quarta-feira, 3 de junho de 2015

POR UM NOVO PACTO SOCIAL PARA O RIO GRANDE DO NORTE

* Honório de Medeiros


O problema fundamental do Rn, hoje, é antes de tudo, antes do social, do político, do econômico, de natureza orçamentária e financeira.

O Governo precisa de dinheiro e não tem de onde tirar. A entrada no Fundo Previdenciário prova isso. E a situação vai piorar, estamos beirando a recessão. Os repasses estão em queda livre. A arrecadação do Estado, com o declínio da atividade econômica, tende a diminuir lenta e inexoravelmente. As demandas dos servidores e da Sociedade tendem a crescer. 

Se eu fosse o Governador Robinson convocaria os Poderes e a Sociedade para um novo Pacto Social.

Um pacto social no qual a renúncia e o trabalho de cada um, pensando no todo, fosse mais importante que qualquer demonstração de unilateralidade.

O Governador é o líder institucional apto a convocar e coordenar esse processo. Com os votos que recebeu, na situação em que isso aconteceu, é de se dizer, até mesmo, que deve assumir esse papel.

E com os pés firmemente fincados no presente, lançar as bases do futuro. 

terça-feira, 2 de junho de 2015

"PADRE CÍCERO", DE LIRA NETO

* Honório de Medeiros


Concluída a leitura de “Padre Cícero”, do escritor cearense Lira Neto, cujo subtítulo é “Poder, Fé e Guerra no Sertão”, Companhia das Letras - “um tijolo” - como diz Aluísio Lacerda, passo a recomendá-lo vivamente aos amigos leitores do blog.

Lira Neto foi, para mim, uma grande e agradável surpresa. Nascido em Fortaleza, Ceará, 1963, já abocanhou o Jabuti em 2007, na categoria “melhor biografia” por “O Inimigo do Rei: Uma Biografia de José de Alencar”. Também escreveu “Maysa: Só Numa Multidão de Amores”, e “Castello: A Marcha para a Ditadura”. Não os li, mas que prometem, prometem. E, claro, escreveu a excepcional biografia de Getúlio Vargas, mas essa é outra história.

Duvido que os outros sejam tão bons quanto “Padre Cícero”. Tão bons quanto, assinalo.

Primeiro por que é muito bem escrito: a leitura é muito agradável, flui fácil, o texto é envolvente; segundo por que a reconstituição histórica, inclusive em termos fotográficos, é primorosa; e terceiro, mas, não, por fim, é impressionante a dimensão do personagem principal e daqueles “secundários”, como é o caso do Dr. Floro Bartolomeu, baiano, médico, garimpeiro, político, ferrabrás, a “alma negra” do Padre Cícero, ou mesmo da Beata Maria de Araújo, negra, analfabeta, protagonista do “milagre do Juazeiro”, que consistiu em cuspir hóstias transformadas em sangue, quando da Comunhão.

A Beata, que até palmatoradas tomou do Vigário do Crato, e foi exilada durante anos de sua Juazeiro natal por ordem da Igreja, também entrava em êxtase e apresentava os estigmas de Cristo, ao mesmo tempo em que se banhava de sangue para logo depois “acordar” limpa e sem qualquer marca no corpo – fenômenos constatados por padres e médicos.

Mas há outros personagens menores sumamente interessantes: o que dizer do Conde Adolphe Achille van den Brule, ex-camareiro do Papa Leão XIII, companheiro e sócio de Floro Bartolomeu, que se apaixonou por uma Juazeirense e, mesmo sendo casado na Europa e lá tendo deixado dois filhos, casou-se novamente no Cariri, nele fincou raízes e nunca mais voltou?

Além dos personagens, alguns fatos históricos relatados na obra chamam a atenção, como a tomada do poder central, em Fortaleza, pelos coronéis do Cariri tendo, à frente, Floro Bartolomeu e um exército de cangaceiros, jagunços, romeiros e devotos de Padre Cícero, todos pelo “padim” abençoados? Revolta que derrubou, na ponta do fuzil, o Governador Franco Rabelo, amado pelos fortalezenses, e, de permeio, matou o nosso Capitão José da Penha, que com ele se solidarizara?

O livro deixa algumas interrogações no ar: qual o passado de Floro Bartolomeu e o fim do Conde van den Brule? Por outro lado demonstra, à exaustão, como a incompetência da Igreja Oficial, externada, principalmente, dentre outros, por intermédio do Segundo Bispo do Ceará Dom Joaquim José Vieira. Preconceito, racismo, intransigência, autoritarismo, alheamento, burrice, tudo isso serviu como combustível de primeira grandeza para alimentar o incêndio fanático no qual se transformou Padre Cícero.

E o quê dizer de Padre Cícero? Nada. É preciso ler o livro. Entretanto é possível ter uma noção de sua sabedoria tomando conhecimento de seu catecismo ecológico, vazado lá pelos idos da virada do século XIX para o XX, e distribuído com os agricultores:

“Não toquem fogo no roçado nem na caatinga; não cacem mais e deixem os bichos viverem; não criem o boi nem o bode soltos; façam cercados e deixem o pasto descansar para se refazer; não plantem em serra acima, nem façam roçado em ladeira muito em pé: deixem o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza; façam uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água da chuva; represem os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta; plantem cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou outra árvore qualquer, até que o Sertão todo seja uma mata só; aprendam a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar vocês a conviverem com a seca. Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá sempre o que comer; mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o Sertão vai virar um deserto só.”

Enfim, uma grande obra. Para ser lida ou para ser estudada. Ou ambas, nada impede.

domingo, 31 de maio de 2015

"NAS TRILHAS DE MEU AVÔ", DE EDILSON SEGUNDO


* Honório de Medeiros

Recebo das mãos prestimosas de David Leite o "NAS TRILHAS DE MEU AVÔ", do escritor mossoroense Edilson Segundo, obra para a qual tive a alegria de escrever suas orelhas.

De parabéns a Sarau das Letras que vai, a passos largos, assumindo a liderança, com todos os méritos possíveis, do mercado editoral potiguar, fruto do esforço, dedicação e inteligência dos escritores Clauder Arcanjo e David Leite. Só Deus e eles sabem quanto de trabalho não é necessário para alavancar um projeto como esse, em uma terra que não prima pelo desvelos com a Cultura. 

De parabéns, ainda, a Sarau, como carinhosamente a chamamos, pela qualidade do catálogo do qual nos dá conta o livro de Edilson Segundo. Acerca do livro, de sua qualidade, lhes digo o que escrevi para suas orelhas:

"Incito os leitores a se deterem, com vagar, nos perfis apresentados. Não são, eles, apenas de mossoroenses pelo nascimento. Há aqueles que Mossoró adotou, revelando mais uma vez essa característica intrinsecamente sua de se constituir em nação de todos e para todos..."

Tenho dito. 

quinta-feira, 28 de maio de 2015

"O ANDAR DO BÊBADO", LEONARD MLODINOW

* Honório de Medeiros
Aos meus alunos do curso de Filosofia do Direito, vez por outra eu propunha o seguinte problema:

“Façam de conta que vocês são chefes de uma estação de trens, responsáveis, entre outras coisas, pela direção que as locomotivas devem tomar em seus percursos diários.”

“Um dia, durante o expediente, vocês recebem um comunicado urgente lhes informando que uma das locomotivas que passam em sua estação está completamente desgovernada e em alta velocidade.”

“Em sua estação vocês têm a possibilidade de conduzir a locomotiva, apertando os botões A ou B, por duas diferentes opções.
“Seu tempo para decidirem é extremamente curto. Algo como segundos.
“Vocês sabem que na linha A trinta homens estão trabalhando na manutenção. E sabem que na linha B cinco homens lá trabalham fazendo o mesmo.”

“Qual a decisão de vocês?”

Em todos os anos de ensino, a resposta foi sempre a mesma: todos optaram por apertar o botão B. Ao lhes indagar por que faziam assim, respondiam-me que lhes parecia certo submeter a linha na qual estavam menos homens à possibilidade do choque.

Então eu lhes perguntava: “e se, na linha B, estava um engenheiro de manutenção, que por coincidência, era pai de vocês e um irmão, seu auxiliar”?

Seguia-se um silêncio embaraçoso. A grande maioria se recusava a responder a questão. Um ou outro, muito pouco, tendia para um lado ou para o outro.

Questões como essas começam a ser esmiuçadas pela psicologia social, um ramo que em muito deve seus avanços à combinação de duas vertentes poderosas: a teoria da seleção natural de Darwin, e o afã em larga escala, tipicamente americano, de realizar pesquisas de campo.

É nesse nicho que transita Leonard Mlodinow, festejado autor de “O Andar do Bêbado”, em seu novo livro denominado “Subliminar: como o inconsciente influencia nossas vidas”.

Mlodinow é doutor em física e ensina no famoso Instituto de Física da Califórnia. Mais que isso, ele é coautor, junto com Stephen Hawking – sim, isso mesmo – de alguns livros de inegável sucesso tanto de público quanto de crítica.

Em “Subliminar” Mlodinow, fundamentado em vasta pesquisa, apresenta hipóteses instigantes, como essa que eu transcrevo abaixo:

“Como enuncia o psicólogo Johathan Haidt, há duas maneiras de chegar à verdade: a maneira do cientista e a do advogado. Os cientistas reúnem evidências, buscam regularidades, formam teorias que expliquem suas observações e as verificam. Os advogados partem de uma conclusão a qual querem convencer os outros, e depois buscam evidências que a apoiem, ao mesmo tempo em que tentam desacreditar as evidências em desacordo.
Acreditar no que você quer que seja verdade e depois procurar provas para justifica-la não parece ser a melhor abordagem para as decisões do dia a dia.
(...)
Podemos dizer que o cérebro é um bom cientista, mas é um advogado absolutamente brilhante. O resultado é que, na batalha para moldar uma visão coerente e convincente de nós mesmos e do resto do mundo, é o advogado apaixonado que costuma vencer o verdadeiro buscador da verdade.”

Muito embora o autor se refira a advogados, claro que ele alude a todos quanto lidam com a tarefa de produzir, interpretar e aplicar a norma jurídica.

Em assim sendo faz sentido acreditar, como muitos acreditam, que os juízes, por exemplo, primeiro constroem um ponto de partida extrajurídico (sua visão do mundo, seus valores, seus interesses pessoais, etc.) e, somente depois, buscam evidências que apoiem suas futuras decisões.

A Retórica é exatamente isso, enquanto técnica.

A pergunta seguinte: a partir de quê os operadores do Direito constroem esse ponto de partida pode ser lida em um dos mais instigantes capítulos da obra de Mlodinow: “In-groups and out-groups”. Nesse capítulo o autor chama a atenção para um epifenômeno que, hoje, é fato científico: a tendência que temos de favorecer “os nossos”:

“Os cientistas chamam qualquer grupo de que as pessoas se sentem parte de um ‘in-group’, e qualquer grupo que as exclui de ‘out-group’. (...) É uma diferença importante, porque pensamos de forma diversa sobre membros de grupos de que somos parte e de grupos dos quais não participamos; como veremos, também veremos comportamentos diferentes em relação a eles.”

“Quando pensamos em nós mesmos como pertencentes a um clube de campo exclusivo, ocupando um cargo executivo, ou inseridos numa classe de usuários de computadores, os pontos de vista de outros no grupo infiltram-se nos nossos pensamentos e dão cores à maneira como percebemos o mundo.”

“Podemos não gostar muito das pessoas de uma maneira geral, mas nosso ser subliminar tende a gostar mais dos nossos companheiros do nosso ‘in-group’.”

Essa constatação – de que gostamos mais de pessoas apenas por estarmos associados a elas de alguma forma – tem um corolário natural: também tendemos a favorecer membros do nosso grupo nos relacionamentos sociais e nos negócios (...)”

Ou seja, como diz o senso comum: para os amigos tudo; para os indiferentes, a lei; para os inimigos, nada...

Se assim o é, e a ciência vem mostrando que sim, um dos corolários da obra de Mlodinow é pelo menos intrigante, e dá razão ao que dizem, desde há muito, os anarquistas e marxistas: a "visão de classe" contamina as decisões do aparelho judiciário. Não somente do aparelho judiciário. Contamina a produção, interpretação e aplicação da norma jurídica.

Isso quanto aos marxistas e anarquistas. Quanto aos darwinistas, nem se discute mais o assunto. Para quem não é anarquista ou marxista, basta Gaetano Mosca, que também aborda, brilhantemente, essa perspectiva, quando trata da "classe política dirigente".

E quanto ao mundo jurídico? Neste caso, ainda está muito atrasada a discussão. Ainda há "juristas" que crêem ser o Direito uma ciência...

domingo, 24 de maio de 2015

LÓGICA E ARGUMENTAÇÃO NO ENSINO DA FILOSOFIA

* Honório de Medeiros

Trata-se dos anais do colóquio internacional acontecido em Coimbra, promovido pela Faculdade de Letras de sua Universidade, em 4 a 5 de dezembro de 2009, do qual participaram professores e estudiosos de Portugal, Espanha, França e Canadá.

Relaciono, abaixo, os temas debatidos:

"L'étude de la première opération de l'intelligence: au coeur de la formation intellectuelle au niveau pré-universitaire"; "Mejorar em pensamento crítico contribuye al desarrollo personal de los jóvenes?"; "Es posible avaluar la capacidade de pensar criticamente em la vida cotidiana?"; "Argumentação e cuidado de si"; "O ensino da lógica no ensino liceal e secundário"; "Lógica formal no ensino secundário: o que estudar?"; "A lógica e o lugar crítico da razão"; "Do primado de uma LOGICA UTENS sobre uma LOGICA DOCENS no ensino da filosofia na educação secundária"; "La place de la logique et de l'argumentation dans l'enseignement secondaire de philophie em France"; "O lugar da lógica e da argumentação: do ensino superior ao ensino secundário em Portugal".

Henrique Jales Ribeiro é Professor Associado com agregação do grupo de Filosofia da Faculdade de Letras de Coimbra, onde atualmente rege as unidades curriculares sobre lógica e argumentação. É coordenador do Grupo de Investigação "Ensino de lógica e argumentação" da Unidade "Linguagem, Interpretação e Filosofia" que pertence à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Recentemente publicou, em nome do grupo que coordena, "Rethoric and Argumentation in the Beginning of the XXIst Century" (Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009). 

No prefácio ao livro o professor Henrique Jales Ribeiro observa o seguinte:

"A lógica e a argumentação são áreas filosóficas fundamentais e transversais em relação ao conhecimento humano de maneira geral (e não apenas às chamadas 'ciências sociais e humans'), e absolutamente nucleares para a formação de um espirito crítico, dialógico e construtivo dos nossos jovens (e quiça filhos e/ou familiares) e futuros concidadão. São-nos de uma forma incomparavelmente bem mais marcante do que aquelas com que a matemática e as disciplinas tecnológicas, para as quais está virada hoje em dia a atenção da media e de alguns sectores de relevo na nossa sociedade, contribuem para o efeito."

O livro é de uma densidade à toda prova. Deu-me muita satisfação intelectual lê-lo.

Recomendo-o vivamente.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

A ARENA DAS DUNAS E A TEORIA DO BOLO ECONÔMICO

* Honório de Medeiros

De quando os poucos que têm muito comem tudo, deixando os farelos para os muitos que têm pouco.


Desde que Goebbels lançou o mote “de tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade”, em contrapartida ficou fácil identificar esse lugar-comum na retórica usada pela elite predadora enquanto concretiza o processo de iludir o “Zé Povinho”.

É o caso, por exemplo, da "Teoria do Bolo Econômico" – “primeiro crescer, depois repartir”, popularizada nos anos 70 do século passado, aqui no Brasil, por Delfim Neto, de trágica memória.

Aliás esse processo de iludir é um dos meios por intermédio dos quais o jogo do poder é jogado pela elite predadora configurando, assim, o retrato em negativo da seleção dos mais aptos conforme pensado por Herbert Spencer na esteira de Darwin, jogo esse bancado via estratagemas, ou seja, idéias que são usadas retoricamente para obter a adesão e, uma vez obtida, prolongar a exploração do “Zé Povinho”.

No caso da “teoria do bolo econômico” tal idéia, uma vez surgida, qual “meme” - um análogo cultural do gene na genética -, como descrito por outro darwiniano, Richard Dawkins, terá uma sobrevida útil proporcional à nossa incapacidade em destruí-la. Na verdade esse “meme” vai, por sua vez, se replicar infinitamente em ambiente fértil, qual seja aquele formado por pessoas sem escrúpulos e os inocentes úteis.

Em outras palavras, mas mantendo o mesmo sentido, assim é que uma idéia econômica – fruto da mais ilegítima elite predadora – nasce, sobrevive e vem constituindo, desde então, parte do arsenal que a elite predadora usa para explorar, seja porque não tem noção daquilo do qual está fazendo parte, seja por puro cinismo, deliberadamente, a patuléia.

É a "Teoria do Bolo Eeconômico". Para os defensores da "Teoria do Bolo Econômico", quanto mais ele crescer, mais pessoas comem.

Como essa ideia funciona na prática? Funciona assim: alguns predadores internacionais precisam fazer o seu dinheiro circular voltando, depois, para o ponto de partida mais robusto, bem mais gordo. 

Nasce, então, a noção de Uma Grande Obra, constituída obviamente pelo conjunto de várias outras obras menores, quase sempre em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

Por exemplo: uma “Copa do Mundo de Futebol” em algum País cuja infra-estrutura física não esteja pronta para o evento, no Oriente Médio, África ou mesmo o Brasil. O Brasil, sejamos mais claros, foi escolhido a dedo a partir de parâmetros muito bem definidos, dentre eles a possibilidade da circulação de idéias e capital sem grandes obstáculos que atrapalhem os negócios.

Feito isso começa um imenso e lucrativo trabalho, para toda a elite predatória envolvida no “Grande Projeto”, de arrebanhamento dos “corações e mentes”.

É quando se forma toda a cadeia alimentar da qual ficarão fora apenas as piabas, por razões óbvias e ululantes, constituída pela “mídia famélica”, os políticos de sempre, os empreiteiros, a arraia-miúda que tal quais os peixes-pilotos se alimentam com as sobras dos tubarões, e até mesmo, pasmemos juntos, os intelectuais orgânicos, aqueles sem espinha dorsal, que vivem se contorcendo para prestarem serviços vendendo argumentos: convencer os basbaques, como no caso do Rio Grande do Norte, acerca da importância indizível, pela magnitude, da tal “Arena das Dunas”, para o progresso econômico do nosso Estado.

Desenvolvimento para quem? O Estado não existe, é uma hipostasia; o Estado sou eu, é você, somos nós. Ninguém fala pelo Estado. Ninguém.

Lê-se, por exemplo, na mídia incauta, que “A Grande Obra” é importante para sanear a malha viária. Qual malha viária? A de Mossoró? A de Caicó? A de Pau dos Ferros? Ora, convenhamos, sanear “a malha viária”, enquanto as delegacias de polícia, no interior e na capital não têm computador, papel, armas, carros, homens... Lê-se, também, na mídia inocente inútil, que “a Grande Obra” vai gerar muitos e muitos empregos. Sabemos que empregos são esses: os sazonais.

Desaparecem quais pipoqueiros e vendedores de cachorro quente em final de festa de padroeira. O grosso do dinheiro, aquele que realmente importa, esse já foi embora em busca de outros nichos a serem predatoriamente explorados.

Essa é a lógica do capital. Uma vez comprada a idéia, ou seja, o investimento, imediatamente os investidores entram na luta com um discurso uníssono: “a Grande Obra” é fundamental para o desenvolvimento do Estado, e quem for contra ela é contra o Estado. O mote do velho Goebbels justifica sua fama.

Não há muito mais a dizer agora exceto que se trata de uma luta vã essa contra o desperdício do nosso dinheiro.

Os poucos irridentes contrários à farsa que se desenrola impávida e colossal não dispõem de meios à altura dos adversários para sublevar os “corações e mentes”. Não têm como comprometer os aparelhos do Estado: Legislativo, Judiciário e Executivo, nessa sublevação.

Talvez se faça presente a voz solitária do Ministério Público. Duvido. Não podem massificar a informação que a história oferece gratuitamente a quem souber procurá-la, de que grandes obras não valem por si só, que o digam os milhares de “elefantes brancos” existentes mundo afora.

Consultem o Google, aqueles que não crêem. Não podem apontar o exemplo dos países sérios, como os escandinavos. Praticamente não têm como fazer a defesa de investimentos maciços em políticas públicas na educação, saúde e segurança. Em quais veículos de massa irão falar em Amartya Senn e seu trabalho acerca de “Desenvolvimento como Liberdade”? Liberdade esta que se confunde com segurança, saúde, educação...

Infelizmente o exemplo dos países civilizados nos quais a Sociedade escolhe, primeiramente, suas políticas públicas, para em seguida e se for o caso, construir a obra necessária para implementá-la, não tem como ser apresentado aos norte-rio-grandenses imensamente carentes de saúde, segurança, educação. Pois que não haja dúvidas: se consulta popular houvesse era assim que nosso povo disporia seus recursos.

Chega a ser doloroso: muito embora seu dinheiro banque o bolo que poucos, que têm muito, irão comer à farta, para os muito que têm pouco sobrarão apenas as migalhas.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

UM EXEMPLO DE DESPERDÍCIO DE DINHEIRO PÚBLICO

* Honório de Medeiros

Leio no Blog do Alex Medeiros que o "deputado estadual Tomba Faria (PSB) fez um apelo na manhã dessa quarta-feira ao governador Robinson Faria (PSD), durante discurso no plenário da Assembleia Legislativa, para que encontre uma saída urgente em relação aos gastos mensais do erário com a Arena das Dunas, que desde o governo Rosalba Ciarlini paga cerca de R$ 12 milhões a cada trinta dias à construtora OAS como garantia de lucros à operação da praça esportiva construída para a Copa 2014 e que hoje já preocupa a própria empreiteira, que pensa em vendê-la".

Em 25 de junho de 2013 publiquei aqui, no meu Blog, um artigo intitulado "A Arena das Dunas e a Teoria do Bolo Econômico": http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2013/06/a-arena-das-dunas-e-teoria-do-bolo.html

Leiam. Eu penso que vale a pena.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

BERTRAND RUSSEL E A CAUSA DA EXISTÊNCIA DO PODER

Bertrand Russel

* Honório de Medeiros

Em “Power: A New Social Analysis”, Sir Bertrand Russel expõe a teoria de que os acontecimentos sociais somente são plenamente explicáveis a partir da idéia de Poder[1]. Não algum Poder específico, como o Econômico, ou o Militar, ou mesmo o Político[2], mas o Poder com “P” maiúsculo, do qual todas os tipos são decorrentes, irredutíveis entre si, mas de igual importância para compreender a Sociedade.

A causa da existência do Poder é a ânsia infinita de glória[3], inerente a todos os seres humanos. Se o homem não ansiasse por glória, não buscaria o Poder. Infinita posto que o desejo humano não conhece limites. Essa ânsia de glória dificulta a cooperação social, já que cada um de nós anseia por impor, aos outros, como ela deveria ocorrer e nos torna relutantes em admitir limitações ao nosso poder individual. Como isso não é possível, surgem a instabilidade e a violência.

Essa ânsia de glória, cuja manifestação objetiva é o exercício do Poder, pode ser encontrada em qualquer ser humano: explicitamente nos guerreiros, santos, ou políticos, e implicitamente nos seus seguidores: Xerxes não precisava de alimentos, roupas ou mulheres quando invadiu Atenas; Newton não precisava lutar pela sobrevivência quando empreendeu escrever seus “Principia”; São Francisco de Assis e Santo Inácio de Loyola não precisavam criar ordens religiosas para difundir a palavra de Cristo. Somente o amor ao Poder explicaria realizações tão singulares.

Portanto, para Russel, a força propulsora das transformações sociais se resume no amor ao Poder glorioso, que é inerente a qualquer ser humano.

Cabe agora indagar: o que leva o homem a ansiar por glória, e em ansiando, lutar pelo Poder, posto que este é o instrumento, segundo se depreende da leitura de Russel, por meio do qual se obtém aquela?

[1] Poder, segundo Bobbio, em Teoria Geral da Política, no início do capítulo acerca de Política e Direito, diz que Poder deve ser entendido como a capacidade de influenciar, condicionar, determinar a conduta de alguém.

[2] Bobbio, em Teoria Geral da Política, abre o capítulo alusivo a Política e Direito expondo que o termo “Política” diz respeito às ações por meio das quais se conquista, mantém e exerce o Poder último ou soberano, tal e qual o dos governantes sobre os governados.

[3] Em Darwin a obtenção da“glória” é um dos meios por intermédio dos quais o homem amplia as possibilidades de sobrevivência dos seus gens.

domingo, 10 de maio de 2015

CORONELISMO E CANGAÇO ONTEM E HOJE

Honrado com o convite formulado pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Campus Avançado "Profa. Maria Elisa de A. Maia", para fazer a conferência de abertura da "Semana do Museu", uma iniciativa do "Programa Raízes da Cultura Sertaneja (PROCULT)", do "Museu de Cultura Sertaneja (MCS), acerca do tema "Coronelismo e Cangaço Ontem e Hoje", exponho, abaixo, a programação do evento:  



REALIZAÇÃO: CAMEAM

Semana do Museu

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Campus Avançado “Profa. Maria Elisa de A. Maia” (CAMEAM)

MUSEU DE CULTURA SERTANEJA (MCS)

Programa Raízes da Cultura Sertaneja (PROCULT)

18 a 22 de maio de 2015

Programação:

Segunda-feira (18/05/2015)

Visitas ao Museu nos três turnos (matutino, vespertino e noturno)

Terça-feira (19/05/2015)

Manhã: Apresentação cultural, às 8h30min.

Noite: Conferência de Abertura “Coronelismo e Cangaço ontem e hoje" com o escritor Honório de Medeiros. Às 19h30min no Auditório do CAMEAM/UERN. (4h/a)

Quarta-feira (20/05/2015)

Manhã: Mesa-redonda com o tema “Produções Literárias e Culturais do Sertão Nordestino”. Debatedores: profa. Dra. Edileuza Costa (UERN), Prof. Me. Jocenilton Costa (SEEC) e Prof. Me. Cleonildo Costa (IFRN). Às 8h30min, no Auditório do CAMEAM/UERN. (4h/a)

Tarde: Oficina “Contação de história e formação de leitores”, ministrada pelo BALE. Das 13h30min às 17h.

Quinta-feira (21/05/2015)

Manhã: Visitas ao Museu

Tarde: Oficina “Contação de história e formação de leitores” do BALE. Das 13h30min às 17h. (8h/a)

Oficina “Fotografia”, ministrada por Francisco Gilvanildo de Lima (Ceará fotógrafo). Das 13h30min às 17h. (4h/a)

Noite: Apresentação Cultural da dupla Léo Batista e Raimuncirio. Às 20h, na praça de convivência em frente ao Museu.

Sexta-feira (22/05/2015)

Manhã: Visitas ao Museu

Tarde: Visitas ao Museu

Noite: Apresentação Cultural, às 20h.

APOIO

As inscrições serão realizadas na sede do Museu, a partir do dia 11/05/2015 (segunda-feira), nos turnos matutino (das 8h às 10h30min) e noturno (das 19h às 22h). No valor de R$ 5,00.

DIA DAS MÃES



Aldeiza Fernandes de Sena Medeiros
(1926-2010)


Tão longe do meu abraço, tão perto da minha alma!

sexta-feira, 8 de maio de 2015

ZÉ DIRCEU

Chicot, the Jester

* Honório de Medeiros


Volto sempre a Dumas. E quando a ele volto, busco mais do mesmo: releio, embevecido, a saga dos três mosqueteiros ou a estória da Dama de Monsoreau. A saga, como sabemos, é composta por Os Três Mosqueteiros, Vinte Anos Depois, e o Visconde de Bragelonne; a estória por A Rainha Margot, A Dama de Monsoreau e Os Quarenta e Cinco.

Alguns trechos creio saber de cor mas não os recito, a não ser para mim mesmo, enquanto minha imaginação constrói, arduamente, o cenário medieval pelo qual perambulam o sombrio Conde de Rochefort ou o Bobo e arguto Conselheiro de Henrique III Chicot, primeiro e único. Quando isso ocorre, há sempre um vinho honesto em minha taça, algum prato sendo preparado de acordo com "Ma Cuisine Médiévale", de Mincka, e o mesmo cd, "Promenade Baroque à Vaux Le Vicomte", toca no meu pequeno sistema de som.

Vaux Le Vicomte é o Castelo em estilo barroco que pertenceu a Nicola Fouquet, Marques de Belle-Île, Superintendente de Finanças de Luis XIV e que lá mesmo foi detido pelo verdadeiro D'Artagnan, Capitão dos Mosqueteiros do Rei, por ordem real.

Mas essa história vai além. Leio, quando encontro, tudo quanto posso acerca especificamente desses romances. Há muito escritos acerca desses romances. Alguns, inclusive, densos ensaios, como o "Histoire de Chicot, Bouffon de Henri III", de J. Mathorez, 1914, que eu sonho ler, um dia, após traduzi-lo como quem extrai leite de pedras.

Pois bem, recentemente reli, de Arthuro Pérez-Reverte, "O Clube Dumas", um romance voltado, subliminarmente, para os amantes dos folhetins e, mais especialmente, para os apaixonados por Alexandre Dumas. Pérez-Reverte é um grande escritor, um dos melhores da literatura recente em terras de Espanha. E a tradução dessa minha edição, comprada em sebo, vez que a outra, anterior, alguém levou de minhas estantes e esqueceu de devolver, é muito bem feita por Eduardo Brandão, dono de texto refinado.

Lá para as tantas, durante a leitura, encontrei um parágrafo que me fez parar a leitura. Eu encontrara algo muito interessante. É logo no começo. Conversam os dois personagens mais importantes do romance. Um deles questiona o personagem principal, lhe perguntando se ele tem amigos. Corso, esse personagem principal, responde com uma imprecação. Varo Borja, que o interrogara, absorve o repto e responde: "Tem razão. Sua amizade não me interessa nem um pouco, pois compro de você lealdade mercenária, sólida e duradoura.. Não é verdade?... O zelo profissional de quem cumpre seu contrato, ainda que o rei que o empregou tenha fugido, ainda que a batalha esteja perdida e ainda que não haja salvação possível..."

"(...) ainda que o rei que o empregou tenha fugido, ainda que a batalha esteja perdida e ainda que não haja salvação possível..." Isso me lembrou alguém. Quem? Parei a leitura. Cascavilhei a memória. Não demorou muito e encontrei a resposta.

Zé Dirceu.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

O ESTADO NADA MAIS É QUE RELAÇÕES DE DOMÍNIO

* Honório de Medeiros

Em Israel os israelenses de origem etíope sentiram, esses dias, o braço armado do Estado. Protestavam contra a discriminação. O mesmo braço que bateu, sem piedade, nos professores paranaenses, sob o beneplácito do Governador Beto Richa. Protestavam contra a dilapidação do seu patrimônio, do seu futuro. Em todos os lugares é assim: coalizões formadas por interesses específicos, quase nunca confessáveis, defendem o espaço político conquistado com unhas e dentes, armas e luta. Desde que o homem é homem, na face da terra, tem sido dessa forma. Então entendam: o inimigo da paz é o Poder, que se espraia na Sociedade por intermédio do aparato estatal, ou seja, a norma jurídica e a arma. O Estado nada mais é que relações de domínio. Ponto final.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

O RESULTADO DA POLÍTICA ECONÔMICA GOVERNAMENTAL

* Honório de Medeiros

Resultado da política econômica governamental: “O Brasil está vivendo o mais severo ciclo de desaceleração econômica em mais de duas décadas, afirma o Fundo Monetário Internacional (FMI) em seu relatório “Perspectiva Econômica Regional: Hemisfério Ocidental”, divulgado na tarde desta quarta-feira em Santiago do Chile.” Posso elencar as desculpas do Governo: 1) crise global; 2) o FMI é de direita; 3) a culpa é de Fernando Henrique; 4) o FMI não interpretou corretamente as estatísticas. Enquanto isso as vantagens que as bolsas esmolas trouxeram se desfazem ao sabor do aumento da inflação.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

O PROCESSO CIVILIZATÓRIO

* Honório de Medeiros

Talvez seja falsa a noção de que é possível, coletivamente, e conscientemente, construirmos valores que norteiem um processo civilizatório semelhante àquele que sempre evocamos quando voltamos nossos olhos para a história em busca de entendimento e orientação, qual seja a civilização grega, o senso de “Arete” que perpassa a vida do cidadão ateniense, sua “Paidéia”, como magnificamente nos mostra Péricles, em sua “Oração aos Mortos na Batalha de Maratona”, preservada por Tucídedes.

O olhar crítico acerca desse preâmbulo há de apontar, de início, duas falhas: a fragilidade da mundivisão ateniense que não resistiu aos próprios conflitos internos e a Alexandre, o Grande; e a impossibilidade daquela experiência sublime ter sido resultado de qualquer planejamento, mas, sim, de fatores tão circunstanciais quanto, por exemplo, para o surgimento da filosofia, a especial qualidade e característica da língua grega.

A tais críticas é possível responder dizendo que não se trata de repetir, por igual, tamanho feito. Isso seria impossível. Trata-se, no entanto, de fazer sobressair o aparato tecnológico construído pelo homem ao longo dos séculos colocando-o à disposição de uma política da Sociedade – nunca de Governo – que deliberadamente, envolvendo todos, construa, firmemente, esses pilares onde se fulcra uma civilização pela qual tenhamos orgulho e respeito.

Caso contrário as piores previsões possíveis de serem construídas a partir das teorias que sobreviveram à passagem do século XX para o XXI irão se concretizar e nós, ao contrário do que pensava Karl Popper ao combater tenazmente a idéia de determinismo histórico ao qual estaríamos subjugados mesmo que com certa liberdade limitada, estaríamos marchando a passo batido para o caos – esse limite último da entropia – ou para o resultado possível da seleção natural, que como sabemos não tem finalidade moral em seu percurso a ser encontrado em um planeta Terra esgotado pelo que dela se tirou sem qualquer cuidado: o fim da espécie humana.

Catastrófico? Talvez. Possível? Com certeza.

Coincidentemente o mundo volta seus olhos, apavorado, para a Terra e os transtornos climáticos e catástrofes naturais que estão acontecendo cada vez mais freqüentemente. Já há trabalhos científicos demonstrando ser insuportável continuar extraindo, do nosso planeta, e da forma como é feita, sua riqueza natural.

Desmatamentos, degelos, extinção de espécies, extração de riquezas do subsolo, dizimação de florestas, aquecimento global – parece não haver fim para tudo quanto o homem possa fazer nessa empreitada de autodestruição.

Se não abrirmos os olhos, não construirmos um novo pacto civilizatório que deixe para trás o modelo ao qual temos nos aferrado ao longo de nossa existência, não haverá por que não dar razão aos Cátaros, aqueles hereges dizimados pela Igreja Católica medieval, que diziam ser o mundo da matéria uma criação do mal.

domingo, 26 de abril de 2015

DO TEMPO DO HOMEM


"O tempo do homem não é o conhecimento. É a sobrevivência. Conhecer das coisas foi atividade dos desocupados, artistas ou filósofos, a serviço do poder ou contra os poderosos."

Da fina lavra de François Silvestre. Leia o restante no Blog do François Silvestre.

terça-feira, 21 de abril de 2015

"COMO ENCONTRAR O TRABALHO DE SUA VIDA", DE ROMAN KRZNARIC

* Honório de Medeiros
Ao longo de minha vida enquanto professor encontrei muitos casos de alunos que claramente não queriam se bacharelar em Direito. Estavam ali, no curso, cumprindo uma trajetória que não era de seu agrado. Prefeririam se dedicar à música, à história, a escrever, à arquitetura, jornalismo...

Quando eu percebia procurava conversar. Às vezes, em alguns casos, sequer o aluno tinha percebido que sua praia não era aquela. Seduzido por ideais que lhe eram impostos pela sociedade, como status e dinheiro, ou, pior, por ideais que seus pais cultivavam, ali ficava ele, nas salas de aula, a passar horas e horas tomando contato direto com uma realidade, no seu caso, no mínimo entediante.

Mesmo aqueles que sabiam exatamente o que queriam como fazer um concurso, se tranquilizar quanto ao futuro, e, então, se dedicar a alguma atividade que lhe desse prazer, como literatura, era fácil perceber uma dúvida latente e perturbadora a pairar sobre nossos diálogos enquanto conversávamos: “será que vale a pena todo esse tempo perdido? A vida é tão curta...”

Pois bem, se é assim, ou mesmo que seja apenas para lhe assegurar a certeza de sua escolha, na medida em que isso é possível, ou por pura curiosidade, vale a pena ler esse livro que eu vou lhes indicar.

Trata-se de “COMO ENCONTRAR O TRABALHO DE SUA VIDA”, de Roman Krznaric, editora Objetiva.

Desde já advirto: não se trata propriamente de livro de autoajuda. O livro é sério, bem escrito, bem fundamentado, e faz parte de uma coleção “tocada” pelo filósofo Alain de Botton, autor de “Religião para Ateus” e “Como Proust pode Mudar sua Vida”. Eu mesmo somente me interessei quando li uma citação de Richard Sennet, pensador de meu agrado, no livro.

Quanto a Roman, é membro fundador da The School of Life, e foi nomeado pelo jornal Observer um dos mais importantes pensadores sobre estilo de vida do Reino Unido, além de ser conselheiro de organizações tais quais a Oxfam e Nações Unidas.

Então, se for o caso, mãos à obra. Ah! Última observação: não estou ganhando dinheiro com essa indicação! Mas estou ganhando capital simbólico...

sexta-feira, 17 de abril de 2015

O SISTEMA JOGA SUJO

* Honório de Medeiros  


O pior da luta contra o Sistema é que não conseguimos individualizar o adversário. Não conseguimos identificar o responsável pela nossa ira. Não conseguimos olhá-lo no olho e lhe dizer o que ele merece escutar.

Lutamos contra algo amorfo, sem consistência definida, sem limites delineados, que não oferece resistência imediata e clara. Há pequenos recuos ante nossa indignação, que são apresentados pelos tentáculos do sistema – os seus operadores – e uma imediata, homogênea e difusa contrapressão como resposta ao incômodo que causamos, e nós terminamos sendo manipulados e conduzidos, lenta e inexoravelmente, para o lugar que nos foi reservado.

Muito abstrato? Exemplifico.

Em uma instituição de ensino superior deste imenso e desgovernado País um velho e experiente professor de História das Idéias Políticas percebeu, em certo momento de desconforto profissional alusivo à “como as coisas estavam acontecendo” no seu Departamento, como quem acorda abruptamente e a realidade penetra sem rodeios sua percepção, um insidioso e ainda opaco processo de mudança nos paradigmas implícitos que governavam a Instituição. Algo sutil, mas persistente.

O velho professor já passara por algo semelhante, em sua longa carreira universitária. Sentiu que a luta era vã, sua resistência inócua contra o processo que se instalava lentamente, mas decidiu lutar, resistir, para documentar, mesmo que somente para si, tudo quanto estava acontecendo.

“Quando tudo havia começado?”, se perguntou. “Ora, como saber?” Deixou essa questão para trás e tratou de fazer um registro e análise “positivista”, sem levar em consideração possíveis causas estruturalistas, materialistas, marxista-leninistas, do fenômeno em si. Faria o registro, pura e simplesmente dos fatos e os interpretaria a partir da própria lógica do sistema.

Recordou que longe, lá no começo, sua Disciplina, que previa 80 horas/aulas por semestre, fora reduzida para 60 horas/aula. Reduziram, também, para 60 horas/aula a Disciplina co-irmã "História das Idéias Sociais". Depois, extinguiram "História das Idéias Sociais" e a "História das Idéias Políticas" passou a ser "História das Idéias Sócio-Políticas", com as mesmas 60 horas/aula. Assim, de uma penada só o Sistema se livrou de vários professores.

Resolveu protestar, então. O Chefe do Departamento o escutou atentamente e se prontificou a levar sua "Exposição de Motivos" à próxima reunião do Conselho Diretor. Algum tempo depois, sem receber resposta do Chefe, indagou dele acerca da decisão do Conselho. Este lhe comunicou que o assunto estava despertando o devido interesse e que, inclusive, tinha sido encaminhado para a Comissão de Análise, uma instância superior, restando apenas aguardar e ter paciência.

Dias depois o velho professor recebeu formalmente, por intermédio de um Memorando, a notícia da desativação da sua linha de pesquisa. Novo protesto. Nova atitude do dirigente de encaminhar, para escalões superiores, sua queixa. Nova espera. E, como não poderia deixar de ser, nova retaliação: as decisões acerca da rotina futura acerca das relações entre professor e alunos de sua disciplina, tais como as datas das avaliações, bem como o conteúdo, foram tomadas sem seu conhecimento, sem sua participação.

E o velho professor, nesse estado-de-coisas, ao perceber o esvaziamento profissional para o qual o encaminhava o Sistema, passou a duvidar, inclusive, de si mesmo: “será que tudo isso não é o resultado da aplicação de meios que são usados para afastar aqueles que, como eu, já estão próximos da aposentadoria, abrindo espaço para o “sangue novo” dos “inocentes úteis” que assumam os paradigmas que lhes serão impostos com questionamentos meramente formais? Lembrou-se de uma antiga tia, professora universitária assim como ele, que se queixava amargamente, pouco tempo antes de sua aposentadoria, de como estava sendo deixada, deliberadamente, para trás em tudo que dizia respeito ao Departamento no qual estava lotada.

Como também se perguntou, muitas vezes, acerca de como o Sistema agia com outras pessoas, individualmente demarcadas, que eram opositores, por essa ou aquela circunstância pessoal. Lembrou-se de um amigo que encetara uma guerra solitária e inútil contra o Tribunal de Contas do seu Estado; outro às voltas com o Ministério Público Estadual; outro enredado nas malhas do Tribunal de Justiça; outro sendo massacrado, lentamente, na burocracia da Prefeitura Municipal. Por fim, outro, a quem a posição do seu Sindicato, oportunista e alienada, condenava ao isolamento. Todos vítimas, todos impotentes, todos derrotados.

“Que fazer”, perguntou-se muitas e muitas vezes. Tentar ser um predador, mesmo com os dentes gastos? Imaginar que a experiência compensava o passar do tempo e ir á luta? Ou deixar que tudo se vá, sobrevivendo no dia-a-dia, sem se preocupar com o amanhã, agindo como a grande maioria age, engolindo o sapo nosso de cada hora e seguindo em frente? “Não há resposta”, concluiu desanimado. “O Sistema vence sempre”. “É mesmo seguir em frente.” “Caminhante, o caminho se faz ao caminhar”, consolava-se, enquanto a moenda prosseguia, implacável, até que nem o pó de seus ossos existisse mais. Nem o de todos os que viessem pela frente, meras peças de reposição.

Pois a idéia precede a ação, não há ação no vazio da mente, e assim emerge o sistema: uma idéia mutante, uma idéia fora do sistema anterior, fora do padrão, uma idéia que é um vírus em busca de um ambiente fértil no qual se replique, se desenvolva. Um “meme”.

Quando o primeiro ser humano cercou uma área de terra e afirmou que ela lhe pertencia, eis que surge uma idéia-mutante. Uma vez tendo surgido, e sobrevivido, atraiu outras idéias que puderam a ela se conectar, a mutação funcionando como atrator, ensejando o surgimento de uma rede. A rede é o Sistema. O Sistema é idéias e homens. O Sistema passa a se expandir na medida em que supera os obstáculos à sua expansão. Assim foi com o rock; assim foi com o futebol; assim foi com o protestantismo; assim foi, no Direito, com o Positivismo; assim foi com o cálculo integral.

Sistemas destroem Sistemas. O Coronelismo se foi; o Feudalismo se foi; o Cangaço se foi; Roma se foi; todos eles Sistemas que entraram em colapso. Outros sistemas virão.

Tudo há de ir, um dia. Enquanto isso, na moenda da vida, homens e idéias são triturados.

Post Scriptum ao texto "O SISTEMA JOGA SUJO":

"Penso que um novo tipo de replicador surgiu recentemente neste mesmo planeta. Está bem diante de nós. Está ainda na sua infância, flutuando ao sabor da corrente no seu caldo primordial, porém já está alcançando uma mudança evolutiva a uma velocidade de deixar o velho gene, ofegante, muito para trás.
O novo caldo é o caldo da cultura humana. Precisamos de um nome para o novo replicador, um nome que transmita a idéia de uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação.

(...) Espero que meus amigos classicistas me perdoem se abreviar mimeme para meme.

Exemplos de memes são melodias, ideías, slogans, as modas no vestuário, as maneiras de fazer potes ou construir arcos. Tal como os genes se propagam no pool genético saltando de corpo para corpo através dos espermatozóides ou dos óvulos, os memes também se propagam no poolde memes saltando de cérebro para cérebro através de um processo que, num sentido amplo, pode ser chamado de imitação. Se um cientista ouve ou lê sobre uma boa idéia, transmite-a aos seus colegas e alunos. Ele a menciona nos seus artigos e palestras. Se a idéia pegar, pode-se dizer que ela propaga a si mesma, espalhando-se de cérebro para cérebro."

"O GENE EGOISTA"; Capítulo 11: "Memes: os novos replicadores"; Richard DAWKINS.

Post Scriptum ao texto "O SISTEMA JOGA SUJO":

"PREFEITO - Deus me livre! Tenho horror a brigas ou discussões com quem quer que seja. Mas exijo que tudo se resolva segundo os regulamentos e passe pela autoridade legitimamente constituída para esse fim. Nada de operações clandestinas!

DR. STOCKMANN - Tenho eu por acaso o hábito de usar caminhos escusos ou clandestinos?

PREFEITO - Não digo que você tenha feito isso. Mas sei que tem a tentação permanente de fazer as coisas por sua própria conta. E, numa sociedade bem organizada, isso é indamissível. As iniciativas particulares devem se submeter, custe o que custar, ao interesse geral, ou melhor, às autoridades encarregadas de zelar pelo bem geral."

"UM INIMIGO DO POVO", Henrik Ibsen, Primeiro Ato.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

"ANTÔNIO SILVINO", DE SÉRGIO DANTAS


Honório de Medeiros

Em narrativa linear, atenta à lógica dos fatos históricos, Sérgio Augusto de Souza Dantas nos reapresenta a um Antônio Silvino cru, recortado do contexto mítico e inserido em sua dimensão humana, sem que restasse perdido tudo quanto o tornou um dos mais interessantes personagens da trindade básica que forjou a alma sertaneja – o cangaço, o misticismo, o coronelismo.

Louve-se a felicidade na escolha do “nome” de cada capítulo bem como o excerto que o acompanha, próprio para chamar a atenção do comprador desatento, em uma homenagem ao estilo jornalístico de outrora, e a indicar um texto enxuto, leve, de parágrafos curtos e bem encadeados. Chamam a atenção episódios trazidos a lume que por si só têm dimensão histórica, como a convivência entre Antônio Silvino e Gregório Bezerra, lendário líder comunista pernambucano, sua entrevista com Graciliano Ramos, e o assalto à Usina Santa Filonila na qual morreu Feliciana na flor da idade – crime do qual o cangaceiro jamais deixou de se arrepender. Aliás, qual teria sido o desfecho do embate entre Antônio dos Santos Dias e José Tavares de Melo, este, genro, aquele, pai de Teresa Tavares de Melo, pivô da questão? Qual teria sido o fim de cada um deles?

O Antônio Silvino que emerge do ótimo texto de Sérgio Dantas é um personagem emblemático: é o retrato nítido de uma saga que nos permite identificar e compreender os nexos causais que originam certa circunstância histórica – o período do cangaço – e até mesmo ir além, na medida em que também permite identificar o viés comum a entrelaçá-los, ou seja, a questão do Poder. Basta colocar esses retratos sobre a mesa e examiná-los com olhar crítico: Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião; Coronel Zé Pereira, Coronel Isaías Arruda, Coronel Floro Bartolomeu; Pe. Cícero, Beato Zé Lourenço, Antônio Conselheiro... Tomando distância de qualquer tentativa de apreender o fenômeno a partir de uma explicação oriunda exclusivamente de fatos alusivos à posse da terra.

É possível conjecturar se Sérgio Dantas vai aventurar-se em novos resgates ou cuidará de desbravar outras fronteiras. Sua obra tem sido, até agora, a fronteira entre um ciclo e outro no que diz respeito à literatura do cangaço. Esse ciclo por ele estudado até o momento está chegando ao fim. Já não é mais possível, até onde sabemos, ressalvada a possibilidade de documentos desconhecidos surgirem inesperadamente, prosseguir com a literatura elaborada a partir de relatos, fotos, testemunhos ou escritos, ou seja, fontes primárias. São poucos os sobreviventes e deles já se extraiu mais do que tudo. Os papéis estão virando pó, vítimas da ação inclemente do tempo e da incúria das nossas elites. Um outro ciclo está surgindo: a interpretação de todos esses dados, ou seja, uma literatura de tese, algo timidamente iniciado por Frederico Pernambucano de Mello com “Guerreiros do Sol”, através da criação do conceito de “escudo ético”.

A não ser que – e talento não lhe falta – resolva mergulhar com sua característica obstinação no jornalismo literário brindando-nos com alguma pesquisa onde sobrem indícios, mas, faltem provas – como de fato acontece nessa espécie literária - e, no entanto, seja possível povoar um texto com interrogações perturbadoras tais quais, por exemplo, as razões do estranho silêncio do Juiz e do Promotor de Mossoró em relação aos fatos que lá aconteceram em junho de 1927.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

GOVERNO versus SERVIDOR PÚBLICO

* Honório de Medeiros

O que se percebe hoje, no Brasil, no que diz respeito ao embate entre categorias de servidores públicos e Governo, não é uma crise no Estado, entendido este, na percepção do senso comum, como “lugar” no qual ocorre esse tipo de confronto sócio-político.

O Estado, na verdade, é uma cristalização, uma “formalização” de como a Sociedade se auto-organiza e, nesse aspecto, continua incólume: funciona o Poder Legislativo; funciona o Poder Judiciário; até mesmo funciona o Poder Executivo; e a vida real, concreta, o dia-a-dia no campo social, as relações de produção fluem normalmente.

Mas há crises nos Governos, e elas são graves.

As raízes do embate entre o Governo e algumas categorias de servidores públicos são antigas e profundas. Aqui não é o local apropriado para esmiuçar todas elas, muito embora seja possível detectar, como nexo a lhes dar unidade, a contínua e ancestral espoliação dos servidores públicos, via apropriação de sua força de trabalho.

Um exemplo situa o abstrato no concreto: os tributos que sobem indiscriminadamente enquanto o poder de compra dos servidores públicos cai. No que diz respeito ao servidor público há, inclusive, um epifenômeno específico: enquanto outros segmentos da classe média têm como limite para seu crescimento econômico-financeiro as leis do mercado, o barnabé, ao longo dos anos, sente na pele os efeitos do congelamento artificial de sua remuneração, ao travar a luta diária contra as gôndolas dos supermercados, os preços da educação particular, os custos da medicina privada, dentre muitos outras.

Entretanto é necessário analisar uma dessas raízes exposta pela circunstância político-institucional vivida na maioria dos Estados do nosso País pelos servidores públicos, expondo suas causas e suas conseqüências.

E qual é ela?

Quanto a esses Governos, a histórica postura da elite dirigente que o compõe em estimular as negociações com os servidores públicos por categorias. O objetivo da estratégia ancestral é maquiavélico: dividir para reinar. E o que era para ser uma vitória estratégica, se revela um erro histórico.

Na medida em que a discussão é encetada por categorias, separadamente, e especificamente com aquelas que têm poder de barganha, como os auditores fiscais, a polícia militar, ou os médicos, todo o restante dos servidores públicos – e é uma imensa maioria – é deixada de lado e condenada à submissão.

Perdem, assim, todos: Governo e categorias. O Governo, governabilidade; as categorias, legitimidade; o Povo, governança.

Até recentemente essa estratégia surtiu aparentes efeitos favoráveis e, mesmo equivocada, garantiu sobrevida aos governos. Estes, desde as capitanias hereditárias em sua essência conservadores, até mesmo reacionários, constituídos que foram pela mesma elite que há séculos se apropriou dos aparelhos do Estado - embora às vezes aparentemente dividida por cores, bandeiras e músicas -, têm uma “memória” no trato com a “coisa pública” que induz a mesma conduta, a mesma ação, o mesmo procedimento, ano após ano, em relação aos servidores públicos.

Mas um dia a casa – mal construída - cai, e a causa é claramente perceptível: as contradições inerentes à postura conservadora de governar, que se materializa por intermédio do exacerbamento radical da tentativa de implantar um modelo financista de gestão, ou seja, fazer caixa para obras (a face perversa da “Teoria do Bolo Econômico”), e a conseqüente necessidade de “enquadrar” as categorias de servidores públicos que ameaçam tal modelo gerencial via crescimento da folha de pagamento do Estado.

E como “fazer caixa” equivocadamente, sem atacar os chamados “nós estruturais” da ossatura do Estado como, por exemplo, o número de Secretarias, de cargos em comissão, o déficit previdenciário, o repasse para os outros Poderes, a gestão do patrimônio do Estado, origina, em curto prazo, um déficit de legitimidade, eis a conseqüência: o Governo não conta com as categorias com as quais litiga porque não conseguiu atraí-las para seu plano de gestão; e não conta com a maioria submissa do restante dos servidores públicos por que sequer percebe sua existência; não conta com a Sociedade porque seu discurso, contraditório, resultado de sua percepção autoritária de gestão, confunde e suscita antipatia.

Esse modelo conservador de gestão e suas conseqüências, radicalizado ao extremo em sua face mais perversa, a de confrontar as categorias “fortes”, e relevar a massa “fraca”, de servidores públicos, e suas entranhas ocultas, secundado por uma mídia obsequiosa e/ou incapaz de perceber o pano-de-fundo dos acontecimentos, parte dela a esgrimir com o olho no descalabro dos governos anteriores, alheia ao fato de que as elites governantes historicamente são as mesmas, e parte a exibir seu desnorteio ante o que realmente está acontecendo, conseguiu reunir, como adversários internos, embora ainda separados entre si, as categorias enganadas pelos artifícios eleitoreiros dos personagens políticos que se revezam no Poder desde sempre.

E em que erraram as categorias ao longo do tempo?

Erraram por caírem no canto de sereia das elites governantes aceitando discussões remuneratórias unilaterais, confiando em seu poder individual de pressão. Agora, quando precisam da maioria dos servidores públicos para dar legitimidade às suas pretensões, não são capazes de mobilizá-la, e como não o são, não se legitimam ante a Sociedade. Sociedade cansada da mesma prática encampada tantas e tantas vezes e que somente lhe trouxe prejuízos.

Pagam o preço de seu erro histórico: ao encontrarem um Governo disposto a radicalizar sua opção ideológica cuja face exposta é o modelo de gestão “fazer caixa para tocar obra”, e disposto a destruir, ainda mais, a imagem do servidor público ante a Sociedade, apresentando-o como ganancioso, estão passíveis de saírem derrotados nesse enfrentamento, “perdendo a parada”.

Agora, a conseqüência para a Sociedade.

Suponhamos que o Governo consiga dobrar as categorias. Qual o resultado concreto dessa vitória de Pirro?

O “caixa” melhora, substancialmente. O Governo vai “tocar obras”, repetindo a mesma toada de sempre, desde as Capitanias Hereditárias.

E dificilmente avançaremos quanto às políticas publicas.


Políticas públicas, para se concretizarem, necessitam de servidores públicos treinados, bem remunerados, e, principalmente, fundamentalmente, persuadidos a darem o melhor de si para o benefício comum.

Políticas públicas não se concretizam com servidores ressentidos.

E existe um ressentimento histórico nos servidores públicos do Brasil, em sua imensa maioria, com exceção de algumas castas privilegiadas, que já construíram, para si, um ambiente “legal” apropriado no qual se mantêm, distantes das agruras pelas quais passam os professores, os médicos, os policiais, os técnicos de nível médio, os ASGs, e muitos outros.

Com servidores ressentidos, nada funciona no serviço público. 

Nada funciona em decorrência da “greve branca” que, insidiosa, não declarada, se instala. É um desânimo geral: os processos administrativos não andam, ou passam a andar em círculos. Ações não se concretizam; programas definham; políticas públicas passam a ser pura retórica governamental.


Tudo isso, como se sabe, gera conseqüências eleitorais.


E a grande vítima, claro, é a Sociedade, que paga o preço por estar entre o touro enfurecido e o abismo.

Por fim: o que falta ao atuais Governos em sua relação com os servidores públicos?

Uma percepção não autoritária de gestão pública, com o desdobramento óbvio: respeito no trato com quem está do outro lado da mesa de negociação e compõe essencialmente a Administração Pública. Compreender a premência de uma Reforma do Estado, sempre postergada, legitimada pela Sociedade, da qual participem os outros Poderes e os Servidores Públicos. Ações que sinalizem claramente uma firmeza de propósitos, como a extinção de Secretarias, cargos em comissão, revisão dos repasses financeiros aos outros Poderes, déficit previdenciário, e assim por diante.

O servidor público, que juntamente com os fornecedores do Estado, foram as primeiras vítimas desse modelo financista de gestão implantado pelos atuais governantes, como não estão sujeitos ativos de sua história, a esta altura dos acontecimentos, salvo uma mudança de mentalidade quase impossível de acontecer, já consolidou a percepção de que a Governadora é seu inimigo. Isso é terrível.

Assim ocorre, também, com a linha de frente do Governo e sua ingênua tática de “morde e assopra”. Está ela sendo moída, lentamente, no “moinho ideológico” do qual fazem parte enquanto inocentes úteis, no capital simbólico que é sua imagem pública.

A se manter este estado de coisas, outras moendas virão. A roda do moinho continua girando, e como o tempo passa muito rápido, e o senso comum muda lentamente de opinião depois que consolida sua imagem das coisas e dos fenômenos, talvez, em breve, não haja mais condições de lidar com o futuro sem concebê-lo a partir do passado e presente. Ou seja: o amanhã somente será percebido a partir do ruim que nossa memória evoca.

E o Estado, essa excrescência que a Sociedade vê, perplexa, trabalhar contra si, na medida em que nada funciona no que diz respeito ao essencial, passa a ser sinônimo de algoz, e seus protagonistas, supondo deterem as rédeas dos acontecimentos, responsabilizados, muito embora, pelo seu lado, sejam também meras vítimas das próprias armadilhas que ajudaram a construir.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

"A ELEGÂNCIA DO OURIÇO", DE MURIEL BARBERY

Insanidade

De como aquilo que você vê pode não ser o que você pensa

* Honório de Medeiros

Divirti-me muito lendo “A Elegância do Ouriço”, um romance de Muriel Barbery. Recomendo.

Vou, aqui, editar um trecho do livro que fala acerca da fenomenologia de Husserl. “O quê”, vocês devem ter se perguntado. "Fenomenologia? Em um romance?”

É. Em um romance. E esse trecho prova, para mim, por a + b, que somente a literatura salva a filosofia da chatice dos filósofos. Leiam:

“Então, a segunda pergunta: que conhecemos do mundo? A essa pergunta os idealistas como Kant respondem. Que respondem? Respondem: pouca coisa.
(...)
Conhecemos do mundo o que nossa consciência pode dizer dele porque isso aparece assim – e não mais.
Vejamos um exemplo, ao acaso, um simpático gato chamado Leon. (...) E pergunto a vocês: como podem ter certeza de que se trata de verdade de um gato, e até mesmo saber que é um gato? (...) Mas a resposta idealista consiste em demonstrar a impossibilidade de saber se o que percebemos e concebemos do gato, se o que aparece como gato na nossa consciência é de fato conforme ao que é o gato em sua intimidade profunda.
(...)
Eis o idealismo kantiano. Só conhecemos do mundo a IDEIA que dele forma a nossa consciência.”

Agora vem a parte que eu considero hilariante:

“Mas existe uma teoria mais deprimente que essa (...) Existe o idealismo de Edmund Husserl (...)
Nessa última teoria só existe a apreensão do gato. E o gato? Pois é, o dispensamos. Nenhuma necessidade do gato. Para fazer o quê, com ele? Que gato? (...) O mundo é uma realidade inacessível que seria inútil tentar conhecer. Que conhecemos do mundo? Nada. Como todo conhecimento é apenas a autoexploração da consciência reflexiva por si mesma, pode-se, portanto, mandar o mundo para os quintos dos infernos.
É isso a fenomenologia: a CIÊNCIA DO QUE APARECE À CONSCIÊNCIA. Como se passa o dia de um fenomenologista? Ele se levanta, tem consciência de ensaboar no chuveiro um corpo cuja existência é sem fundamento, de engolir o pão com manteiga inexistente, de enfiar roupas que são como parênteses vazios, ir para o escritório e pegar um gato.
Pouco se lhe dá que esse gato exista ou não exista, e o que ele seja na própria essência. O que é indecidível não lhe interessa. Em compensação, é inegável que na sua consciência aparece um gato, e é esse aparecer que preocupa o nosso homem.”

Aí está. Por isso digo para meus alunos que o idealismo radical é a loucura da razão. Fica mais fácil para eles entenderem o grande mistificador que foi Platão. Entender que não existe algo Justo-Em-Si-Mesmo. Entender o uso manipulativo, retórico, das teorias filosóficas. E entender por qual razão os professores de Direito, com algumas exceções, são como os gatos existencialistas...

* Arte de Claude Verlinde

segunda-feira, 6 de abril de 2015

DEUS, UM DELÍRIO?

Blaise Pascal

* Honório de Medeiros

É inegável a importância de "O Gene Egoista", de Richard Dawkins. Obra seminal, aprofundou o entendimento da Teoria da Evolução, de Darwin, e propôs um novo paradigma, qual seja o de que somos instrumentos, enquanto organismos, do gene, cujo único objetivo é a auto-replicação. Ainda mais além, especulou acerca da idéia de "meme", o análogo, na cultura, de um gene. As consequências dessas hipóteses, uma vez definitivamente confirmadas, são revolucionárias, e alteram nossa percepção da vida seja em qual seja a dimensão.

Dawkins, eleito recentemente pela revista inglesa "Prospect" um dos três itelectuais mais importantes do mundo, junto com Umberto Eco e Noam Chomsky, também é autor de "Deus, um Delírio", no qual lança os fundamentos daquilo que se convencionou chamar de "novo ateismo" e utiliza os fundamentos da Teoria da Evolução para explicar por que o homem tende a acreditar em um ser superior, ao tempo em que, utilizando a teoria das probabilidades, critica as religiões, uma a uma.

"Deus é um Delírio" é uma provocação muito inteligente, principalmente nos tempos atuais, nos quais o fundamentalismo religioso deixa um rastro de sangue e ódio mundo afora. Mas não prova a inexistência de Deus, assim penso eu, muito antes pelo contrário.

Quanto a Deus, sendo impossível provar sua existência, ou negá-la, prefiro seguir o que denominei de "Postulado de Pascal acerca da Fé", que também é chamado de "Aposta de Pascal". Esse argumento tem o formato que segue, e foi foi publicado na seção 233 do seu livro póstumo "Pensées" (Pensamentos):
- se você acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho infinito;
- se você acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda finita;
- se você não acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho finito;
- se você não acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda infinita.

Ou seja: nada perderemos se louvarmos a Deus. Se Ele não existir, fomos bons, que se há de fazer? Se existir, tanto melhor, honramos nossa fé.


PS: um pouco mais acerca do assunto em http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2013/11/rezar-em-tempos-modernos.html