 de dezembro, o Presidente da Província, por fundamentos não conhecidos, anulou a eleição da Casa da Câmara e deu validade a ocorrida na Igreja Matriz.

Com a mudança, tornaram-se novos Vereadores, Galdino Procópio do Rêgo, João Bernardino da Costa Maya, Noberto do Rêgo Leite, Florêncio do Rêgo Leite (que você conhece muito bem e que nem qualificado como eleitor estava) e João Afonso Batalha.

Apesar do controverso, as coisas continuaram desse jeito até recentemente, quando em 27 de outubro próximo passado, por aviso, o Governo Imperial reconheceu a eleição promovida pela Junta Paroquial.

Bom, meu caro Tremelique, resta-nos esperar que um dia esse país mude, quem sabe se instale uma República e fatos lamentáveis como esses não se repitam.

Mais ainda, que a lateral da Igreja de Nossa Senhora da Conceição não sirva para que eleitores apaixonados se digladiem e, caso se encontrem naquele local quase santo, que batalhem apenas com bandeiras e não como na eleição das pedras.

Do amigo fraterno.

Zé das Cangalhas.”

Childerico I se casou duas vezes. A primeira com Guilhermina Fernandes Maia, filha do primeiro casamento de Diogo Alves Fernandes Maia[5] com Maria Fernandes Maia. Desse casamento nasceram[6]:

1. Adolpho José Fernandes, conhecido por Sinhô, casado com Primitiva Fernandes;

2. Marcionila Fernandes;

3. Childerico José Fernandes Filho;

4. Maria Fernandes Ferreira;

5. Joana Fernandes Ribeiro[7];

6. Levina Fernandes;

7. Guilhermina Fernandes de Queiróz[8];

8. Honorina Fernandes;

9. Francisca Fernandes de Souza[9];

Do seu segundo casamento, com Maria Amélia Fernandes (Dona Marica do João Gomes), filha natural do Padre Bernardino José de Queiróz e Sá e adotiva do Major Epiphanio José Fernandes de Queiróz, teve os seguintes filhos:

1. João Câncio Fernandes;

2. Ernesto Fernandes de Queiróz;

3. Umbelina Fernandes da Silveira;

4. Francisca Fernandes Távora.

Continuaremos.

[1] Em http://saviol.blogspot.com.br/ 

[2] Provavelmente um pseudônimo.

[3] Bento Cavalcanti de Albuquerque Maranhão.

[4] Padre José Paulino do Rêgo Leite. Natural de Pau dos Ferros-RN, nascido em 7 de janeiro de 1818, e filho de Luiz do rego Leite e de Maria da Conceição Leite. Ordenado sacerdote em Olinda-PE, no ano de 1749, por Dom João da Purificação Marques Perdigão. No mesmo ano em que foi ordenado, veio visitar sua família em sua terra natal. De volta a Campina Grande foi acometido de varíola, que grassava naquela época, vindo a falecer na referida cidade, com menos de um ano de sacerdote e muito moço. 

[5] Lembra João Bosco de Queiróz Fernandes, o.a.c., que o segundo casamento de Diogo Alves Fernandes Maia, foi com Carolina Gomes da Silveira Fernandes Maia (Mãe Calola), esta filha do Tenente Coronel José Fernandes de Queiróz e Sá. Diogo Maia era filho Francisco Alves Ferreira Maia, que era irmão de Manoel Alves Ferreira Maia, casado com por duas vezes com netas de Antônio Fernandes Pimenta, irmão de Manoel Fernandes, o pai de Mathias Fernandes Ribeiro. Diogo Maia era descendente do português Francisco Alves Maia, tronco dos Maias (Alves Maia, Ferreira Maia, Maia de Vasconcelos, Fernandes Maia, Rosado Maia, Henriques Maia, Lobo Maia, Maia Saldanha, Maia Suassuna) de Catolé do Rocha e Brejo do Cruz, na Paraíba.

[6] João Bosco de Queiróz Fernandes, o.a.c.

[7] Avó de Calazans Fernandes, autor de “O Guerreiro do Yaco”.

[8] O guerreiro do Yaco.

[9] Bisavó do autor dessas crônicas.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

IV A SAGA DOS FERNANDES DO ALTO OESTE POTIGUAR (continuação)

* Honório de Medeiros

A SAGA DOS FERNANDES IV

O MAJOR EPIPHANIO JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ E O CÔNEGO BERNARDINO JOSÉ DE QUEIRÓZ É SÁ

O Major do Exu, como era conhecido Antônio Fernandes da Silveira Queiróz, era irmão do Tenente Coronel José Fernandes de Queiróz e Sá. Do seu casamento com Joanna Gomes de Amorim, filha do Coronel Agostinho Fernandes de Queiróz e irmã de Margarida Gomes da Silveira, esta esposa do Tenente Coronel José Fernandes de Queiróz, nasceram, dentre outros, o Major Epiphanio José Fernandes de Queiróz (o “Major Epifânio”).

Dá-nos notícias do Major Epiphanio, João Bosco Fernandes[1]. Foi o construtor da Casa-Grande da Fazenda João Gomes, “gigantesca estrutura de pedra e cal, que serviu de residência dos pioneiros, reflete o clima de guerra da colonização e os sonhos medievais dos colonizadores. No alto do promontório, de onde a visão abarca o horizonte em todas as latitudes, sobre o maciço do calcário do sangradouro do açudão destinado a resistir a secas e enchentes, na segunda metade do século XIX[2]”, o Major Epiphanio levou sete anos na construção da casa de paredes e janelas fortificadas, de tão afamada memória, uma das três ou quatro maiores do Alto-Oeste, todas do mesmo período. Deveria ser tombada. Líder político, social religioso em Pau dos Ferros. Casou-se com Francisca Romana de Queiróz, filha do Tenente Coronel José Fernandes de Queiróz e Sá, e nela foi morar com o Padre Bernardino José[3], seu irmão. Faleceu em 8 de dezembro de 1884. 

Bem como Calazans Fernandes[4], em seu romance histórico acerca de Childerico Fernandes, o segundo, pondo no papel aquilo que era sabido pelos Fernandes do Alto Oeste, mas somente comentado à boca pequena. Conta-nos Calazans: “Sobre as ruínas da Guerra dos Bárbaros, a mais cruenta da colonização nordestina entre colonos e índios, os dois irmãos[5] fundaram paróquias, construíram igrejas, açudes e a fortaleza onde morar.”

Prossegue Calazans: “O padre, dono de uma biografia no estilo dos desbravadores do cristianismo, exerceu o paroquiato de 1849 a 1884[6], foi deputado provincial de 1868 a 1881 pelo Partido Liberal, animou vocações sacerdotais de dezenas de jovens sertanejos ordenados no Maranhão, em Olinda e Roma e tão ou mais fecundo que o pai, realizou homéricas proezas genésicas na intimidade do casarão de João Gomes, que foi sendo coabitado por bem nutridas meninas, nascidas uma por ano, sempre mulher.”

Continua: “As meninas, de quem nem sempre as mães eram conhecidas, nasciam com o gene do padre na testa e, ao aprenderem a falar, antes de qualquer outra palavra, chamavam pelo papai Bernardino, enquanto o irmão Major vivia a melancolia de um casamento estéril, a dividir com o irmão celibatário os intrincados segredos de coexistência no amor, a que os desvãos da casa tão grande davam guarida.”

A primogênita do Padre teve melhor sorte que as outras, cujo rastro se perdeu no pó do tempo. Chamava-se Maria Amélia, foi adotada por seu tio Epiphanio, que a fez herdeira única de João Gomes. Quando o Major Epiphanio morreu, em 8 de dezembro de 1884, a deixou adolescente e casada com seu cunhado então viúvo, Childerico José Fernandes de Queiróz, o primeiro, filho do Tenente Coronel José Fernandes de Queiroz e Sá.

Rezam as lendas do Sertão do Alto Oeste que “a festança saiu conforme a encomenda[7]. Varou três dias e três noites e dela continuariam falando as novas gerações. A parentada das ribeiras mais distantes compareceu em peso e seus presentes chegaram andando nas próprias pernas, pela estrada da boiada.”

“Do fundo dos 180 baús dos sótãos do casarão, que por tantos anos fora o santuário de pedra e cal do celibato do padre Bernardino, saíram 180 redes, 180 lençóis, 180 lamparinas e 180 urinóis para o conforto dos convivas.”

É acerca do Capitão da Guarda Nacional Childerico José Fernandes de Queiróz de quem se trata na próxima crônica.

[1] “Memorial de Família”, o.a.c. 

[2] Calazans Fernandes, o.a.c. 

[3] O Cônego Bernardino José de Queiróz e Sá nasceu em Pau dos Ferros, Rn, em 20 de agosto de 1820, e ordenou-se em São Luiz do Maranhão, em 1846. Faleceu em 7 de outubro de 1884. Seus restos mortais repousam em túmulo localizado atrás da igreja matriz de Pau dos Ferros. Ele construiu a primeira capela na antiga povoação de Passagem do Feijó, que originou Marcelino Vieira. 

[4] “O Guerreiro do Yaco”, o.a.c. 

[5] O Major Epiphanio e o Padre Bernardino.

[6] Em Pau dos Ferros.

[7] Calazans Fernandes, o.a.c.

domingo, 17 de julho de 2016

III A SAGA DOS FERNANDES DO ALTO OESTE POTIGUAR (continuação)

* Honório de Medeiros


A SAGA DOS FERNANDES III


O TENENTE CORONEL JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ E SÁ


Como vimos, Domingos Jorge de Queiróz e Sá foi irmão de Agostinho Pinto de Queiróz, depois Agostinho Fernandes de Queiróz, ambos filhos do português José Pinto de Queiróz. Domingos casou-se com Maria José do Sacramento, filha de Mathias Fernandes Ribeiro e teve, dentre outros, o Cônego Pedro Fernandes de Queiróz, deputado provincial em três legislaturas[1] (1835/1837, 1838/1840, 1845/1847), que faleceu em Pernambuco, no ano de 1875, e o Tenente Coronel de Batalhão José Fernandes de Queiróz e Sá.

O Tenente Coronel casou-se com sua prima Margarida Gomes da Silveira, filha do Coronel Agostinho Pinto de Queiróz. É ele a raiz dos Fernandes Queiróz de Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte. Percebe-se sua importância, na época, a partir do seguinte texto[2]:

“Em 28 de fevereiro de 1851 o jornal “A Imprensa”, do Rio de Janeiro, ao transcrever longa correspondência oriunda do Rio Grande do Norte, na qual se relatam as perseguições supostamente sofridas pelos “sulistas” no âmbito do município do Açu, dá-se conta de uma apreensão ilegal, feita pela polícia “nortista” da cidade, de correspondência encaminhada por líderes liberais lá residentes ao Coronel José Fernandes de Queirós e Sá[3], líder político em Pau dos Ferros, informando-o “sobre plano de assassinato tentado contra o Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti”.

“Na mesma correspondência é transcrito Mandado expedido pelo Juiz Municipal de Assu com o seguinte teor[4]:

“Mando a qualquer oficial de justiça a quem este for apresentado, indo por mim assinado, em seu cumprimento varegem a casa do tenente coronel Manoel Lins Caldas, e capturem os réus José Brilhante e José Calado, que segundo a notícia dada a este juízo ali se acham no intuito de assassinarem o Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti” (...).

“Em 30 de janeiro de 1852 o “Correio da Tarde” transcreve, em sua “Parte Oficial”, correspondência do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, José Joaquim da Cunha[5] ao Ministro da Justiça Eusébio de Queiróz Mattoso Câmara informando-o acerca da prisão de José Brilhante de Alencar e “mais oito dos seus sequazes” por “Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti e outras autoridades combinadas” que “convocando gente armada, e reunindo-lhes as praças do destacamento de primeira linha, ali estacionado, no dia 21 de novembro[6] último” os atacaram na “Casa de Pedra” e depois de “um fogo vivo não tiveram os insurgentes outro remédio senão render-se.” A mesma notícia foi divulgada pelo “Diário do Rio de Janeiro”.

Observe-se que nas Províncias[7], como reflexo das ideias e tendências desses partidos nacionais[8], os partidos políticos se uniam em dois agrupamentos: Nortistas (também chamados de saquaremas) e Sulistas (ou Luzias). Essas denominações locais de nortistas e sulistas, ou saquaremas e luzias, como também eram usadas, não significavam, todavia, organizações homogêneas. Com programas semelhantes e processos idênticos, não possuíam nenhuma característica fundamental. A atuação política dos mesmos estendeu-se até 1853, quando começaram a desaparecer, após a política de conciliação. As denominações locais foram, então, pelos nomes dos partidos Conservador (originado do Nortista) e Liberal (originado do Sulista), que se mantiveram até a queda do Império.

Se o Tenente Coronel José Fernandes de Queiróz e Sá é a raiz dos Fernandes Queiróz de Pau dos Ferros, indiscutivelmente seu filho Childerico José Fernandes de Queiróz é o tronco.

ANTÔNIO FERNANDES DA SILVEIRA QUEIRÓZ (o “Major do Exu”)

O Major do Exu, como era conhecido Antônio Fernandes da Silveira Queiróz, era irmão do Tenente Coronel José Fernandes de Queiróz e Sá. Do seu casamento com Joanna Gomes de Amorim, filha do Coronel Agostinho Fernandes de Queiróz e irmã de Margarida Gomes da Silveira, esposa do Tenente Coronel José Fernandes de Queiróz, nasceram, dentre outros, o Major Epiphanio José Fernandes de Queiróz (o “Major Epifânio”), e o Cônego Bernardino José de Queiróz e Sá, acerca de quem trataremos em crônicas próximas, juntamente com Childerico José Fernandes de Queiróz, deles primo legítimo.

[1] Conforme João Bosco Fernandes, o.a.c. 

[2] “Histórias de Cangaceiros e Coronéis”, Honório de Medeiros, Sebo Vermelho Edições, 2015, Natal, Rn. 

[3] Tetravô do Autor. 

[4] Com grafia atual.

[5] Conservador. 

[6] De 1851. 

[7] Segundo Reinado.

[8] Conservador e Liberal. 


sexta-feira, 15 de julho de 2016

II A SAGA DOS FERNANDES DO ALTO OESTE POTIGUAR (continuação)

* Honório de Medeiros

A SAGA DOS FERNANDES II

AGOSTINHO PINTO DE QUEIRÓZ, DEPOIS AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ

Agostinho Pinto de Queiróz, depois Agostinho Fernandes de Queiróz, era filho do português José Pinto de Queiróz, o patriarca de Serrinha dos Pintos, e Anna Martins de Lacerda, irmã de Joanna Martins de Lacerda esta, por sua vez, esposa do também português Manoel Fernandes e pais de Mathias Fernandes Ribeiro, acerca de quem discorremos na crônica anterior.

Agostinho nasceu em Martins, no Rio Grande do Norte, em 21 de abril de 1780, e faleceu em 6 de março de 1866. Casou-se com Francisca Romana do Sacramento[1], filha de Mathias Fernandes Ribeiro. Desse casamento originaram-se os Fernandes de Queiróz no Alto Oeste potiguar. 

Foi um homem notável, em sua época. Revolucionário em 1817, encarcerado na Bahia de 1817 a 1822, quando foi anistiado[2]. Em 1832 combateu Pinto Madeira na fronteira com o Ceará. Manoel Onofre Jr.[3] Nos conta, citando Nestor Lima, que por terem fugido do batalhão por ele comandado “dois soldados, Patrício e Felizardo (...), o comandante mandou prendê-los e sumariamente fuzilá-los por deserção. Foi, por isso, julgado e condenado, mas a condenação prescreveu, porque nunca foi executada, e ele sempre residiu na serra”.

Logo após o combate, escreveu ao Governador da Província do Rio Grande do Norte pedindo para trocar o sobrenome “Pinto” por “Fernandes”, da família de sua esposa. Em 27 de fevereiro de 1842 passou a ser o primeiro Presidente da Câmara Municipal (Intendente) da Vila de Maioridade (atual Martins).

Tavares de Lira[4] nos diz que “Quando o saudoso desembargador Vicente de Lemos fazia a remodelação do Arquivo da Secretaria do Governo, encontrou a prova documental desse fato e a entregou a um bisneto daquele revolucionário, o qual asseverava:

“Quartel de Portalegre, 7 de maio de 1832.
Ilmo. e Exmo. Snr. Presid. da Prov. do Rio Grde. do Norte,
JOAQUIM VIEIRA DA SILVA E SOUZA

Tenho em mta. consideração o Respeitável ofício de V. Excia., de 7 de maio p.p., e de toudo conteúdo estou certo a dar sua devida execução.

Deus guarde V. Excia. mO amO.

L.S. Sempre foi o meu Velaxo de PINTOS, como tenho excomungado o PINTO MADRa., mudei o meu Velaxo deora indeante pa. FERNANDES.

Tente. Coronel

AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ[5].” 

Em 1838, o regente do Império nomeou-o um dos Vice-Presidentes da Província do Rio Grande do Norte.

Câmara Cascudo[6] relata que de Agostinho vem uma tradição comovente: “Prisioneiro na cadeia da Baía, Agostinho teve um grande amigo na pessoa de um oficial chamado Childerico. Dispensa de serviços, melhoria na alimentação, livros para ler, notícias de Martins, tudo Childerico arranjava. Indultado, Agostinho Pinto de Queiróz fez a singular promessa de manter na família o nome daquele a quem devia tantos obséquios. Até hoje, há mais de cem anos, a família Fernandes cumpre a imposição emocional de seu antigo chefe. Há sempre vários Childericos, nomes de reis merovíngios, entre os sertanejos norte rio grandenses.”

Agostinho Pinto de Queiróz ou Agostinho Pinto Fernandes foi irmão de Domingos Jorge de Queiróz e Sá, que se casou com Maria José do Sacramento, irmã de Francisca Romana do Sacramento, ambas filhas de Mathias Fernandes Ribeiro. Domingos teve quatorze filhos, dentre eles Antônio Fernandes da Silveira Queiróz (o Major do Exu), o Cônego Pedro Fernandes de Queiróz, deputado provincial em três legislaturas (1835/1837, 1838/1840, 1845/1847) e o Tenente Coronel de Batalhão José Fernandes de Queiróz e Sá.

O casamento do Major do Exu com sua prima Joanna Gomes de Amorim, filha do Coronel Agostinho Fernandes de Queiróz, Belarmina Martins de Lacerda e Joana Fernandes de Lacerda, estas últimas sobrinhas, filhas da Irmã Silvana Martins de Lacerda rendeu-lhe dezessete filhos, dos quais Epiphanio José Fernandes de Queiróz (Major Epiphanio), Antônio Fernandes de Queiróz Filho, e o Cônego Bernardino José de Queiróz e Sá, de quem trataremos nas próximas crônicas.

[1] Segundo João Bosco Fernandes, o.a.c., ela era a filha primogênita de Mathias Fernandes Ribeiro.

[2] Em Natal a revolução se mantivera de 29 de março a 25 de abril de 1817, encerrando-se com o assassinato do comandante André de Albuquerque. 

[3] “MARTINS A Cidade e a Serra”; 3ª edição; Sebo Vermelho; Natal, Rn. 

[4] “História do Rio Grande do Norte”. 

[5] Conforme “A República”, Natal, Rn, 30 de abril de 1926. 

[6] Citado em “O Guerreiro do Yaco”, de Calazans Fernandes.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

I A SAGA DOS FERNANDES DO ALTO OESTE POTIGUAR

* Honório de Medeiros


A SAGA DOS FERNANDES I


MATHIAS FERNANDES RIBEIRO, A RAIZ.

Consta[1] que em 7 de janeiro de 1742, sob a justificativa de que era descobridor das terras e morador da Capitania do Rio Grande do Norte, solicitou Francisco Martins Rodrigues uma concessão no Sítio Telha, Ribeira do Apodi.

Alegou que pretendia criar gado, lavrar, tinha gado cavalar e vacum. Requereu as terras para si e seus herdeiros, isenção de pagamento de foro, de pagamento de pensão, oferecendo-se para pagar somente o dízimo.

A terra pretendida localizava-se na ribeira do Apodi, e seguia em direção a Serra que se encontrava no Sitio Telha. Tinha como ponto central a LAGOA DO INGÁ[2] e o olho d’água Tabocas, nas confrontações da Lagoa de São João. Na carta não há referência à direção em que a Lagoa São João confrontava com tais terras, dessa forma foi atribuído como ponto cardeal Norte a dita Lagoa. 

A solicitação foi deferida como Data de Sesmaria. É o que se lê no Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN - Fundo Sesmarias), Livro IV, n. 303, fls. 87-88. A data da concessão é 1º de março de 1742 e a autoridade que a concedeu o Capitão Mor Francisco Xavier de Miranda Henriques. 

Nos registros da Plataforma observa-se que a Carta apresentou como exigência que o suplicante registrasse a sesmaria que lhe foi concedida. Acredita-se que isso não aconteceu conforme ordenou o Capitão-Mor, pois o documento não possui a indicação do local, nem da data, nem do escrivão responsável pelo registro. Contudo sabe-se que a carta de sesmaria foi registrada de alguma forma, visto que a mesma existe no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Tendo em vista todas essas informações, retifique-se, pois, o nome do fundador de Martins. Seu nome não era Francisco Martins Roriz, falecido em 1796, que se fixou na Serra da Conceição[3] em 1742. O verdadeiro nome do povoador de Martins era Francisco Martins Rodrigues[4]. 

Acerca de Francisco Martins Rodrigues quase nada se sabe, exceto o que foi exposto acima. É da tradição que tenha se casado com Micaela, que teve morte trágica, decorrente de distúrbios mentais. 

Conta-se que tendo desaparecido de casa, duas semanas após buscas incessantes Francisco Martins Rodrigues prometeu que onde fosse ela encontrada, no local construiria uma capela consagrada à Virgem do Rosário. Encontraram-na às margens da Lagoa do Ingá e a promessa foi cumprida originando-se, dessa construção, a futura cidade do Martins. É de se lembrar a lenda que atribui a morte de Micaela aos índios tapuias-janduís.

Do casamento de Francisco Martins Rodrigues com Micaela é comprovado que teve uma filha denominada Maria Gomes de Oliveira Martins. Esta se casou com Mathias Fernandes Ribeiro, e do casamento entre eles surgiram todos os Fernandes do Alto Oeste Potiguar e outras famílias. Mais precisamente: os Fernandes de Queiróz e Fernandes de Oliveira, radicados em Pau dos Ferros, Martins, Mossoró, Natal, Ceará, Paraíba e alguns estados do Sul; os Moreira Pinto, Moreira da Silveira e Gomes da Silveira, radicados em Tenente Ananias, Sousa, Cajazeiras, Uiraúna, São João do Rio do Peixe e Ceará; os Claudino Fernandes, Fernandes Moreira e Correia de Queiroga, radicados em Luiz Gomes, Tenente Ananias, Sousa, Uiraúna, Cajazeiras, João Pessoa e Terezina; os Vieira da Silva, Vieira Coelho e Fernandes Vieira, radicados em Tenente Ananias, Uiraúna e Sousa; os Maia, Fernandes Maia, Rosado Maia, Fernandes Lopes e Fernandes Pimenta, radicados em Catolé do Rocha, Mamanguape, João Pessoa, Marcelino Vieira, Pau dos Ferros, Martins, Mossoró, Natal e Ceará.

Mathias Fernandes Ribeiro[5], nascido pela década de 1750, era filho de Joanna Martins de Lacerda[6] e Manoel Fernandes[7] e, pelo casamento, foi herdeiro do fundador de Martins. Residia no Sítio Cruz D’Alma, naquela cidade, embora tivesse como sede dos seus negócios a fazenda “Curral Velho”, distante poucos quilômetros da cidade de Pau dos Ferros.

Foi um dos homens mais ricos do seu tempo. Seu inventário concluiu-se em 1.830, ano do seu falecimento, e relaciona como sendo de sua propriedade, além de escravos, ouro, gado e prataria, as propriedades “Cruz D’Alma”, “Curral Velho”, “Saco”, “Santiago”, “Saco Grande”, “Passarinho”, “Passagem de Onça”, “Gurjão”, “Arapuá”, “Coito”, e “Estrela”. O inventário registrou um total de sessenta e um conto de réis como monte-mor. Uma fortuna imensa. 

Registre-se que seu inventário desapareceu misteriosamente. Calazans Fernandes[8] comenta que a última vez a ser visto o inventário de Mathias Fernandes Ribeiro ele estava nas mãos do Major Antônio Fernandes da Silveira Queiróz, o “Major do Exu”, um dos senhores da Serrinha dos Pintos, no ano da morte deste, em 1865. O Major era filho de Domingos Jorge de Queiróz e Sá e neto de José Pinto de Queiróz e Anna Martins de Lacerda, Joanna Martins de Lacerda, filha de Francisco Costa Passos e Violante Martins de Lacerda, casada com o português Manoel Fernandes, e mãe de Mathias Fernandes Ribeiro, a raiz, era irmã de Anna Martins de Lacerda que, por sua vez, casou-se com José Pinto de Queiróz, de Serrinha, atual Serrinha dos Pintos em homenagem a José e a família que ele originou.

Do casamento de Anna com José nasceu Agostinho Fernandes de Queirós, personagem emblemático, cujo esboço biográfico será apresentado na próxima crônica.

[1] Plataforma S.I.L.B. (Sesmarias do Império Luso-Brasileiro) - http://www.silb.cchla.ufrn.br/sesmaria/RN%200504

[2] No coração de Martins.

[3] Como era conhecida a Serra do Martins na época do pedido da Sesmaria.

[4] Nesse erro incorre, por exemplo, João Bosco Fernandes, em seu “Memorial de Família – Pesquisa Genealógica”, do qual nos valemos em sua 1ª edição, 1.994, Halley S/A – Gráfica e Editora, Teresina, Piauí. Há controvérsias, porém. Na cópia da Carta de Data e Sesmaria da Telha, pinçada do "Sesmarias do Rio Grande do Norte", publicada por Vingt-Un Rosado, lê-se, claramente, "Francisco Martins Roiz", não Roriz. Saliente-se que no século XVIII, era muito comum usar-se "Roiz" como abreviação de "Rodrigues". "Roiz é tanto quanto tenho verificado nos registos paroquiais, a abreviatura de Rodrigues", lê-se em "http://geneall.net/pt/forum/829/familia-roiz/". Ainda: "normalmente estes registos tinham lateralmente o nome próprio seguido de Roiz e quandos se lê o registo, verifica-se ser Rodrigues o apelido. No entanto poderá haver famílias que adaptaram esta abreviatura como apelido." Uma coisa é certa: Roriz é que não está correto.

[5] João Bosco Fernandes, o.a.c. Calazans Fernandes, em “O Guerreiro do Yaco”, Fundação José Augusto; 2002; Natal, Rn, levanta a possibilidade de Mathias Fernandes Ribeiro ser filho de Francisco da Costa Passos e ter ou não nascido em Portugal.

[6] Segundo João Bosco Fernandes, o.a.c., Joanna Martins de Lacerda era filha de Francisco da Costa Passos e Violante Martins, residentes na antiga freguesia de São João Batista da Vila de Princesa, hoje Açu, Rn. Há registros de que seriam de Goiana, Pernambuco (Livro de Registro de Batizados da Paróquia de Missão Velha, Ceará, período 1748-1764, folhas 3 v). Ver obra “Povoamento e Povoadores do Cariri cearense”, de Joaryvar Macedo. Ainda acerca de Joanna Martins de Lacerda, ver o inventário de José Pinto de Queiróz, falecido em 25 de novembro de 1780, processado em 1781. 

[7] João Bosco Fernandes, o.a.c. O Cap. Mathias Fernandes Ribeiro, nascido na década de 1750, na freguesia de São João Batista da Vila de Princesa (Açu, Rn), era filho de Joanna Martins de Lacerda e Manoel Fernandes. Joanna Martins de Lacerda, por sua vez, era filha de Francisco da Costa Passos e Violante Martins, ambos de Goiana, Pe, residentes em Açu, Rn, onde deixaram numerosa descendência. Manoel Fernandes, segundo a revista nº 102, volumes XVIII e XIX, dos anos 1920-1921, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), seria procedente da Vila de Faral, região do Douro, norte de Portugal, princípios do século XVIII. Um seu irmão, com ele vindo, Antônio Fernandes, alcunhado Pimenta, originou os Fernandes Pimenta de Caraúbas, Rn, e Mamanguape, Pb. Outro, possivelmente primo, Francisco Fernandes, tomou o rumo do Ceará e originou os Fernandes Távora. Calazans Fernandes, em obra citada, informa que Manuel Fernandes e um filho tornaram-se concessionários, no Governo Jerônymo José de Melo e Castro (Pb), em 1790, das sesmarias 375 e 972, de três léguas de comprimento por uma de largura cada, localizadas respectivamente na Várzea do Mulungu (Rn) e Serra do Coité, extremas da Fazenda Bom Jesus, Seridó paraibano. 

[8] Em “O Guerreiro do Yaco”, Fundação José Augusto; 2002; Natal, Rn.