quarta-feira, 16 de julho de 2014

DE PAI E MÃE: OS MEUS

* Honório de Medeiros

Para Elza Sena, onde ela estiver.

Para quem não gosta de adjetivos, aviso logo: não leia o texto.

Aliás, não sei por que essa neurose contra adjetivos. Um adjetivo é um instrumento: se mal usado, compromete; se bem usado, acrescenta.

Texto somente com substantivos é igual à mulher sem um toque de batom, um ajeitado no cabelo, um olho delicadamente delineado, uma gota de perfume. Falta poesia.

Pois bem, a minha mãe era extrovertida, determinada, solar; meu pai, por sua vez, introvertido, cismarento, noturno. Antípodas. Completavam-se.

Entendiam-se pelo olhar. Conversavam pouco entre si falando. Tinham longas conversas em silêncio.

Poucas vezes os vi amuados um com o outro. Anos depois, já maduro, minha mãe me confessou que muito cedo tinham feito um pacto: se brigassem não dormiriam sem se beijar e desejar boa noite. “Quebrava logo o gelo”, dizia ela.

Lá em casa as tarefas eram bem demarcadas: ela, administração; ele, o financeiro. Quem lidava, por exemplo, com o pessoal que vinha fazer algum serviço na nossa antiga casa às margens da Igreja de São Vicente, era minha mãe.

Dura, detalhista, sem papas na língua, amenizava tudo isso tratando os trabalhadores por igual e os convidando a partilharem nossa mesa comum.

Papai, discreto, observava tudo de longe. E ficava fazendo contas, controlando o parco orçamento doméstico, providenciando o pagamento.

Demonstravam afeto de formas bastante diferentes: mamãe abraçava, beijava, ficava arrodeando cada um de seus filhos e sobrinhos, perguntando, dando conselho, participando diretamente.

Papai somente me beijou uma vez, em toda a sua vida, quando me viu sair de casa, aos quatorze, em busca das ilusões da cidade grande. Beijou-me na testa. Marejou os olhos. Fiquei abismado. Engoli meu choro.

Amava de longe, de forma mansa, mas intensa. Chegava na hora certa, maneiroso, solidário. Mas não era de demonstrações afetivas.

Profundamente religiosos, assim o eram, também, de forma muito diferente: enquanto ela cria de uma forma bastante prática, manifestada por intermédio de sua participação em tudo que dizia respeito à Igreja de São Vicente, do coral às novenas, ele, pelo seu lado, movia-se silenciosamente nos meandros da fé.

Quando morreu, era Ministro da Eucaristia. E, ao contrário de minha mãe, era dado às orações solitárias, conversas particulares entre ele e os santos de sua estima.

Ambos de famílias antigas, tradicionais, sequer pegaram o fim do fausto familiar. Foram, desde o início, e com muita dificuldade, da pequena classe média: minha mãe funcionária pública, meu pai empregado de uma empresa familiar de beneficiamento de algodão.

No final, dois aposentados, contando cuidadosamente o dinheiro mirrado que o Governo depositava em suas contas bancárias no final de cada mês.

Mas nada relevante lhes faltou: a casa era antiga, mas boa, a mesa era farta, os filhos estudavam em bons colégios. Tinham, até mesmo, um fusquinha comprado zero quilômetro com o dinheiro do fgts da aposentadoria de meu pai. Eram respeitados e queridos na cidade que escolheram para viver e morrer.

Penso, hoje, que minha mãe foi feliz, vivendo sempre o momento presente, de sua forma intensa, visceral. O mesmo não sei dizer de meu pai.

Terá sido ele feliz? Acho que ter se afastado da sua viola amada, por injunções familiares, e trabalhado anos a fio no mesquinho e hostil ambiente da empresa onde era empregado acentuou sua melancolia de nascença.

Entretanto tinha orgulho dos filhos. E seus olhos claros, esquivos, brilhavam quando chegavam as boas notícias que cada um de nós lhe levava. Aparecia um sorriso rápido no rosto. E sua doçura natural se acentuava.

Desisti de me questionar acerca da existência de Deus. Qual minha mãe acredito e pronto. Ponto final. Penso como Pascal: em crer, mal não há.

Talvez haja, também, um fio de esperança a alimentar minha crença: a de que, em morrendo, possa reencontrá-los, sentir o abraço com cheiro de lavanda de minha mãe e o sorriso de meu pai em sua cadeira de balanço enquanto dedilha a viola.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A GESTÃO DA SELEÇÃO É UM ESPELHO DA GESTÃO DO BRASIL

* Honório de Medeiros

Posso não ter diploma de técnico de futebol, mas tenho cá minhas convicções e vou meter meu bedelho nesse assunto da seleção brasileira.

Uma delas é de que uma ruma de menino chorão não tem calibre para ganhar copa do mundo. Fiquei impressionado com o chororô deles. Que diabos foi aquilo? Sou de um tempo que homem não chora, engole as lágrimas, trinca os dentes e segue em frente. Não precisa de consolo.

E não adiante vir com conversa de psicólogo. Conheci muitos homens e mulheres de antigamente que não derramavam lágrimas como quem descasca dez cebolas de uma vez só, e eram pessoas equilibradas, íntegras, felizes a seu modo, em tudo e por tudo.

Fiquei perplexo com as lágrimas abundantes, os semblantes arrasados, o drama visceral dos nossos jogadores. Quanta fraqueza emocional... Nem as carpideiras do Sertão choram daquele jeito.

Outro fato que me impressionou foi a vocação brasileira para admitir e admirar sargentões do tipo Felipão, que transpira certezas sem fundamento e manipula os fracos com sua arrogância de botequim. O modelo Felipão anda por aí conduzindo a massa, lembra muito Lula, levando os bestas no bico, apresentando soluções superficiais e imediatistas para problemas antigos e estruturais, cheio de condescendência com os críticos.

Pois Felipão não teve a ousadia de querer impingir ao Brasil que a seleção jogou bem até o "apagão"? E que o "apagão" foi o culpado de tudo?

Para quem estuda Retórica, e analisa o quanto o corpo diz, é um copo cheio ver a mania que Felipão tem de dar uma palmadinha no rosto dos interlocutores quando fala com eles. Fez isso com Van Gaal. Fez isso com José Pekerman. Fez isso com outros. É ultrajante, medíocre, ultrapassado. Lembra certos políticos de quinta categoria, sem compostura, frequentadores de velórios e batizados. É o retrato de quem se esconde por trás de um ethos arcaico, distante de uma razão calcada em argumentos.

Por fim, é intrigante o quanto todo o processo pelo qual passou a seleção brasileira lembra nossa atual situação político-econômica. Assim como no Brasil, a elite que comanda os destinos da seleção é ultrapassada, comprometida do ponto de vista moral, manipuladora e limitada intelectualmente.

Na Argentina também é assim, mas lá tinha um técnico melhor preparado, e jogadores tecnicamente mais qualificados. Sim, e homens calejados jogando futebol...

Fatos são fatos, contra eles não há argumentos. Estão aí para quem quiser apreendê-los. Nesse sentido a gestão da seleção é um espelho da gestão do Brasil. Uma ilusão potencializada midiaticamente ante uma caterva de apaixonados aos quais falta, até mesmo, bom senso, a desmoronar às vezes lentamente, às vezes repentinamente, quando o tempo passa e a verdade aparece. Vejam a propaganda do Governo. Não parece que vivemos na Alemanha?

Quanto à questão tática ou estratégica, basta irmos aos jornais do exterior. Leiam o que os analistas de futebol de fora dizem do jogo de nossa seleção...    

sábado, 12 de julho de 2014

"A PERSUASÃO PERTENCE AO DOMÍNIO DA INFLUÊNCIA"

* Honório de Medeiros


"A persuasão pertence ao domínio da influência", nos diz Lionel Bellenger. Está claro. Mas por qual razão eu quero influenciar alguém?  Por querer que esse alguém perceba as coisas e os fenômenos como eu percebo. E por que eu suponho que posso ou devo fazer isso? Por supor que estou certo, e os outros, errados ou ignorantes. Trata-se de uma questão de Poder, em relação a valores meus e dos outros, posto que em relação ao mundo dos fatos, domínio da ciência e da técnica, não se influencia quanto aos seus objetos em si, demonstra-se por a + b. É importante não confundir aquilo que eu digo acerca de algo, no mundo da ciência ou da técnica, com aquilo que eu quero que você perceba daquilo que eu digo desse algo. Este foi o cerne do embate entre Galileu e a Igreja.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

"DURMO NOVO E ACORDO VELHO"



* Honório de Medeiros

Para François Silvestre

Seu Antônio de Luzia, oitenta e seis anos, sentado em sua cadeira de balanço, na calçada de sua casa, no Sítio Canto, em Martins, é o próprio símbolo da passagem inalterável das manhãs, tardes, noites, madrugadas, do ritmo lento dos dias que se sucedem bucólicos, tais e quais as contas debulhadas do rosário de Sinhá, oitenta e poucos não admitidos, que deslizam por entre seus dedos, à hora do ângelus, enquanto seu pensamento vagueia nos limites de sua circunstância, e nada escapa do seu olhar dardejante e de seus ouvidos “de tuberculoso”, como me confidenciou.

Pergunto a Seu Antônio acerca das coisas que estão mudando mundo afora, em uma rapidez vertiginosa, impossível de serem acompanhadas. Lembro a ele a chegada do homem na Lua, o computador, o celular...

Ele fica calado um bocado de tempo. Quando penso que esqueceu o assunto, ergue um pouco o braço e aponta com o dedo um passante, quebra o silêncio do final-de-tarde e me diz: “desde que o mundo é mundo, podem as coisas ter mudado, mas o homem, meu filho, é o mesmo de sempre”.

“Quando eu era de menino para rapaz”, continua, “pensava que as pessoas lá fora eram diferentes. Viajei, corri légua, vi e ouvi muitas coisas que eu prefiro esquecer, e voltei. Fico comparando o homem que vive lá fora com o homem que vive aqui, e não vejo diferença. Lá se mata, como aqui; lá se bebe, como aqui; lá se trai, como aqui; lá se rouba, como aqui. Tudo que existe lá fora, maior, existe aqui, menor”.

Fez-se silêncio, novamente, durante algum tempo.

“Eu às vezes penso” prosseguiu, “que tanto faz como tanto fez, o homem se engana demais com as coisas, é como a roupa que a mulher veste: pode ser de qualquer tipo, mas ela é sempre a mesma”.

E, depois de beber um gole de café, arrematou: “lá fora o tempo passa e eu não vejo: durmo novo e acordo velho; aqui, eu vejo que o tempo não passa: faz uma eternidade que estou vivo!”.

Arte em jornalavem.wordpress.com

quarta-feira, 18 de junho de 2014

O PACTO DOS GOVERNADORES PARA ELIMINAR OS CANGACEIROS (COM POST-SCRIPTUM)



* Honório de Medeiros

Teria havido um pacto entre os governadores para a eliminação dos cangaceiros, sem que lhes fosse dado o direito de responderem processo ante a Justiça?

O estudo dos cangaceirólogos e os indícios levam a crer que sim.

Houve uma reunião em Recife, no dia 28 de dezembro de 1926, entre os chefes de polícia dos estados do Nordeste, cujo teor não pôde ser vazado para a imprensa em decorrência do seu caráter reservado e das medidas de ordem interna que estavam sendo tomadas e não podiam ser reveladas.

O Governador anfitrião, Estácio Coimbra, na abertura do conclave, fizera críticas contundentes aos coronéis do interior e sua complacência com o banditismo. E já havia tomado algumas medidas radicais no combate ao cangaceirismo: nomeara, a 16 de novembro daquele ano, o Major Teófanes Ferraz Torres para comando geral das unidades policiais de cidades e vilas no interior do Estado e lhe dera “carta branca” para atacar o principal suporte dos cangaceiros, através da eliminação ou redução drástica de seus coiteiros, mesmo que para isso fosse necessário prender e torturar, como de fato foi feito ao longo dos anos seguintes.

Frederico Pernambucano de Mello[1] comenta o encontro:

“Daí para a idéia da promoção de novo encontro[2] ia apenas um leve passo. Ele é dado logo a 28 de dezembro desse ano[3] com a reunião, mais uma vez no Recife, de representantes dos Estados atingidos pela ação do banditismo – os tradicionais, como os mais recentes – de modo especial a que decorria do comando superiormente engenhoso de Lampião.

Da Paraíba, freguesa antiga do bandido, chega o chefe de polícia, Júlio Lira; do Ceará, Paes de Carvalho; do Rio Grande do Norte, Benício Filho[4]. Pernambuco se faz representar pelo chefe de polícia, Eurico de Souza Leão, e pelo secretário de Justiça, Genaro Guimarães. (...) Alagoas, Ernande Teixeira Bastos; (...) Madureira de Pinho, chefe de polícia da Bahia.” 

Vamos aos indícios: no Rio Grande do Norte, Sérgio Dantas relata o episódio da morte de Mormaço e Bronzeado[5]: 

“Mossoró, 12 de março. A cadeia pública passava por minuciosa revista. Prisioneiro recambiado para a cidade de Apodi deu conta às autoridades de plano de fuga encabeçado pelos cangaceiros Mormaço e Bronzeado. O objetivo da empreitada – segundo o delator – seria o aprisionamento do carcereiro e a tomada das armas depositadas no paiol. 

A polícia não titubeou e investigou sumariamente a denúncia. Descobriu sinais de arrombamento em porão localizado no setor norte do presídio. Sem maiores rodeiros, responsabilizou os dois cangaceiros por tentativa de fuga e os imobilizou à força de algemas[6]. 

Na manhã seguinte decidiu-se pelo encaminhamento dos prisioneiros para a capital. O tenente Laurentino ficou encarregado de facilitar o transporte. Além de Mormaço e Bronzeado, seriam de igual recambiados os criminosos Thomaz dos Santos e Waldemar Ramos, presos comuns, detidos há meses na cidade salineira.

A ordem de transferência para Natal – segundo insinuações surgidas no período subseqüente à eclosão do movimento revolucionário de 1930 – partira do Governo do Estado, ainda na véspera.

Fato concreto, imaculado de dúvidas, é que a transferência em discussão foi efetivamente autorizada. 

Entre Mossoró e Açu, no Sítio Lagoa Cerrada, os bandoleiros encontraram a morte. Foram fuzilados. 

Não se chegou, à época, a ser apresentada à sociedade civil versão verossímil para o caso.

Durante o governo revolucionário de 1930, entretanto, foi aberto Inquérito para apurar os extermínios de criminosos, inclusive cangaceiros. O Tenente Abdon Nunes – não se sabe a que pretexto – chamou para si toda a culpa pelos assassinatos. Isentou o Governo do Estado de qualquer responsabilidade. Durante interrogatório, disse, textualmente: ‘Não recebi ordens de ninguém. E diga ao Chefe de Polícia que tive pena de não ter podido matar os outros’[7]. 

No Ceará a imprensa reagiu à chacina, em tudo e por tudo realizada nos moldes utilizados para a morte de Jararaca, Bronzeado e Mormaço, comandada pelo Sargento José Antônio do Nascimento, do cangaceiro Lua Branca e quatro comparsas, remanescentes do bando de João Vinte e Dois[8]: 

‘Os grandes responsáveis são os poderosos e tranqüilos mandantes dessas tropelias dos cangaceiros. São vendedores de armas e munições. São os compradores solertes dos produtos de cada assalto’.” 

O que nos diz Fenelon Almeida[9] acerca da morte de Jararaca? 

“Não obstante as dores fortes que sentia, Jararaca dava sinais evidentes de que iria sarar dos graves ferimentos recebidos. Vinha aos poucos melhorando. Seu organismo resistia de maneira surpreendente. E isso passou a preocupar as autoridades policiais de Mossoró. Por temor ou por simples espírito de vingança, preferiam que ele morresse de vez, sem apelação. Que desaparecesse de Mossoró. Não queriam mais tê-lo ali nem uma semana.

O Tenente Laurentino de Morais [10] tinha ido a Natal, de onde regressou no dia seguinte (com quem teria estado ele?). A partir de sexta-feira, dia 17, começou a circular pela cidade a notícia de que o ainda temível cangaceiro seria transferido de Mossoró para Natal – uma informação lacônica, desacompanhada de qualquer comentário ou explicação da medida.”

Sérgio Dantas[11], novamente: 

“Até hoje ignora-se de onde ou de quem partiu a ordem para o extermínio do cangaceiro[12].”

Importante, para a compreensão da possibilidade desse pacto, é a leitura da carta publicada por Manoel Alves do Nascimento[13], enviada por Paulo Fernandes, filho de Rodolfo Fernandes, em 15 de setembro de 1963, ao escritor Nertan Macedo, que pela sua importância vai transcrita integralmente, sem ser editada:

“Limo. Sr. 

Nertan Macedo

Rio de Janeiro (GB)

Na qualidade de filho de Rodolfo Fernandes de Oliveira Martins, prefeito de Mossoró, RN, por ocasião do assalto de Lampião àquela cidade, tendo deparado à página 213, linhas 20/21 do seu livro ‘Capitão Virgulino Ferreira Lampião’ com uma afirmativa que não corresponde a verdade, cumpro o dever de refutá-lo e solicitar de V. SA. as providências que o caso requer. 

De V. SA. referindo-se à Jararaca, que ‘de madrugada, um conselho local, reunindo elementos de maior destaque da municipalidade, decidiu pela morte do bandido’. 

Jamais ouvira falar em tal reunião nem também ouvira imputar a elementos da municipalidade a decisão de eliminar o bandido Jararaca.

Quando ocorreu o assalto de Lampião (13 de junho de 1927), encontrava-me no Rio cursando o 6° ano de medicina. Menos de quatro meses depois meu pai veio a esta capital e aqui faleceu a 10 de outubro, tendo conversado comigo sobre os dramáticos acontecimentos e não me declarou entretanto ter mandado matar Jararaca. 

Posteriormente ouvi pessoas de minha família e também estranhos sobre os referidos acontecimentos e nunca ouvi qualquer coisa que induzisse pelo menos a um indício de verdade na afirmação de V. SA. 

Deliberei entretanto em viajar recentemente até Mossoró para investigar melhor o assunto. Falei a várias pessoas, homens honrados, alguns dos quais tomaram parte na defesa da cidade e de nossa residência e todos unanimemente repudiam a versão do seu livro. 

Embora cumpra a V.SA. e não a mim provar o alegado. Apresso-me em aduzir alguns comentários que esclarecem o assunto. Vejamos alguns fatos e circunstâncias em que se desenrolaram os acontecimentos em exame. 

1 – As forças policiais, sediadas em Mossoró, obedeciam ao comando do oficial Abdon Nunes[14];

2 – O Governador do Rio Grande do Norte, Doutor José Augusto Bezerra de Medeiros e o seu chefe de polícia, Desembargador Manoel Benício de Melo, estavam à época, em franco dissídio com o prefeito de Mossoró (meu pai); 

3 – Segundo consta, as autoridades estaduais não acreditavam que Lampião atacaria Mossoró e por isso não enviaram, com antecedência, forças suficientes para defesa da cidade;

4 – O Sr. Mirabeau Melo, chefe da repartição do telégrafo em Mossoró era irmão do chefe de polícia, e atuava como informante das coisas locais e porta voz do governo era um medíocre intrigante, inadequado para a missão que o destino lhe reservou pois tanto o governador do estado e seu chefe de polícia como o prefeito de Mossoró eram homens de bem e do mesmo partido político de modo só se compreende o dissídio entre eles em torno do problema de interesse público em virtude da ação maléfica de mexeriqueiros; 

5 – As advertências à população e providências tomadas por meu pai eram exploradas pela oposição até com o ridículo. Chamavam-no por exemplo de velho medroso por se preocupar com um possível ataque de Lampião à cidade;

6 – Quando porém se tornou certo o ataque e o pânico dominou a cidade nossa casa foi procurada como refúgio por alguns desses detratores. Segundo relato que me fez nosso motorista, José de Paula, já falecido, que assistiu à cena, um comerciante de alta projecção local, José Martins Fernandes ajoelhou-se aos pés de meu pai e lhe pediu perdão da campanha que movera e lá ficou, em nossa casa, perdoado, inerte e inútil, durante toda a luta;

7 – O telegráfo nem sempre foi voraz[15]. Recordo-me ainda de ter lido os telegramas vindos de Mossoró e retransmitidos de Natal para Juvenal Lamartine, governador eleito para o Rio Grande do Norte por eles ficava-se com a impressão de que Lampião dominará a cidade;

8 – Jararaca, preso, recusou o alimento que lhe fornecia o xadrez e declarou que só comeria comida da casa do prefeito. Minha mãe enviou leite para sua alimentação. Houve censura e comentários por essa atitude. 

9 – Boatos, intrigas políticas dominavam o ambiente apesar de que houvesse o real perigo de um novo assalto;

10 – Corriam porém ameaças de que o governo cogitava de desarmar os civis que eram afeiçoados a meu pai embora houvessem defendido à cidade e fossem todos homens pacatos em Mossoró não havia nem nunca houve o hábito do rifle; 

11 – Jararaca dissera ou mandara dizer ao meu pai que desejava falar-lhe em particular. Até hoje não se sabe o que ele pretendia dizer pois foi massacrado na noite que seguiu; 

12 – Pessoas fidedignas que conviveram com meu pai disseram-me agora que ele na intimidade reprovou a morte de Jararaca;

13 - Alega-se que se meu pai tivesse tido conhecimento prévio do massacre projetado teria se apressado em ir ao encontro solicitado por Jararaca pois no consenso de muitos, este desejava, no mínimo, revelar onde estava escondido seu dinheiro ou fazer qualquer revelação a respeito de Lampião, por vingança, pois ele não acudiu aos seus rogos para que o levasse ferido, deixando à margem de um desvio ferroviário rente aos fundos de nossa casa;

14 – Ainda está vivo um dos soldados da escolta que abateu Jararaca. É o Sr. João Arcanjo, hoje funcionário da prefeitura de Mossoró. Não o ouvi por escrúpulo. Deve ter sido um mero instrumento a cumprir ordens de algum superior sem nada saber nem poder se insurgir contra as mesmas; 

15 – Sabe-se ainda que o Sr. Amaro Silva, agrônomo, funcionário do Ministério da Agricultura, cortou as orelhas de Jararaca[16] e levou-as para Natal para exibi-las às autoridades. 

As circunstâncias e fatos narrados induzem a conclusão de ser pura invencionice afirmativa de que ‘um conselho local, reunindo elementos de maior destaque da municipalidade, decidiu pela morte do bandido.’ 

Os fatos devem ter ocorrido de outro modo. 

Ouvi a respeito do Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros e ele me respondeu que o Jararaca morrera na luta. 

É cedo para esclarecer o caso. Ainda estão vivas pessoas envolvidas direta e indiretamente no assunto. Há ainda descendentes próximos de outros. 

Seria tarefa subversiva agitar agora essa questão. Meu objetivo é apurar os fatos, senão a bem da verdade e da memória de meu pai refutar a imputação que indiretamente lhe foi feita.” 

Assim como é importante entender os “bastidores” da morte de Chico Pereira, através da leitura de Adauto Guerra Filho[17]:

“Apesar de ser uma história longa e complexa, não é difícil entender a razão de tanta contradição. Em primeiro lugar, levemos em consideração uma informação do livro ‘Vingança, Não’ de F. Pereira Nóbrega, o qual diz que os dois Presidentes de Província, Dr. Juvenal Lamartine, então Presidente do Rio Grande do Norte, e João Suassuna, Presidente da Paraíba, fizeram um pacto de morte no dia 18.08.1928. Isto assim se explica: O Presidente da Paraíba não queria entrar em choque com o recém-eleito Cel. João Pessoa, que dera a Chico garantia de liberdade. Então idealizou uma forma de condená-lo fora do Estado. Ele bem sabia que cangaceiro no Rio Grande do Norte tinha vida curta e, por isso, oportunamente se aproveitou do assalto à casa do Cel. Quincó para idealizar uma forma de incriminar Chico Pereira[18]. Isto aconteceria ao induzir o bandido principal, Antônio Jerônimo, conhecido por Antônio Chofer, a dizer que Chico estava entre eles. Pessoas maliciosas vão mais além, afirmando que o assalto fora programado, tanto é que, logo após a ida de Chico para a detenção, em Natal, Antônio Chofer caiu no desinteresse da Justiça, inclusive sendo solto e ficando no anonimato.

Outro fato curioso que nos induz a pensar que o assalto foi programado é o excessivo interesse de Antônio Suassuna – o Tonho, sobrinho do Presidente da Paraíba, pela ‘liberdade’ de Chico Pereira. Ele próprio hospedou Chico em sua casa, na Fazenda Cajueiro, no município de Catolé do Rocha. Ali chegando, Chico foi alvo de sua atenção, havendo Tonho servido de mediador entre ele e João Pessoa, ao levá-lo à presença do Presidente eleito. Naquela ocasião, Tonho convenceu Chico de que, após o júri em Princesa, nada mais lhe aconteceria. Este fato, aliás, o demoveu da idéia de se retirar para Goiás.

Em Acari, Chico Pereira, sentindo o acre da traição, escreveu a Tonho, fazendo paralelos entre a cadeia e a Fazenda Cajueiro e, na doce ilusão de que um dia seria solto, dizia ao traidor que após ficar livre, não hesitaria em matá-lo.

Ainda com referência ao fato, o Sr. Abdias Pereira Dantas, numa conversa com o autor em Nazarezinho, no dia 04.01.1985, assim falou: 

“Só me queixo da morte do finado Chico, de João Suassuna. Depois que Chico morreu, ele mandou me chamar para conversar. Respondi que, com um bandido da qualidade dele, não queria conversa. Quem fez o assalto à casa do Cel. Quincó foi o sobrinho dele”. 

Ainda para tornar mais clara a contradição da Justiça, o Pe. Francisco Pereira Nóbrega falou ao autor em João Pessoa, em 10.01.1985, que, no momento do assalto, seu pai se encontrava no município de Pombal. Ele é também dos que acreditam na hipótese do assalto ter sido programado naquele lugar. 

Pelo menos uma coisa não se põe em dúvida: a morte de Chico estava programada. Isto está confirmado no depoimento de um soldado sobrevivente que reproduziu um diálogo entre Juvenal Lamartine e o Ten. Joaquim de Moura. O Presidente solicitou a presença do Tenente em seu gabinete e a ele assim se dirigiu: 

- É verdade que aquele cangaceiro da Paraíba vai voltar para Acari? 

- É, sim.

- Olhe! Não quero esse homem vivo.” 

Essa determinação, a priori, até dispensa pesquisadores de fazer exames mais apurados sobre notas de jornais diversos, tais como: 

“Correio de Campina – 17.12.1928. ‘Teria sido Chico Pereira vitimado mesmo de um desastre de carro? Pessoas residentes no interior do Estado (Rio Grande do Norte) põem dúvida à afirmação. O Presidente potiguar é acusado de mandar fuzilar sumariamente os sertanejos acusados’ (Livro “Vingança, Não”, pág. 254).” 

“Diário da Manhã, de Recife (PE) – 02.11.1928. “Chico Pereira, preso há pouco, ao ser transportado para a cidade de Acari, onde devia ser julgado, foi morto de ordem superior pelos policiais que o conduziam. Alegou-se que o carro que o conduzia capotou, verificando-se terrível desastre.” (Livro “Vingança, Não”, pág. 254).”

Continua, mais a frente, Adauto Guerra Filho: 

“O Sr. José Pereira da Costa, cidadão de Ouro Branco, tabelião da cidade e curioso das histórias da região, assim detalhou o fato, em 09.07.1984:

‘Chico Pereira chegou preso a Santa Luzia na companhia do Ten. Manoel Arruda e alguns soldados. O Ten. Francisco Honorato, de Serra Negra do Norte, foi indicado para recebê-lo. Chico vinha de paletó e gravata e isso provocou censura da parte do Tenente: 

- Como se conduz um bandido de paletó e gravata? Isso é um cachorro de fila. 

Em seguida, com arrebates, tirou o paletó e a gravata de Chico e autorizou os soldados a lhe colocarem as algemas. O Ten. Francisco Honorato esperava que o matador de Chico fosse ele. Porém a ordem do governo veio para o Ten. Joaquim de Moura. Ele ficou revoltado’. “

Quem matou Chico Pereira: João Suassuna e Juvenal Lamartine? Teria sido Aproniano, irmão de Chico Pereira, quem assassinara João Suassuna no Rio de Janeiro, contratado pela família de João Pessoa ou unicamente para vingar Chico Pereira? Corre essa lenda ou história no Sertão. Talvez não se saiba nunca a verdade. A morte de Chico Pereira é a prova do Pacto dos Governadores? 

Raimundo Nonato como que referenda essa tese[19]: 

“Em longo depoimento constante de publicação oficial (A República de 22-10-1930) por determinação ‘post’-revolução do Chefe de Polícia, João Café Filho, e prestado perante o 1º Juiz Distrital de Natal, D. Arnaldo Neto, declarou o Capitão Moura todos os pormenores do plano delegado para a morte de Chico Pereira, em 29-10-1930[20], no transporte do preso para julgamento, no Acari, de suposto processo. “

E publica também, em sua obra, a defesa de Juvenal Lamartine[21]: 

“Quando morreram[22] os bandidos de “Lampião”, no município de Mossoró, e Chico Pereira[23], num acidente de automóvel, no município de Currais Novos, o chefe de Polícia, de acordo comigo, mandou proceder ao inquérito pelo Delegado especial, a fim de que a verdade fosse apurada com rigor[24].

Vitoriosa a revolução, foi aberto novo inquérito a fim de ser processado o presidente do Estado, o chefe de polícia e os oficiais e soldados como responsáveis pelas mortes dos facínoras. A medida deve ser completada pela ereção de um monumento comemorativo das façanhas desses bandidos atacando cidades e fazendeiros honrados. É preciso glorificar o crime e punir os que defendem a propriedade, a vida e a honra ameaçadas por salteadores perigosíssimos[25].” 

Mesmo assim Raimundo Nonato chega a ser irônico quando aborda o episódio da morte de Mormaço e Bronzeado[26]:

“De todos, “Mormaço” foi o bandoleiro que prestou declarações mais importantes, tendo dado nada menos que quatro depoimentos: em Crato, CE., a Pau dos Ferros, Martins e Mossoró, RGN. Em todas as referências e as acusações são mais ou menos semelhantes. 

Juntamente com “Bronzeado”[27] e mais dois presos de justiça, que se encontravam na cadeia de Mossoró, foi levado para a estrada de Natal e morto com os outros. Do ocorrido há um processo, onde se fez prova de qualquer forma, que um dos bandidos pegou um fuzil, atirou nos companheiros, e depois, suicidou-se com a mesma arma...” 

Gutemberg Costa[28] noticia a reação do Tenente Abdon Nunes ao inquérito contra si aberto como conseqüência da execução e Jararaca: 

“Dois anos e meio depois da morte de Jararaca em Mossoró, o capitão Abdon Nunes de Carvalho, avocou para si toda a responsabilidade do episódio. Assim, o processo tão desejado, contra os ex-governadores José Augusto e Juvenal Lamartine não teve curso. Por causa disso a minúscula facção política de oposição (daquela época) fez violenta carga, pela imprensa contra o Governo, de acordo com comentário de Raul Fernandes na sua obra sobre o assunto, citada neste capítulo.” 

Houve ou não um pacto entre os governadores para a eliminação física dos cangaceiros, sem que lhes fosse dado o direito de responderem processo ante a Justiça?

[1] “GUERREIROS DO SOL”; Massangana Editora; A Girafa Editora Ltda. ; Segunda edição; 2004; São Paulo; SP.

[2] O anterior fora em 15 de dezembro de 1922.

[3] 1926.

[4] Benício Filho era Chefe de Polícia do Governador José Augusto Bezerra de Medeiros e irmão do Chefe dos Correios e Telégrafos de Mossoró, este acusado por Paulo Fernandes, ex-Prefeito de Mossoró e filho de Rodolpho Fernandes, de fomentar o afastamento de seu pai com o Governador do Estado que era seu correligionário político.

[5] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; Natal; Rn.

[6] Terá sido armação? Por que esse preso foi recambiado para Apodi? Talvez tenha sido seu prêmio, caso contrário teria o mesmo fim dos outros presos comuns. Observe-se a rapidez com que a polícia agiu.

[7] Sérgio Dantas informa que a afirmação está em SUASSUNA e MARIZ, 2002, p. 236.

[8] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; Natal; Rn.

[9] “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO"; ALMEIDA, Fenelon; Guararapes; Recife, Pe; 1981.

[10] Clóvis Marcelo de Araújo que se encontrava de guarda no Presídio onde estava Jararaca, afirmou a Raimundo Soares de Brito: “A escolta era composta do Tenente Laurentino de Morais, então Delegado e Comandante do destacamento; Tenente Abdon Nunes; Sargento Pedro Silvio de Morais; um Sargento do destacamento de Macau, cujo nome não recordo; Cabo Manoel de Tal e os Soldados Militão, Paulo e João Arcanjo (GURGEL, Antônio e BRITO, Raimundo Soares de; “NAS GARRAS DE LAMPIÃO”; Fundação Guimarães Duque; Fundação Vingt-Un Rosado; Coleção Mossoroense; Volume 1513; 2ª. Edição.

[11] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – GRÁFICA EDITORA; 2005; Natal; Rn.

[12] Jararaca.

[13] “POLÍGONO – REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS DO CANGAÇO – TOMO I – ANO I - Coleção Mossoroense; Série “C”; Volume 963; Co-edição ETFRN/UNED; Mossoró; 1997.

[14] Não era o Tenente Laurentino?

[15] Deve ser “veraz”.

[16] Na realidade as de Colchete. Segundo entrevista feira por Ilná Rosado com Jerônimo Lahyre de Melo Rosado, Amaro Silva foi até o Sítio “Canto”, onde estava sua mãe Dna. Marola, levando uma orelha de Colchete. Botaram-na em uma lata e esta dentro de outra e enterraram em baixo de uma árvore perto da casa que ficava próximo da porteira. Nunca mais a encontraram.

[17] “O SERIDÓ NA MEMÓRIA DE SEU POVO”; Julho de 2001; Editora: Departamento Estadual de Imprensa; Natal, Rn.

[18] José Ribamar Diógenes, filho de Antístenes Diógenes, este proprietário da Fazenda “Tombador”, entre Rodolfo Fernandes, Itaú e Pereiro, me contou que seu pai acoitou Chico Pereira. Informou, inclusive, que Chico Pereira casou-se com sua esposa por procuração através de um irmão seu, nessa fazenda. E observa que Chico Pereira era conhecido, no “Tombador”, por João Estrela.

[19] “LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; 4a. edição; Coleção Mossoroense; Série C; Volume CDVIII; 1989.

[20] A data não bate com a da publicação do jornal “A República”.

[21] “LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; NONATO, Raimundo; COLEÇÃO MOSSOROENSE, SÉRIE “C”, VOLUME CDVIII; 1989; 3ª. Edição; 1965; EDITORA PONGETTI; Rio de Janeiro; Brasil.

[22] Juvenal oculta que os cangaceiros foram mortos, não morreram.

[23] Idem.

[24] Compare-se com o depoimento do Capitão Moura, citado acima, por Raimundo Nonato.

[25] Eis a debochada defesa de Juvenal quanto à morte de Chico Pereira.

[26] “LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; NONATO, Raimundo; Coleção Mossoroense, série “C”, volume CDVIII; 1989; 3ª. Edição; 1965; editora Pongetti; Rio de Janeiro; Brasil.

[27] “Além de Jararaca, mais outros cangaceiros envolvidos com os ataques a Apodi e Mossoró foram, de maneira sumária e com os mesmos requintes de perversidade, justiçados pela Polícia sob o mesmo álibi: Transferência para o Presídio de Natal. Bronzeado e Mormaço (...) foram eliminados juntamente com Valdemar Ramos e Tomaz dos Santos, dois presos de justiça que se encontravam detidos e aguardando julgamento” (GURGEL, Antônio e BRITO, Raimundo Soares de; “NAS GARRAS DE LAMPIÃO”; Fundação Guimarães Duque; Fundação Vingt-Un Rosado; Coleção Mossoroense; Volume 1513; 2ª. Edição.).

E o Juiz e o Promotor de Mossoró da época: nada!

[28] “GOTA DE SANGUE NUM MAR DE LAMA”; COSTA, Gutemberg; Gráfica Santa Maria; Natal, Rn, edição do Autor.

POST SCRIPTUM 1:

Ao escritor Ângelo Mário de Azevedo Dantas, autor da “CRONOLOGIA DA POLÍCIA MILITAR DO RIO GRANDE DO NORTE” (175 anos de história – 1834 a 2009), volumes 1 e 2, prefácio de Manoel Onofre Jr.; edição do Autor; 2010; obra de inestimável valor para os estudiosos da história do Rio Grande do Norte, encaminhei a consulta seguinte:

“Amigo,

Consulta ao grande historiador da Polícia Militar do Rn:

Que temos acerca do Coronel Joaquim Teixeira de Moura, importante no Governo Juvenal Lamartine? Temos foto?

Um grande abraço,

Honório de Medeiros.”

E recebi, prontamente, a seguinte resposta:

“Como vai o amigo?

Quanto a Joaquim de Moura, temos sim!

Ele era um dos grandes homens de confiança de JL[1]. Era pau pra toda obra. Necessitando matar alguém era com ele mesmo. Aquela "estória" da virada do caminhão que transportava Chico Pereira ficou engasgada por muito tempo.

Eu vou separar aqui algumas informações que tenho sobre ele e repasso ao amigo. Tenho apenas duas fotos. Uma consta do livro História do Batalhão de Segurança. A outra foi tirada de um jornal de 1935, onde ele está postado ao lado de outros oficiais.

Joaquim de Moura atingiu o posto de coronel ao ser transferido para a reserva remunerada. Em serviço ativo só chegou a major, mas o pessoal daquela época conquistava até três degraus quando se aposentava.

Coronel Bento Manuel de Medeiros, pai de Maurilio Pinto era major quando passou para a reserva. Foi a tenente coronel por direito natural (um posto a mais) e foi a coronel por ter participado da intentona de 1935. Como ainda tinha direito a mais um posto e já tinha alcançado o mais elevado, então ganhou um adicional de 20% nos vencimentos.

Isso ocorreu com inumeros oficiais. Tivemos um oficial chamado Antonio Mozart Soares - genitor do coronel Simar Lasfir Soares. Ele foi pra reserva no posto de capitão era capitão quando atingiu o tempo de serviço para a reserva e foi promovido a major, tenente coronel e coronel num mesmo ato, justamente porque tinha direito a três promoções. A chamada lei de guerra e de esforço de guerra também beneficiou policiais militares. Este era o terceiro direito.



Ok, amigo: Vamos lá - da esquerda para a direita (o cara de chapéu nada tem a ver):

1) Tenente Francisco Bilac de Faria - parente de Juvenal Lamartine. Ele era o oficial de dia em 23 de novembro de 1935, quando irrompeu a Intentona Comunista aqui em Natal. Bilac chegou a Coronel e foi deputado estadual nos anos 60, salvo engano.

Como capitão, foi prefeito nomeado de Martins. Outro detalhe: foi o primeiro oficial combatente a se formar em odontologia, isso em 1940, e chegou a atuar como dentista da PM mesmo antes de se formar. Tais informações constarão do meu futuro livro - História do Serviço de Saúde da PM-RN que pretendo publicar em agosto próximo.

2) Capitão Joaquim Teixeira de Moura;

3) Tenente Coronel Luis Júlio - que era o Cmt da PM na Intentona de 1935. Ele também era sogro do Dr. Onofre Lopes da Silva - patrono do atual Hospital Universitário. Era cunhado do Tenente-Coronel Jacinto Tavares Ferreira que concluiu o inquérito policial contra Lampião acerca do Fogo da Caiçara.

Luis Júlio era tio da minha avó paterna, fato que descobri há cerca de quatro anos passados. Antes de 1970, morei na Av. Rio Branco, quase esquina com a Juvino Barreto e me lembro bem de um irmão mais novo do coronel Luis Júlio. Chamavam-no "Dinda" e ele gostava muito de mim, me levava para tirar retrato 3x4, cortar o cabelo etc.

4. Tenente Severino Raul Gadelha - era o Cmt do Esquadrão de Cavalaria durante a intentona. Chegou a ser Cmt Geral da PM nos anos 50.”

POST SCRIPTUM 2:



“Quem passa diariamente por aquele trecho da Maniçoba, talvez não perceba esta capelinha lá existente, a esquerda da Rodovia BR 226, sentido Currais Novos-Natal. Foi o exato local que o cangaceiro Chico Pereira foi assassinado quando vinha responder júri no Acari. E o pior é que Chico Pereira morreu inocente, pois nenhum crime seu foi constatado pela justiça norte-riograndense.” 

Imagem e comentário de Volney Liberato, filho de Currais Novos, Seridó - RN. Bacharel em Administração pós-graduado pela UFRN; repórter pela Oficina de Jornalismo "Genival Rabelo"; pesquisador do cangaço, história regional e cultura popular.


“Ruínas do casarão pertencente a Chico Pereira de Nazarezinho, Situado no sítio Jacu, município de Nazarezinho, encontra-se, infelizmente em ruínas” (Volney Liberato).

POST SCRIPTUM 3:

Em comentário acerca do esboço dessa matéria em honoriodemedeiros.blogspot.com, assim se manifestou Michael Pereira de Lira:

“Sou filho de um dos primos de 2ºgrau do Chico Pereira, Manoel Pereira de Lira, que nasceu em Souza-PB em 04/11/1928. Filho de Maria da Glória Pereira, dona da Fazenda Mãe D'Água. Soube de como mataram o Chico Pereira de forma diferente. Ele não foi preso por suspeita de assalto. Ele se entegou à polícia por orientação de seu amigo e advogado Café Filho que lhe prometeu um julgamento justo. Ele era caçado por ter matado um camarada que havia matado um membro de sua família. Ele prendera o assassino a primeira vez e o entregou à polícia, que logo em seguida liberou o assassino (Provavelmente quem o contratou para cometer o crime teve poder para isso). Chico Pereira prendeu, de novo o meliante, e o entregou à polícia com a promessa de que se o soltassem de novo, ele o mataria, e foi o que aconteceu. Quando soltaram o cabra pela 2ª vez Chico Pereira o matou, passando a ser foragido da polícia que passou a considerá-lo integrante do cangaço. Chico Pereira chegou a trocar favores com o Lampião e chegou a contar com a ajuda de Corisco para fugir das ciladas dos "macacos", como os policiais eram conhecidos na época. Depois que Chico Pereira se entregou à polícia, para ser julgado em Natal, no trajeto, eles o mataram simulando o acidente. Eu tenho um tio que tem este livro "Vingança Não!" Mas achava que o autor fosse o Frei Lira. Não sabia que era conhecido como Padre Pereira, afinal, eu tinha apenas 9 anos quando me contaram esta história. Hoje tenho 48. Sou economista, mas me interesso por história, principalmente quando se refere à cultura popular. Quando tiverem mais informações sobre o Chico Pereira e a família dele, me passem, por favor.”

POST SCRIPTUM 4:

Do mediocridade-plural.blogspot.com.br, por Laélio Ferreira, acerca de JOAQUIM DE MOURA, Oficial da Força Pública do RN, matador de CHICO PEREIRA, In "Othoniel Menezes - Obra Reunida", "Sertão de Espinho e de Flor - Canto 11 ("taquigrafado numa feira")", com Nota de Laélio Ferreira (Honório de Medeiros):




"- Mermo prus perré [1] ,agora,

Café Fio é a lui da oróra,

Papai Noé do Brasí...



- Ante dele sê tão grande,

cafeísta era no frande [2]

na virola e no fuzí...



- Coração de mé de abêia,

o Café, ocês me creia,

imbora impate robá,

vai dá ciloura [3] e camisa

inté a Joaquim Marfisa [4],

se de tanto percisá...



- Cum tanto do “amigo novo”,

vai mái é ficá pru povo

deferente - é de amaigá!



Num adianta, esse luxo

de teimá sê péla-bucho [5]...

- camalião, vai pra lá! [6] "



[1] Nota de OM.

[2] Idem, idem.

[3] Ceroula, cueca.

[4] Joaquim Teixeira de Moura - Referência velada, ferina, ao Coronel da Polícia Militar do RN. Durante o relativamente curto período do governo (1928-1930) de Juvenal Lamartine de Faria (1874-1956), esse oficial notabilizou-se pela violenta repressão aos correligionários – e à própria família - do futuro Presidente Café Filho, inimigo político do Governador. Ficou célebre, quando tenente, em 1928, pelo frio assassinato de um certo Chico Pereira, acusado de roubo no interior do Estado e constituinte de João Café – que era advogado provisionado. Itamar de Souza, in "A República Velha no Rio Grande do Norte", conta, com detalhes, a terrível façanha do militar. Outro escritor, Ivanaldo Lopes – por sinal, filho de um outro coronel -, no livro Oficiais da PM (1980), retrata Joaquim de Moura como “quase perverso por obrigação do ofício”, revelando que “... às vezes, quando o sacrifício era próximo a núcleos residenciais, sepultava o bandido em cova rasa, ainda vivo, mas inerte, mantendo apenas a respiração ofegante de moribundo. Tanto assim era, que, em muitos casos testemunhados por transeuntes, as reações da vida faziam surgir do túmulo um braço ou uma perna, denunciador de alguém ali sepultado.”

[ 5] Ver nota de OM, adiante.

[6] OM, nesta e na sextilha anterior, critica João Café Filho – que praticamente nada fez pelos amigos da primeira hora, esquecendo-os quando assumiu o poder. Othoniel foi um dos que se desiludiram das promessas do político."

sábado, 14 de junho de 2014

OS ANARQUISTAS ESTÃO CERTOS

* Honório de Medeiros

Que dizem os anarquistas?

Qual o núcleo do capitalismo? A mais-valia. Sem mais-valia não há luta de classes. Lê-se isso em Raymond Aron, "O Marxismo de Marx": "Por último é a teoria da mais-valia que serve como fundamento para o conjunto da construção teórica de Marx, pois o regime capitalista só funciona na medida em que gera mais-valia (...)".

Como surge a mais-valia? Via divisão do trabalho social. Sem que muitos trabalhem para poucos, gerando o excedente, não há mais-valia.

E como, por sua vez, surge a divisão do trabalho social?

O que sabemos acerca desse momento da história no qual, pela primeira vez, surgiu a divisão do trabalho social?

Tal somente foi possível através da persuasão ou da força. A força da persuasão ou a persuasão da força.

Em ambos os casos, somente é possível a persuasão ou força por intermédio do Poder.

O Poder de persuadir, oriundo da capacitação intelectual, do desnivelamento intelectual, ou o poder da força, por intermédio da força física. A força do Poder, o Poder da força.

Tão óbvio isso que Engels tentou entender o papel da força quanto ao surgimento do capitalismo em "Anti-Duhring". Mas não há como negar a acumulação primitiva à custa do exercício da força. 

Então, na base, está o exercício do Poder. Somente há capital porque há Poder.

Os anarquistas estão certos.