terça-feira, 15 de setembro de 2015

DE PACTO SOCIAL

* Honório de Medeiros

Li o artigo do Desembargador Claudio Santos, intitulado "Caos à Vista", publicado na Tribuna do Norte de 15 de setembro de 2015.

Referindo-se a esse artigo, o Deputado Kelps Lima afirmou que viu o artigo como como um “chamado para assumir um pacto para salvar o Rio Grande do Norte”.

Em 12 de novembro de 2014, fiz a seguinte publicação aqui, neste blog: 
http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2014/11/rn-de-pacto-social-e-reforma-de-estado.html

"Tendo em vista as informações que vão surgindo na mídia acerca da alarmante situação financeira do Estado, não enxergo outra alternativa, para o futuro Governador do Estado, a não ser liderar a construção de um novo Pacto Social no Rio Grande do Norte para alavancar a urgente, imprescindível, fundamental, Reforma do Estado.

Pacto Social, vez que todas as forças da Sociedade, representadas pelos poderes constituídos, precisam participar diretamente, sob a legítima liderança do futuro Governador do Estado, da elaboração de uma Carta de Princípios que nortearia a Reforma de Estado.

Reforma de Estado que permita a reconstrução do Rio Grande do Norte social, econômica e financeiramente, estabelecendo os parâmetros necessários a serem seguidos pelos poderes constituídos para assegurar o desenvolvimento do Estado.

Uma vez estabelecidos esses instrumentos fundantes da nova realidade política, social e econômica, todas as medidas necessárias a serem tomadas estarão naturalmente legitimadas e contarão com o apoio da Sociedade. 

É o que se espera de alguém que foi escolhido pelo povo para derrotar todas as forças políticas tradicionais do Estado." 

Em 3 de junho de 2015, voltei a abordar o tema do "pacto social":
http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2015/06/por-um-novo-pacto-social-para-o-rio.html

"O problema fundamental do Rn, hoje, é antes de tudo, antes do social, do político, do econômico, de natureza orçamentária e financeira.

O Governo precisa de dinheiro e não tem de onde tirar. A entrada no Fundo Previdenciário prova isso. E a situação vai piorar, estamos beirando a recessão. Os repasses estão em queda livre. A arrecadação do Estado, com o declínio da atividade econômica, tende a diminuir lenta e inexoravelmente. As demandas dos servidores e da Sociedade tendem a crescer.

Se eu fosse o Governador Robinson convocaria os Poderes e a Sociedade para um novo Pacto Social.

Um pacto social no qual a renúncia e o trabalho de cada um, pensando no todo, fosse mais importante que qualquer demonstração de unilateralidade.

O Governador é o líder institucional apto a convocar e coordenar esse processo. Com os votos que recebeu, na situação em que isso aconteceu, é de se dizer, até mesmo, que deve assumir esse papel.

E com os pés firmemente fincados no presente, lançar as bases do futuro."

Levando-se em consideração as últimas notícias acerca da economia nacional, é urgente essa providência.

No mais é rezar. Esperar que chova. E esperar juízo nos homens...

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

WHERE IS BILLY JAYNES CHANDLER?



* Bárbara de Medeiros
* Honório de Medeiros       

Era hora do almoço quando papai pediu que eu traduzisse uma reportagem pra ele. Nessas horas, os quatorze anos de estudo de inglês geralmente se pagavam, e foi com prazer e uma certa confusão que li para ele uma reportagem policial de uma criança, Billy James Chandler, que fora assassinada por um de seus pais. O mistério estava em qual dos dois fora o responsável pele monstruoso ato, mas os testemunhos levavam a crer que o pai, William Chandler, tinha sido o verdadeiro algoz do pequeno ser de apenas seis meses.

Claro, a minha curiosidade não podia permitir que eu realizasse tal trabalho sem perguntar o quê papai queria com aquele casal louco e seu falecido filho. Balançando a cabeça com uma expressão de decepção, ele me disse que não era isso que ele procurava, e começou a me contar acerca de Billy James Chandler, o pesquisador, que teria escrito alguns dos livros mais importantes acerca do cangaço. Era ele quem meu pai procurava.

Bastou uma rápida procurada no Google pra descobrir que o nome do historiador era, na verdade, Billy Jaynes Chandler, e obviamente ficou claro que não havia nenhuma relação entre esse homem e a notícia que ele me colocara para ler.

Eu ainda não tocara na comida.

Fui atrás do meu computador para procurar mais acerca do homem que meu pai queria encontrar na rede social. Mas uma rápida pesquisa do seu nome apenas indicava sites onde os seus livros mais conhecidos estavam disponíveis para compra.

Foi aí que meus conhecimentos das ferramentas do Google vieram a calhar. Tirando as palavras chaves relacionadas às suas obras, sobraram poucos sites disponíveis, mas que aparentemente seriam mais importantes na minha pesquisa.

O primeiro deles foi o da editora Record, responsável pelos livros de Chandler (doravante denominado BJC) aqui no Brasil. Ela mantém uma página com informações de todos os escritores que publicam pelo seu selo. Obviamente, fui para a página do historiador, mas qual não foi a minha surpresa ao descobrir que nela não havia qualquer palavra. Nenhuma. Só o nome inteiro do americano como título, o resto era completamente branco. 

Meu primeiro instinto foi encontrar a página de contato da editora e escrever pedindo informações sobre Mr. Chandler. Embora sabendo que a maioria das companhias brasileiras têm o péssimo hábito de ignorar seus leitores, não custava nada pedir. Feito isso, prossegui na minha pesquisa. Nada obtive.

O próximo passo foi procurar a editora americana responsável pela primeira impressão dos seus trabalhos. Depois de pesquisar na Amazon, descobri que era a Texas A&M University Press, e foi para o site dela que parti. Não consegui achar nenhuma informação na página deles, mas me atrevi a lhes mandar um e-mail pedindo alguma informação que pudessem me conceder. Até o presente momento, nada.

Ainda mexendo nas páginas da web descobri o site da faculdade onde Billy Jaynes fez seu bacharelado em história: a Austin Peay State University. Na parte da Alumni, seu nome consta na lista de “perdidos”, e pede-se que qualquer pessoa que tiver alguma informação a seu respeito (e outros que também se encontram na lista), favor entrar em contato. Lá consta que o ano da sua graduação foi 1954. E agora eu sabia pelo menos mais uma pequena informação sobre esse homem que agora começava a me fascinar (mais pelo seu mistério, devo admitir, que pelo seu trabalho).

O próximo passo foi olhar no site da Universidade onde ele lecionou história - a Texas A&M University - Kingsville. Foi lá que descobri que o homem por quem procurávamos havia se tornado professor emérito em 1995. Dez anos atrás. Escrevi um e-mail pedindo informações, sem maiores expectativas. De todos os que eu enviara, esse era o que eu menos esperava que fosse respondido.

A única outra menção a Billy Jayne Chandler na história da Universidade na qual fora professor era em um livro de Cecilia Aros Hunter e Leslie Gene Hunter, contando a história da universidade. Algumas páginas estavam disponíveis no Google Books e foi lá que eu encontrei o nome do professor, no último parágrafo da página 155, contando que ele fizera circular uma petição para uma associação dos professores universitários americanos pedindo que um tal Robins explicasse a crise financeira que a escola enfrentava. A petição dele, segundo consta no livro, dizia que a secretaria da administração estava causando um sério declínio na moral da instituição.

Avisei papai do estado da minha pesquisa e agora só me restava esperar pelas respostas aos meus e-mails. Honestamente, a expectativa não estava alta.

Até hoje somente recebi uma resposta, um e-mail, surpreendentemente do único órgão do qual não esperava resposta: a universidade onde Chandler trabalhara. Robert C. Peña, diretor assistente de serviços da web, me respondeu dizendo que não fora possível encontrar nenhum tipo de informação de contato de Mr. Chandler, já que registros pessoais eram mantidos apenas por alguns anos. Ele sugeriu que eu tentasse contactá-lo pela Amazon (e anexou o fórum online do autor) ou pela editora que publicava seus livros.

Como já disse antes, eu já tentara essa segunda alternativa, e o fórum de Billy Jayne Chandler é constituído por duas pessoas tentando encontrá-lo: algum brasileiro, aparentemente, e alguém denominado Elizabeth, representando um antigo colega de trabalho (também ex-professor de história). Após uma conversa com papai, decidimos mandar um e-mail para essa mulher pedindo qualquer informação que ela pudesse nos repassar.

Os dias se passaram e eu não obtive retorno, mas para a minha surpresa o Robert C. Peña, da antiga faculdade onde Billy trabalhou entrou em contato novamente comigo, para me avisar que ele tentara encontrar no campus alguém que tivesse alguma informação a respeito do historiador, mas que ninguém parecia saber onde ele se encontrava.

Tendo agradecido a informação, só me restava aguardar alguém mais responder, quem sabe Elizabeth, do fórum de BJC na Amazon. E talvez por julho ter sido um mês tão bom, os meus pensamentos positivos se concretizaram e em dois ou três dias recebi uma resposta dela.

O e-mail não trazia grandes informações. Informou que ela trabalhava com esse tal professor que trabalhara com Chandler e que ele estava muito interessado em retomar o contato. Ela me avisou que não havia muito a ser dito sobre BJC, que estava na Europa, e quando voltasse responderia meu e-mail com as poucas informações às quais tinham eles acesso.

Eu preferi não responder nada por alguns dias, pois meu longo conhecimento em troca de e-mails assegurava que quase sempre as pessoas tendiam a esquecer de responder uma pergunta quando diziam que fariam isso depois. Então eu deixei para enviar um e-mail agradecendo sua prontidão em compartilhar suas informações praticamente uma semana depois, quando eu ainda não tinha recebido qualquer o retorno dela.

Foi o que fiz. E, até agora, nada.

Oh, my God, where is Billy Jaynes Chandler?

P.S. Billy Jaynes Chandler é um dos mais importantes escritores acerca do cangaço e coronelismo. Suas obras “Lampião, o Rei dos Cangaceiros”, e “Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns”, são canônicas, seminais. Tentando localizá-lo para uma entrevista via internet, esbarrei nessa dificuldade relatada acima, a meu pedido, por minha filha Bárbara de Medeiros. Ficou uma imensa curiosidade acerca de onde anda Chandler. Terá morrido? Por que se esconde? 

Encontrei no blog http://estoriasehistoria-heitor.blogspot.com.br/2012/12/livros-em-que-familia-feitosa-e-tema.html um artigo de Heitor Feitosa Macêdo que publico abaixo, parte dele, acerca de Chandler:

“O norte americano Billy Jaynes Chandler era um doutorando em história pela Texas A & University, tendo despertado seu olhar para o Brasil, como campo de estudo, em 1963, durante o curso de Introdução à Língua Portuguesa na Universidade da Flórida, pois era pré-requisito para o doutorado pretendido.

Inicialmente o autor cogitou o México para servir-lhe de objeto para a dissertação, contudo, durante um curso de Sociologia ministrado pelo Dr. José Arthur Rios, professor visitante da Universidade da Flórida, Chandler fora dissuadido, e terminou optando pelo Brasil.

Segundo o próprio autor, o Brasil oferecia outros tópicos de maior relevo do que os Inhamuns, porém Chandler queria familiarizar-se “com um aspecto mais amplo ou pelo menos diferente da vida brasileira.” Sendo seu objetivo estudar “uma comunidade fiel às tradições”, isolada ou isenta dos avanços do século XX, “onde tudo fosse como antigamente”.

Logo, em face desse anseio por um corpo social que fosse culturalmente mumificado, o Ceará apresentou-se bastante adequado, segundo a indicação do professor Rios.

A região dos Inhamuns foi escolhida depois de leituras adicionais, porque, conforme Chandler, esse espaço sertanejo caracterizava-se por ser uma “área rural, isolada e tradicional”, além disso, também era “a terra de uma numerosa família que mais de uma vez atraíra a atenção local e até do País inteiro”.

Desta forma, depois da escolha, partiu para aquele rincão, chegando em novembro de 1965, onde foi ciceroneado gentilmente pelos filhos daquele sertão. Por isso ficando o autor admirado e agradecido pela gente que o hospedou e conduziu pelas sendas dos Inhamuns, citando-se Antônio Gomes de Freitas, Antônio Teixeira Cavalcante, Lourenço Alves Feitosa, Aramando Arrais Feitosa etc.

A obra, publicada no Brasil no ano de 1981, é considera a segunda[17]a ser forjada em moldes de verdadeira ciência, pois, em sendo tese de doutoramento em história, consubstanciou a aplicação do método científico frente a antigos fatos registrados nos alfarrábios e na oralidade. O estudo é considerado suficientemente amplo por compreender aspectos administrativos, econômicos e políticos.

A análise recai sobre o início da colonização em 1700, e vai até o ano de 1930, considerado como marco final da perda do poder hegemônico dos Feitosa sobre grande parte dos Inhamuns.

Paralelamente sob a ótica do conflito entre o público e o privado, esquadrinha as instituições sociais, sobretudo a família, e a sua relação com o poder estatal. Igualmente identificando causas e consequências, do apogeu ao declínio político-econômico, dos Feitosa no seu feudo continental.

Assim, parece que o declínio relativo dos Feitosas foi acelerado por dois fatores: a importância que davam às prestigiosas atividades pecuárias, mesmo quando outros haviam conseguido constituir uma base econômica mais sólida através da agricultura, e a destruição periódica de seus únicos recursos produtivos – os rebanhos de gado – pelas secas (Billy Jaynes Chandler)”.

Encerro fazendo minhas as palavras de Bárbara de Medeiros: “where is Billy Jaynes Chandler?

terça-feira, 1 de setembro de 2015

NÃO PODE USAR SALTO ALTO


* Bárbara de Medeiros



Tire os seus sapatos antes de entrar em casa.
Não quero sujeira no carpete.
É novo.
O outro estava sujo.
E eu não nasci pra ser empregada de ninguém.

Tire seu casaco.
Não há ventania aqui dentro.
Não precisa se proteger dentro da sua própria casa.
Mas deixe-o perto da porta.
Não saia sem ele, o mundo lá fora é cruel e estranho.

Coloque sua máscara antes de sair de casa
Cautelosamente
Não deixe que ninguém te veja sem ela
Não podemos nos dar ao luxo de demonstrar sentimentos
Finjamos ser de plástico.

Não esqueça da armadura
Contra palavras afiadas, olhares estranhos
(se você tiver sorte, no máximo uma cantada)
Você é humana, mas eles, não.
E eles sabem explorar sua solidão.

Tome cuidado,
não ande na contramão.
Olhe sempre pro chão.
Não dê atenção.

Seja invisível,
papel de parede,
esquecível.

Não seja mulher.
Não seja você.

Não seja.

sábado, 22 de agosto de 2015

UM LIVRO PUXOU A MANGA DA MINHA CAMISA

Entre Valério Mesquita, à minha direita, e Eider Furtado

* Honório de Medeiros

Em algum lugar defendi a hipótese seguinte: os livros nos procuram; engana-se quem supõe que nós os escolhemos.

Assim foi na noite em que o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, o IHGRN promoveu sua Terceira Noite do Livro, sob a liderança do seu Presidente Valério Mesquita, contando com o apoio de nomes consagrados das letras potiguares, tais como o Professor e ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Norte Carlos de Miranda Gomes, o memorialista e escritor Ormuz Barbalho Simonetti, o ex-Presidente da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte Odúlio Botelho, a Presidente da Academia Cearamirinense de Letras Joventina Simões, dentre outros.

Nas mãos eu conduzia o "História e Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte", obra especial de Maria Arisnete Câmara de Morais e Caio Flávio Fernandes de Oliveira, e "Audiência de um Tempo Vivido", o primeiro volume das memórias do meu querido Professor Eider Furtado, leitura que recomendo a todos, em direção ao caixa, quando fui puxado pela manga da camisa. A responsável pela organização do evento me perguntou: "conhece este?"

Era o "Patriarcas e Carreiros", de Manoel Rodrigues de Melo. Eu o conhecia, mas não tinha lido, nem o possuía. Resolvi levá-lo, em respeito à hipótese exposta acima. Afinal ele, o livro, me procurara.

Faço, aqui, um interlúdio, para registrar minha alegria em reencontrar o Professor Eider Furtado na sua habitual elegância, acuidade mental e auto-ironia sutil, marca característica sua, carregando como poucos a experiência dos seus noventa e poucos anos. Quando fiz o gesto de lhe entregar seu livro para obter o autógrafo ele me olhou e disse "veio devolver?" Ri e comentei o quanto suas aulas, na minha época de aluno, eram esperadas pela qualidade do conteúdo e de sua verve. 

Pois bem, não resisti e folheei "Patriarcas e Carreiros" tão logo cheguei em casa, altas horas. Que "patriarcas" seriam esses, dos quais se ocupou Manoel Rodrigues de Melo? Ele mesmo o diz, incidentalmente, no início da obra: o "(...) patriarca sertanejo (...) varador de sertões, fundador de currais onde mais tarde se levantariam quase todas as cidades nordestinas".

Aí está. Ele, Manoel Rodrigues de Melo, pelo que eu pude perceber ao folhear seu livro, traça perfis, levanta histórias, apresenta fatos, descreve hábitos e costumes do século XVIII e XIX e começo do século XX. E, em o fazendo, coloca à disposição dos estudiosos uma fonte de primeira grandeza para o estudo desse personagem fundamental no entendimento do nosso processo civilizatório nordestino.

A segunda parte do "Patriarca e Carreiros" é dedicada ao estudo do carro-de-boi. Pelo que eu pude entender, escrita em anos anteriores à metade do século XX, o texto é aberto da seguinte forma, dando ideia imediata da importância do estudo do seu objeto: "Nenhuma cidade, vila, povoação, fazenda, sítio, margem ou leito de rio, litoral ou sertão, tabuleiro, caatinga, arisco, subida, descida ou chão-de-serra, várzea ou vale, canavial ou simples roçado de algodão, baixa de arroz, de capim ou de melão, vazante, cercado, qualquer que seja o seu nome, poderá dizer que ignora a existência do carro de boi."

Um clássico, sem dúvida, que me puno por não ter lido antes, mas ao qual sou grato por ter me puxado pela manga da camisa a tempo de corrigir essa desdita. 

Assim, aos poucos, o Instituto volta a cumprir seu mister após anos de obscuridade, seja enquanto fruto da obstinação dos seus dirigentes, seja pela imanência que seu passado evoca quando se põe enquanto permanente intermediária entre livros e leitores, idéias e estudiosos, história e pesquisadores. Longa vida ao IHGRN!

Destino que se revela, também, no gesto da sua funcionária ao me alertar, no momento em que me despedia desapercebido, da Terceira Noite do Livro, para o chamado mudo que me fazia "Patriarcas e Carreiros".  

terça-feira, 18 de agosto de 2015

TERCEIRA FEIRA DE LIVROS DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN

* Honório de Medeiros

Sexta-feira próxima, dia 21 de agosto, a partir das 18 horas, o INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE (IHGRN), na Rua da Conceição, 622, Cidade Alta, promoverá a TERCEIRA FEIRA DE LIVROS, com música ao vivo, bebidas e comidas.

Estarão lá, para autografarem seus livros a serem vendidos a preço de custo, com renda revertida para as obras do IHRGN, os escritores:

Assis Câmara
Augusto Leal
Bob Mota
Carlos Adel
Carlos Gomes
Claudionor Barbalho
David Leite
Eduardo Cunha
Eduardo Gosson
Gutemberg Costa
Honório de Medeiros
Jorge Veras
Jurandir Navarro
Marcos Aurélio Cavalcante
Manuel Marques
Manuel Onofre
Marcos Cézar
Ormuz Simonetti
Roberto Lima
Thiago Gonzaga
Tomislav Femenick
Valério Mesquita
Vicente Serejo
E os escritores da 

ACADEMIA CEARAMIRINENSE DE LETRAS E ARTES (ACLA)


Lá estarei autografando "Massilon - Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins".



segunda-feira, 17 de agosto de 2015

QUANTO ÀS MANIFESTAÇÕES

* Honório de Medeiros

Como disse a um velho e querido amigo, as manifestações nem foram o que esperávamos, tampouco foram o que o Governo desejava.

Ficaram pelo mais-ou-menos.

Três fatos, entretanto, me chamaram a atenção: a) a ausência de distúrbios; b) o afeto ao Juiz Moro; e c) a dessacralização de Lula.

Este último é muito significativo.

Lula já foi.

domingo, 16 de agosto de 2015

sábado, 1 de agosto de 2015

NÃO LHES PERGUNTO ACERCA DA MELANCOLIA

Foto do Autor


* Honório de Medeiros


Há músicos em todos os lugares pelos quais passam muitas pessoas, em Barcelona. Músicos, cantores, instrumentistas, crooners...


Estão ali, sempre, nas Ramblas, nos metrôs, nos Carré, nos pátios das igrejas, cantando e tocando instrumentos, desde "hits", até suítes sofisticadas de Vivaldi, em número muito maior que em Paris ou Lisboa.

E há algo além da da onipresença deles nas ruas de Barcelona. Há a melancolia no olhar de cada um deles.

Estaria eu fantasiando? Até pensei que sim, refém de tanta literatura estranha, desde Hawthorne até Baudelaire. Entretanto minha filha me fez cair na real, como se diz hoje.

Ao passarmos por um virtuose do violino que interpretava "Traumerei", de Schumann, ela observou: "papai, por que ele não sorri com os aplausos?" Imediatamente olhei para os olhos do músico. De fato.

Pois os olhos de quem canta ou toca, na noite, por lá, são melancólicos, penso eu.

Não tristes, mas melancólicos, mesmo quando sorriem. Há uma grande diferença entre um e outro. Tristes são aqueles mergulhados no presente.

Melancólicos aqueles que mergulham no passado. Como o filho de um amigo meu quando pega seu violino, se afasta, e inicia um diálogo com o instrumento ao qual não temos acesso, de olhos fechados e abertos ao mesmo tempo, insondáveis.

Para mim, todos eles estão mergulhados no passado, reféns de um futuro que não se realizou ou de uma ilusão que reluta em se tornar realidade.

São inteligentes, percebem a realidade das coisas com muita rapidez. Se, por um espasmo da sorte, chegam lá, não se adaptam, viveram demais, e o olhar, cansado, de quem tudo conhece, reflete isso.

Cato sempre minhas moedas e lhes pago o tributo do vôo da minha imaginação ou da verdade dos fatos. Peço-lhes intimamente desculpa, se erro na minha avaliação.

Não lhes pergunto acerca dessa melancolia enquanto resultado do cinza do dia-a-dia. Temo a falência da fantasia. Sigam, digo para mim mesmo. A intimidade geraria o desprezo.

Bom, é outro mundo. Nem mesmo noto, entre os de seu próprio povo, essa constatação. Passam todos eles, jogam moedas, como se cumprissem um ritual, mas nenhum olha os olhos de cada músico, mesmo quando resolvem parar e ouvi-los.

E aqui estou eu, me importando, devaneando, e eu sou a melancolia, somos um nicho no tempo, apenas uma ilusão, nada mais, senão palavras ao vento...


sexta-feira, 17 de julho de 2015

NINGUÉM ENSINA NADA A NINGUÉM

* Honório de Medeiros


Assim ninguém ensina nada a ninguém quanto ao que ele é, muito menos quanto ao que deve ser, e a verdade de cada um brota, solitária, de dentro para fora, e é uma conquista pessoal, e toda a tentativa de ensinar acerca de tudo isso sem que o outro a busque é uma invasão, uma tentativa de colonização, uma miséria da alma.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

À LEI NÃO BASTA SUA LEGALIDADE: TEM QUE SER LEGÍTIMA

* Honório de Medeiros

À Lei não basta sua legalidade: tem que ser legítima. Quando não o é, padece do mesmo vício que arruína a conquista pela força. Não há distinção entre a mão pesada do indivíduo arrogante e a do Estado. Assim não cabe agasalharem-se na capa covarde do estrito legalismo, os que o fazem, para justificar interpretações, produções e aplicações da norma jurídica que firam tudo quanto causa repulsa ao cidadão comum, à Sociedade, portanto. No âmago da ação de lidar com a norma jurídica, seja no começo, quando interpreta, seja no fim, quando aplica, está o ato de criar próprio de cada ser humano e estranho a qualquer lógica, que é anterior ao ordenamento jurídico; no âmago desse ato de criar está, e não pode ser diferente, tudo quanto constitui o caráter do ser humano. Ao concretizar a ação de sua vontade, dizendo a norma jurídica, o operador se revela ao mundo tal qual é em seu heroísmo ou vileza.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

OS LOBOS SEGUEM SE DANDO BEM, DESDE QUE O TEMPO É TEMPO

* Honório de Medeiros


A vocação do ser humano para se permitir ser manipulado é imensa.

Alvo dos predadores, sejam eles de que tipo sejam, desde políticos, passando por todos que falam em nome de Deus, até os coachs, sem esquecer vendedores e carreiristas profissionais, a ovelha humana segue sua saga, dia-a-dia, de ser enganado.

E os lobos continuam se dando bem, desde que o tempo é tempo.

Mais que nunca, hoje é o tempo dos inocentes úteis.


sexta-feira, 26 de junho de 2015

O HOMEM É MUITOS, MESMO SENDO NENHUM

Bachelard

* Honório de Medeiros


“Iluminar a realidade”, disse-me o poeta/filósofo. Ou seria filósofo/poeta? Não importa. Ele é sobrevivente de outras eras. Um humanista. Diz-me, hoje, com os olhos voltados para ontem: "a filosofia não mais se expõe poeticamente. Traja outras vestes, sem elegância."

Dou-lhe razão. Foi-se o tempo de Heráclito de Éfeso: "não se pode entrar duas vezes no mesmo rio", célebre fragmento que tanto impressionou Wittgenstein. "Tudo flui"... Quão bela é a filosofia dos gregos arcaicos...

Quem terá sido o último dos filósofos/poetas? Talvez Gaston Bachelard: "o Conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão". Ou mesmo: " O pensamento puro deve começar por uma recusa da vida. O primeiro pensamento claro é o pensamento do nada."

Suprema gnosiologia...

Certa vez, quando exposto um senão, o horizonte foi apontado, naquela linha onde se fundem mar e céu, e a resposta enunciada pelo poeta/filósofo: "procure iluminar a realidade"; "somente então podemos enxergar."

Simples assim.

A poesia – ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, o trivial. Muitas palavras lavradas na árida linguagem técnica diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos. Entretanto essa frase descerrou véus e foi possível enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta, onde antes nada havia além de escuridão e ignorância.

O Homem é muitos, mesmo sendo nenhum.

A TRINCHEIRA DE EZEQUIEL FERNANDES QUANDO DO ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ

* Honório de Medeiros

Ocorreu que Raimundo Nonato Alfredo Fernandes, nascido na fazenda “Cantinho”, ali entre Pau dos Ferros e Encanto, no Alto Oeste do Rio Grande do Norte, em 2 de junho de 1910, estando na roça, no apogeu dos seus quinze anos, encostou no terreiro de sua casa um Ford 1922 com duas pessoas dentro: seu primo Elias Fernandes, irmão de Alfredo Fernandes, proprietário da empresa homônima em Mossoró, no mesmo Estado, e da residência na Avenida Getúlio Vargas vizinha a celebre casa do Coronel Rodolpho Fernandes, de quem era cunhado, que hoje é a sede da Prefeitura da Cidade, e um motorista ao volante, o depois cangaceiro que participou dos ataques a Apodi e Mossoró e que atendia, na época, pelo nome de Julio Porto.

Elias vinha convidá-lo para ir trabalhar na empresa Alfredo Fernandes, a convite do seu proprietário.

Atentemos para o detalhe: em 1922 Júlio Porto, natural de Aurora, no Ceará, já conhecia, e bem, Mossoró, onde era motorista dos Fernandes.

Elias e Alfredo Fernandes eram filhos do Coronel Adolpho Fernandes, protagonista do “Fogo de Pau dos Ferros”, quando sua família, por ele liderada, expulsou o líder político Coronel Joaquim Correia da cidade, em 1919. O Coronel Joaquim Correia jamais voltou a Pau dos Ferros. E o Coronel Adolpho Fernandes era seu Prefeito (Intendente) quando Lampião atacou Mossoró.

Passam-se cinco anos. Estamos em 1927. Junho. No dia 13, Lampião invade Mossoró. No final da Rua hoje denominada Dr. Francisco Ramalho, no sentido de quem vai para o centro da cidade, na última residência, do lado direito, reside Ezequiel Fernandes de Souza, sobrinho do Coronel Adolpho Fernandes e sócio de Alfredo Fernandes. Nela, a poucos passos da Igreja de São Vicente, montou-se uma tosca trincheira para aguardar os cangaceiros. 

Sob a liderança de Ezequiel Fernandes lá estava sua esposa Ester, que havia dado a luz, e padecia de febre puerperal, o chofer de um caminhão da Prefeitura que aguardava condições para retirá-la da cidade, mas que fugiu tão logo aconteceu os primeiros tiros, um freguês da empresa Alfredo Fernandes chamado de “Velho Chico”, um amigo da família, Maurílio, que lá estava porque tinha raptado Isabel, sobrinha de Afonso Freire e a depositado sob os cuidados dos donos da casa. Os demais, quinze pessoas, recolheram-se em um quarto no centro, no entorno da cama da doente: Ezequiel Fernandes, Pedro Ribeiro, seu primo, seus filhos Laete, Luís e Aldo, Chico Sena, seu sobrinho, Isabel, as domésticas Leonila e Esmerinda, as vizinhas Maria Leite e sua filha Laura, Julieta, filha de Delfino Fernandes, Alzenita Fernandes e Raimundo Fernandes, então com vinte anos.

Os integrantes da trincheira, que se posicionaram no telhado da residência foram o “Velho Chico” e Maurílio. 

Dessa vez Raimundo Fernandes não chegou a ver Julio Porto, mas o ex-motorista estava com os cangaceiros de Lampião e Massilon no ataque a Mossoró.

Ester Fernandes não resistiu à doença e faleceu quatorze dias depois, no dia 27 de junho, cercada pela família.

Tudo aqui contado conforme o livro “RAIMUNDO FERNANDES, ANTEPASSADOS E DESCENDENTES”, da lavra de Inês Maria Fernandes de Medeiros, ainda a ser lançado, tiragem de junho de 2015, sem outras informações acerca de sua edição, com alguns acréscimos do autor do artigo. 

domingo, 21 de junho de 2015

POUCOS SABEM VIVER A SÓS

* Honório de Medeiros

Houve um tempo no qual eu morei em uma cidade pequena. Sentia tédio, principalmente aos domingos, quando tudo parava e as pessoas se recolhiam a suas casas. Um dia me perguntaram: “como suporta viver aqui? Não há nada para se fazer.” Depois fui para a cidade grande. Às vezes também sentia tédio, principalmente aos domingos. Menos, entretanto, pois perambulava por lugares onde pessoas se encontravam, falavam, riam, cantavam, brigavam, se deslocavam em vaivém incessante. Tentando compreender eu pensava com meus botões: “deve ser porque, aqui, há movimento, pois lá também existiam coisas para se fazer, embora a sós.” “Mas não, não é o movimento, o bulício, o frenesi, uma vez que, mesmo assim, sinto tédio, embora em menor quantidade.” “Então não é algo que está fora de mim, ao contrário, está dentro.” “É minha alma inquieta, que se entorpece, em alguns momentos, com a aparência do algo-sendo-feito fora de mim.” Pois a noção de que não nos sentimos entediados em lugares onde muitos estão em atividade, de que sempre há algo para se fazer, típica da e na cidade grande, é uma ilusão, entorpece nossa alma inquieta, e nos permite sobreviver à rotina. Na verdade o tédio é uma consequência de nossa alma inquieta, viciada em não ficar a sós. Queremos movimento, cores, sons, sentir que estamos participando. Mas quem não parou em alguma festa, por um momento, e se perguntou: “o que faço eu aqui?” Como somos empurrados, algumas vezes sutilmente, outras brutalmente, para participar desse convescote que é a vida comum, somos eternos inadaptados. Poucos sabem viver a sós. Poucos têm serenidade na alma.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

"NO REMANSO DA PIRACEMA", DE FRANÇOIS SILVESTRE

* Honório de Medeiros

Frederico de Deus Perdoe está incorporado, definitivamente, ao acervo que obras literárias marcantes constroem lentamente, ao sabor do tempo, dos lugares, e das circunstâncias, no imaginário das pessoas, por que é ele um observador engajado de si, dos outros, e das coisas, que vão ressurgindo – seja no viés alegre que a primeira leitura dos seus relatos exponha; seja no viés melancólico que surge quando mergulhamos em uma releitura – via articulados engastes frasísticos, esteticamente surpreendentes, expressos em sínteses vestidas de paradoxos estilísticos.

Não somente por isso; não somente pela forma. É ele, Frederico, o fio condutor enquanto narrador de uma estória na qual a humanidade se apresenta por inteiro em seus detalhes, pois em cada um deles está o todo: não importa quando, não importa como, não importa por que, se eu descrevo minha aldeia, ou minha saga, descrevo a terra inteira. Se eu disser um homem, digo toda a humanidade.

Frederico vive episódios que a crônica oral ou escrita do homem comum condenaria ao esquecimento. Entretanto não ocorre assim quando ele os conta. Se a morte de Dr. Antônio, vítima de ciúme atroz, se torna único pela forma como é contada, levando-nos à sofreguidão pela busca do desfecho; se não é diferente quanto à história da traição da qual é vítima o narrador quando, pela primeira vez surge, em seu bolso, muito dinheiro; se ocorre o mesmo na metamorfose de Nogueira, há muito mais além do relato que uma primeira leitura apresenta.

Basta que aprofundemos nossa leitura, por exemplo, nas memórias da tia do narrador. Quanta identidade entre a solidão à qual foi condenada a tia de Frederico pela época, lugar onde viveu, e a de tantos outros. Seria essa solidão algo desconhecido dos homens ao longo de suas histórias? Não. Ao contrário. A solidão de sua tia é a solidão de cada um de nós, fruto do destino comum. Somos todos, cada um e o todo, órfãos de um sentir que a razão não explica, mas o coração sente e o corpo padece. Abandonados à própria sorte, nossa vida não é saga, é fado, por mais que lutemos. Assim, a bela narração de Frederico cativa e magoa, aproxima e transtorna, alegra e entristece por que, em uma justa medida, expressa a dimensão da tragédia de um sentimento individual originado de uma herança comum. Através de Frederico somos mesquinhos e altruístas, santos e demônios, céu mirífico e lama infinda.

É preciso ler “No Remanso da Piracema”, a estória de Frederico de Deus Perdoe, seja para o deleite do sentir, seja para o deleite da razão. Mas é preciso ler.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

ELES, LOBOS; NÓS, OVELHAS

* Honório de Medeiros


"Foi buscar lã e saiu tosquiado"
DITO POPULAR

Antes que me acusem de “simplismo” lembro, aos leitores, que guardando as proporções devidas entre o gênio e o provinciano inquieto, o texto a seguir, pelo menos na aparência, pode guardar alguma semelhança remota, no que diz respeito à ausência do embasamento erudito tão caro aos acadêmicos (nada mais que argumentos de autoridade quando não é possível comprovação empírica), ao “Manifesto Comunista” de Marx e Engels e ao “Servidão Voluntária” de La Boètie, ou mesmo ao “O que é a Propriedade”, de Proudhom.

Entretanto ouso dizer que é possível um tratamento “acadêmico” ao que se vai expor. Tanto é possível fazê-lo a partir da Filosofia, com Marx e os anarquistas ou, para não ser acusado de tendência óbvia pelo pensamento de esquerda, com base no pensamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir da Sociologia, desde que haja, como matriz, a Teoria da Evolução de Darwin.

Posto isso, gostaria de iniciar apresentando a célebre fábula de La Fontaine, “o Lobo e o Cordeiro”, devidamente parafraseada:

“Um cordeiro matava a sede nas águas límpidas de um regato.”
“Eis que se avista um lobo que por lá passava em jejum e que lhe diz irritado”:
- “Que ousadia a sua, turvando, em pleno dia, a água que bebo. Vou castigar-te”.
- “Majestade, permita-me um aparte – diz o cordeiro – veja que estou matando a sede vinte passos adiante de onde o Senhor se encontra. Não seria possível eu ter cometido tão grave grosseria”.
- “Mas turva, e ainda pior é que você falou mal de mim no ano passado”.
- “Mas como poderia – pergunta assustado o cordeiro – se eu não era nascido”?
- “Ah, não? Então deve ter sido seu irmão”.
- “Peço-lhe perdão mais uma vez, mas deve haver um engano, pois eu não tenho irmão”.
- “Então foi algum parente seu: tios, pais... Cordeiros, cães, pastores, nenhum me poupa, assim vou me vingar”.
“E o leva até o fundo da mata, onde o esquarteja e come sem qualquer processo judicia”.

Os lobos são a elite política; as ovelhas, o povo.

Desde que o mundo é mundo, excetuando, talvez, um período provavelmente mítico no qual o Homem vivia anarquicamente de caça e coleta[1], sem chefes nem hierarquias[2], a Sociedade é assim mesmo: de um lado os exploradores, do outro lado, os explorados.

Lembremo-nos como era antes nas grandes civilizações arcaicas: a grega, a judia, a chinesa, a hindu. O quê mudou de lá para cá? Nada, exceto a forma: se antes a polícia do chefe usava lança, hoje usa fuzil AK-47; se antes o tributo era o butim arrancado violentamente sem qualquer justificativa, hoje a extorsão se faz sob a desculpa de se dar condições ao Estado para que este melhore a vida das ovelhas em Sociedade.

Não vou perder tempo discutindo o que é o Estado. Desde que surgiu, quando surgiu a Polícia, o Tributo, a Norma Jurídica, e a Propaganda, o Estado é isso mesmo que você, caro leitor, pensa que é: um conjunto de aparelhos de controle social que a elite política criou para manter o “status quo”.

Pensemos, por exemplo, na Norma Jurídica. A elite política dissemina a idéia de que sua finalidade é o bem-estar social. Quando os gregos irridentes, nas guerras civis, pediram leis que submetessem a todos, a aristocracia pressionada acatou, mas tratou logo de controlar sua interpretação, produção e aplicação[3]. Hoje ainda é do mesmo jeito.

Aliás, a Norma Jurídica deve ter surgido como um estratagema de domínio: como não era mais possível dar ordens verbais a todos, e a escrita estava surgindo, nada melhor que cria-las, coloca-las em algum lugar público, e impor que “a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei”. Tudo sob medida.

Pois bem, e essa elite política se perpetua? Claro, em todos os lugares. No Brasil, desde o Império.

As oligarquias, para sobreviverem, em certas circunstâncias históricas usam talentos aos quais agregam, consomem e expelem para fora do círculo íntimo do Poder Político: Dinarte Mariz fez isso; Aluízio Alves, também; Tarcísio Maia o fez, os Rosados o fizeram; Wilma de Faria idem, e assim por diante. São os escalões intermediários entre o círculo íntimo e a base mais abaixo, constituída de “inocentes úteis”.

Brigam entre si os integrantes da elite política[4]. Mas, se ameaçados, se unem contra o inimigo comum. Vejam o caso de Mossoró. Não por outro motivo o PT, até Lula chegar ao Poder, era um anátema, posto que representasse uma real ameaça aos interesses políticos/econômicos dos detentores do Poder. Hoje, a história é outra.

Essa elite política, para sobreviver, se espraia por todos os aparelhos do Estado: Judiciário, Legislativo, Executivo. Aparelha tudo. Os aparelhos são integrados por membros das famílias que constituem a elite política ou agregados. Quando não é possível a nomeação de familiares ou agregados, ainda resta a cooptação e o exílio, o esvaziamento político/social. E, obviamente, se espraia também pela mídia servil, que bem paga, passa a filtrar os fatos – até mesmo criá-los, se for necessário - e lhes dá a conotação que interessa ao grupo dominante, assim como pelos negócios, através dos predadores empresariais, quase sempre sanguessugando, obliqua e dissimuladamente, a máquina estatal.

Obviamente, em certas circunstâncias históricas, como ocorreu recentemente no Brasil pós Lula, parece mudar os atores principais do teatro político. É possível. Mas a estrutura continua: uma nova elite política substitui a anterior que, derrotada, sai de cena. Os atores são novos, mas o Teatro e a tragicomédia são os mesmos, há sempre lobos e ovelhas, e continua tudo igual. “Mutatis mutandis”.

Portanto temos que a elite política domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário; os meios de comunicação, a tributação e os negócios empresariais com o Estado, bem como a Polícia. Ou seja, domina tudo. E o domínio é extremamente eficiente: os tributos alimentam o Tesouro que vai pagar as obras que vão, por sua vez, pagar toda a máquina política. Tudo isso legitimado por uma propaganda eficiente que cria a impressão de que a arrecadação vai ser usada para produzir e manter políticas públicas de interesse da ovelhada.

Enfim, não por outras razões, como não somos lobos, somos ovelhas: nos tempos de hoje, enquanto alienados, indo inevitavelmente para a tosquia, tão logo sejamos convocados, sem “tugir nem mugir”, ou, quem sabe, quando muito, discreta e aceitavelmente perorando pelos cantos, em voz educadamente baixa, para não levar castigo.

[1] Jacques Le Goff.
[2] Robert Wright.
[3] Nikos Poulantzas.
[4] Gaetano Mosca.

domingo, 14 de junho de 2015

CARLOS GOMES É O NOVO IMORTAL DA ACADEMIA DE LETRAS DO RN

Carlos Gomes toma posse como imortal

* Honório de Medeiros

Na cadeira cujo patrono foi o imenso Tonheca Dantas, tomou posse na Academia  Norte Riograndense de Letras o escritor Carlos Roberto de Miranda Gomes, filho do saudoso e respeitado Desembargador José Gomes da Costa.

Escritor, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Universidade Potiguar, Auditor do Tribunal de Contas do Estado, Controlador Geral do Estado, Presidente da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Norte, a folha de serviços de Carlos Gomes à Sociedade é longa e impecável.

Acima de tudo um homem honrado, como poucos os há, hoje. Uma vida irretocável, a servir de exemplo a quem o conhece e teve a satisfação de com ele conviver. 

Fui um deles. Aluno, estagiário, colega, guardo em minha memória sua corajosa participação em um momento complicado, quando tive minha vida ameaçada, eu e a juíza de Pau dos Ferros, há muitos anos atrás. Na época Carlos Gomes era Presidente da OAB/RN e sua conduta foi exemplar, tanto no apoio quanto na solidariedade.

A nós, Assessores Jurídicos do Estado, colocou debaixo de sua proteção e não permitiu, também em momento delicado, na condição de Consultor Geral do Estado, o aviltamento de nossa categoria.

Creio firmemente que a Academia ganhou muito com a convivência de Carlos Gomes. Principalmente estatura.

Eu me sinto representado por Carlos Gomes na Academia Norte Riograndense de Letras.

terça-feira, 9 de junho de 2015

RINALDO BARROS LANÇA "MENTES FRATURADAS"

RECOMENDO:



"A CIVILIZAÇÃO DO ESPETÁCULO", MÁRIO VARGAS LLOSA

 * Honório de Medeiros

Fecho o livro de Llosa, Mário Vargas Llosa, “A Civilização do Espetáculo”, cujo título foi calcado no “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, um dos mais originais pensadores do século, e me percebo confortável por ter encontrado um texto, da melhor qualidade, que desse corpo a essa sensação permanente de estranhamento e solidão vivenciada por mim e alguns poucos, originada pelo descompasso entre a “cultura” na qual fomos criados e a realidade que encontramos nos dias de hoje.

Não é, portanto, “saudosismo”, o que sentimos. Há, de fato, um progressivo, solerte e profundo processo de banalização dos valores fundantes da cultura, entendida esta como o pressuposto da construção do processo civilizatório. Cultura como a pensou, por exemplo, T. S. Elliot, citado por Llosa, em “Notas para uma definição de cultura”, de 1948, tão atual, posto que, por exemplo, lá para as tantas, expõe: “E não vejo razão alguma pela qual a decadência da cultura não possa continuar e não possamos prever um tempo, de alguma duração, que possa ser considerado desprovido de cultura.”

É bem verdade que em ensaios tais como “A civilização do espetáculo”, e “Breve discurso sobre a cultura”, Llosa não nos aponta as causas do surgimento desse epifenômeno muito embora aluda, de forma enfática, à “necessidade de satisfação das necessidades materiais e animada pelo espírito de lucro, motor da economia, valor supremo da sociedade”, como a força que está por trás das rédeas que conduzem o processo de destruição da cultura tradicional. Não nos é oferecido, de sua lavra, uma macroteoria, que nos explique tudo.

Para Llosa, por exemplo, civilização do espetáculo é "a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigentes é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal."

Como não lembrar do personagem de "O lobo da estepe", de Hesse, em seu permanente solilóquio: "O que chamamos cultura, o que chamamos espírito, alma, o que temos por belo, formoso e santo, seria simplesmente um fantasma, já morto há muito, e considerado vivo e verdadeiro só por meia dúzia de loucos como nós? Quem sabe se nem era verdadeiro, nem sequer teria existido? Não teria sido mais que uma quimera tudo aquilo que nós, os loucos, tanto defendíamos?"

Entendo, embora possa estar enganado, que mesmo Zygmunt Bauman e sua obra acerca da “vida líquida”, “modernidade líquida”, na qual mergulhei durante algum tempo, também não o conseguiu. Sua preocupação é, também, descrever um fato, ou melhor, um epifenômeno social, o processo civilizatório por nós vividos hoje, um degrau acima, em termos de tempo, com alguns instrumentos intelectuais diferenciados, como tentado pelo excepcional Norbert Elias.

Para Bauman, "a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante"; nas quais "as realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em incapacidades."

Eu me pergunto, em relação a Bauman: não há um padrão, uma lei geral que origine esse processo? Não seria essa "vida precária" em "condições de incerteza constante" uma face avançada do processo evolucionário de Darwin?

Aliás, ainda hoje somos devedores, nesse aspecto, dos titãs do século XX, quais sejam Freud, Marx e Darwin, por assim dizer. Mas não é o caso de abordar esse tópico por aqui. O caso aqui é apenas registrar o alívio ao constatar que não estamos errados nós que sentimos que somos, cada vez mais, órfãos de uma cultura que desde os meados do século XX, vem sendo deixada, cada dia mais velozmente, e de forma mais radical, para trás.

Que o digam, como pálido exemplo, a música, o teatro e a literatura contemporânea.

É a banalização da cultura...

quarta-feira, 3 de junho de 2015

POR UM NOVO PACTO SOCIAL PARA O RIO GRANDE DO NORTE

* Honório de Medeiros


O problema fundamental do Rn, hoje, é antes de tudo, antes do social, do político, do econômico, de natureza orçamentária e financeira.

O Governo precisa de dinheiro e não tem de onde tirar. A entrada no Fundo Previdenciário prova isso. E a situação vai piorar, estamos beirando a recessão. Os repasses estão em queda livre. A arrecadação do Estado, com o declínio da atividade econômica, tende a diminuir lenta e inexoravelmente. As demandas dos servidores e da Sociedade tendem a crescer. 

Se eu fosse o Governador Robinson convocaria os Poderes e a Sociedade para um novo Pacto Social.

Um pacto social no qual a renúncia e o trabalho de cada um, pensando no todo, fosse mais importante que qualquer demonstração de unilateralidade.

O Governador é o líder institucional apto a convocar e coordenar esse processo. Com os votos que recebeu, na situação em que isso aconteceu, é de se dizer, até mesmo, que deve assumir esse papel.

E com os pés firmemente fincados no presente, lançar as bases do futuro. 

terça-feira, 2 de junho de 2015

"PADRE CÍCERO", DE LIRA NETO

* Honório de Medeiros


Concluída a leitura de “Padre Cícero”, do escritor cearense Lira Neto, cujo subtítulo é “Poder, Fé e Guerra no Sertão”, Companhia das Letras - “um tijolo” - como diz Aluísio Lacerda, passo a recomendá-lo vivamente aos amigos leitores do blog.

Lira Neto foi, para mim, uma grande e agradável surpresa. Nascido em Fortaleza, Ceará, 1963, já abocanhou o Jabuti em 2007, na categoria “melhor biografia” por “O Inimigo do Rei: Uma Biografia de José de Alencar”. Também escreveu “Maysa: Só Numa Multidão de Amores”, e “Castello: A Marcha para a Ditadura”. Não os li, mas que prometem, prometem. E, claro, escreveu a excepcional biografia de Getúlio Vargas, mas essa é outra história.

Duvido que os outros sejam tão bons quanto “Padre Cícero”. Tão bons quanto, assinalo.

Primeiro por que é muito bem escrito: a leitura é muito agradável, flui fácil, o texto é envolvente; segundo por que a reconstituição histórica, inclusive em termos fotográficos, é primorosa; e terceiro, mas, não, por fim, é impressionante a dimensão do personagem principal e daqueles “secundários”, como é o caso do Dr. Floro Bartolomeu, baiano, médico, garimpeiro, político, ferrabrás, a “alma negra” do Padre Cícero, ou mesmo da Beata Maria de Araújo, negra, analfabeta, protagonista do “milagre do Juazeiro”, que consistiu em cuspir hóstias transformadas em sangue, quando da Comunhão.

A Beata, que até palmatoradas tomou do Vigário do Crato, e foi exilada durante anos de sua Juazeiro natal por ordem da Igreja, também entrava em êxtase e apresentava os estigmas de Cristo, ao mesmo tempo em que se banhava de sangue para logo depois “acordar” limpa e sem qualquer marca no corpo – fenômenos constatados por padres e médicos.

Mas há outros personagens menores sumamente interessantes: o que dizer do Conde Adolphe Achille van den Brule, ex-camareiro do Papa Leão XIII, companheiro e sócio de Floro Bartolomeu, que se apaixonou por uma Juazeirense e, mesmo sendo casado na Europa e lá tendo deixado dois filhos, casou-se novamente no Cariri, nele fincou raízes e nunca mais voltou?

Além dos personagens, alguns fatos históricos relatados na obra chamam a atenção, como a tomada do poder central, em Fortaleza, pelos coronéis do Cariri tendo, à frente, Floro Bartolomeu e um exército de cangaceiros, jagunços, romeiros e devotos de Padre Cícero, todos pelo “padim” abençoados? Revolta que derrubou, na ponta do fuzil, o Governador Franco Rabelo, amado pelos fortalezenses, e, de permeio, matou o nosso Capitão José da Penha, que com ele se solidarizara?

O livro deixa algumas interrogações no ar: qual o passado de Floro Bartolomeu e o fim do Conde van den Brule? Por outro lado demonstra, à exaustão, como a incompetência da Igreja Oficial, externada, principalmente, dentre outros, por intermédio do Segundo Bispo do Ceará Dom Joaquim José Vieira. Preconceito, racismo, intransigência, autoritarismo, alheamento, burrice, tudo isso serviu como combustível de primeira grandeza para alimentar o incêndio fanático no qual se transformou Padre Cícero.

E o quê dizer de Padre Cícero? Nada. É preciso ler o livro. Entretanto é possível ter uma noção de sua sabedoria tomando conhecimento de seu catecismo ecológico, vazado lá pelos idos da virada do século XIX para o XX, e distribuído com os agricultores:

“Não toquem fogo no roçado nem na caatinga; não cacem mais e deixem os bichos viverem; não criem o boi nem o bode soltos; façam cercados e deixem o pasto descansar para se refazer; não plantem em serra acima, nem façam roçado em ladeira muito em pé: deixem o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza; façam uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água da chuva; represem os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta; plantem cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou outra árvore qualquer, até que o Sertão todo seja uma mata só; aprendam a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar vocês a conviverem com a seca. Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá sempre o que comer; mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o Sertão vai virar um deserto só.”

Enfim, uma grande obra. Para ser lida ou para ser estudada. Ou ambas, nada impede.

domingo, 31 de maio de 2015

"NAS TRILHAS DE MEU AVÔ", DE EDILSON SEGUNDO


* Honório de Medeiros

Recebo das mãos prestimosas de David Leite o "NAS TRILHAS DE MEU AVÔ", do escritor mossoroense Edilson Segundo, obra para a qual tive a alegria de escrever suas orelhas.

De parabéns a Sarau das Letras que vai, a passos largos, assumindo a liderança, com todos os méritos possíveis, do mercado editoral potiguar, fruto do esforço, dedicação e inteligência dos escritores Clauder Arcanjo e David Leite. Só Deus e eles sabem quanto de trabalho não é necessário para alavancar um projeto como esse, em uma terra que não prima pelo desvelos com a Cultura. 

De parabéns, ainda, a Sarau, como carinhosamente a chamamos, pela qualidade do catálogo do qual nos dá conta o livro de Edilson Segundo. Acerca do livro, de sua qualidade, lhes digo o que escrevi para suas orelhas:

"Incito os leitores a se deterem, com vagar, nos perfis apresentados. Não são, eles, apenas de mossoroenses pelo nascimento. Há aqueles que Mossoró adotou, revelando mais uma vez essa característica intrinsecamente sua de se constituir em nação de todos e para todos..."

Tenho dito. 

quinta-feira, 28 de maio de 2015

"O ANDAR DO BÊBADO", LEONARD MLODINOW

* Honório de Medeiros
Aos meus alunos do curso de Filosofia do Direito, vez por outra eu propunha o seguinte problema:

“Façam de conta que vocês são chefes de uma estação de trens, responsáveis, entre outras coisas, pela direção que as locomotivas devem tomar em seus percursos diários.”

“Um dia, durante o expediente, vocês recebem um comunicado urgente lhes informando que uma das locomotivas que passam em sua estação está completamente desgovernada e em alta velocidade.”

“Em sua estação vocês têm a possibilidade de conduzir a locomotiva, apertando os botões A ou B, por duas diferentes opções.
“Seu tempo para decidirem é extremamente curto. Algo como segundos.
“Vocês sabem que na linha A trinta homens estão trabalhando na manutenção. E sabem que na linha B cinco homens lá trabalham fazendo o mesmo.”

“Qual a decisão de vocês?”

Em todos os anos de ensino, a resposta foi sempre a mesma: todos optaram por apertar o botão B. Ao lhes indagar por que faziam assim, respondiam-me que lhes parecia certo submeter a linha na qual estavam menos homens à possibilidade do choque.

Então eu lhes perguntava: “e se, na linha B, estava um engenheiro de manutenção, que por coincidência, era pai de vocês e um irmão, seu auxiliar”?

Seguia-se um silêncio embaraçoso. A grande maioria se recusava a responder a questão. Um ou outro, muito pouco, tendia para um lado ou para o outro.

Questões como essas começam a ser esmiuçadas pela psicologia social, um ramo que em muito deve seus avanços à combinação de duas vertentes poderosas: a teoria da seleção natural de Darwin, e o afã em larga escala, tipicamente americano, de realizar pesquisas de campo.

É nesse nicho que transita Leonard Mlodinow, festejado autor de “O Andar do Bêbado”, em seu novo livro denominado “Subliminar: como o inconsciente influencia nossas vidas”.

Mlodinow é doutor em física e ensina no famoso Instituto de Física da Califórnia. Mais que isso, ele é coautor, junto com Stephen Hawking – sim, isso mesmo – de alguns livros de inegável sucesso tanto de público quanto de crítica.

Em “Subliminar” Mlodinow, fundamentado em vasta pesquisa, apresenta hipóteses instigantes, como essa que eu transcrevo abaixo:

“Como enuncia o psicólogo Johathan Haidt, há duas maneiras de chegar à verdade: a maneira do cientista e a do advogado. Os cientistas reúnem evidências, buscam regularidades, formam teorias que expliquem suas observações e as verificam. Os advogados partem de uma conclusão a qual querem convencer os outros, e depois buscam evidências que a apoiem, ao mesmo tempo em que tentam desacreditar as evidências em desacordo.
Acreditar no que você quer que seja verdade e depois procurar provas para justifica-la não parece ser a melhor abordagem para as decisões do dia a dia.
(...)
Podemos dizer que o cérebro é um bom cientista, mas é um advogado absolutamente brilhante. O resultado é que, na batalha para moldar uma visão coerente e convincente de nós mesmos e do resto do mundo, é o advogado apaixonado que costuma vencer o verdadeiro buscador da verdade.”

Muito embora o autor se refira a advogados, claro que ele alude a todos quanto lidam com a tarefa de produzir, interpretar e aplicar a norma jurídica.

Em assim sendo faz sentido acreditar, como muitos acreditam, que os juízes, por exemplo, primeiro constroem um ponto de partida extrajurídico (sua visão do mundo, seus valores, seus interesses pessoais, etc.) e, somente depois, buscam evidências que apoiem suas futuras decisões.

A Retórica é exatamente isso, enquanto técnica.

A pergunta seguinte: a partir de quê os operadores do Direito constroem esse ponto de partida pode ser lida em um dos mais instigantes capítulos da obra de Mlodinow: “In-groups and out-groups”. Nesse capítulo o autor chama a atenção para um epifenômeno que, hoje, é fato científico: a tendência que temos de favorecer “os nossos”:

“Os cientistas chamam qualquer grupo de que as pessoas se sentem parte de um ‘in-group’, e qualquer grupo que as exclui de ‘out-group’. (...) É uma diferença importante, porque pensamos de forma diversa sobre membros de grupos de que somos parte e de grupos dos quais não participamos; como veremos, também veremos comportamentos diferentes em relação a eles.”

“Quando pensamos em nós mesmos como pertencentes a um clube de campo exclusivo, ocupando um cargo executivo, ou inseridos numa classe de usuários de computadores, os pontos de vista de outros no grupo infiltram-se nos nossos pensamentos e dão cores à maneira como percebemos o mundo.”

“Podemos não gostar muito das pessoas de uma maneira geral, mas nosso ser subliminar tende a gostar mais dos nossos companheiros do nosso ‘in-group’.”

Essa constatação – de que gostamos mais de pessoas apenas por estarmos associados a elas de alguma forma – tem um corolário natural: também tendemos a favorecer membros do nosso grupo nos relacionamentos sociais e nos negócios (...)”

Ou seja, como diz o senso comum: para os amigos tudo; para os indiferentes, a lei; para os inimigos, nada...

Se assim o é, e a ciência vem mostrando que sim, um dos corolários da obra de Mlodinow é pelo menos intrigante, e dá razão ao que dizem, desde há muito, os anarquistas e marxistas: a "visão de classe" contamina as decisões do aparelho judiciário. Não somente do aparelho judiciário. Contamina a produção, interpretação e aplicação da norma jurídica.

Isso quanto aos marxistas e anarquistas. Quanto aos darwinistas, nem se discute mais o assunto. Para quem não é anarquista ou marxista, basta Gaetano Mosca, que também aborda, brilhantemente, essa perspectiva, quando trata da "classe política dirigente".

E quanto ao mundo jurídico? Neste caso, ainda está muito atrasada a discussão. Ainda há "juristas" que crêem ser o Direito uma ciência...