sábado, 17 de janeiro de 2015

A APROPRIAÇÃO, PELO ESTADO, DA FORÇA DE TRABALHO DO SERVIDOR PÚBLICO

* Honório de Medeiros

Para entendermos o raciocínio que neste artigo é desenvolvido, precisamos esquecer as sofisticadas definições criadas por intelectuais acerca do que seja Estado. Vamos pegar a noção do senso comum, que é uma evolução do pensamento de Aristóteles acerca do que seja uma comunidade política: Estado é um território no qual vive uma população submetida a uma elite governamental supostamente representativa dos interesses da maioria.

Essa elite governamental, para aumentar ou se perpetuar seu poder, necessita de instrumentos através dos quais tal seja possível, os assim chamados “Aparelhos do Estado” - Poder Executivo, Legislativo e Judiciário – cristalizações de relações de domínio – que operam, se transformam em realidade, por intermédio dos servidores públicos. Em síntese: alguns mandando em muitos através de outros.

Não esqueçamos que o Estado é uma hipostasia, uma abstração. O que existe, realmente, são relações de domínio.

Os servidores públicos concretizam essa dominação exercida pela elite governamental, da qual eles são integrantes, sobre a maioria da população e, ao mesmo tempo, são dominados pelo topo da hierarquia do Estado ao qual pertencem. Nesse papel de “correia de transmissão” entre o Estado e a Sociedade os servidores vendem, ao primeiro, em troca de uma remuneração, sua força de trabalho física ou intelectual.

No Estado brasileiro, por força de disposição constitucional pétrea, ou seja, supostamente “imexível”, essa remuneração não pode ser reduzida.

Entretanto essa mesma remuneração, muito embora não possa ser reduzida, é alvo permanente de apropriação por parte do Estado ao qual o servidor público presta serviço. Isso ocorre indiretamente, por exemplo, quando seu poder de compra é corroído pela inflação, e o Estado paga cada dia menos pelo mesmo trabalho, ou diretamente, quando a base de cálculo sobre a qual incide a alíquota do imposto de renda permanece baixa por que o Governo não corrige seu valor erodido pelo custo de vida. Ao não corrigir mais servidores são tributados.

Outro exemplo de apropriação direta é a imposição do pagamento da contribuição previdenciária aos aposentados, somente possível vergando-se, como se vergou, via Supremo Tribunal Federal, cláusula pétrea da Constituição, qual seja a alusiva ao direito adquirido.

A lista de exemplos é interminável: não pagamento, pelo Estado, dos débitos oriundos de questões jurídicas transitadas em julgado – os precatórios – e das decisões administrativas indiscutíveis e irrecorríveis, tais como férias vencidas e não pagas, gratificações não incorporadas, adicionais não reconhecidos, e assim por diante. É, também, o caso do vindouro pagamento, pelo servidor público, de contribuição previdenciária ao regime complementar, caso queira sobreviver, na aposentadoria, com algo além do teto que lhe reservará o regime próprio de previdência. Outro, ainda, é a não implantação de Planos de Cargos e Salários, impedindo o servidor público de ascender profissionalmente seja por mérito, seja por antiguidade, e, assim, melhorar sua remuneração.

Em todos esses exemplos se configura aquilo que o próprio Poder Judiciário denomina de “enriquecimento ilícito do Estado”. Resulta da sua fome pantagruélica, da qual é vítima permanente a classe média, constituída em grande parte por servidores públicos, espremida entre os que muito têm - a quem não importa o que lhes é cobrado – e os pobres, excluídos ou miseráveis, de quem nada se pode arrancar diretamente.

Pois o servidor público não tem como fugir da voracidade do Estado: indefeso, passivo, constata, todos os meses, o imposto de renda ser cobrado na fonte, ou seja, em sua remuneração, enquanto os megacontribuintes, pagando caro a escritórios especializados, através das brechas das leis, vão driblando os fiscais e engordando seus lucros.

Matéria publicada na Revista Veja (edição 2100, ano 42, nº 7, 18 de fevereiro de 2009) aponta para 20 bilhões de reais o débito de madeireiras, siderúrgicas, bancos, financeiras, empresas telefônicas, indústrias, cartéis econômicos, distribuidoras, postos de combustíveis, fabricantes de alimentos e medicamentos, promotores de eventos, supermercados e padarias, empresas aéreas e outros, para com o Estado. Esse valor é apenas estimativo e aumentou muito ultimamente.

Tampouco consegue reagir a essa apropriação silenciosa e eficiente: vilipendiado de todas as formas, inclusive por intermédio da mídia subserviente comprada pelos governantes, a imensa maioria dos servidores públicos assistem, perplexos, a uma permanente campanha difamatória, contra si promovida quando o verdadeiro alvo deveria ser os cargos em comissão e funções de confiança ocupadas politicamente, detentores de gratificações ou vantagens espúrias ou mal atribuídas, tudo quanto corrói e solapa a administração pública.

Essa apatia, reforçada por mecanismos táticos compensatórios tais como gratificações, horas-extras, diárias, indenizações, todas elas impossíveis de serem levadas para a aposentadoria, aliena o servidor público, deteriora a prestação do serviço à Sociedade, e contribui para sua depreciação.

E não se está analisando, aqui, o mal que a ausência de uma política de qualificação contínua do servidor público pode causar. Tentativas esporádicas esbarram no óbvio: de que adianta qualificar-se se não há possibilidade de ascensão profissional, se não há promoção, se não há vantagens e regalias para quem se esforça e carrega o piano, pergunta-se o servidor público.

Do ponto de vista estratégico o aviltamento da remuneração dos servidores públicos, no Brasil, implica no comprometimento da capacidade de consumo da classe média, por eles fortemente constituída. Esse aviltamento cerceia seu poder de compra e estimula a corrupção. Por outro lado implica, também, na impossibilidade de elaboração de políticas públicas consistentes, dado sua falta de qualificação. E como não as há, usa-se um manjado meio de instaurar a corrupção: contratos milionários com a iniciativa privada para prestação de assessorias, consultorias e outros que tais, através, quase sempre, de licitações – quando as há – manipuladas.

Até quando, por intermédio dessa contínua apropriação, a classe média e segmentos dos servidores públicos permanecerão bancando, alienados, o pagamento do serviço da dívida do Estado e financiando ações sociais assistencialistas, populistas, bem como obras públicas desnecessárias, impostas à Sociedade por meio de estranhos critérios que a mídia áulica se encarrega de legitimar?

Até quando serão a classe média e os servidores públicos responsáveis pela benemerência do Estado junto aos excluídos e miseráveis para assegurar, a sua elite dominante, seu voto e lealdade política?

* Republicação.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

ANA MARIA CASCUDO BARRETO


(1936-2015)

"A morte não é nada. 
Eu somente passei 
para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês, 
eu continuarei sendo.

Me dêem o nome 
que vocês sempre me deram, 
falem comigo 
como vocês sempre fizeram.

Vocês continuam vivendo 
no mundo das criaturas, 
eu estou vivendo 
no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene 
ou triste, continuem a rir 
daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.

Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi, 
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.

A vida significa tudo 
o que ela sempre significou, 
o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora 
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora

De suas vistas?

Eu não estou longe,
Apenas estou
Do outro lado do Caminho...

Você que aí ficou, siga em frente,
A vida continua, linda e bela
Como sempre foi."

("A Morte", Santo Agostinho)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

DA TRAGICOMÉDIA HUMANA

O Poder Político enquanto fenômeno é o parâmetro fundamental para o estudo da tragicomédia sócio-humana. Poder Político: capacidade de impor pela força, em última instância, uma vontade. Ele está por trás de tudo, na vida social: engendra as soluções para transpor os obstáculos que lhe possam surgir; constrói estratégias adaptativas. Não há vazio no espaço social, em termos de Poder Político, porque o Poder Político está sempre presente. É onipresente. Mudam seus titulares por razões múltiplas, circunstanciais, mas o Poder Político não desaparece. Tudo é prolongamento ou instrumento desse fenômeno. O que há para além dele? Melhor: o quê o instaura, faz surgi-lo? Ernst Becker diria: o medo da morte. Darwin diria: a necessidade de sobreviver. Marx diria: a luta de classes. E quanto a Freud? A nostalgia da autoridade paterna. Isto é, queremos o Poder Político por querermos deixar nossa marca na história; ou queremos o Poder Político para assegurarmos a sobrevivência dos nossos gens; ou o queremos para nos apropriarmos do excedente produzido pelos explorados, qual seja, o lucro; ou o queremos para restaurarmos a autoridade paterna. Que importa? Sejamos positivistas: não há Sociedade sem Poder Político. Por isso o anarquismo é uma utopia, um delírio. Eis o ponto de partida. 

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

OS LEGALISTAS DE OCASIÃO

* Honório de Medeiros

Alguns serventuários da Justiça são hipócritas seletivos: muitas vezes criticam a norma jurídica, dizendo-a injusta, como se soubessem, em essência, o que é certo ou errado, bom ou mal, mas quando lhes convém a ela se apegam para defenderem interesses pessoais ou corporativos.
São os legalistas de ocasião.

A ilusão ou cinismo em defender que a norma jurídica possa ser Justa-em-si-mesma se deve ao atraso peculiar da filosofia e sociologia no nicho jurídico e à incompreensão acerca do assunto por parte da Sociedade. E esse nicho se mantém assim, incólume em seu atraso, ao longo do tempo, porque cumpre um determinado papel, na engrenagem social, de dar uma aparência de legitimidade (apego ao Justo) à odiosa opressão do Estado.

O Estado necessita parecer legítimo, mesmo não o sendo desde seu surgimento. Nasceu banhado em sangue, assim vive e, se desaparecer, assim desaparecerá.
   
Qualquer norma jurídica, assim como qualquer partitura musical, ou qualquer trecho em idioma a ser traduzido, nada é em si mesma. Passa a ser na medida em que a interpretamos. Então somos nós, ao interpretá-la, que somos Justos ou não, bons músicos ou não, bons tradutores ou não, aos nossos próprios olhos ou aos olhos dos outros. Não por outra razão o senso comum diz: tal juiz é justo, aquele outro não o é.

Entretanto mesmo quando estão legalistas, não largam os serventuários da Justiça o viés do Justo. Nessas ocasiões se contorcem em piruetas retóricas para dar uma aparência de legitimidade (apego ao Justo) naquilo que fazem. É assim que se configura a pseudo legitimidade do Estado, do qual esses serventuários são instrumentos.

Pois bem, muito embora não exista um Justo-em-si-mesmo, todos nós estamos construindo um Justo particular que emana de nossa individualidade e circunstância pessoal, na medida em que julgamos, seja lá o que seja que estejamos a julgar. Um juiz, por exemplo, dá vida a uma norma jurídica na medida de seu conhecimento, sua história pessoal, sua circunstância de vida, quando a interpreta. Alguém que interprete uma partitura musical - um músico, faz o mesmo. Um tradutor que interprete um trecho de um idioma, também.

Antes da interpretação, nada; depois da interpretação, tudo...

Não pode ser diferente, não há como ser diferente. Uma norma jurídica não é Justa pelo fato de ser uma norma jurídica. Ela pode ser Justa na opinião pessoal do Juiz que a interpreta, ou na opinião pessoal de alguns outros que leram sua interpretação. Mas nunca será Justa-em-si-mesma.

Não por outra razão o Estado desestimula o ensino e o estudo da Filosofia e Retórica. Não a Retórica que se confunde com Oratória, mas a Retórica que estuda os meios por intermédio dos quais se manipula, constrange, seduz as pessoas.

Então convenhamos: usar a norma jurídica como escudo para defender interesses pessoais ou corporativos, alegando respeito à legalidade é, realmente, muita hipocrisia.

Ou desfaçatez... 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

POLIFONIA INTERPRETATIVA



* Honório de Medeiros


Nada tão instigante quanto pegar um fato qualquer e analisar como cada veículo de comunicação o trata. Cada um o trata de maneira diferente. As diferenças são de forma e conteúdo, e deixam entrever, nas entrelinhas, as raízes ocultas das diferentes motivações existentes no seu bojo. Um mesmo fato, várias interpretações: as ingênuas, as manipuladas, as tecnicamente absurdas, as cansadas, as óbvias, cada uma delas um indicativo acerca de quem a fez, uma assinatura, um estilo, uma personalização de quem por ela é responsável. No mundo do Direito, a interpretação da norma jurídica também ocorre assim. Na música... Estaria Nietzche certo a afirmar que "não existem fatos, somente interpretações"? E quanto à matemática? Popper deu a melhor resposta à tentativa de relativizar o conhecimento com fulcro nessa polifonia interpretativa. Pare ele, o conhecimento se firma enquanto resiste à crítica. O que nos leva a supor que em todos os instantes somos demiurgos dessa realidade que é cambiante, permanentemente enigmática, e eternamente em construção, o resultado do entrechoque de ações que resultaram de interpretações, tudo em escala colossal.   

sábado, 10 de janeiro de 2015

DE TERRORISMO



* Honório de Medeiros


Interessantes algumas manifestações em defesa dos terroristas que atacaram a revista francesa. Insinuam, veladamente, que a culpa é da revista, por "cutucar a onça com cara curta", ou "semear vento para colher tempestades." Alguns, menos hipócritas, defendem os espasmos de violência com fulcro "no direito de reação da nação muçulmana aos séculos de opressão que lhe foi imposta pelo Ocidente". Ora, se a resposta terrorista foi justificada pela provocação recebida, não se poderá criticar a resposta do Ocidente que com certeza virá. Por outro lado, não se pode confundir a imensa maioria dos muçulmanos com esses ébrios de sangue e terror que oprimem seu povo tanto quanto querem oprimir as sociedades ocidentais. Ingênuos ou maliciosos, não aceitam jogar o jogo de acordo com as regras. Mas os que defendem os terroristas aceitam e desfrutam dessas mesmas regras quando lhes beneficia m ou servem para seus interesses escusos.

Arte: noticias.uol.com.br

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O EGOISMO DOS GENES



* Honório de Medeiros

Embora não seja consensual, é difícil não ser "O Gene Egoista", de Richard Dawkins, após "A Origem das Espécies", de Darwin, a mais importante obra acerca da Teoria da Evolução, mesmo levando-se em consideração "Sociobiologia", de E. O. Wilson.

Sua importância é ressaltada de forma clara por Steven Pinker, o festejado professor de psicologia de Harvard autor de "Do Que é Feito o Pensamento", em "Violência Ancestral", capítulo do "Anjos Bons da Nossa Natureza", Companhia das Letras.

Se "O Gene Egoista" pode ansiar por essa relevância , é quase consensual que a parte mais importante da obra é seu Capítulo XI, denominado "Memes ou Novos Replicadores", de tal importância que originou um novo ramo do conhecimento, a Memética.

E o que há de tanta importância nesse famoso Capítulo XI? Exatamente a criação de um "meme", por parte de Dawkins. A exposição de uma teoria que utiliza por analogia, a notação de mutação genética, apresentando o surgimento da mutação cultural como inerente à evolução, e que tem como núcleo o "meme".

Logo no início do capítulo, Dawkins expõe: "A transmissão cultural é análoga à transmissão genética, no sentido de que apesar de essencialmente conservadora, pode dar origem a uma forma de evolução. (...) É a nossa própria espécie que mostra verdadeiramente o que a evolução cultural é capaz de fazer."

Uma vez estabelecido o "Meme" enquanto "Meme" no caldo cultural e civilizatório é possível supor que haja implicações radicais nas denominadas Ciências Sociais, muito embora a resistência à Teoria da Evolução, mais por desconhecimento do que por qualquer outro motivo, seja algo onipresente nos quatro cantos da Terra. E não é por menos: demole Marx e Freud sem piedade...

* Arte: ft.org.br

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

DE HOMENS VULGARES



* Honório de Medeiros

"Era um homem vulgar que sentia supremo prazer em controlar tudo e manter os outros na ignorância." ("Norwegian Wood"; Murakami).

O contexto é outro mas se aplica perfeitamente a burocratas que supõem assegurar seu espaço na administração pública fazendo exatamente isso ao qual alude Murakami.

Ou, então, se aplica, também, a alguns pseudo-espertos que engabelam alguns, durante algum tempo, fazendo de seus silêncios uma aplicação tática: pretendem passar por quem sabe muito acerca de tudo, quando não sabem nada acerca do que importa.

São tão pequenos quando o que supõem esconder...

* Arte: salvoconduto.blogs.sapo.pt

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

ADEUS, JÚNIOR BARRETO



* Honório de Medeiros

Quantos já foram, Jânio Rêgo? Você sabe dizer, Carlos Santos? Não sei se vocês sabem, mas não suporto mais a hora do crepúsculo na calçada de minha casa em Mossoró.

O sol se punha, vocês se lembram, e nós pegávamos a bola e corríamos para o meio-da-rua enquanto nossos pais colocavam as cadeiras nas calçadas e ficavam tomando o fresco, como se dizia antigamente, ou seja, pegando o vento Nordeste que espantava o calor e as muriçocas, e apartando as brigas que surgiam, inevitáveis.

Depois o tempo nos levou cada um para seu destino, mas ser amigo de infância significa não haver qualquer cerimônia quando dos reencontros. Estamos sempre à vontade entre nós. E a conversa surge e segue fácil, adoçada pelas lembranças comuns.

Assim foi quando eu encontrei Júnior pela última vez, na caminhada noturna da Alexandrino de Alencar, em Natal, onde tantos mossoroenses dão as caras, de quando em vez. Conversamos um bom pedaço. Ele não sabia que eu sabia de sua doença. Eu não podia, portanto, dizer a ele o quanto desejava que ele se curasse, o quanto lhe tinha afeto.

Quando acontece algo assim, se estou em Mossoró, olho para a frente da casa dos meus pais e não suporto a saudade da infância; olho para os lados e não suporto as ausências. Foram-se muitos da nossa República Independente da São Vicente, foram-se meus pais, os seus pais, Jânio, os seus pais, Carlos Santos, os pais de Roberto Fausto, os de Valério, os de Júnior Barreto...

E agora se vai Júnior Barreto, uma flor de pessoa, cordial, gentil, educado, um cidadão irreprochável, uma unanimidade, como bem definiu Delevam. Um de nós, da nossa República amada, da turma do patamar da Igreja de São Vicente. Não era para ir. De forma alguma era para ir. Júnior era uma criança, tinha muito ainda para viver. Mas foi. 

Dê lembranças aos nossos velhos, amigo. Beije todos eles. E abrace e beije cada um dos nossos amigos que lhe antecederam: Cipriano, Pérsio, Marcos, Luis Artur, Toninho...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

DE USINAS DO MAL E LAMPEDUSA

* Honório de Medeiros

O ministro Barroso, do STF, deu uma entrevista na qual afirmou que "o sistema político brasileiro é uma usina do mal". O ministro parece não saber o que é "sistema", tampouco "política". 
Ou está fazendo jogo-de-cena. Ministro, um sistema político está para o Poder assim como a espuma está para as ondas do mar.
Simples assim.
Tal é o animismo moderno, que evoluiu da concepção de que as coisas têm vida, para a concepção de que as abstrações têm vida. Algo muito primitivo, sem dúvida, mas que presta um enorme serviço a quem detém o Poder. 
Sua expressão máxima é o funcionalismo americano. É algo mais ou menos como imaginar que a culpa dos pneus estarem descalibrados é inerente a eles mesmos, e, não, às estradas ruins. Troca-se o pneu e está tudo bem. 
Dessa visão do mundo nasce a nossa medicina, na qual os seres humanos precisam apenas melhorar as pelas de reposição, que tudo fica otimizado.
Uma variante humorística - e crítica - de uma percepção funcionalista da realidade está na estória do homem que flagra a esposa em adultério. Revoltado, desfaz-se da cama onde ocorreu a traição.
Assim está fazendo o ministro: não podendo se desfazer dos corruptos, quer modificar o sistema político.
Como se em cada sistema político não existissem corruptos.
Leia Lampeduza, ministro, leia Giuseppe Tomasi di Lampedusa. É dele, em "Il Gattopardo", essa frase célebre: "tudo deve mudar para que tudo fique como está"...

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DE ENCONTROS

* Honório de Medeiros

No cruzamento da Avenida Afrânio de Melo Franco com a Avenida General San Martín, pleno Leblon, eu tinha deixado as duas Bárbaras e Joseane na beira-mar para irem ver o pôr do sol no Arpoador, eis que escuto alguém me chamando. Surpreso me deparo com Carlos Eduardo Gomes, gentil companheiro de jornadas do Cariri Cangaço. Desde 2011 não nos víamos. Colocamos a conversa em dia. Me confessou que daqui a uns seis anos, para mais ou menos, vai se mudar para Poty do Alferes, encantadora cidadezinha serrana próxima de Vassouras onde acarinha um plantio de madeiras nobres. Voltará nos finais-de-semana para o Rio, posto que ninguém larga esta maravilha de uma vez por todas. Colocou-se à minha disposição, quando soube que eu estava de férias e, antes de partir, deu-me alguns bons conselhos acerca do que fazer enquanto por aqui estiver. Abração, Carlos. Muito obrigado. Depois de deixá-lo tomei o rumo do shopping Leblon, na busca de um livro de Murakami, "Kafka à Beira-Mar". E na livraria encontrei uma brilhante ex-aluna minha, Mariana Brandão, neta de uma ex-professora minha, advogada tributarista, e sua mãe, e logo encetamos uma agradabilíssima conversa acerca das coisas da vida, Direito inclusive, mas principalmente Filosofia. Mariana é um nome a se guardar com respeito, para o futuro, nas letras jurídicas. Muito bom reencontrá-la Mariana. Fica marcado nosso café em Natal, quando for por lá. Mundo pequeno, pequeno mundo...

terça-feira, 25 de novembro de 2014

OLIGARQUIAS DE ONTEM, OLIGARQUIAS DE HOJE

Em "História da Paraíba", José Octávio de Arruda Mello, ao abordar o tema "Etapas do oligarquismo paraibano:do venancismo ao alvarismo", que vai de 1889 a 1912, faz a seguinte e interessante observação:

"Noutra perspectiva, as oligarquias faziam-se flexíveis e capazes de proceder as mais incríveis combinações como ocorreu para Álvaro Machado transferir o governo em 1905, assegurando-se cadeira no Senado. Essas combinações, todavia, se processavam DENTRO DA PRÓPRIA OLIGARQUIA, daí porque na 'democracia manipulatória' da República Velha, o povo encontrava-se excluído. A conciliação, quando era o caso, processava-se nos limites da elite dirigente."

O quê mudou, de lá para cá? 

CARLOS GOMES CONTA A HISTÓRIA DE MOACYR GOMES


domingo, 16 de novembro de 2014

NUNCA FALE COM ESTRANHOS

* Honório de Medeiros

Ela falou: minha mãe me disse que eu nunca falasse com estranhos. Ele riu. Não se desculpou. Não podia deixar de rir. Não falar com estranhos, ou desconhecidos? Podia ser um desconhecido estranho, mas também podia ser um conhecido estranho. Não importava. "É verdade que você não me conhece, mas não sou estranho a você. Somos, ambos, seres humanos, vivemos no mesmo País, temos amigos em comum, partilhamos alguns interesses que nem vale a pena elencar, de tão óbvios. Temos afinidades idênticas, inclusive: desejar o melhor para a humanidade que integramos, o fim das guerras, da fome, das doenças, nutrir esperanças em relação ao futuro... Em mim pulsa a mesma centelha de vida que pulsa em você. Temos tristezas, alegrias, decepções, como qualquer um... Como posso lhe ser estranho? Desconhecido, talvez. Pois bem, é acerca disso que quero lhe falar. Diga a sua mãe que não é possível não falar com desconhecidos. Antes que você conheça alguém, esse alguém lhe é desconhecido. Se você não fala com desconhecidos, como não há de ser uma ilha? Sua maior amiga, por exemplo: era uma desconhecida até que você rompesse a recomendação de sua mãe e, em rompendo, começasse a construir esse vínculo afetivo que lhe é, hoje, tão caro. Imagine, por instantes, você vivendo em um mundo em que não lhe fosse permitido falar com desconhecidos. Como seria isso? Como seria em supermercados, restaurantes, cinemas, shoppings... Falemos, então, um com o outro, mesmo que seja para você me dizer que não gosta de mim. Isso eu posso entender. E perdoar." 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O SILÊNCIO DOS INOCENTES

* Honório de Medeiros

O que me espanta, no Brasil de hoje, é o silêncio dos inocentes. Mas não me espanta o silêncio dos manipuladores, tampouco o dos ludibriados.

GOVERNO DILMA INVENTA O DÉFICIT SEM REMORSO

* Josias de Souza

CRIATIVO, O GOVERNO DILMA INVENTOU O DÉFICIT SEM REMORSO

Sob Dilma Rousseff, o governo marchou sobre os cofres do Tesouro mais ou menos como a Cavalaria Americana avançou sobre os índios na conquista do Velho Oeste. Você imagina os EUA dando explicações sobre o massacre dos seus índios? Pois é. O Palácio do Planalto também estava muito ocupado cumprindo sua missão de conquistar a prosperidade para sentir remorso pelo extermínio do equilíbrio das contas públicas.

A caminho da reunião da cúpula do G20, na Austrália, Dilma refutou as críticas ao projeto que seu governo enviou ao Congresso para legalizar a irresponsabilidade fiscal que levará ao fechamento das contas públicas de 2014 no vermelho. “Dos 20 países do G20, que são as 20 maiores economias do mundo, 17 estão numa situação de ter déficit fiscal. Nós estamos ali, no zero”, festejou a presidente. Otimista, ela parece descrer da hipótese de o resultado ficar abaixo de zero.

Em entrevista à repórter Míriam Leitão, veiculada na noite desta quinta-feira (13), o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) reiterou comentários que ajudam a definir a estética do western do governo petista. Graças ao heroísmo desbravador de Dilma, o governo sacrificou a meta de superávit primário para “proteger a produção, o emprego e o chão da fábrica”.

Tomado pelo entusiasmo, Mercadante nem notou que alguma coisa lhe subiu à cabeça ao comentar a hesitação do Congresso em aprovar a proposta que desobriga o governo de produzir sobras de caixa para pagar os juros da dívida pública. “Se o Congresso não aprovar, não tem problema, podemos fazer o superávit primário”, disse o ministro. “É só suspender as desonerações [tributárias] e brecar os investimentos no país. Mas vamos colocar o resultado disso na conta do Congresso.”

Há no Congresso um sentimento antipetista que ultrapassa as fronteiras da oposição. Tomado pelas palavras, Mercadante deseja que essa aversão seja convertida num pró-petismo inocente, que aceite todas as presunções do governo a seu próprio respeito. Em matéria de política econômica, isso inclui concordar com a tese segundo a qual a gestão Dilma tem uma missão de inspiração divina. Portanto, indiscutível.

O estouro das contas não impedirá que o crescimento econômico fique próximo de zero em 2014. A gastança tampouco evitará que a inflação permaneça ao redor dos 6,5%, no topo da meta. A Petrobras, cujo conselho de administração foi presidido por Dilma, não consegue fechar um balanço trimestral, tamanha a roubalheira que se instalou na companhia desde o governo Lula.

Munido de autocritérios, porém, Mercadante acredita que Dilma —gestora impecável, potência moral— só deve explicações à sua própria noção de superioridade. O governo criou um novo tipo de déficit. O déficit sem remorso. Autocongratula-se e prepara o fechamento do ciclo. O Novo Mundo está conquistado. Falta só ajustá-lo. Se o Congresso cumprir o seu papel de aprovar tudo sem fazer muitas perguntas, quem haverá de se lembrar dos índios e das metas que a Cavalaria teve de sacrificar pelo bem do país?

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

VAMOS REZAR. VAMOS REZAR E MUITO!

* Honório de Medeiros


Nada como um pós-eleição para descobrirmos quem é, de fato, aquele candidato edulcorado ou seu governo (se ele é candidato à reeleição).

O pó sequer cobriu novamente os nossos títulos de eleitor e o tamanho do estelionato eleitoral assume proporções gigantescas: o Governo quer destruir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

E por qual razão? Simples. Gastou muito mais do que arrecadou ao longo desses últimos anos. E como fez isso precisa alterar a Lei para evitar que seu chefe seja processado criminalmente.

Simples assim. Alterar a Lei. E ainda há quem acredite que a Lei é instrumento para a Justiça. Não sabem de nada, os inocentes...

Mas esperem: e o que isso tem demais, essa história de ser necessário evitar que haja mais gasto do que aquilo que é arrecadado?

Pense em você mesmo, caro leitor. Se você gasta mais do que ganha, onde irá parar? Um dia a casa cai. E você quebra. Como se diz no Sertão, "quebra de não prestar".

Mas Países não quebram. Ou quebram? Quebram. E o resultado da quebra é doloroso. Muito doloroso. Gerações são sacrificadas para que o trem possa correr de novo nos trilhos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal foi elaborada para evitar essa situação pela qual está passando a Venezuela, a Argentina, e outros Países sub-desenvolvidos.

Pois bem, ainda não quebramos. Mas o resultado desse gasto errado, criminoso, breve pode se fazer sentir: a inflação estoura. E quando a inflação estoura, é um Deus nos acuda. Sofrem todos, até os muito ricos.

Para evitar que o rombo aumente, o Governo pode fazer poucas coisas: uma delas é cortar despesas, outra é aumentar os impostos. Que tal? Sim, há outra: aumentar a emissão de papel-moeda. Mas aí já é o fim.

Vocês agora já sabem qual é a nossa situação: completo descalabro, total irresponsabilidade. Não precisamos nem abordar o já muito batido tema da corrupção desvairada que contamina o Estado.

Acho melhor rezarmos. Vamos rezar. Vamos rezar, e muito.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

RN: DE PACTO SOCIAL E REFORMA DO ESTADO

* Honório de Medeiros


Tendo em vista as informações que vão surgindo na mídia acerca da alarmante situação financeira do Estado, não enxergo outra alternativa, para o futuro Governador do Estado, a não ser liderar a construção de um novo Pacto Social no Rio Grande do Norte para alavancar a urgente, imprescindível, fundamental, Reforma do Estado.

Pacto Social, vez que todas as forças da Sociedade, representadas pelos poderes constituídos, precisam participar diretamente, sob a legítima liderança do futuro Governador do Estado, da elaboração de uma Carta de Princípios que nortearia a Reforma de Estado,

Reforma de Estado que permita a reconstrução do Rio Grande do Norte social, econômica e financeiramente, estabelecendo os parâmetros necessários a serem seguidos pelos poderes constituídos para assegurar o desenvolvimento do Estado.

Uma vez estabelecidos esses instrumentos fundantes da nova realidade política, social e econômica, todas as medidas necessárias a serem tomadas estarão naturalmente legitimadas e contarão com o apoio da Sociedade. 

É o que se espera de alguém que foi escolhido pelo povo para derrotar todas as forças políticas tradicionais do Estado. 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

AS CONTAS DO GOVERNO, AH!, AS CONTAS DO GOVERNO...

* Honório de Medeiros

Conhecessem os brasileiros um pouco de economia, e soubessem como é arcaica, ultrapassada, a visão governista acerca do assunto, o resultado da eleição teria sido outro. Como não foi, resta rezar, nada mais. A revista britânica “The Economist”, em artigo em que chama Brasil e Rússia de “menos confiáveis”, aponta que desde a década de 1990 o Brasil vinha procurando atingir um superávit primário de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), mas que isso não acontece mais. “Em 2014, os gastos se expandiram ao dobro da taxa de crescimento da arrecadação, apesar dos ganhos com a concessão do campo de Libra e do 4G”, diz a publicação. Em setembro, as contas do governo brasileiro tiveram o pior resultado da história, com déficit de R$ 20,39 bilhões. Rezemos, pois...

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

BRASIL: CRESCIMENTO CAI, MAS ARRECADAÇÃO SOBE

* Honório de Medeiros

Impostos pagos este ano vai para 1,4 trilhão. Isso é Brasil: o crescimento cai, mas a arrecadação sobe. Trocando em miúdos: a classe média bancando a esmola e a corrupção. O crescimento é que não é. Basta lembrar o Custo Brasil...

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O MODELO ECONÔMICO DO BRASIL LEMBRA MUITO O DA DITADURA

* Honório de Medeiros

A política econômica desse Governo cada dia que passa mais parece com a da ditadura. São os mesmos parâmetros. São os mesmos erros. É como se Delfim Netto fosse o Ministro da Economia.

Na verdade Delfim é consultor informal de Lula. Respeitadíssimo pelo PT. E vive elogiando o Governo. Esse mesmo Delfim Neto que fez severas críticas ao Plano Real. O mesmo Plano Real que permitiu Lula surfar em ondas altas de popularidade e iniciar esse desastroso período histórico no Brasil.

Pois bem, a gasolina aumentou. A classe média mais uma vez é chamada para pagar o prejuízo da incompetência no Brasil. Pagamos a esmola sem fundamento e a corrupção deslavada. Como todos estão careca de saber, subirão todos os preços com o aumento da gasolina. A gasolina é um grande, imenso indexador. Aumenta a gasolina, aumentam todos os preços. 

E aumentando a gasolina, e aumentando os preços, aumenta a inflação. Isso mesmo. Aumenta a inflação. E os pobres ficam mais pobres. E a classe média fica mais pobre. E assim por diante.

Aliás, esse modelo econômico destrutivo que o PT impõe ao Brasil, com ênfase no consumo a partir da elevação artificial da renda, já disse para o que veio: a desigualdade aumentou e voltou ao patamar de 2011, segundo o PNAD. Vejam só: o Nordeste apresentou o maior nível de renda desigual. E a concentração de riqueza aumentou.

Tudo como dantes, no quartel de Abrantes. Gestão semelhante à da época da ditadura. Suposto desenvolvimentismo com retórica de esquerda: presença desastrosa do Estado na condução dos destinos do país. Como é semelhante, em essência, a ditadura de direita e a de esquerda...

É difícil acreditar que em pleno século XXI ainda haja quem defenda esse tipo de esquerda ultrapassada, retrógrada, arcaica que viceja no Brasil...

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

DE AUXÍLIO MORADIA E METAMORFOSE AMBULANTE

* Honório de Medeiros

Os juízes e promotores brasileiros são metamorfos (1): garantistas (2) quando julgam os outros, e legalistas (3) quando se trata de defender benefícios para eles mesmos.

(1) Metamorfoses ambulantes, à  Raul Seixas; vale lembrar que Lula se autodefiniu como sendo uma metamorfose ambulante.

(2) Garantismo: confusa teoria jurídica que entende a norma jurídica como uma casca ou invólucro cujo recheio, ao interpretá-la, será colocado a partir da noção individual ou particular específica do que seja O Justo para cada juiz; solipsismo jurídico; crença na onisciência do juiz enquanto alguém capaz de saber, mais que a própria Sociedade, o que é bom ou ruim para cada um. Descrença na capacidade da própria Sociedade regular seu Destino;

(3) Legalista: teoria jurídica que prega a interpretação fria da norma jurídica positiva, ou seja, aquela constante dos códigos e legislações. Para o legalista, pau é pau, e pedra é pedra, e não existe nada entre uma coisa e outra. Às vezes são denominados, pelos apedeutas, de positivistas, demonstrando, assim, que a estratégia de desconstrução do óbvio, por parte de quem o deseje, não pertence apenas à Política e sua incrível capacidade de demonizar reputações. Idolatram Heráclito de Éfeso, um pré-socrático, por ter afirmado que "o povo deve lutar por suas leis como pelas muralhas de sua cidade".  

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

JESUÍNO BRILHANTE: HERÓI OU BANDIDO? INTRODUÇÃO.



* Honório de Medeiros


De todos os livros de Câmara Cascudo, para mim nenhum é tão belo quanto "Flor de Romances Trágicos". Comecemos pelo título. Se decompormos e reunirmos novamente os termos que o compõem, nem assim ele faz sentido. O que significa "Flor de Romances Trágicos"?

Entretanto é um belo título. Estranhamente belo.

Essa beleza não permite o menor vislumbre acerca do conteúdo da obra. Afinal, se os perfis que Cascudo apresenta são trágicos, com certeza não poderiam, sequer esteticamente, serem considerados romances, bem como não poderíamos denominar "flores" os "outsiders" que o grande escritor apresenta em sua obra. Trágicos, sim, não haja dúvidas... 

Mas o talento enquanto escritor, de Câmara Cascudo, não transparece apenas no título do livro apresentado à nossa leitura e tão representativo do seu olhar inquiridor. Transparece, também, nos perfis desses "outsiders" que ele nos apresenta. Cada um deles é de uma beleza formal e conteudística memorável. 

Toda essa introdução é necessária para dar suporte à afirmação basilar a ser anunciada agora. Devemos à Cascudo, mais que a qualquer outro escritor, aí incluído Raimundo Nonato, a construção do mito de Jesuíno Brilhante enquanto um cangaceiro "gentil-homem".

Recordemos:

"Jesuíno Alves de Melo Calado foi o cangaceiro gentilhomem, o bandoleiro romântico, espécie matura de Robin Hood, adorado pela população pobre, defensor dos fracos, dos velhos oprimidos, das moças ultrajadas, das crianças agredidas.

Sua fama ainda resiste, indelével, num clima de simpatia irresistível. Certas injustiças acontecem porque Jesuíno Brilhante não existe mais. Era o paladino, o cavaleiro andante, sem medo e sem mácula, em serviço do direito comum e natural."

Não fosse a força do seu pensamento, assim como seu talento de escritor, a tradição oral não seria suficiente para construir a imagem de Jesuíno Brilhante que guardamos hoje.



Seria verdadeira essa imagem? Estão corretos os fatos por ele apresentados e interpretados, que ajudou a construir uma versão que se tornou praticamente "oficial" e que pautou a obra de Raimundo Nonato, bem como as que lhe seguiram a respeito do famoso cangaceiro?

Esse mesmo Raimundo Nonato que fora intimado por Cascudo, conforme ele nos conta em sua introdução a seu livro acerca de Jesuíno, a escrever "a gesta do cangaço no Nordeste Brasileiro", lhe advertindo que "falará, de começo, sobre Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico, caudilho de batalhas incontáveis, que respeitava as famílias e defendia os oprimidos". 

Para começarmos a responder essa questão o primeiro passo é nos indagarmos acerca de quais foram as fontes nas quais bebeu Cascudo para escrever acerca de Jesuíno Brilhante.

Que fontes foram essas?

Cascudo alude às seguintes fontes em "Flor de Romances Trágicos": o Padre Antônio Brilhante de Alencar (1873-1942) e Hugulino de Oliveira, de Caraúbas, Rn, que a seu pedido ouviu Dona Maria Umbelina de Almeida Castro. Faz referências, também, embora sem informar se foram fontes suas, a seu avô materno, Manuel Fernandes Pimenta, dono da "Fazenda Logradouro", município de Campo Grande, que segundo ele foi amigo pessoal de Jesuíno Brilhante, e sua mãe que, "menina, bricou muitas vezes com as filhas pequenas do valente".

Raimundo Nonato, ao aludir a Luis da Câmara Cascudo como sendo "inegavelmente a melhor documentada, e por isso, a de maior autenticidade, e a mais exata sobre a vida e a morte do filho fazendeiro João Alves de Mello" menciona outras fontes que com certeza foram consultadas por ele, tais como o romance de cenário inteiramente norte-rio-grandense "Os Brilhantes", de Rodolfo Teófilo, do Ceará, e trecho de "Heróis e Bandidos", de Gustavo Barroso, uma leitura da tradição oral acerca do tema.

Além disso, claro, o material resultante da recolha da tradição popular, tal qual o "documento popular" "ABC de Jesuíno Brilhante", que Rodrigues de Carvalho registrou em "Cancioneiro do Norte" (Paraíba, 1928).

Ou seja, enquanto fontes, as relações familiares e afetivas, bem como a tradicional propensão do nosso sertanejo de interpretar os fatos presenciados ou sabidos dando-lhes forma e conteúdo de caráter mítico turvam a possibilidade de construção de uma imagem de Jesuíno Brilhante condizente com a realidade.

É a essa tradição oral sertaneja, por exemplo, cultivada nos serões familiares, à luz das fogueiras ou lamparinas, que devemos a imagem de Antônio Silvino, Lampião e Padre Cícero que encontramos, ainda hoje, pelos Sertões nordestinos, tão distanciada da realidade.

Em sendo assim, existiria alguma outra fonte à qual pudéssemos recorrer para construir uma imagem de Jesuíno que fosse mais real, menos mítica? 

Temos. Neste ensaio vamos mostrar um outro Jesuíno Brilhante. 

Essa mostra tem dois momentos. No primeiro trataremos de fatos vividos por ele, mas vistos sob outra perspectiva, e, no segundo, traremos à lume um depoimento impactante acerca do cangaceiro, de um cidadão de reputação ilibada, seu contemporâneo, com forte presença na história em decorrência de sua decisiva participação em um momento sumamente importante para o Rio Grande do Norte.

Após fazermos tudo isso, teremos apresentado um contraponto à Cascudo e deixaremos a critério do leitor a escolha que lhe for conveniente para responder a questão que perpassa esse texto: Jesuíno Brilhante, herói ou bandido? 


terça-feira, 28 de outubro de 2014

QUEM DÁ AS CARTAS NO BRASIL É O PMDB

* Honório de Medeiros

Nesse próximo mandato de Dilma, tudo continuará como dantes, ou seja, o PMDB continuará dando as cartas no jogo político e, por conseguinte, mandando no Brasil.

Preside o Senado, preside a Câmara. Com seus senadores e deputados é o fiel da balança entre a oposição e o Governo. Nada é aprovado no Congresso sem seu aval e somente o é se lhe interessar.

E como não tem cor definida, sua bandeira é cambiante, sua ideologia é camaleônica, e não é estranho ao PSDB e seus aliados, ou seja, a oposição, muito antes pelo contrário, para ela pode migrar em 2018 se a economia, por exemplo, desandar. Ou se a insatisfação popular, por um motivo ou outro, crescer. Ou se o Governo não o tratar com a atenção (leia-se ser ouvido em tudo e por tudo) e o carinho (leia-se cargos) que ele sabe que merece.

É da natureza do PMDB não ter qualquer consistência político-ideológica. Professa uma frouxa defesa do que poderíamos denominar, com muita boa vontade, de "social democracia".

Na verdade o Partido funciona, ideologicamente, mais ou menos como a biruta de um aeroporto, se posicionando de acordo com o sabor do vento. Seus cardeais são doutores em auscultar os ruídos das ruas e campos e conciliar com os interesses específicos dos seus integrantes. 

São sobreviventes das intempéries políticas. Integram aquele grupo, no Brasil, que segura as rédeas do Poder desde a República Velha.  

Matreiro, manhoso, às vezes sutil, às vezes rude, o PMDB exerce com rara competência a rotina do Poder. Essa matreirice lhe permite, por exemplo, o mais das vezes, não se desgastar com as ações governamentais impopulares e, ao mesmo tempo, obter dividendos políticos com os acertos porventura existentes. Quando há erros, a culpa é deles; se há acerto, o  mérito é nosso.

Depois de eleita Dilma afirmou que vai insistir em um plebiscito para realizar a tão sonhada, pelo PT, reforma política. Que nada! Renan, cardeal do PMDB já disse que não é bem assim, que o melhor, mesmo, é a realização de um referendo. O que está por trás dessa discrepância? Simples: no caso do referendo, quem vai dar as cartas é o Congresso, o PMDB, que manterá todo o controle acerca de todo o processo. Sutilmente deu o recado: "sem nós, Presidenta, não se faz nada; conosco, do jeito que quisermos".

O PMDB é tão manhoso que é cindido esperta e deliberadamente em dois. Uma parte alinha com o Governo, outra faz guerrilha tática contra. É a velha estratégia do "morde" e "assopra". E assim, vendendo caro, muito caro, sua lealdade, vai impondo sua pauta política ao Brasil e engazopando o PT.

Ou impondo sua pauta política ao PT e engazopando o Brasil. A ordem dos fatores não altera o produto.     

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O GRANDE NÓ GÓRDIO QUE ROBINSON PRECISA DESATAR

* Honório de Medeiros

Diz a lenda que o rei da Frígia morrera sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o Oráculo anunciara a chegada, à cidade, do sucessor, num carro de bois.

Um camponês, de nome Górdio, foi coroado. Para não esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus. E a amarrou com um nó impossível de desatar, a uma coluna, e que por isso ficou famoso.

Górdio reinou por muitos anos e quando morreu seu filho Midas assumiu o trono. Midas expandiu o império mas não deixou herdeiros. O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria toda a Ásia Menor. 

Em 334 a.C Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. 

Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó em dois, desatando-o. Lenda ou não, o fato é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois.

Pois bem, o nó Górdio que Robinson Faria terá que desatar quando assumir o Governo do Rio Grande do Norte diz respeito ao servidor público estadual.

O Rio Grande do Norte tem aproximadamente 3,4 milhões de habitantes. Desses, 102.841 são servidores do Estado. Multiplicando cada servidor por cinco, que é a média histórica de dependentes diretos seus, teremos um total de 514.205 norte-rio-grandenses.

Esse número, entretanto, não dá a verdadeira dimensão da importância da remuneração do servidor público para a sobrevivência daqueles que vivem em seu entorno. Se diretamente a média é em torno de cinco pessoas para cada servidor, de forma indireta podemos, sem medo, multiplicar cada servidor por dez.

Ou seja, temos mais ou menos um milhão de pessoas vivendo às custas da remuneração de cada servidor público estadual no Rio Grande do Norte. Parece exagerado? Pense em um servidor público e relacione seus familiares, seus empregados, aqueles que lhe prestam serviços, e assim por diante, e conclua.

Pois bem, a influência política de cada servidor sobre seus dependentes diretos e indiretos é muito forte. E a influência do conjunto dos servidores públicos estaduais sobre a política partidária maior ainda. 

Aqui no Rio Grande do Norte dois Governadores, de forma mais expressiva, foram atingidos diretamente pela revolta do servidor público: Geraldo Melo e Rosalba Ciarlini. Certos ou errados, desde o início de seus governos abriram um contencioso tenso contra os servidores e amargaram índices muito altos de rejeição popular no final do mandato.

Esse nó Górdio, em relação a Robinson, é ainda mais complexo dada a peculiaridade de seu futuro Governo: com uma mão terá que administrar uma pesada herança de natureza financeira, fruto de gestões passadas, e, com outra, demandas incisivas dos servidores, historicamente espoliados, e dessa vez apadrinhados por quem praticamente lhe deu a vitória, o PT. Demandas cada vez maiores face à inflação oficial alta e extra-oficial altíssima (inflação de serviço), e a compressão salarial.

Medidas paliativas, ou de negaceio, historicamente utilizadas, não resultarão em nada favorável. Caso sejam utilizadas em muito breve hão de dilapidar seu patrimônio de legitimidade política. E confrontos, bem como a inércia do servidor "emburrado", vão paralisar sua administração. 

Há soluções? É possível. Um primeiro e importante passo é enfrentar o problema imediatamente, admitindo sua existência e o tratando com a importância que ele sempre teve e merece. Como não pode deixar de ser, alguns passos têm natureza político estratégica. Alguns outros são de natureza essencialmente técnica...

Esse é, apenas, um dos primeiros passos que precisam ser dados para que o Governador eleito possa estabelecer uma diferença essencial em relação aos governos anteriores. Há muito outros, claro.

Entretanto como se trata de algo que afeta profundamente as finanças públicas do Estado, e atinge diretamente um número expressivo de seus habitantes que têm forte poder de replicação, é possível considera-lo o verdadeiro nó Górdio das administrações públicas estaduais.

Ver: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2011/06/governo-versus-servidor-publico.html

http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2011/03/o-servidor-publico-e-as-elites.html

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

TRISTE CLASSE MÉDIA BRASILEIRA

* Honório de Medeiros

Triste classe média brasileira: em uma ponta sustenta a iniquidade dos corruptos, em outra a envergonhante esmola para a base social. Pior: aceita tudo passivamente...

terça-feira, 21 de outubro de 2014

NADA VALE UMA INDIGNIDADE

* Honório de Medeiros

Estamos no fim da corrida eleitoral. Neste espaço, apesar de minha posição firme em defesa dos meus candidatos, creio não ter perdido, em qualquer momento, o respeito por quem discorda de mim. Este é o testemunho que eu almejo de quem me leu. Entretanto, lamento, e lamento muito a sociedade dividida que a eleição vai deixar como legado. Lamento esse clima de ódio gratuito, típico de quem não compreende que tudo passa, e o tempo é implacável. Lamento pelas amizades perdidas, as incompreensões, os desentendimentos. Culpo os líderes, sua ânsia de poder, sua incompreensão do verdadeiro papel de alguém que momentaneamente está à frente do caminho. Nada vale uma indignidade. Às vezes uma derrota é tudo quanto precisamos para crescermos enquanto humanos.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

TOMARA QUE DEUS NÃO EXISTA

Folha de S.Paulo

Por Frederico Vasconcelos

Sob o título “Tomara que Deus não exista“, o artigo a seguir é de autoria do procurador da República Davy Lincoln Rocha, de Joinville (SC), que manifesta sua discordância sobre a concessão do auxílio-moradia.

"Brasil, um país onde não apenas o Rei Está nu. Todos os Poderes e Instituiçōes estão nus, e o pior é que todos perderam a vergonha de andarem nus. E nós, o Procuradores da República, e eles, os Magistrados, teremos o vergonhoso privilégio de recebermos R$ 4.300,00 reais de “auxílio moradia”, num país onde a Constituição Federal determina que o salário mínimo deva ser suficiente para uma vida digna, incluindo alimentação, transporte, MORADIA, e até LAZER. A Partir de agora, no serviço público, nós, Procuradores da República dos Procuradores, e eles, os Magistrados, teremos a exclusividade de poder conjugar nas primeiras pessoas o verbo MORAR. Fica combinado que, doravante, o resto da choldra do funcionalismo não vai mais “morar”. Eles irão apenas se “esconder” em algum buraco, pois morar passou a ser privilégio de uma casta superior. Tomara que Deus não exista… Penso como seria complicado, depois de minha morte (e mesmo eu sendo um ser superior, um Procurador da República, estou certo que a morte virá para todos), ter que explicar a Deus que esse vergonhoso auxílio-moradia era justo e moral. Como seria difícil tentar convencê-Lo (a ele, Deus) que eu, DEFENSOR da Constituição e das Leis, guardião do princípio da igualdade e baluarte da moralidade, como é que eu, vestal do templo da Justiça, cheguei a tal ponto, a esse ponto de me deliciar nesse deslavado jabá chamado auxílio-moradia. Tomara, mas tomara mesmo que Deus não exista, porque Ele sabe que eu tenho casa própria, como de resto têm quase todos os Procuradores e Magistrados e que, no fundo de nossas consciências, todos nós sabemos, e muito bem, o que estamos prestes a fazer. Mas, pensando bem, o Inferno não haverá de ser assim tão desagradável com dizem, pois lá, estarei na agradável companhia de meus amigos Procuradores, Promotores e Magistrados. Poderemos passar a eternidade debatendo intrincadas teses jurídicas sobre igualdade, fraternidade, justiça, moralidade e quejandos. Como dizia Nelson Rodrigues, toda nudez será castigada!"

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

DE GUERRA ELEITORAL

* Honório de Medeiros

Nesta altura da guerra eleitoral a razão é algo raro. Os inocentes úteis de ambos os lados duelam, descabelados, suados, soltando fogo pelas ventas, com "standards" retóricos de alto teor ofensivo e nenhum conteúdo racional. Nada de novo. Desde que o homem é homem é assim. Alguns criam religiões e deuses para os muitos se despedaçarem por eles. E, durante todo o tempo, se refestelam com tudo quanto há de melhor. O mesmo melhor que, para os muitos, é pura miragem...

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

IMENSO FARDO...

* Honório de Medeiros

Votarei em Aécio Neves, não tenho dúvidas, em respeito aos fundamentos da democracia e da economia. Não quero o Brasil uma república bolivariana, aos moldes da Venezuela e Argentina; tampouco quero um País no qual enquanto os banqueiros lucram cada dia mais, e a base social é permanentemente manipulada com esmolas, a classe média, a sós, sustenta essa imenso fardo.

domingo, 28 de setembro de 2014

DESIGUALDADE NO BRASIL É MAIOR QUE APREGOA O GOVERNO

Desigualdade no Brasil é maior do que mostra a Pnad, diz estudo.

Levantamento de estudiosos do Ipea e da UnB constata que não só o abismo entre pobres e ricos não está caindo, como também é maior do que se imaginava.

* Ana Clara Costa

"Hoje é o Dia mundial de combate ao trabalho infantil. Atualmente há no Brasil mais de 4 milhões de crianças e adolescentes trabalhando.

Estudo: ao cruzar dados da Pnad com os do Fisco, pesquisadores constatam que desigualdade não caiu (Wilson Dias/ABr/VEJA).

Um estudo publicado há poucos dias num site de pesquisa científica deve acirrar o debate em torno do tema desigualdade. Intitulado A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012, o documento aponta que não só a desigualdade se manteve estável nos últimos anos, como também é mais alta do que aponta a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os pesquisadores relacionaram os dados sobre a renda domiciliar da Pnad e números obtidos da declaração do Imposto de Renda de pessoas físicas. A constatação é de que o abismo entre ricos e pobres não foi reduzido nesse intervalo, ao contrário do que mostra a Pnad. Outro ponto importante mostrado pelos estudiosos é que o coeficiente de Gini, índice usado mundialmente para medir a concentração de renda, é muito maior quando se associam as duas variáveis (renda domiciliar e renda declarada ao Fisco), do que quando leva em conta apenas os números apurados pelos recenseadores do IBGE.

Leia também (no Google):

*No Brasil de Lula e Dilma, os ricos ficaram mais ricos.

*Falta transparência na divulgação de números sobre desigualdade no Brasil.

O indicador varia de zero, que é a igualdade perfeita, até um — o grau máximo de desigualdade. Pelo novo estudo, o índice nos anos de 2006, 2009 e 2012 são, respectivamente, 0,696, 0,698 e 0,690. Já a Pnad aponta que, nesses mesmos anos, o Gini ficou em 0,539, 0,516 e 0,498. “Ao que tudo indica, as Pnad subestimam as rendas mais altas e, por isso, não monitoram completamente o comportamento da desigualdade total”, informam os acadêmicos da Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fabio Castro. Medeiros e Souza também são pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Segundo o levantamento, as pesquisas domiciliares indicam uma queda persistente da desigualdade de 2006 a 2011, que só foi interrompida em 2012. Mas, ao ajustarem à pesquisa as rendas dos brasileiros mais ricos a partir de dados tributários, e não aqueles levantados por recenseadores, a queda na desigualdade deixa de existir. “Houve crescimento da renda, mas, se o Brasil cresceu para todos, os ricos se apropriaram da maior parte desse crescimento”, diz a pesquisa. Os dados tributários são usados pelo pesquisador francês Thomas Piketty para compor seu estudo sobre desigualdade. Seu banco de dados deu origem ao livro O Capital no Século XXI, que será lançado no Brasil em novembro, pela editora Instrínseca. Piketty não citou o Brasil em sua publicação porque o governo brasileiro não respondeu aos seus pedidos por dados tributários.

A Pnad é considerada uma fotografia incompleta da desigualdade porque as informações sobre a renda são fornecidas pela própria população aos recenseadores. Isso significa que os próprios cidadãos podem subestimar ou superestimar seus ganhos. Os dados do Imposto de Renda são mais precisos porque, além de serem oficiais, mostram posse de bens e rendimentos isentos ou não tributáveis, como doações, investimentos em poupança e outras aplicações cuja tributação ocorre direto na fonte. O levantamento seria mais completo ainda se usasse dados da declaração de renda de pessoa jurídica, já que muitos brasileiros — sobretudo os mais ricos — declaram seus rendimentos como tal, e não como pessoa física.

Os três autores produziram, anteriormente, um estudo levando em conta apenas os dados das declarações de imposto de renda, sem a Pnad. Na última semana, o site de VEJA teve acesso ao material, que mostra que a concentração de renda aumentou no país entre 2006 e 2012. Segundo o levantamento, encomendado pelo Ipea, os 5% mais ricos do país detinham, em 2012, 44% da renda. Em 2006, esse porcentual era de 40%. Os brasileiros que fazem parte da seleta parcela do 1% mais rico também viram sua fatia aumentar: passou de 22,5% da renda em 2006 para 25% em 2012. O mesmo ocorreu para o porcentual de 0,1% da população mais rica, que se apropriava de 9% da renda total do país em 2006 e, em 2012, de 11%.

A Pnad de 2013 foi publicada no último dia 18, mostrando que a diferença de renda entre pobres e ricos se mantem alta. No dia seguinte, o IBGE convocou entrevista coletiva para anunciar que o levantamento continha “erro grave”. Depois de apontadas as correções, o indicador de desigualdade melhorou, mas a mudança não foi suficiente para reverter a tendência de conge'amento. O IBGE saiu do episódio com a imagem arranhada."