quinta-feira, 23 de junho de 2016

A ARENA DAS DUNAS E A TEORIA DO BOLO ECONÔMICO

"Arena das Dunas acumula R$ 35 milhões em prejuízos desde a inauguração


Por Rodrigo Capelo / Época

A Arena das Dunas, cuja administração foi concedida pelo governo do Rio Grande do Norte para a OAS por 20 anos, teve seu segundo ano consecutivo no vermelho em 2015. O estádio teve prejuízos operacionais de R$ 16 milhões e R$ 19 milhões, respectivamente, nas duas temporadas desde a inauguração, em 22 de janeiro de 2014.

As receitas chegaram a R$ 6,9 milhões em 2015, mas continuam muito abaixo das despesas, em R$ 23 milhões. O cálculo, aqui, desconsidera os repasses de dinheiro feitos pelo governo potiguar para remunerar a construção do estádio, orçada em R$ 400 milhões.

Ao olhar apenas para receitas e despesas é possível notar a saúde financeira de uma empresa, como a criada pela OAS para administrar a Arena das Dunas, que vai mal. E o cálculo fica muito pior se forem considerados impostos sobre a receita e despesas financeiras, como pagamentos de juros a bancos, ambos negativos."

Fonte: Blog do BG, em 23 de junho de 2016.

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Em 4 de abril de 2011 publiquei, acerca da "Arena das Dunas", o seguinte artigo, neste blog:


Honório de Medeiros

Quando os poucos que têm muito comem tudo, deixando os farelos para os muitos que têm pouco.

Desde que Goebbels lançou o mote “de tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade”, em contrapartida para alguns poucos argutos observadores da realidade ficou fácil identificar esse lugar-comum na retórica usada pela elite predadora quando concretiza o processo de iludir o “Zé Povinho”.

É o caso, por exemplo, da Teoria do Bolo Econômico – “primeiro crescer, depois repartir”, popularizada nos anos 70 do século passado, aqui no Brasil, por ninguém menos que Delfim Neto.

Aliás, esse processo de iludir é um dos meios por intermédio dos quais o jogo do poder é jogado pela elite predadora configurando, assim, o retrato em negativo da seleção dos mais aptos – em certo momento específico da história – conforme pensado por Herbert Spencer na esteira do pensamento darwiniano, jogo esse bancado via estratagemas, ou seja, idéias que são usadas retoricamente para obter e, uma vez obtida, prolongar a exploração do “Zé Povinho”.

No caso da “teoria do bolo econômico” tal idéia, uma vez surgida, qual “meme” - um análogo cultural do gene na genética -, como descrito por outro darwiniano, Richard Dawkins, terá uma sobrevida útil proporcional à nossa incapacidade em destruí-la. Na verdade esse “meme” vai, por sua vez, se replicar infinitamente em ambiente fértil, qual seja aquele formado por pessoas sem escrúpulos mais os inocentes úteis.

Em outras palavras, mas mantendo o mesmo sentido, assim é que uma idéia econômica – fruto da mais ilegítima elite predadora – nasce, sobrevive e vem constituindo, desde então, o arsenal que a elite predadora usa para explorar, seja porque não tem noção daquilo do qual está fazendo parte, seja por puro cinismo, deliberadamente. É a teoria do bolo econômico. Para os defensores da Teoria do Bolo Econômico, quanto mais ele crescer, mais pessoas comem.

Como essa idéia funciona na prática? Funciona assim: alguns predadores internacionais precisam fazer o dinheiro circular voltando para o ponto de partida mais robusto, bem mais gordo: nasce, então a noção de Uma Grande Obra, constituída obviamente pelo conjunto de várias outras obras menores, quase sempre em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Por exemplo: uma “Copa do Mundo de Futebol” em algum País cuja infra-estrutura física não esteja pronta para o evento, tal como qualquer um do Oriente Médio, África ou mesmo o Brasil. O Brasil, sejamos mais claros, foi escolhido a dedo a partir de parâmetros muito bem definidos, dentre eles a possibilidade da circulação de idéias e capital sem grandes obstáculos que atrapalhem os negócios.

Feito isso começa um imenso e lucrativo trabalho, para toda a elite predatória envolvida no “Grande Projeto”, de arrebanhamento dos “corações e mentes”. É onde entra toda a cadeia alimentar da qual ficarão fora apenas as piabas, por razões ululantes, constituída pela “mídia famélica”, os políticos de sempre, os empreiteiros, ah! os empreiteiros, a arraia-miúda que tal quais os peixes-pilotos se alimentam com as sobras dos tubarões, e até mesmo, pasmemos juntos, os intelectuais orgânicos, aqueles sem espinha dorsal, que vivem se contorcendo para prestarem serviços vendendo argumentos: convencer os basbaques, como no caso do Rio Grande do Norte, acerca da importância indizível, pela magnitude, da tal “Arena das Dunas”, para o progresso econômico do nosso Estado.

Desenvolvimento para quem? O Estado não existe, é uma hipostasia; o Estado sou eu, é você, somos nós. Ninguém fala pelo Estado. Ninguém.

Lê-se, por exemplo, na mídia incauta, que “A Grande Obra” é importante para sanear a malha viária. Qual malha viária? A de Mossoró? A de Caicó? A de Pau dos Ferros? Ora, convenhamos, “a malha viária”, enquanto as delegacias de polícia, no interior e na capital não têm computador, papel, armas, carros, homens... Lê-se, também, na mídia inocente inútil, que “a Grande Obra” vai gerar muitos e muitos empregos. Sabemos que empregos são esses: sazonais. Desaparecem quais pipoqueiros e vendedores de cachorro quente em final de festa de padroeira. O grosso do dinheiro, aquele que realmente importa, esse já foi embora em busca de outros nichos a serem predatoriamente explorados.

Essa é a lógica do capital. Uma vez comprada a idéia, ou seja, o investimento, imediatamente os investidores entram na luta com um discurso uníssono: “a Grande Obra” é fundamental para o desenvolvimento do Estado, e quem for contra ela é contra o Estado. O mote do velho Goebbels entrou em ação.

Não há muito mais a dizer agora exceto que se trata de uma luta vã essa contra o desperdício do nosso dinheiro. Os poucos irridentes contrários à farsa que se desenrola impávida e colossal não dispõem de meios à altura dos adversários para sublevar os “corações e mentes”. Não têm como comprometer os aparelhos do Estado: Legislativo, Judiciário e Executivo, nessa sublevação. Talvez se faça presente a voz solitária do Ministério Público. Duvido. Não podem massificar a informação que a historia oferece gratuitamente a quem souber procurá-la, de que grandes obras não valem por si só, que o digam os milhares de “elefantes brancos” existentes mundo afora. Consultem o Google, aqueles que não crêem. Não podem apontar o exemplo dos países sérios, como os escandinavos. Praticamente não têm como fazer a defesa de investimentos maciços em políticas públicas na educação, saúde e segurança. Em quais veículos de massa irão falar em Amartya Senn e seu trabalho acerca de “Desenvolvimento como Liberdade”? Liberdade esta que se confunde com segurança, saúde, educação...

Infelizmente o exemplo dos países civilizados nos quais a Sociedade escolhe, primeiramente, suas políticas públicas, para em seguida e se for o caso, construir a obra necessária para implementá-la, não tem como ser apresentado aos norte-rio-grandenses imensamente carentes de saúde, segurança, educação. Pois que não haja dúvidas: se consulta popular houvesse era assim que nosso povo disporia seus recursos.

Chega a ser doloroso: muito embora seu dinheiro banque o bolo que poucos, que têm muito, irão comer à farta, para os muito que têm pouco sobrarão apenas as migalhas.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

ALGUMAS MULHERES ANDAM SE QUEIXANDO DOS HOMENS

* Honório de Medeiros


As mulheres que não são lésbicas, tampouco simpatizantes, andam se queixando dos homens. Dizem elas que o mercado masculino heterossexual anda meio escasso. Dividem esse segmento em duas categorias: os que prestam e os que não prestam. Os primeiros estão casados ou comprometidos e são defendidos por suas companheiras com unhas e dentes - conduta típica de época de escassez; os outros se subdividiriam em duas categorias: fora-do-mercado (velhice enxerida, etc.) ou casados (juntos, amigados, amancebados) inconvenientes, e o restante, que somente quer saber de se divertir e estando por cima da carne-seca, como se diz no Sertão, porque são poucos, pintam e bordam por tudo quanto é canto, com todas, e nada de compromisso sério. Autodenominam-se de "poliamorosos". Ou seja, querem tratar as meninas casadouras como se elas fossem da brincadeira. 


É, parece que o negócio tá mesmo difícil... 

quarta-feira, 8 de junho de 2016

APRENDER A APRENDER

* Honório de Medeiros

1) APRENDEMOS quando nos defrontamos com um problema, qualquer que seja ele; como lembra Popper, "cada problema surge da descoberta de que algo não está em ordem com nosso suposto conhecimento; ou examinado logicamente, da descoberta de uma contradição interna entre nosso suposto conhecimento e os fatos; ou, declarado talvez mais corretamente, da descoberta de uma contradição aparente entre nosso suposto conhecimento e os supostos fatos.."

a) ESSE problema pode ser inesperado (não por outra razão a sabedoria popular diz: “a necessidade é a mãe da invenção);

b) PODE ser provocado:

b.1) QUANDO problematizamos as coisas e/ou os fenômenos (como disse Gaston Bachelard, “O conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão”);

b.1.1) POR intermédio da contra-argumentação, utilizando o contraexemplo;

b.1.2) POR intermédio do uso da técnica jornalística: o quê, quem, quando, onde, por que e para quê.

2) QUALQUER problema é, antes de tudo, uma questão do espírito (intelectual), mesmo no trabalho puramente mecânico.

3) ELABORAMOS teorias que são soluções provisórias a serem testadas para resolver esses problemas:

a) O teste dirá se erramos ou acertamos;

b) O erro nos ensina, posto que não precisamos mais trilhar o mesmo caminho já tentado.

4) SE aprendemos quando nos deparamos com um problema, há um conhecimento que o antecede e nos permite identificá-lo.

5) SE o conhecimento é retificável, é evolutivo, no sentido de que caminha sempre do mais simples para o mais complexo.

6) O conhecimento pode, então, ser compreendido como um “vir-a-ser” de complexidade cada vez mais fecunda.

7) A recusa em aceitar essa contradição entre nosso conhecimento e os fatos (coisas e/ou fenômenos) conduz a neuroses. Aqui se compreenda essa recusa como uma fuga do problema com o qual alguém se defrontou.

8) O "como" dizemos a nós mesmos, ou aos outros, o que aprendemos é papel da Retórica: podemos ser convencidos ou seduzidos, convencer ou seduzir.

9) NÃO é possível comparar INFORMAÇÃO com CONHECIMENTO; quando conheço, estou informado, mas, nem sempre, quando estou informado, conheço. Posso estar informado de algo sem compreendê-lo.

10) COMPREENDER está além de meramente conhecer: situa no mesmo problema o conhecedor e o objeto a conhecer, no tempo e espaço.

terça-feira, 7 de junho de 2016

DE QUEM É ESTRANHO OU INTRUSO NO JOGO DO PODER


* Honório de Medeiros


Poderíamos denominá-los outsiders nos lembrando do sociólogo alemão Norbert Elias cujas obras, que estudaram as relações entre Poder e Conhecimento, permaneceram marginais (à margem) até os anos 70, quando, então, se tornaram muito influentes. Elias, autor de “O Processo Civilizatório”, reintroduziu na discussão intelectual moderna, graças a sua concepção de “redes sociais”, a importância da ação individual na história. Talvez o conceito do sociólogo judeu-alemão não abarque aqueles que irei mencionar, mesmo tangencialmente. Não importa. Vou me apropriar do nome.

Outsiders, conforme o significado etimológico que o Dicionário Estudantil, o Michaelis, lhe atribui: s. estranho, intruso.

Estranhos às relações de Poder que estruturam essa hipostasia que é o Estado, ao sistema, ao Poder – e sua entourage - para quem, eventualmente trabalhe, por não confundir relação de trabalho com relação pessoal; à idéia de franquear sua intimidade ao detentor do Poder e seus sistemas de cooptação; a bajulação; a omissão no que diz respeito à discordância, se preciso for, quanto às idéias e/ou ações; à conformação própria de uma oposição branda para demarcar posições; ao jogo do Poder e ao Poder do jogo do Poder; à atitude de marcar presença física para ser visto e lembrado como alguém da “corte”; à subserviência; à aniquilação do respeito por si mesmo, na medida em que corpo e mente passam a ser instrumentos daqueles que os mantêm.

Intrusos para os círculos íntimos do Poder, embora perifericamente dele fazendo parte, momentaneamente, em virtude de sua competência técnica.

Quem é intruso não tem acesso às idéias que realmente estão impulsionando o jogo do Poder. Mas as infere ou intui. Não compartilha as ações que dele decorrem, por mais inteligentes que seja. Não faz questão de entender – às vezes até mesmo perceber – a linguagem cifrada através da qual os integrantes do círculo íntimo se manifestam.

Com sua chegada se estabelece o silêncio ou o barulho dirigido. O intruso incomoda, é um obstáculo tanto mais difícil porque ele faz parte da engrenagem embora atrapalhe na medida em que não possa ser envolvido – e usado - sem que perceba o que realmente está por trás do jogo político do qual faz parte.

Os outsiders – todos eles – em algum momento de sua vida foram moídos por aqueles no meio dos quais conviveram. Foram mastigados, deglutidos e vomitados. Suas essências não puderam ser assimiladas por esse tipo de sistema. Não se trata de oposição externa ao Poder. Não é irridência, sublevação, contestação explícita, revolução. Não. É incompatibilidade com o estamento do qual até então o outsider fazia parte apesar de ser outsider. Incompatibilidade, estranhamento, incômodo.

Ser outsider é glória e tragédia. Faz com que em algum momento pertença ao jogo político e depois seja expelido. Trazido graças a seu talento, sua competência individual – nada que se assemelhe à conseqüência de um compadrio, de um afilhadismo, de um parentesco qualquer. E expelido porque impossibilitado, graças a sua excentricidade moral, ou psicológica, ou filosófica, ou todas juntas, de se acompanhar da carneirada e sua vocação para serem usadas pelos lobos ao custo de balangandãs, bijuterias, penduricalhos materiais ou emocionais.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

COMPOSTURA



* Honório de Medeiros


Elegância, distinção, senso de reserva que com sutileza demarca a necessária distância entre si e o outro; requinte, o oposto da vulgaridade... O respeito que a compostura impõe em nada se assemelha ao temor da prepotência, arrogância, destempero, violência. Qualidade em desaparecimento entre nós. Principalmente nas elites.

 Arte: unindocoracoes.com.br

domingo, 5 de junho de 2016

DE LEGALISTAS SELETIVOS OU DE OCASIÃO



* Honório de Medeiros


Alguns serventuários da Justiça são hipócritas seletivos: muitas vezes criticam a norma jurídica, dizendo-a injusta, como se soubessem, em essência, o que é certo ou errado, bom ou mal, mas quando lhes convém a ela se apegam para defenderem interesses pessoais ou corporativos.

São os legalistas de ocasião.

A ilusão ou cinismo em defender que a norma jurídica possa ser Justa-em-si-mesma se deve ao atraso peculiar da filosofia e sociologia no nicho jurídico e à incompreensão acerca do assunto por parte da Sociedade. E esse nicho se mantém assim, incólume em seu atraso, ao longo do tempo, porque cumpre um determinado papel, na engrenagem social, de dar uma aparência de legitimidade (apego ao Justo) à odiosa opressão do Estado. 

O Estado necessita parecer legítimo, mesmo não o sendo desde seu surgimento. Nasceu banhado em sangue, assim vive e, se desaparecer, assim desaparecerá. 

Qualquer norma jurídica, assim como qualquer partitura musical, ou qualquer trecho em idioma a ser traduzido, nada é em si mesma. Passa a ser na medida em que a interpretamos. Então somos nós, ao interpretá-la, que somos Justos ou não, bons músicos ou não, bons tradutores ou não, aos nossos próprios olhos ou aos olhos dos outros. Não por outra razão o senso comum diz: tal juiz é justo, aquele outro não o é. 

Entretanto mesmo quando estão legalistas, não largam os serventuários da Justiça o viés do Justo. Nessas ocasiões se contorcem em piruetas retóricas para dar uma aparência de legitimidade (apego ao Justo) naquilo que fazem. É assim que se configura a pseudo legitimidade do Estado, do qual esses serventuários são instrumentos. 

Pois bem, muito embora não exista um Justo-em-si-mesmo, todos nós estamos construindo um Justo particular que emana de nossa individualidade e circunstância pessoal, na medida em que julgamos, seja lá o que seja que estejamos a julgar. Um juiz, por exemplo, dá vida a uma norma jurídica na medida de seu conhecimento, sua história pessoal, sua circunstância de vida, quando a interpreta. Alguém que interprete uma partitura musical - um músico, faz o mesmo. Um tradutor que interprete um trecho de um idioma, também. 

Antes da interpretação, nada; depois da interpretação, tudo... 

Não pode ser diferente, não há como ser diferente. Uma norma jurídica não é Justa pelo fato de ser uma norma jurídica. Ela pode ser Justa na opinião pessoal do Juiz que a interpreta, ou na opinião pessoal de alguns outros que leram sua interpretação. Mas nunca será Justa-em-si-mesma.

Não por outra razão o Estado desestimula o ensino e o estudo da Filosofia e Retórica. Não a Retórica que se confunde com Oratória, mas a Retórica que estuda os meios por intermédio dos quais se manipula, constrange, seduz as pessoas. 

Então convenhamos: usar a norma jurídica como escudo para defender interesses pessoais ou corporativos, alegando respeito à legalidade é, realmente, muita hipocrisia. 

Ou desfaçatez...

Arte: manchetegospel.com.br

segunda-feira, 30 de maio de 2016

NADA TÃO OPRESSIVO QUANTO O ESTADO

* Honório de Medeiros

Nada tão opressivo quanto o Estado se movendo contra um ser humano. A opressão chega dissimulada por leis, sejam elas constitucionais, complementares, ordinárias, regulamentações, portarias, ofícios-circulares, etc, usadas à exaustão por inocentes-úteis ou jagunços a serviço da máquina de moer gente. Com que prazer um servidor público nega, baseado em uma portaria, um direito de um cidadão, mesmo que esse direito esteja amparado em uma lei maior...

De quando em vez me deparo com a notícia de alguém que luta, de todas as formas possíveis e imagináveis para provar que está vivo! Isso mesmo: que está vivo. Está vivo mas está morto para o Estado, a burocracia assim determinou. Contra o atestado do seu óbito, emitido erroneamente pelo Estado, sequer valem suas impressões digitais e um certificado de qualquer médico do SUS afirmando que aquele cidadão que lhe procurou tem todos os sinais vitais em perfeito funcionamento.

O cidadão sequer desconfia do quanto é oprimido, ressalvadas as honrosas exceções de sempre. Bestificado, anulado, alienado pelo circo multimídia que o Estado lhe proporciona, segue sua vidinha chinfrim até o último suspiro, dando satisfação de seus atos a todos quanto possam ameaçar sua paz de ameba.

Vive de salamaleques ao chefe próximo ou distante. Salamaleques comprados pelos afagos condescendentes ou tirânicos do detentor do Poder...

quarta-feira, 25 de maio de 2016

PARTE CONSIDERÁVEL DA ESQUERDA É PRÉ-DARWINIANA



* Honório de Medeiros

A meritocracia é a face ética da Lei da Seleção Natural, cujo cerne é o processo de seleção do mais apto. É um meme cultural. Uma conquista da civilização. Um freio ao darwinismo social. Se é meme, é cultural, sabe-se. Aqui se abusa da retórica. Pois bem, parte considerável da esquerda é pré-darwiniana. Não compreende isso. Quer submeter uma lei natural aos ditames da luta pelo Poder. Não acredito que seja por dolo. É ignorância mesmo. 

domingo, 22 de maio de 2016

UMA OBRA ESSENCIAL ACERCA DA ELITE POLÍTICA



* Honório de Medeiros


Tempos atrás recebi, pelo correio, comprado através da “Estante Virtual” (www.estantevirtual.com.br) – esse desaguadouro para o qual todos os bibliômanos brasileiros convergem, a obra “La Clase Política”, de Gaetano Mosca, com seleção e introdução de Norberto Bobbio, edição popular (livro de bolso, trocando em miúdos) do “Fondo de Cultura Económica” de 1984, México, após procura na qual se alternavam períodos de calmaria e outros de busca frenética.

Desconfio, claro, muito embora sejam reais as dificuldades de encontrar esse texto – tomo como prova o fato de somente agora conseguir encontrá-la nesse imenso sebo virtual mencionado acima, ao qual recorri em muitas oportunidades – que era para ser assim mesmo, ou seja, não me seria fácil adquirir, manusear, analisar e criticar metodicamente, em seus detalhes, a obra que Gaetano Mosca, já octogenário, classificava como “seu trabalho maior”, “seu testamento científico”, e à qual dedicara suas melhores energias durante quarenta anos, como nos lembra Norberto Bobbio em sua introdução.

Isso por que dou como certo que os livros têm vida, e muito mais que adquiri-los, somos, por eles, adquiridos, tal como nos leva a crer Carlos Ruiz Zafón em seu “A Sombra do Vento”, quando nos apresenta ao “Cemitério dos Livros Esquecidos”, localizado em misterioso lugar do centro histórico de Barcelona, fantasia, bem o creio, nascida de suas leituras do imenso Jorge Luis Borges e de seu maravilhoso conto “A Biblioteca de Babel”, em “Ficções”.

E, em tendo vida, e vontade própria, houve por bem “A Classe Política” brincar comigo de gato e rato, sem dúvida por considerar que meus arroubos juvenis criticando Marx, nos corredores da Faculdade de Direito, firmado em leituras ainda pouco digeridas, de Popper e Aron, não mereciam o suporte final de uma metódica construção teórica da qual resultava a hipótese – que assombrava meus pensamentos em seus contornos imprecisos – de que há uma elite dominante presente em todas as sociedades, sejam quais sejam elas, seja qual seja a época. É como nos diz a apresentação do livro, em sua contracapa: “Mosca considera que hay uma clase política presente em todas las sociedades. Gobiernos que parecen de mayoría están integrados por minorias militares, sacerdotales, oligarquias hereditárias y la aristocracia de la riqueza o la inteligencia”.

Percebo, portanto, que “A Classe Política” aguardou o momento certo: quando fosse possível, na medida de meus esforços, compreender que há uma relação entre sua idéia central, a Teoria da Evolução de Darwin - naquela vertente anatematizada da Sociobiologia – e a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, que me permitisse não somente iniciar, para mim mesmo, a descrição do fenômeno jurídico em sua totalidade, seja como conjunto de normas jurídicas, seja como fato social, ela se tornaria, então, disponível.

Assim, resta ler, ler de novo, e reler o que escreveu, acerca da “elite política” esse italiano nascido em Palermo, em 1º de abril de 1858, falecido em Roma em 8 de novembro de 1941, aos oitenta e três anos. Foi professor de “História das Doutrinas Políticas” na Universidade de Roma e Docente Livre em Direito Constitucional na Universidade de Palermo. Ensinou, também, na Universidade de Turim, Deputado, Senador do Reino, Subsecretário das Colônias, e colaborador do Corriere della Sera e La Tribuna. Em 19 de dezembro de 1923 se retirou da vida política ativa e se dedicou exclusivamente a seus estudos, em particular no campo da história das doutrinas políticas.

Ler, com especial atenção, um capítulo denominado “Origens da doutrina da classe política e causas que obstaculizaram sua difusão”, no qual Mosca credita o pouco conhecimento da “teoria da elite política” à hegemonia do pensamento de Montesquieu e Rousseau. Hegemonia essa, ouso dizer, que serve como uma luva feita à mão na estratégia adaptativa de aquisição e manutenção do poder empreendida pelas elites dirigentes após a Revolução Francesa de 1789. E que culminou, no campo do Direito, na inserção, em Constituições Federais, de princípios jurídicos difusos que se prestam a serem interpretados de acordo com as conveniências de quem os interpreta.

Curioso é que muito embora eu, finalmente, tenha conseguido pôr minhas mãos nessa obra, ela ainda não me veio por inteiro. Trata-se, no caso, de uma seleção de textos feita por Bobbio. Tanto que, no final, há um capítulo no qual se apresenta o resumo dos capítulos omitidos. Nestes, há uma refutação das doutrinas do materialismo histórico e da concepção segundo a qual deveriam chegar ao governo os melhores, tema retomado por Karl Popper em “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, onde critica Karl Marx e Platão.

Ou seja, a busca continua.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

A ÁRVORE DO CONHECIMENTO


* Honório de Medeiros

O conhecimento pode ser imaginado como uma árvore cujo tronco repouse no chão ancestral onde o homem pré-histórico caçava, coletava e, graças à primitiva linguagem, bem como à incipiente capacidade cooperativa, se tornou uma espécie apta a sobreviver. Não é uma imagem precisa, tampouco absolutamente correta, mas cumpre seu propósito de ser assimilada.

Os problemas com os quais aqueles nossos antepassados se depararam e as soluções engendradas para ultrapassá-los formaram galhos, ramos, folhas, em ritmo cada vez maior e mais denso, em uma escala inimaginável. Cada folha, como se há de perceber, avança rumo ao infinito desconhecido por um rumo que sugere uma proporcionalidade inversa: quanto mais específico o conhecimento por ela simbolizada, mais ampla e profunda a vastidão a lhe servir de contraponto.

Se focarmos essa imagem em busca de nitidez podemos acompanhar, como parâmetro, o desenvolvimento da Matemática, desde os primitivos números naturais até o cálculo, hoje, de tensores hiperespaciais, essas projeções hipotético/geométricas interdimensionais. Podemos acompanhar, também, a evolução da linguagem como lembrada acima até a Babel dos tempos modernos, constituída de signos bem diferenciados – desde os sinais utilizados pelos surdos-mudos, passando pelo informatiquês e o idioma dos guetos, presídios, e subúrbios, até a lógica apofântica do sub-universo computacional.

Aliás, o mundo da informática é muito exemplificativo dessa teoria da árvore do conhecimento. No início, meados do século XX, um computador ocupava salas; hoje, os “chips” guardam quantidades colossais de informações. Que revolução não há de ser o surgimento do “chip” quântico!

A imagem da árvore do conhecimento é possível graças à Teoria da Evolução de Darwin. É, digamos, um corolário. Podemos perceber que o Conhecimento diferencia-se e se especializa na medida em que avança. Sabemos, hoje, quase tudo acerca de quase nada em cada “nicho” do conhecimento, embora tudo quanto descartado por não ter sobrevivido ao choque entre ideias forme uma contrapartida em negativo da realidade. Contrapartida que agrega: aquilo que descartamos não precisa ser outra vez cogitado.

Essa árvore é finita e limitada (conceitos distintos) no espaço e tempo conhecidos, mas infinita e ilimitada quanto as suas possibilidades de crescimento. O futuro, para onde ela avança, é construção do passado, e como cada estrada amplia a quantidade de lugares onde se há de chegar, cada problema resolvido no processo de aquisição do conhecimento implica na ampliação de universos de saber. 

Ou seja, o tempo, cada vez mais, dá razão a Darwin. E não há limite para o Conhecimento.

Funciona dessa forma em termos macros, mas também funciona dessa forma em termos pessoais. Cada avanço nosso implica em ampliar o universo daquilo que não conhecemos. É um paradoxo: quanto mais sabemos, mais há a saber.

É, por fim, o voo do solitário para o infinito: “É como se cada um de nós, estando dentro de um ambiente fechado, uma clausura, criasse uma saída e a utilizasse. Lá, do outro lado da saída, lhe espera um outro ambiente, também fechado, só que maior, bem maior. Sua tarefa, assim, é sempre criar outra saída, sair, entrar em outro ambiente ainda maior, criar outra saída, sempre, em uma escala exponencial...”

Em termos pedagógicos, diria Bachelard: "todo conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão."

terça-feira, 17 de maio de 2016

O TEMPO, DESTRUIDOR DE LEMBRANÇAS

SEU CHICO HONÓRIO E A IGREJA DE SÃO VICENTE


* Honório de Medeiros


O tempo, esse destruidor de lembranças, nem sempre consegue êxito quando é confrontado com os vestígios físicos com os quais se confunde a imagem de alguém muito amado. É isso que concluo enquanto passo em frente à Igreja de São Vicente e dobro à direita, vindo pela Alberto Maranhão, do centro de Mossoró, cumprindo o percurso tantas vezes trilhado em minhas vindas de Natal para visitar Seu Chico Honório e Dona Aldeiza, como são conhecidos meus pais na cidade onde nasci. 

Assim o é porque nada me evoca com tanta firmeza a lembrança do meu pai quanto essa capela, destinada a ser um bastião fundamental na defesa da cidade ante o ataque de Lampião no longínquo ano de 1927, na qual ele, durante tantos anos, exerceu com a lhaneza no trato e a humildade no coração que o caracterizavam, o ofício de Ministro da Eucaristia.

Nossa história, a história de minha família com essa Capela é antiga e densa. Minhas lembranças de menino são permeadas de acontecimentos nos quais a Igreja, seu patamar onde nós, as crianças dos arredores, nos reuníamos, durante o dia ou à noite, para todos os tipos de brincadeiras possíveis e imagináveis em uma cidade cujos delinqüentes eram todos conhecidos pessoais do Delegado e da população; seu interior, onde, à luz mortiça das velas, entoávamos as ladainhas cantadas na festa de Santo Antônio e aspergíamos os presentes com o incenso farto derramado dos turíbulos; as festas religiosas, as missas, tudo isso era o ponto central, o começo e o fim, o alfa e o ômega da nossa vida ainda fortemente delineada a partir dos laços invisíveis das relações familiares por ela albergados. 

Meu pai nos acordava cedo, a mim e a minha irmã, aos domingos, para nos aprontarmos e seguirmos para a missa na capela, que ele acolitava, juntamente com outros fiéis. Minha mãe, por sua vez, uma das responsáveis pelo coro, também compunha o grupo de moradores do entorno da Igreja que a faziam funcionar com a regularidade própria da face terrena dessa instituição milenar, a Igreja, sem a qual não é possível entendermos nossa civilização ocidental e cristã.

Durante a semana, noite após noite, reunIamo-nos sob sua inspiração para rezar quando o dia chegava ao fim e o sono nos aguardava, e, então, agradecíamos a Deus por tudo de bom que havíamos conseguido no tempo passado, desde a alimentação farta à saúde em ordem, seguido das intercessões para a obtenção de graças, mesmo que somente a manutenção da rotina feliz em que vivíamos.

Seja durante a semana, seja nos domingos, seja em que dia fosse, ainda hoje, a presença de meu pai, manso, discreto, polido, humilde, prestativo, com sua fé simples, inquebrantável, onipresente, foi e é uma referência moral da qual não me afastei, nem me afasto, e que norteia os exemplos e as conversas com os quais cuidei, e cuido, com as limitações próprias, da educação dos meus filhos. No meu casamento, um casamento feliz em todos os aspectos, o exemplo de sua relação com minha mãe, o respeito mútuo, o carinho permanente, a parceria sempre reiterada quando surgiam os obstáculos que a vida insistia em nos apresentar, estava sempre presente.

Conto para meus filhos, sempre que posso e a ocasião é oportuna, o pouco que sei de meu pai. Falo para eles de sua vida dura, no início; estranha, sob muitos aspectos; de renúncia, sempre, inclusive a uma parte de si, sua arte, o repente, a viola. Conto-lhes acerca de sua jornada espiritual, de sua crença ingênua no começo de sua vida adulta. Depois lhes recordo os anos de entrega à Igreja Católica, aos seus fundamentos, aos seus princípios, a tudo quanto, ao longo dos séculos, a manteve presente na história do Homem.

E quando, ao ir para Mossoró, entro na cidade, desço até o centro, pego a Alberto Maranhão, e passo em frente à Igreja de São Vicente, ao me lembrar dele, e de Dona Aldeiza, parece que os vejo: ele ao lado de Pe. Sátiro Dantas, atento, enquanto este oficia; ela, nos primeiros bancos, defronte ao altar, no qual se postava o coro.

Então o passado se confunde com o presente e a Igreja de Deus, a Igreja de São Vicente, tão presente na nossa história pessoal, ajuda-me a vencer o tempo, pois resgata, com sua presença ante meus olhos, minha vida de menino e adolescente, e a imagem sempre tão cara de Seu Chico Honório e Dona Aldeiza em minha memória.

AS FASES DA VIDA

* Honório de Medeiros

Até certo momento da vida nossa luta é para ser conforme a tribo, o grupo; depois, a luta será para estabelecermos diferença entre nós e esse grupo, a tribo; um pouco mais para a frente nós nos abrimos para percebermos aquilo que, nos outros, é único, e esse único nos atrai ou  nos causa repulsa ou indiferença; se nos atrai, fomos fisgados. Se não chega esse momento no qual é preciso estabecer nossa diferença para com o grupo, a tribo, então é preciso temer: há algo de errado na nossa vida, na nossa mente, na nossa alma.

domingo, 15 de maio de 2016

O JUSTO NÃO ESTÁ FORA DE MIM

* Honório de Medeiros

O nominalismo de Guilherme de Ockham questionou a possibilidade de as Coisas (“a Coisa-Em-Si”, “ o Objeto”, “o Ser”, “a Realidade”) dizerem, ao Sujeito Cognoscente, aquilo que elas são (suas essências).

Ou seja, nós é que, enquanto demiurgos, ordenamos, organizamos aquilo que nossos sentidos apreendem de forma caótica, a partir do nosso conhecimento pré-adquirido (Kant, Bachelard, Popper...). 

Podemos rastrear tal concepção, de certa maneira, até o relativismo sofista (Protágoras de Abdera, Antístenes versus Platão), mesmo até Parmênides.

O nominalismo também impede a fenomenologia de Bergson e Husserl e a pretensão de uma ciência cujo objetivo seja “compreender”: não é o termo “salinas” (lugar onde se cultiva sal) que me diz algo; eu é que digo algo dele, a partir do conhecimento que já possuo.

Não há essência a ser apreendida, Platão estava errado, os sofistas estavam certos.

Thomas Nagel (“Visão a Partir de Lugar Nenhum”; Martins Fontes; SP; 2004; 1ª edição; p. 137; nota) observa que “Chomsky e Popper rechaçaram as teorias empiristas do conhecimento”.

Nominamos relações, processos, evanescências; não há coisas a serem nominadas.

O Justo não está fora de mim, está em mim...

segunda-feira, 9 de maio de 2016

QUEM ERA O HOMEM DE OLHOS ACESOS?

* Honório de Medeiros
O pai de minha sogra tinha mais de noventa e seis anos. Andar curvado, pele curtida, mãos nodosas, cabelos finos e totalmente brancos, de uma magreza ascética, poucas palavras que um começo de senilidade acentuou ao longo dos seus últimos anos, embora não lhe fizesse perder totalmente o senso.

Homem tipicamente rural, daquela estirpe de nordestinos como já não os há, cuja palavra empenhada vale mais que qualquer cheque em branco, seu código de honra fora imutável: uma vez tomada uma posição qualquer, não havia possibilidade de mudança e seus valores eram "preto no branco". Seus avôs os tiveram iguais e também os pais e, segundo ele, deveria ser assim por que assim o era desde que o mundo é mundo.

Aconteceu que um dos seus muitos filhos, suscetível, em termos de honra, tanto quanto ele, depois de uma desavença onde não faltaram palavras ásperas de lado-a-lado, foi-se embora jurando nunca mais voltar. Ele sentiu o golpe, mas não o acusou. Ano após ano, mesmo as lágrimas de mãe que sua esposa derramava escondido e ele pressentia não lhe fez sequer murmurar o nome daquele que ousara levantar a voz e desrespeitar sua autoridade paterna. Era como se o filho não existisse, e as notícias esparsas, trazidas pelos outros até o seio da família não lhe eram comunicadas, circulando sem o seu conhecimento por entre mãe e irmãos.

Dias antes da última eleição municipal que o encontrou vivo uma ligação da desconhecida esposa do seu filho que se fora comunicou sua doença: entubado, inconsciente, comatoso, jazia na unidade de tratamento intensivo de um grande hospital em uma cidade distante, no norte do País. Criou-se uma sincronia macabra entre a expectativa do dia da eleição e o da sua morte, nessa altura, já esperada. 

Enquanto isso, embora todos, em casa, soubessem da situação, e poupassem o pai por temor de um agravamento da sua fragilidade de idoso, a ansiedade pelo desfecho, tanto da eleição, quanto da morte, esta agravada pela dificuldade de se obterem informações, aumentava cada vez mais.

No dia anterior ao da eleição, às oito horas da manhã, uma das suas filhas, como de costume, foi acordá-lo para o café e o encontrou falando como se estivesse se dirigindo a alguém. Perguntou-lhe: “com quem está falando, papai?” “Com esse homem de olhos acesos que não para de me olhar.” “Quem, papai, aqui não tem ninguém.” “Você pensa que eu sou doido; o que ele queria aqui no meu quarto?” A filha teve imediatamente um palpite, e, angustiada, sentou-se lentamente na cama. “Papai, esse homem era novo ou velho?” “Era novo, ainda.” Nesse instante, o telefone toca estridentemente lá fora. Ela corre para atender. Do outro lado da linha, a informação agora esperada: “seu irmão acabou de falecer.”

Mas ainda não acabara o inexplicável. À noite, enquanto era acomodado em sua cama, véspera tumultuada de eleição, o pai se virou para a filha e resmungou. Atenta, ela lhe pergunta: “o que é papai?” “Essas almas”, responde, “hoje está cheio delas aqui.”

domingo, 8 de maio de 2016

DIA DAS MÃES


Aldeiza Fernandes de Sena Medeiros
(1926-2010)


Tão longe do meu abraço, tão perto da minha alma!

quarta-feira, 4 de maio de 2016

NIILISMO


Niilismo
substantivo masculino
  1. 1.
    redução ao nada; aniquilamento; não existência;
  2. 2.
    ponto de vista que considera que as crenças e os valores tradicionais são infundados e que não há qualquer sentido ou utilidade na existência.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

"TODAS AS COISAS TRAZEM CANSAÇO"

* Honório de Medeiros

Quanto menos novo fico, quanto mais o tempo passa, mais me abandono ao fascínio do Eclesiastes. Texto poético belíssimo, denso, sapiencial, condena muitos livros a sua real e diminuta dimensão. Incita-nos a questionarmos nossa vaidade tola em um mundo cujos alicerces estão firmados de tal forma que parecem inexoráveis, alheios a nossa vontade e capacidade de entendê-los. "Todas as coisas trazem cansaço. O homem não é capaz de descrevê-las; os olhos nunca se saciam de ver, nem os ouvidos de ouvir" (Ec 1,8).

domingo, 17 de abril de 2016

DO CONCEITO DE CANGAÇO, CANGACEIRO, E CANGACEIRISMO

* Honório de Medeiros

É possível que o termo cangaço tenha surgido, realmente, para designar toda a parafernália (conjunto de objetos de uso pessoal; apetrechos, pertences, acessórios) que o sertanejo portava para se deslocar pelo Sertão nordestino desde o início do ciclo do couro até o começo do século XX. Por associação de idéias transplantou-se o termo “canga”, suportado pelo boi, mas constituído por apenas uma peça, para cangaço, suportado pelo homem, mas constituído por várias peças. 

O sertanejo precisava transportar consigo, em seus deslocamentos, quase sempre a pé, vez que animais de transporte eram raros e caros, privilégio de poucos, armas de fogo e armas brancas, as mezinhas, o farnel, o dinheiro, algum papel escrito, as orações, a água, bebida, alguma panela de ferro, material para fazer fogo, artigos de higiene, e por aí vai...

Em “NOTA SOBRE CANGAÇO E CANGACEIRO”[1] Luis da Câmara Cascudo lembra que “Cangaço é a reunião de objetos menores e confusos, utensílio das famílias humildes, mobília de pobre e escravo, informa Domingos Vieira (1872). Troços. Tarecos. Burundangas. Cacarecos. Cangaçada, cangaçaria. Nunca ouvi dizer cangaçais ou cangaceira. (...) Beaurepaire Rohan registra ‘o conjunto de armas que costumam conduzir os valentões (1889)’. É, para mim, a menção mais antiga. Para o sertanejo é o preparo, carrego, aviamento, parafernália do cangaceiro, inseparável e característica, armas, munições, bornais, bisacos com suprimentos, balas, alimentos secos, meizinhas tradicionais, uma muda de roupa, etc.” 

Verdadeira canga, verdadeiro cangaço. 

Ao longo do tempo o bandido rural nômade em grupo do Sertão nordestino do final do século XIX até meados do século XX passou a ser o maior portador dessa parafernália, exigência do seu mister, que lhe obrigava deslocamento permanente e muitas vezes abrupto, em qualquer hora do dia ou da noite.

E veio a ser conhecido como cangaceiro aquele que transporta cangaço, aquele que tem cangaço. 

Heitor Feitosa Macêdo, em “ORIGEM DA PALAVRA CANGAÇO”[2], nos diz que “Gustavo Barroso, estudioso incansável do cangaceirismo, foi responsável por arrematar a teoria mais aceita para explicar a origem da palavra cangaço. Segundo o referido autor, a terminologia ‘cangaço’ surgiu do hábito de os antigos bandoleiros se sobrecarregarem de armas, trazendo o bacamarte passado sobre os ombros, à feição de uma canga de jungir bois, por isso dizer que estes indivíduos andavam debaixo do cangaço, isto é, de uma canga metálica, feita de aço. Daí a expressão usada por Euclides, em ‘Os Sertões’, ao dizer que alguns indivíduos: ‘vinham debaixo do cangaço’”.

A hipótese de Cascudo, indiscutivelmente, em termos epistemológicos, é mais completa, verossímel. 

O transporte do cangaço, embora nomine o bandido rural nômade em grupo do sertão nordestino do final do século XIX até meados do século XX e seja uma de suas características, não é suficiente, por si só, para identifica-lo, vez que embora com outro nome os gaúchos da fronteira usavam também parafernália própria e semelhante: o peão das vacarias gaúcho usava, à cintura, faixa larga, negra, ou cinturão de bolsas, tipo guaiaca, adaptado para levar moedas, palhas e fumo e, mais tarde, cédulas, relógio e até pistola. Ainda à cintura, as inafastáveis armas desse homem: as boleadeiras, a faca flamenga ou a adaga e, mais raramente, o facão. E sempre à mão, a lança - de peleia ou de trabalho. 

Assim, também, o peão do pantanal. Ou o cawboy americano...

Outras características do cangaceiro, além dessa denominação tão peculiar, são: ser bandido rural, nômade, e viver em grupo no Sertão nordestino desde o final do século XIX até meados do século XX. Bandido, aqui, no sentido de ser inimigo do Estado, da ordem legal vigente, embora algumas vezes contasse com a simpatia de parcela da população nordestina sertaneja.

Quanto ao que seja “bandido”, não é outro o pensamento de Eric Hobsbawn logo no início de “BANDIDOS”[3]: “Assim, o banditismo desafia simultaneamente a ordem econômica, a social e a política, ao desafiar os que têm o poder, a lei e o controle dos recursos. Este é o significado histórico do banditismo nas sociedades com divisões de classe e Estados.”

O cangaceirismo aqui e de agora em diante, para distinguir a atividade cangaceira da parafernália que o cangaceiro portava, foi banditismo rural, mas nem todo banditismo rural foi cangaceirismo. Não apenas rural, termo amplo que engloba tudo quanto não litorâneo, ao qual se vinculam alguns historiadores por não conhecerem a realidade específica desta região, o Sertão, do Nordeste brasileiro. O cangaceirismo foi banditismo sertanejo de grupo.

Banditismo nordestino sertanejo de grupo – há bandidos nordestinos de grupo que não são sertanejos, e há bandidos sertanejos de grupo que não são nordestinos – o que rechaça, de pronto, todos quantos não situados naquele tempo específico que vai do final do século dezenove a meados do século vinte e todos quantos não situados naquele espaço específico do Sertão nordestino compreendido entre Bahia e Ceará, entrando pelo Piauí.

Existe, pois, um tempo específico: os bandidos de hoje não são cangaceiros por que, dentre outras, não andam com aquela parafernália já referida, típica do cangaceiro.

Lugar específico: os bandidos rurais, mesmo quando em grupo, de outras regiões não eram cangaceiros porque não atuavam no Sertão do Nordeste.

Aqui não é possível concordar com Câmara Cascudo[4]:

“O cangaceiro não é um elemento do Sertão. Não vem da seca, da justiça local, da mestiçagem, da educação, do uso das armas. Existe em todos os países e regiões mais diversas. Na inóspita Mauritânia e na alagada China, nas montanhas da Córsega e nos plainos de França, onde viveu e reinou Mandrin, em São Paulo com Dioguinho e em Portugal com o José do Telhado, nas cidades tentaculares e nas povoações minúsculas, repontam esses tipos de inadaptação, somas de todos os fatores, vértices para onde convergem as grandezas das taras, tendências, ineducações e impulsos.”

Cascudo confunde banditismo com cangaceirismo. Todo cangaceiro foi bandido, mas nem todo bandido foi cangaceiro. Toda orquídea é uma flor, mas nem toda flor é uma orquídea. Percebe-se, do texto, que Cascudo não leu seu Aristóteles...

Essa falta de precisão, muito encontrada nas ciências ditas sociais, nos leva a equívocos tais quais o de Gustavo Barroso em “À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ”[5], que parece ter inspirado o texto acima de Câmara Cascudo, tamanha sua semelhança:

“Em livro que publiquei há mais de quarenta anos disse: ‘Os bandidos não são produtos exclusivos das terras brasileiras do Nordeste. Em todos os povos, têm existido com denominações diversas. O jagunço não é criminoso por mero acidente do seu caráter; não é criminoso, as mais das vezes, por si próprio. Ele termina uma série de antecedentes os mais variados ou é um elo na seriação de causas as mais diversas.

Dentro dessas linhas gerais deve ser enquadrada historicamente a figura de um dos mais famosos cangaceiros do sertão cearense na segunda metade do Século XIX, o José Antônio do Fechado (...)”.

O título do Capítulo de Barroso é “O SENHOR FEUDAL DO FECHADO”. Não era nômade, não extorquia, não assaltava, não sequestrava... Não era cangaceiro, portanto, embora fosse bandido, andasse em grupo, e fosse sertanejo.

É algo basilar na Ciência entender que apreendemos a Realidade encontrando sua “essência”. Melhor: algo que integre a Realidade, como um epifenômeno social tal qual o Cangaceirismo, somente vai ser apreendido, conhecido, quando formos capazes de encontrar sua “essência”, ou seja, sua especificidade, sua singularidade. Sujeitamo-nos, pois, ao pleno domínio do ramo da Filosofia denominado Gnosiologia.

Para encontrarmos essa essência, característica, ou singularidade, precisamos distinguir para conhecermos. É como nos diz Pascal Ide, em seu “A ARTE DE PENSAR”[6]:

“Para definir é preciso dividir, distinguir. Com efeito, a definição é um conhecimento distinto do ser de uma coisa; ora, vimos que no ponto de partida, nosso conhecimento é confuso, e não distino. Como passar do confuso ao distinto a não ser distinguindo, ordenando esse confuso? Foi assim que Deus procedeu diante do caos primitivo (Gn 1, v. 2). Ele separa, distingue: a luz das trevas, a terra do céu, etc.”

Questões como essa me levaram a escrever o seguinte texto, que creio caber bem neste contexto:

“Em primeiro lugar tratar da questão do que seja ciência, principalmente no que diz respeito a seus enunciados, que para serem considerados verdadeiros, não podem ser refutados uma única vez;

Karl Popper afirma, em “CONJECTURAS E REFUTAÇÕES”[7], que se pode dizer, resumidamente, ser sua capacidade de ser testada que define o status científico de uma teoria.

Foi uma evolução significativa à teoria quase consensual, anterior, que a ciência se distingue da pseudociência pelo uso do método empírico, que decorre da observação ou experimentação[8].

Este não é o ambiente apropriado para uma discussão crítica acerca da posição de Popper em relação à indução. Basta recordar que ele retoma Hume[9], e sua crítica psicológica à indução, aprofunda essa crítica, em uma perspectiva lógica, e propõe o que passou a se chamar, no jargão acadêmico, de “falsificacionismo”.

Por outro lado, esses enunciados da ciência para se manterem verdadeiros, não podem ser refutados. Uma só afirmação que seja demonstrado, empírica ou matematicamente, como falsa, compromete a teoria. É o respeito à “lei das exclusões das contradições”[10].

Caso tal lei não seja seguida, chegaríamos à desarticulação completa da ciência[11].

Em segundo lugar mostrar somente há uma ciência, ou seja, a tentativa de considerar que as ciências ditas do espírito são ciências é falsa.

Em terceiro lugar mostrar que há uma ciência social que usa o método científico impropriamente dito como das ciências naturais e que parte do pressuposto de que fato social é igual a fato natural.

Iniciar, então, a partir dessas premissas e avançar afirmando que um olhar da sociologia acerca do cangaceirismo pode ser ofertado a partir de leis causais do quais ele seja conseqüência (dedução), como é o caso do marxismo ou darwinismo, aqui chamado olhar perspectivo externo, ou a partir da comparação da estrutura interna do fenômeno com outros fenômenos com os quais guarde semelhança estrutural induzindo (indução) uma lei geral.

Demonstrar que no segundo caso não há como propor uma lei geral, vez que não se conhece todos os casos e a semelhança existente é sempre forçada;

Ao contrário, ao se partir de uma lei geral é possível encontrar o que de geral há nos específico e propor que tal fenômeno irá se repetir, respeitado o específico, caso aconteçam as mesmas condições que suscitaram o seu surgimento.”

Mas prossigamos.

Outra especificidade importante para definir o cangaceirismo é sua circunstância histórica, constituída por elementos próprios do período que vai do final do século XIX para meados do século XX, quais sejam, dentre eles, mas não somente, o coronelismo, e o misticismo. 

Cangaceiros e coronéis nordestinos são indissociáveis e especificam o período no qual conviveram. Cangaceiros e Padre Cícero também o são. Mas seria bom acrescentar, aqui, também, os cantadores de viola, os repentistas, os cordelistas, enfim, os rapsodos que andavam pelas cidades, vilas, povoados, arruados, feiras, disseminando e aureolando os feitos dos cangaceiros, ajudando a construir, no imaginário do sertanejo, o paradigma dessa figura histórica.

Em relação aos Coronéis, Raymundo Faoro[12] faz uma interessante constatação que robustece a opinião antes apresentada acerca de que embora o banditismo rural não seja algo próprio do século XIX/XX, o cangaceirismo, que é um dos tipos desse fenômeno, deve ser definido a partir de suas características que o singularizam:

“O fenômeno coronelista não é novo. Nova será sua coloração estadualista e sua emancipação no agrarismo republicano, mais liberto das peias e das dependências econômicas do patrimonialismo centra do Império. O coronel recebe seu nome da Guarda Nacional[13], cujo chefe, do regimento municipal, investia-se daquele posto, devendo a nomeação recair sobre pessoa socialmente qualificada, em regra detentora de riqueza, à medida que se acentua o teor de classe da sociedade. Ao lado do coronel legalmente sagrado prosperou o ‘coronel tradicional’, também chefe político e também senhor dos meios capazes de sustentar o estilo de vida de sua posição.”

Mas precisamos estar atentos: não se pode confundir cangaceiro com jagunço nem pistoleiro.

Os cangaceiros não têm chefes que não sejam de sua própria categoria. Os jagunços subordinam-se a coronéis. O pistoleiro é solitário e trabalha eventualmente para um ou outro. É como nos assevera Frederico Pernambucano de Melo[14]:

“A segunda figura a ser estudada é a do cabra, também chamado por alguns de capanga ou jagunço, ainda que entre os três tipos haja diferenças que não devem ser ignoradas.

Cabra é o homem de armas que possui patrão ou chefe, desempenhando mandados tanto de ordem defensiva quanto ofensiva.”

Não somente banditismo brasileiro nordestino sertanejo de grupo existente entre o final do século XIX e meados do século XX cujos integrantes usam o cangaço - essa parafernália inseparável e característica, como o afirma Luís da Câmara Cascudo.

Mesmo aqui ainda é preciso distinguir para compreender: como disse Fenelon Almeida[15], “os volantes em tudo se pareciam com os cangaceiros.” Os jagunços também.

Ambos usavam a parafernália do cangaceiro. Todo cangaceiro a usava, mas nem todo aquele que a usava era cangaceiro. As volantes a usavam, eram nômades e atuavam com o aval do Estado; os jagunços a usavam, não eram nômades e submetiam-se aos coronéis.

O cangaceirismo pressupõe a perseguição pelo Governo e a insubmissão, além de outra característica: a existência do coiteiro.

Rangel Alves da Costa diz bem o que é “coiteiro”[16]:

“Coiteiro era o sertanejo que, mesmo não fazendo parte do bando cangaceiro propriamente dito, compartilhava do seu mundo e de sua existência. Exteriorizava os desejos e as ordens cangaceiras. Servia de elo entre a vida na caatinga e os seus arredores, incluindo pessoas e povoações. Sem o coiteiro, o cangaço não compartilhava do mundo exterior e ficava totalmente vulnerável aos ataques.

Coiteiro era o matuto chamado a colaborar com o cangaço. Nunca forçado, mas sempre disposto a cooperar. Era, a um só tempo, mensageiro, transportador de mantimentos, confidente, conhecedor e guardião de segredos de vida e de morte. Boca sempre fechada e ouvido sempre aberto, talvez fosse o seu lema. Mas nem todos, segundo dizem, cuidaram de seguir os ditames.

Coiteiro era aquele que, conhecedor de cada linha e cada canto da região catingueira, auxiliava nas estratégias de proteção cangaceira. Era o olho pelo arredor, era o cão farejando o inimigo. Logo dizia sobre a segurança do local escolhido para repouso ou alertava acerca dos perigos que estavam correndo.

Coiteiro era o bom amigo do bando que levava a carne fresca de bode, a linha e agulha para costura, o remédio e a porção, as armas e a munição, o dinheiro e outros objetos enviados ao bando; aquele que se esforçava ao máximo, e correndo todos os perigos, para que nada faltasse naquela estadia dos cangaceiros. E eram bem recompensados pelas providências tomadas. De vez em quando um anel dourado era colocado no dedo.

Coiteiro era aquele que servia o abrigo cangaceiro, o local de descanso e repouso, a moradia temporária do bando, o coito. Desse modo, tem-se então que coito era o local onde a cangaceirada se amoitava vindo de longe viagem e desejosa de algumas horas ou dias de descaso.

Assim, coito era o lugar escolhido pelo líder do bando para o merecido descanso, até que a necessidade fizesse levantar acampamento e seguir adiante. Tantas vezes numa correria no meio da noite ou a qualquer hora do dia que o vento inimigo soprasse pelos arredores.”

Entretanto todos os bandidos brasileiros nordestinos sertanejos nômades de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX, que usavam cangaço e coiteiros eram cangaceiros?

Sim. Tomando-se como paradigma os bandos de Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco, sim. Estes no dizer de Maria Isaura Pereira de Queiroz[17] são “grupos de homens armados liderados por um chefe, que se mantinham errantes, isto é, sem domicílio fixo, vivendo de assaltos e saques, e não se ligando permanentemente a nenhum chefe político ou chefe de grande parentela.”

Ou seja: os cangaceiros viviam de assaltos e saques. Assaltos, para sintetizar, por que quem saqueia assalta. Não somente assaltos, porém. Extorsão também. E, às vezes, embora não comumente, alugando suas armas a algum Coronel. Concluindo, por fim: sobreviviam à custa do seu banditismo.

O que fizemos foi precisar essa noção acerca do cangaceiro, que também é a do senso comum.

Portanto temos: cangaceiros foram bandidos brasileiros nordestinos sertanejos nômades de grupo existentes entre o final do século XIX e meados do século XX, cujos integrantes usavam o cangaço, recebiam suporte dado por coiteiros, e viviam à custa de sua atividade criminosa.

Não podemos dizer que a estética cangaceira que surgiu com Lampião defina o cangaceiro. Antes do bando de Lampião e de sua estética já existiam bandos de cangaceiros, tais como aqueles chefiados por Sinhô Pereira e Antônio Silvino.

Assim é possível que o que realmente defina o cangaceirismo seja a presença de todos esses elementos e mais o momento histórico, o espaço de tempo que vai do final do século XIX a meados do século XX. 

Não por outra razão diz-se que com o advento do Estado Novo e a morte de Corisco extinguiu-se o cangaceirismo.

[1][1] “FLOR DE ROMANCES TRÁGICOS”; EDUFRN; Coleção Nordestina; 3ª edição; 1999; Natal. 

[2] JORNAL “ACONTECE”, Região do Cariri - De 30 de outubro a 10 de novembro de 2014, nº 53.

[3] PAZ E TERRA; 4ª edição; 2010; São Paulo. 

[4] “VIAJANDO O SERTÃO”; Global; 4ª edição; 2009; São Paulo. 

[5] ABC Editora; 3ª edição; 2004; Rio de Janeiro. 

[6] Martins Fontes; 1ª edição; 1995; São Paulo.

[7] Pg. 66. 

[8] Pg. 64. 

[9] Pg. 72.

[10] Pg. 346/347. 

[11] Pg. 348. 

[12] “OS DONOS DO PODER”; Globo; 15ª edição; v. 2; 2000; São Paulo.

[13] Fator que distingue o coronelismo. 

[14] “GUERREIROS DO SOL”; A Girafa; 5ª edição; 2011; São Paulo.

[15] “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO”; Guararapes; 1ª edição; 1981; Recife. 

[16] http://blograngel-sertao.blogspot.com.br/2013/08/coiteiro.html 

[17] “HISTÓRIA DO CANGAÇO”; Global; 1ª edição; 1986; São Paulo.