sábado, 14 de junho de 2014

OS ANARQUISTAS ESTÃO CERTOS

* Honório de Medeiros

Que dizem os anarquistas?

Qual o núcleo do capitalismo? A mais-valia. Sem mais-valia não há luta de classes. Lê-se isso em Raymond Aron, "O Marxismo de Marx": "Por último é a teoria da mais-valia que serve como fundamento para o conjunto da construção teórica de Marx, pois o regime capitalista só funciona na medida em que gera mais-valia (...)".

Como surge a mais-valia? Via divisão do trabalho social. Sem que muitos trabalhem para poucos, gerando o excedente, não há mais-valia.

E como, por sua vez, surge a divisão do trabalho social?

O que sabemos acerca desse momento da história no qual, pela primeira vez, surgiu a divisão do trabalho social?

Tal somente foi possível através da persuasão ou da força. A força da persuasão ou a persuasão da força.

Em ambos os casos, somente é possível a persuasão ou força por intermédio do Poder.

O Poder de persuadir, oriundo da capacitação intelectual, do desnivelamento intelectual, ou o poder da força, por intermédio da força física. A força do Poder, o Poder da força.

Tão óbvio isso que Engels tentou entender o papel da força quanto ao surgimento do capitalismo em "Anti-Duhring". Mas não há como negar a acumulação primitiva à custa do exercício da força. 

Então, na base, está o exercício do Poder. Somente há capital porque há Poder.

Os anarquistas estão certos.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

DE CRIMINALIDADE




* Honório de Medeiros

Diferente da corrente majoritária hoje nas análises sociológicas acerca das causas da criminalidade e suas consequências, defendo uma abordagem, acerca do tema, de caráter darwinista. 

Ou seja, penso que está mais que no tempo de superar a falida postura de atribuir às condições sociais, à pobreza, por assim dizer, o surgimento da criminalidade.

A pobreza não é causa, é um dos ambientes do surgimento da criminalidade. Para o senso comum, principalmente o brasileiro, é fácil entender essa hipótese: basta acompanhar, diariamente, o noticiário acerca da corrupção. 

Existe uma lógica perversa, típica, por trás da difusão e aprofundamento dessa manobra diversionista que é atribuir á pobreza o surgimento da criminalidade. É uma lógica de gueto, secessionista, da qual se apropriam os interessados em usufruir da confusão que ela origina.

Acerca desse tema tive oportunidade de escrever um artigo que submeto à atenção do leitor: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2012/10/o-que-leva-o-jovem-ao-crime.html.

Em relação ao reconhecimento desse "ethos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”, a literatura também se manifesta, mesmo que obliquamente, no sentido de reconhecê-la como uma das causas da criminalidade.

Leiam atentamente o trecho a seguir, pinçado de "Maigret hesita", do genial Georges Simenon, escrito em 1968:

"É provável que lá também encontrasse um pobre sujeito que havia realmente matado porque não podia agir de outro modo, ou então um jovem delinquente de Pigalle, recém-chegado de Marselha ou da Córsega, que eliminara um rival para se fazer crer que era um homem." 

Ai está o senso comum e a literatura mais uma vez mostrando de forma inequívoca por qual razão deve ser um ponto-de-partida para o conhecimento.


* Arte em armonte.wordpress.com

quarta-feira, 4 de junho de 2014

PROJETO DO PT É A LONGO PRAZO

Palma Nova, Itália, de 1539, cinturão externo de Veneza. Ideal renascentista.

* Honório de Medeiros

O projeto em curso no Brasil e em alguns países da América do Sul é obter hegemonia política a longo prazo para a esquerda de inspiração cubana, de caráter leninista, calcada em Gramsci.

Antonio Gramsci, que pretende ter unido Marx a Maquiavel, defendia a tomada do Poder por intermédio da corrosão permanente das instituições democráticas de molde liberal, tais quais o Poder Legislativo e Judiciário, para a obtenção da hegemonia cultural, da qual as outras seriam decorrência.

O planejamento, organização e implementação da estratégia, no caso do PT, está nas mãos dos reais detentores do Poder, como Zé Dirceu, e não é do conhecimento até mesmo de quem aparentemente dirige o País, como Dilma, escolhida por Lula em decorrência de sua ingenuidade truculenta.

A quem Lula trata como líder? Fidel. Onde foi o treinamento tático de Zé Dirceu? Cuba. A quem Hugo Chávez obedecia? Fidel.

Na estrutura real, para eles, o Poder é organizado a partir de círculos concêntricos um dentro do outro, do menor para o maior. As decisões que importam são tomadas no círculo menor e repassadas cuidadosamente ao círculo maior que o contém, e assim por diante, até o último, para garantir sua implementação.

Não é preciso mencionar que somente o círculo menor tem controle de todas as informações. Claramente, temos uma estrutura real x uma estrutura formal (aparente) de Poder.

Aliás, várias instituições seculares funcionam plenamente de acordo com essa disposição estratégica. A mais notável delas é a Igreja Católica.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

OS PONTOS A SEREM EXPLORADOS PELA OPOSIÇÃO AO PT




* Honório de Medeiros

Na guerra eleitoral que já está em curso e cujo objetivo é a Presidência da República, os pontos que devem ser maciçamente explorados pela oposição, junto à base da pirâmide social, reduto maior do PT, são a saúde, a segurança pública, e a inflação.

Se a oposição conseguir mostrar que durante o governo do PT esses três setores pioraram acentuadamente, e tendem a piorar ainda mais, a se manter o atual estado de coisas, a batalha pelos corações e mentes do eleitor da base social será vencida.

O povão não está interessado em corrupção. Está interessado no que sente na própria pele.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

QUANTO AO PODER



* Honório de Medeiros

Na Constituição Federal brasileira o imperativo normativo sobre o qual se alicerça o ideal democrático está exposto no parágrafo único do seu artigo 1º:

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Esqueçamos a segunda parte do imperativo normativo. É mero corolário.

Na primeira parte está implícito que esse imperativo normativo traduz a vontade soberana do povo, ou seja, resultou de determinação sua, no que diz respeito à gênese do poder. É como se o imperativo expressasse que somente é poder aquele emanado do povo.

Ora, não poderia ser diferente, dado que juízos de fato nos dizem como é a realidade; como queremos que ela seja é tarefa dos juízos de valor.

O imperativo normativo é exatamente isso: um juízo de valor.

Vez que o imperativo normativo formaliza um juízo de valor, eis a razão do seu descompasso com a natureza das coisas: não expressou a vontade soberana do povo - isso é pura ficção - tampouco a expressará no que diz respeito ao futuro.

Quando muito a vontade de uns ou de outros, embora todos procurem a hegemonia.

Entretanto seguimos nós alimentando essa lenda e permitindo que cada um ou cada grupo que esteja, de fato, com o poder em suas mãos diga, até quando lhe for possível, não somente o que este é, mas, também, como quer que nós o entendamos.


Arte em www.sociologia.seed.pr.gov.br

terça-feira, 20 de maio de 2014

DE GENTILEZA, CORTESIA, POLIDEZ E HIPOCRISIA



* Honório de Medeiros


As pessoas confundem gentileza com fragilidade. Acham, embora não externem, que quem é gentil é fraco.


Elas não expressam o que sentem, às vezes, porque não conseguem abstrair a sensação que lhes acomete. Mas agem como se o conseguissem. Origina-se, daí, a condescendência, o menoscabo.

É fácil entender essa situação. A gentileza é um degrau além da cortesia que, por sua vez, está acima da polidez. Esta pressupõe um distanciamento, um desinteresse pelo interlocutor, embora, talvez, um certo respeito cético pelas convenções humanas.

A cortesia direciona a atenção das pessoas para seus interlocutores, podendo resvalar, se não houver algum cuidado, em plena hipocrisia. Já o gentil é, em todos os aspectos, realmente interessado e respeitoso com seus interlocutores.

Poderíamos dizer que o gentil é um romântico; o cortês, bem-educado; e o polido, distante, até mesmo frio.

Tudo isso para dar razão a um amigo que cansado de ser confundido com alguém a quem se possa tratar com condescendência, anda migrando lentamente para a polidez. Embora não o faça, ainda que por um pouco de hipocrisia, em sua mente, da mão que estende aos outros somente vai a ponta dos dedos.

Indagado acerca de sua mudança por aqueles que lhe são próximos, culpa, sarcasticamente, o avassalador crescimento da hipocrisia ingênua, aquela que o vulgo batizou de falsidade, tão diferente da hipocrisia irônica, na qual quem fala sabe que quem o escuta percebe facilmente que ali somente se vive um jogo, sutil, cujo resultado é sempre uma soma zero.

Eu, pelo meu lado, penso que na verdade o que acontece é que esse meu amigo vai, a marcha batida, no rumo do ceticismo.

Nada mais que isso.

Arte em arthur.bio.br

segunda-feira, 19 de maio de 2014

DESCANSE EM PAZ, MIGUEL!




* Honório de Medeiros

Em algum lugar do céu, cheio de livros, garrafas de vinho e boa comida, você há de rir, como sempre, ao se lembrar das histórias vividas na velha casa da Alexandrino de Alencar, em Natal, ou nos veraneios em Tibau, quando éramos todos tão jovens e a vida apenas o começar da existência.
 Adeus, Miguel. Descanse em paz.

DESCONCERTAR O LEITOR SISTEMATICAMENTE

Gustave Flaubert


* Honório de Medeiros

Na apresentação feita à "Bouvard e Pécuchet", de Flaubert, aqui no Brasil publicado pela Estação Liberdade, a pesquisadora Stéphanie Dord-Crouslé, autora do estudo "Bouvard et Pécuchet: une encyclopédie en farce" (2000), ao abordar o muito interessante "Dicionário de Idéias Feitas", um dos fragmentos que iria fazer parte do segundo volume, lembra que seu objetivo é "desconcertar o leitor sistematicamente". 

E menciona um trecho de uma carta de Flaubert, datada de 4 de setembro de 1850, enviada do Oriente para seu amigo Louis Builhet: "Você faz bem em pensar no Dicionário das Idéias Feitas. O livro, completamente rematado e precedido de um bom prefácio, onde se indicaria como o texto foi criado com o propósito de vincular o público à tradição, à ordem, à convenção geral, e organizado de uma maneira que o leitor não saiba se estão ou não zombando dele, talvez fosse uma obra estranha e capaz de fazer sucesso, pois seria muito atual" (grifo meu).

Não é esse insight algo que Borges, autor do "Manual de Zoologia Fantástica", nome primitivo do "Livro dos Seres Imaginários", assinaria embaixo?

Lá no "Dicionário de Idéias Feitas" encontramos: "poesia (A). É completamente inútil. Fora de moda", seguido de "poeta. Sinônimo de sonhador e de palerma". Um pouco antes: "pensar. Algo penoso. As coisas que nos obrigam a pensar em geral são abandonadas". Um pouco depois: "xadrez (jogo). Sério demais para um jogo, fútil demais para uma ciência".

Quanto à "Bouvard e Pécuchet", Dord-Crouslé lembra que o eixo temático que norteou Flaubert sempre foi enganar o burguês, mas não somente, também castigá-lo pelos assaltos repetidos da tolice contra o espírito. Para tanto lembra uma outra correspondência de Flaubert, desta vez para sua amante Louise Colet, datada de 16 de dezembro de 1852, na qual ele diz: "Às vezes, tenho pruridos atrozes de descompor os humanos, e um dia, daqui a dez anos, vou descompô-los em algum romance longo de amplo contexto..."

Viva Flaubert!

Arte em: irancartoon.ir 

sábado, 17 de maio de 2014

LIVROS ACERCA DE CANGAÇO, PARA VENDA, POR QUEM ENTENDE


O Professor Francisco Pereira Lima, membro do Conselho Consultivo do CARIRI CANGAÇO, dispõe, para venda, de vários títulos de autores do cangaceirismo, misticismo e coronelismo, podendo envia-los para todo o Brasil e exterior.

Os preços podem variar, para mais ou para menos, a qualquer momento, em decorrência do mercado.

O frete registrado, para todo Brasil,  já está incluso no preço do livro.

Os livros ficam reservados, no máximo, por uma semana, após o pedido.

É necessário confirmar o estoque antes de fazer o depósito bancário.

O acervo pode ser solicitado por intermédio dos seguintes e-mails:


ou

bem como diretamente pelos telefones:

(83) 9911 8286

ou

(83) 8706 2819

POR QUE AS INSTITUIÇÕES NÃO SAÍRAM EM DEFESA DE JOAQUIM BARBOSA?



* Honório de Medeiros

Ameaçado de morte por um malfeitor do PT, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, não recebeu, até onde sei, a solidariedade do Governo, tampouco dos juízes, menos ainda dos procuradores, sequer dos advogados, ou seja, das instituições.

Não importa se, para muitos, ele não é simpático. Aqui se trata da defesa do próprio Supremo Tribunal Federal, representada por seu Presidente. Trata-se da defesa de uma instituição fundamental para a democracia.

Onde anda a OAB, de passado tão glorioso? Transformou-se em uma mera repartição pública? Onde anda o Ministério da Consciência Negra? Onde andam as Associações de Magistrados, sempre tão lestas e dinâmicas na defesa dos seus interesses internos?

Chegamos a um nível de torpeza, neste País, incalculável. Não há mais limites para nada. Se é possível fazer o que esse malfeitor fez com o Presidente do Supremo Tribunal Federal sem receber a repulsa imediata de toda a Sociedade, onde vamos parar?

Tristes tempos.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

COPA DO VEXAME?




* Honório de Medeiros


O Presidente do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, escancarou o que muitos já dizem aos berros nos quatro cantos deste País sem eira, beira, nem cumeeira: "o Brasil vai passar vergonha na Copa". 

Ele não estava se referindo ao futebol, muito embora isso também possa acontecer.

Referia-se às obras inacabadas, apesar dos rios de dinheiro despejados nos bolsos dos espertos de sempre.

Ora, ora, não é que o Presidente Nardes foi contido? Muito contido. Deveras contido.

Sequer mencionou, por exemplo, essa vergonha nacional que é o menosprezo com o qual somos tratados pelas operadoras de telefonia. Fazem o que querem conosco. Não são punidas. E quando o são, devem rir da punição recebida. Como se explica que continuem a fazer o que fazem, sem que as autoridades tomem providências? Será corrupção? Não são essas autoridades acometidas dos mesmos problemas que nós, os reles mortais? Conseguem elas ligar quando querem e manter a ligação durante a conversa? 

Nem mencionou a (in)segurança pública. Hoje somos reféns dos bandidos, que nos encurralam em nossas casas, e furtam, roubam, matam, estupram, em escala cada dia maior, mas, também, do aparelho policial-militar que, ao cruzar os braços com seu oportunismo grevista, passa a senha para o crime surgir dos esgotos e atacar à luz do dia.

Tampouco mencionou a saúde pública. O povão, aqui, além da classe média, está se acostumando ao caos que é a saúde pública. As autoridades lidam com a questão de tal forma que já se espraia, nos corações e mentes, a sensação de que tudo isso é assim mesmo, não tem como mudar, e se mudar, é para pior. Enquanto isso somos espoliados pela máquina de arrecadação do Estado em níveis cada dia mais cruéis. Ou seja: pagamos cada dia mais, por cada dia menos e pior.

Também não mencionou a corrupção generalizada, onipresente, no nosso dia-a-dia. Nada, hoje, no Brasil, parece funcionar sem corrupção. Nada. Essa face horrenda do País estará à disposição dos turistas que vierem, em massa, acompanhar a Copa do Mundo, desde seu contato inicial com os motoristas de táxi, passando por momentos inesquecíveis nos bares, restaurantes e similares. Torçam, eles, para não terem que manter contato com a burocracia nacional. Torçam muito. E torçam ainda mais para não terem que manter contato com o aparelho repressor do Estado.

Enfim e por fim, não mencionou o Ministro que nem mesmo o brasileiro - pelo menos os das grandes cidades - é mais esse primor de cordialidade e hospitalidade que o Governo apregoa e espera reinar durante o evento. Muito pelo contrário. O brasileiro anda muito mal humorado. E com razão. Seu dia-a-dia - excluo os bem nascidos -, o dia-a-dia da imensa maioria dos brasileiros, piorou, vem piorando, vai piorar, e a esperança é, hoje, mercadoria em falta.

Não resta a menor dúvida: o Ministro Nardes foi muito comedido...

domingo, 11 de maio de 2014

FELIZ DIA DAS MÃES!


Aldeiza Fernandes Sena de Medeiros (20 de abril de 1926 / 27 de maio de 2010)
Como eu queria, agora, sentir seu perfume de Lavanda Inglesa.
Saudade imensa...

NÓS, OVELHAS; ELES, LOBOS




* Honório de Medeiros

"Foi buscar lã e saiu tosquiado"
DITO POPULAR 

Antes que me acusem de “simplismo” lembro, aos leitores, que guardando as proporções devidas entre o gênio e o provinciano inquieto, o texto a seguir, pelo menos na aparência, pode guardar alguma semelhança remota, no que diz respeito à ausência do embasamento erudito tão caro aos acadêmicos (nada mais que argumentos de autoridade quando não é possível comprovação empírica), ao “Manifesto Comunista” de Marx e Engels e ao “Servidão Voluntária” de La Boètie, ou mesmo ao “O que é a Propriedade”, de Proudhom.

Entretanto ouso dizer que é possível um tratamento “acadêmico” ao que se vai expor. Tanto é possível fazê-lo a partir da Filosofia, com Marx e os anarquistas ou, para não ser acusado de tendência óbvia pelo pensamento de esquerda, com base no pensamento de Gaetano Mosca, comprovadamente um autor de direita, quanto a partir da Sociologia, desde que haja, como matriz, a Teoria da Evolução de Darwin.

Posto isso, gostaria de iniciar apresentando a célebre fábula de La Fontaine, “o Lobo e o Cordeiro”, devidamente parafraseada:

“Um cordeiro matava a sede nas águas límpidas de um regato.”

“Eis que se avista um lobo que por lá passava em jejum e que lhe diz irritado”:

- “Que ousadia a sua, turvando, em pleno dia, a água que bebo. Vou castigar-te”.

- “Majestade, permita-me um aparte – diz o cordeiro – veja que estou matando a sede vinte passos adiante de onde o Senhor se encontra. Não seria possível eu ter cometido tão grave grosseria”.

- “Mas turva, e ainda pior é que você falou mal de mim no ano passado”.

- “Mas como poderia – pergunta assustado o cordeiro – se eu não era nascido”?

- “Ah, não? Então deve ter sido seu irmão”.

- “Peço-lhe perdão mais uma vez, mas deve haver um engano, pois eu não tenho irmão”.

- “Então foi algum parente seu: tios, pais... Cordeiros, cães, pastores, nenhum me poupa, assim vou me vingar”.

“E o leva até o fundo da mata, onde o esquarteja e come sem qualquer processo judicia”.

Os lobos são a elite política; as ovelhas, o povo.

Desde que o mundo é mundo, excetuando, talvez, um período provavelmente mítico no qual o Homem vivia anarquicamente de caça e coleta[1], sem chefes nem hierarquias[2], a Sociedade é assim mesmo: de um lado os exploradores, do outro lado, os explorados.

Lembremo-nos como era antes nas grandes civilizações arcaicas: a grega, a judia, a chinesa, a hindu. O quê mudou de lá para cá? Nada, exceto a forma: se antes a polícia do chefe usava lança, hoje usa fuzil AK-47; se antes o tributo era o butim arrancado violentamente sem qualquer justificativa, hoje a extorsão se faz sob a desculpa de se dar condições ao Estado para que este melhore a vida das ovelhas em Sociedade.

Não vou perder tempo discutindo o que é o Estado. Desde que surgiu, quando surgiu a Polícia, o Tributo, a Norma Jurídica, e a Propaganda, o Estado é isso mesmo que você, caro leitor, pensa que é: um conjunto de aparelhos de controle social que a elite política criou para manter o “status quo”. 

Pensemos, por exemplo, na Norma Jurídica. A elite política dissemina a idéia de que sua finalidade é o bem-estar social. Quando os gregos irridentes, nas guerras civis, pediram leis que submetessem a todos, a aristocracia pressionada acatou, mas tratou logo de controlar sua interpretação, produção e aplicação[3]. Hoje ainda é do mesmo jeito.

Aliás, a Norma Jurídica deve ter surgido como um estratagema de domínio: como não era mais possível dar ordens verbais a todos, e a escrita estava surgindo, nada melhor que cria-las, coloca-las em algum lugar público, e impor que “a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei”. Tudo sob medida.

Pois bem, e essa elite política se perpetua? Claro, em todos os lugares. No Brasil, desde o Império.

Vejamos o caso do Rio Grande do Norte: nos Alves, Walter Alves é filho de Garibaldi Alves filho, que é filho de Garibaldi Alves pai, que é irmão de Aluízio Alves, que foi filho de Manuel Alves, o “Seu Nezinho”, líder político em Angicos, Rn, e de Maria Fernandes, da família Fernandes, de Aristófanes Fernandes, pai de Paulo de Tarso Fernandes; nos Maia, Felipe Maia é filho de José Agripino Maia, que é filho de Tarcísio Maia, que é filho de José Agripino Maia, que é parente próximo da esposa de Jerônimo Rosado, iniciador da oligarquia homônima em Mossoró, todos com raízes políticas ancestrais no Rio Grande do Norte e Paraíba; Larissa Rosado, por exemplo, é filha de Sandra Rosado, que é filha de Vingt Rosado, que é filho de Jerônimo Rosado; Fábio Faria é filho de Robinson Faria, que é filho de Osmundo Faria, latifundiário parente e protegido de Dinarte Mariz, de quem foi suplente no Senado; Dinarte de Medeiros Mariz, com ascendentes que vão até o Império, era parente de José Augusto Bezerra de Medeiros; este, por sua vez, familiarmente ligado a Juvenal Lamartine de Faria, de quem Márcia Maia, filha de Wilma de Faria, que é filha de Morton Mariz de Faria, parente de Dinarte Mariz, este por sua vez parente de José Augusto Bezerra de Medeiros, etc., etc..., é descendente colateral, todos com raízes que vão até o passado remoto do Rio Grande do Norte.

As oligarquias, para sobreviverem, em certas circunstâncias históricas usam talentos aos quais agregam, consomem e expelem para fora do círculo íntimo do Poder Político: Dinarte Mariz fez isso; Aluízio Alves, também; Tarcísio Maia o fez, os Rosados o fizeram; Wilma de Faria idem, e assim por diante. São os escalões intermediários entre o círculo íntimo e a base mais abaixo, constituída de “inocentes úteis”.

Brigam entre si os integrantes da elite política[4]. Mas, se ameaçados, se unem contra o inimigo comum. Vejam o caso de Mossoró. Não por outro motivo o PT, até Lula chegar ao Poder, era um anátema, posto que representasse uma real ameaça aos interesses políticos/econômicos dos detentores do Poder. Hoje, a história é outra.

Essa elite política, para sobreviver, se espraia por todos os aparelhos do Estado: Judiciário, Legislativo, Executivo. Aparelha tudo. Os aparelhos são integrados por membros das famílias que constituem a elite política ou agregados. Quando não é possível a nomeação de familiares ou agregados, ainda resta a cooptação e o exílio, o esvaziamento político/social. E, obviamente, se espraia também pela mídia servil, que bem paga, passa a filtrar os fatos – até mesmo criá-los, se for necessário - e lhes dá a conotação que interessa ao grupo dominante, assim como pelos negócios, através dos predadores empresariais, quase sempre sanguessugando, obliqua e dissimuladamente, a máquina estatal.

Obviamente, em certas circunstâncias históricas, como ocorreu recentemente no Brasil pós Lula, parece mudar os atores principais do teatro político. É possível. Mas a estrutura continua: uma nova elite política substitui a anterior que, derrotada, sai de cena. Os atores são novos, mas o Teatro e a tragicomédia são os mesmos, há sempre lobos e ovelhas, e continua tudo igual. “Mutatis mutandis”.

Portanto temos que a elite política domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário; os meios de comunicação, a tributação e os negócios empresariais com o Estado, bem como a Polícia. Ou seja, domina tudo. E o domínio é extremamente eficiente: os tributos alimentam o Tesouro que vai pagar as obras que vão, por sua vez, pagar toda a máquina política. Tudo isso legitimado por uma propaganda eficiente que cria a impressão de que a arrecadação vai ser usada para produzir e manter políticas públicas de interesse da ovelhada.

Enfim, não por outras razões, como não somos lobos, somos ovelhas: nos tempos de hoje, enquanto alienados, indo inevitavelmente para a tosquia, tão logo sejamos convocados, sem “tugir nem mugir”, ou, quem sabe, quando muito, discreta e aceitavelmente perorando pelos cantos, em voz educadamente baixa, para não levar castigo.

[1] Jacques Le Goff.
[2] Robert Wright.
[3] Nikos Poulantzas.
[4] Gaetano Mosca.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

UM A SÓS ENTRE TANTOS



Não consigo permanecer por muito tempo em um teatro ou cinema. Mal posso ler um jornal, raramente leio um livro moderno. Não sei que prazeres e alegrias levam as pessoas a trens e hotéis superlotados, aos cafés abarrotados, com sua música sufocante e vulgar, aos bares e espetáculos de variedades, às Feiras Mundiais, aos Corsos, aos centros culturais e às grandes praças de esportes. Não entendo nem compartilho essas alegrias, embora estejam ao meu alcance, pelas quais tantos milhares anseiam.
(O lobo da estepe; HESSE, Hermann)

* Arte em: gavetadoivo.wordpresse.com  

sexta-feira, 2 de maio de 2014

O QUE AQUILO DE FATO É




* Honório de Medeiros

Aquilo que você diz que (algo) é,
nada mais (o) é,
que aquilo que você crê.

Arte: matematicanoalvoilusaodeotica.blogspot.com

segunda-feira, 28 de abril de 2014

SOZINHO NA NOITE DE OUTONO




* Wang Wei



Sentado, sozinho,
na sala vazia,
antes de soar
a segunda vigília,
lamento o branco 
em minhas têmporas.
Na montanha, tombam
com a chuva as frutas,
e os insetos zumbem
em volta da candeia.
Impossível impedir 
o branco nos cabelos,
assim como criar ouro;
como se livrar da idade
e dos seus incômodos?
Melhor começar logo
o estudo do não ser.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

NÃO VEJO A LUZ NO FINAL DO TÚNEL. SEQUER VEJO O TÚNEL

* Honório de Medeiros


Encurralada, extorquida, abandonada, segue, inerme, a classe média brasileira, bem como a base da pirâmide social, ante a incompetência e a roubalheira generalizada que grassa nesse País.

A corrupção, hoje, faz parte da alma brasileira. Está em toda a parte, em todos os momentos, em todas as classes.

A falta de respeito dos dirigentes do Estado para com a Sociedade atinge níveis alarmantes. É um câncer. Em metástase.

Não sei o que seria do Brasil se não fosse o Ministério Público e alguns juízes abnegados.

Ouço, aqui e ali, pais inconformados, embora passivos, declararem seus sonhos com a ida dos filhos para outros países, onde a decência ainda é um valor cultivado. Aqui, todos os valores desmoronam lentamente. Alguns, em velocidade estonteante.

As regras implícitas que regem a Sociedade brasileira, neste atual momento da nossa história, são terríveis: não há o pensamento no outro, não há a solidariedade, não há o interesse social. Para onde dirigimos nossa atenção percebemos apenas falta de dignidade própria, ausência de respeito com os valores cultivados pelo processo civilizatório, descompromisso com a verdade mais comezinha, intuito de enganar, de manipular, de espoliar.

O resumo da ópera é esse: temos um aparato legal de faz-de-conta e uma realidade normativa social implícita derruidora. Os códigos dizem uma coisa, as ruas dizem outra totalmente diferente.

Os políticos, com raras e honrosas exceções, mentem e furtam sem qualquer pudor. Os administradores públicos, idem. As instituições estão corrompidas e tomadas pelo aparelhamento vil.

Quem discordar que mergulhe na história do Brasil. Analise o antes. Estude o agora. Pense no depois.

As consequências do que se está fazendo aqui, e agora, durarão gerações, para o bem ou para o mal.

Não vejo luz no final do túnel. Para ser sincero, sequer vejo o túnel.

Temo pelo futuro das futuras gerações.

PS: Acerca da classe média e sua pasmaceira, sugiro a leitura de   http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2014/04/23/uma-elite-perdida-por-ruth-de-aquino-533458.asp

terça-feira, 15 de abril de 2014

DIFERENÇA ENTRE ANDRÉ VARGAS E OS MENSALEIROS

PT tritura Vargas para preservar Dilma e Padilha

 * Josias de Souza

"Se Deus intimasse o PT a optar entre sua antiga cúpula que cumpre pena no sistema carcerário de Brasília e a humanidade, o partido daria uma resposta instantânea: “Morra a humanidade”. O deputado André Vargas (PT-PR) achou que seria beneficiário dessa mesma solidariedade fulminante e incondicional. Descobriu que pertence a um grupo de amigos 100% feito de inimigos."

Leia a continuação em: 
http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2014/04/14/pt-tritura-vargas-para-preservar-dilma-e-padilha/

sexta-feira, 11 de abril de 2014

É PRECISO DUVIDAR DE TUDO!

Kierkegaard




* Honório de Medeiros



“Na cidade de H... viveu há alguns anos um jovem estudante chamado Johannes Climacus, que não desejava, de modo algum, fazer-se notar no mundo, dado que, pelo contrário, sua única felicidade era viver retirado e em silêncio”.

Assim começa “Johannes Climacus”, ou “É preciso duvidar de tudo”, delicioso texto do escritor – meio esquecido – Soren Kierkegaard, nascido em 1813, e morto quarenta e dois anos depois, em 1855, um típico excêntrico pensador do século XIX.

O pequeno livro que tenho em mãos é da Martins Fontes, Coleção “Breves Encontros”, que vem publicando opúsculos de autores variados, como Schopenhauer, Cícero, Sêneca, Schelle, dentre outros menos conhecidos, como o Abade Dinouart e Tullia D’Aragona.

O prefácio e notas, cuidadoso no que diz respeito ao levantamento da história da produção do texto e a um leve perfil do autor, está assinado por Jacques Lafarge – me é desconhecido – e a tradução por Sílvia Saviano Sampaio professora da PUC/SP, doutora em filosofia pela USP com a tese “A subjetividade existencial em Kierkegaard”, e membro da AMPOF – Associação Nacional de Pós-graduandos em Filosofia.

“É preciso duvidar de tudo” é dividido em três partes: "Introdução", "Pars Prima" e "Pars Secunda". A parte primeira contém três capítulos e o primeiro é uma afirmação: “A filosofia moderna começa pela dúvida”. A segunda parte, contendo somente um capítulo, Kierkegaard lhe nomina interrogando: “O que é duvidar?”

A mim, particularmente, interessou a seguinte proposição: “a filosofia começa pela dúvida”, que é o Capítulo II, da "Pars Prima". A conclusão de Kierkegaard, falando por intermédio de Climacus, é de que essa proposição se situava fora da filosofia e a ela era uma preparação. Perfeito.

No próprio texto Kierkegaard alude ao fato de os gregos ensinarem, aludindo a Platão, no "Teeteto", que a filosofia começa com o espanto. Eu traduziria espanto por perplexidade, mas talvez haja diferenças sutis entre os dois termos que não valem a pena serem esmiuçadas.

Muito mais recentemente Karl Popper propôs que o conhecimento novo – não apenas a filosofia – começasse por problemas. Esses problemas surgiriam a partir do conhecimento antigo, ou seja, da expectativa de que regularidades, padrões, se mantivessem, inclusive em relação a nós mesmos. Ao nos depararmos com algo que o nosso conhecimento antigo não explica, há uma fragmentação nas nossas expectativas e surge, então, o problema a ser solucionado. Elaboramos uma nova teoria que explique esse "algo" e, assim, surge o conhecimento novo.

Bachelard diz tudo isso de forma profunda e elegante: "o conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão".

Observe-se que tal teoria pressupõe a existência do conhecimento inato adquirido geneticamente, no que é referendada pela teoria da seleção natural de Darwin. Pressupõe, ainda, dando-se razão a Kant, que o Conhecimento, em última instância, antecede a Realidade.

Em certo sentido estão certos não somente os gregos, como Kiekergaard, Bachelard e Popper. Resta saber se, no início, há o espanto com a dúvida, ou a dúvida com o espanto.

Cabe também observar que Johannes Climacus é um típico caso de personagem acometido da Síndrome de Bartleby, algo que, com certeza, interessaria bastante à Enrique Vila-Matas, referência contemporânea do romance-ensaio.

 * Arte em filosofianews.blogspot.com

domingo, 6 de abril de 2014

VIVA A SIMPLICIDADE!

Conheça homens e mulheres que optaram por uma vida mais simples

Na contramão da sociedade contemporânea, homens e mulheres optam por uma vida mais simples. Eles garantem que são mais felizes. Conheça as histórias

Você pode ter passado a vida inteira, ou parte dela, ouvindo a expressão: tempo é dinheiro. Conhecido de perto um universo em que ter do “bom e do melhor” é sinônimo de uma vida sossegada. Também deve ter escutado, e acreditado, que comprar roupas, sapatos e supérfluos alivia o estresse, principalmente, das mulheres durante a tensão pré-menstrual (TPM). Que shopping é e será um dos melhores lazeres desta vida moderna. Agora, suponha que tudo isso virasse de cabeça para baixo. Em nome da simplicidade do ser, homens e mulheres, de idades diferentes, chacoalharam esses velhos conceitos cada vez mais impostos à sociedade e optaram, sem culpa e com leveza, por uma vida simples. Acreditam que precisam de pouco para se satisfazer e asseguram que o lucro com tudo isso não se vende nem se troca, e tem nome: felicidade.



Texto de Luciane Evans, Estado de Minas

sábado, 5 de abril de 2014

A QUESTÃO É MORAL



* Honório de Medeiros


Imagine que você precise de uma segunda via do documento do seu carro. Dirige-se ao Órgão apropriado. Em lá chegando recebe uma ficha que indica sua vez de ser atendido. Pelo número da ficha você percebe que não adiantou chegar cedo. Seu atendimento, se acontecer, ocorrerá no final da manhã, começo da tarde, e olhe lá. No dia seguinte, comentando o episódio com um amigo, escuta dele: "mas por que você não pagou um despachante para fazer isso?" "Ele resolveria tudo na mesma hora e lhe entregaria a segunda via em casa." "Você não teria incômodo algum."

O despachante é aquela figura nebulosa que abre todas as portas, em qualquer momento, das repartições públicas, providenciando, nelas, soluções para quem não quer se submeter a filas e tem dinheiro suficiente para contratá-lo.

A questão é a seguinte: e quanto aos que não têm dinheiro para contratar um despachante? E quanto aos que acordaram cedo, pegaram a fila, esperaram, mas são ultrapassados, às vezes sem saber, pelas artes e ofícios de quem abre, na hora que quer, todas as portas? 

Como se percebe facilmente, trata-se de uma questão cujo cerne é constituído por moral e dinheiro. Moral, aqui, para além de como deve agir o Estado que, conforme a Constituição Federal, deve, por intermédio de seus servidores, agir com absoluto respeito à igualdade entre os cidadão.

É esse o tema do recente livro de Michel J. Sandel, "O Que O Dinheiro Não Compra", professor em Harvard, atualmente professor-visitante na Sorbonne. Sandel ficou midiático desde que seu curso "Justice", no qual interagia com seus alunos lhes propondo questões de natureza moral, apareceu na internet e ganhou o mundo. Em 2010 a edição chinesa do "Newsweek" o considerou a personalidade estrangeira mais influente no País.

Sandel elenca muitos exemplos de "coisas" que hoje estão à venda, graças à onipresença e influência do mercado. Trocando em miúdos: graças ao afã do lucro. Alguns até mesmo cômicos, se não fossem trágicos: "upgrade" em cela do sistema carcerário; barriga de aluguel; direito de abater um rinoceronte negro ameaçado de extinção; direito de consultar imediatamente um médico a qualquer hora do dia ou da noite...

Nos EUA, segundo Sandel, é florescente o negócio de comprar apólices de seguro de pessoas idosas ou doentes, pagar as mensalidades enquanto ela está viva, e receber a indenização enquanto morrer. Ou seja: quanto mais cedo o segurado morrer, mais o comprador ganha.

O professor considera que "hoje, a lógica da compra e venda não se aplica mais apenas a bens materiais: governa crescentemente a vida como um todo." E não aceita a teoria dos que atribuem à ganância essa falha moral, pois, no seu entender, o que está por trás é algo maior, qual seja à "extensão do mercado, dos valores do mercado, a esferas da vida com as quais nada têm a ver."

Eu compreendo esse salto que o professor dá desde a ganância até o mercado. Mas não concordo. Para o professor, o mercado deixa o Homem ganancioso; eu, pelo meu lado, penso que foi a ganância que criou o mercado. Se lá na aurora da história do Homem o primeiro ganancioso tivesse sido silenciado, seu "meme" não teria sobrevivido. Ou será que era para ser assim mesmo, caso contrário não existiria a nossa espécie?

Antes que imputem a mim uma percepção simplista da questão, saliento logo que ela é mais profunda: diz respeito a uma discussão de natureza ontológica acerca da realidade social: em última instância, no que concerne a sua instauração, está o Homem ou a Sociedade? Ou seja: a Sociedade é gananciosa porque o Homem o é, ou o Homem o é porque a Sociedade é gananciosa?

Aceita a premissa de que a Sociedade é gananciosa porque o Homem o é, cabe então perguntar: por que o Homem é ganancioso? Essa questão, a verdadeira questão, não é enfrentada como deveria ser, hoje em dia, por que virou moda escamotear o óbvio atribuindo ao "sistema", ao "meio", a uma "realidade exterior a nós", aquilo que somos individualmente.

Fica mais fácil, em assim sendo, fugir da nossa responsabilidade individual, da moral, do caráter, e nos auto-excluir da culpa por nossas decisões e atitudes.

Exemplo patente dessa perspectiva vil e equivocada, mas compreensível e eficaz, é o escândalo do Mensalão, essa nódoa permanente e intransferível na nossa elite política. Ao invés do mea culpa, mea maxima culpa ao qual temos direito nós outros, os cidadãos inocentes deste País de bandalheiras ao qual sustentamos passivamente ao longo dos anos, bem como à escumalha dirigente e sua soturna vocação para a ladroagem, lemos e escutamos cretinices tais quais as que pretendem imputar a responsabilidade pelos malfeitos acontecidos ao sistema eleitoral e de financiamento de campanhas aqui existente.

Ou seja, querem nos fazer crer que quando o irmão de Zé Genoíno foi flagrado escondendo dinheiro enlameado na cueca, em um dos mais grotescos episódios recentes da crônica da corrupção tupiniquim, assim agia porque o sistema não presta.

Faz parte da própria lógica do aparato intelectual que sustenta uma teoria como essa, a de que o meio cria o Homem - o determinismo social -, a falta de capacidade técnica para compreender aquilo que está em jogo, em termos científicos, embora não lhe falte mecanismos ou artefatos que a protejam da luz crua da verdade. Os defensores de teorias como essas pululam nas redes sociais.

Darwin está aí, basta lê-lo. Aliás, como a grande, a imensa maioria dos nossos cientistas sociais é herdeira de uma tradição marxista que eles não compreendem em seus fundamentos por lhes faltar preparo e leitura, ou então são devedores de um funcionalismo anêmico de tradição funcionalista norte-americana, para o qual a realidade social é um carro que funciona sem a estrada e quem as produz, estão atrasados gerações em relação ao que se discute, em termos científicos, nos centros de pesquisa das grandes universidades do mundo.

Não compreendem, mas usam. É mais fácil botar a culpa no Sistema. Como se fosse responsabilidade apenas do meio o fato de sermos como somos, nivelando todos por baixo, inclusive aqueles que, ao longo da história, tornaram-se as nossas referências quando, em alguns momentos, acreditamos no processo civilizatório.

Mas que se há de fazer? Talvez responder à Baronesa Thatcher: não, você se enganou, a ganância não é um bem; o altruísmo, sim, é um bem.

segunda-feira, 31 de março de 2014

A ARENA DAS DUNAS É UMA PENEIRA




* Honório de Medeiros

Começamos a pagar – eu, você, todos nós – R$ 10,2 milhões por mês pela “Arena das Dunas”. R$ 10,2 milhões. À construtora OAS. Pagaremos esse valor até dezembro de 2022. Depois haverá uma redução no repasse. Mas no final dos pagamentos teremos repassado mais de 1 bilhão de reais à construtora. Para ser mais preciso, R$ 1.288.400.000, o equivalente a três “Arena das Dunas”. Somente este ano serão R$ 91,8 milhões.

Enquanto isso Mossoró vive uma guerra civil. Mata-se sem limites, rouba-se, furta-se, na cidade. Convido o leitor a abrir o Blog do BG e tomar conhecimento da postagem “Jornalista narra ‘guerra’ em Mossoró”, que diz respeito a informações veiculadas pelo jornalista Cezar Alves de Lima por intermédio do Twitter. É desesperante ler o que acontece lá.

Enquanto isso o médico Hausemann Morais, ortopedista, plantonista do Hospital Walfredo Gurgel, usa sua página no Facebook para fazer um desabafo. Teclem seu (dele) nome no Google e leiam. É estarrecedor. “Hoje, morando em Natal, venho testemunhando há anos situações no mínimo absurdas: falta de fixador externo, falta de gases, falta de luvas, falta de fios de aço, falta de vagas de UTI, tanta coisa e ainda ter que ver mentiras na TV para disfarçar ou maquiar o caos”, diz ele. E, mais à frente: "Talvez os senhores não tenham dado conta da gravidade sobre a que ponto chegou a saúde do RN. Eu temo! Por mim, por meus familiares, por meus amigos e pelos meus futuros pacientes. Temo muito!"

Mas o detalhe, crucial, cômico, se não fosse trágico, é a informação que nos chega pela rede social hoje, 31 de março, aniversário da Redentora: a “Arena das Dunas”, essa apoteose à incúria, à falta de respeito com a Sociedade, ao desprezo com os mais humildes, ficou alagado durante as chuvas que caíram no jogo América versus Alecrim. Torcedores brincaram nas piscinas formadas pelas águas da chuva. Jornalistas quase não puderam trabalhar com tanta goteira.

É isso mesmo. O complexo batizado pomposamente de “Arena das Dunas” não resistiu às primeiras chuvas. É uma peneira. Uma peneira de mais de um bilhão de reais. Uma peneira que eu, você, todos nós, inclusive nossos filhos, vamos pagar. Uma peneira inútil e desnecessária.

Releio esse comentário e percebo o uso de palavras muito fortes: "desesperante", "estarrecedor"... Um pouco mais de tempo e as palavras serão impotentes, se já não o são, pelo desgaste, quando se trata de retratar uma situação como essa que estamos vivendo. O uso intermitente gera a banalização. É mais um fator a contribuir para a perpetuação da ignomínia. De tanto conviver com o mal terminamos nos tornando indiferentes a ele.

O pior é lermos as desculpas dos gestores. Quase sempre se escudam no desempenho de seus iguais em estados vizinhos. Deveriam ser exceção, ficam satisfeitos por serem a regra. Da incompetência.

* Com imagem captada do Blog do BG

quinta-feira, 27 de março de 2014

VEM AÍ NOSSA TORTURA ANUAL: A HORA DE PAGAR O IMPOSTO SOBRE A RENDA

* Honório de Medeiros


Está prestes a chegar a hora da tortura anual: a declaração do imposto sobre a renda.

Nós, da classe média, como sempre assistiremos passivos o massacre feito pelo Governo. Em algum lugar do cérebro surge uma vontade inicial de se revoltar, mas, logo, logo, retornamos à nossa passividade natural, tipicamente brasileira.

No nosso país não pagam imposto sobre a renda os muito pobres e os muito ricos. Os muito pobres por razões óbvias. Os muito ricos por que se beneficiam das brechas da lei, das facilidades legais, da impunidade onipresente, dos grandes escritórios de advocacia. Ou pagam, mas repassam o ônus para nós, a classe média. E o Governo, o Governo acha mais fácil tributar na fonte ou expropriar a passiva e inerte classe média.

Essa nossa passividade não é genética, como pensam alguns sociólogos de meia-tigela. Não somos assim por que resultamos do cruzamento de brancos portugueses de baixíssima qualidade moral, negros indolentes e índios preguiçosos ou mal-acostumados. Nada disso é verdade. Ao contrário. É difícil um povo que trabalhe mais para sobreviver que o brasileiro.

E tampouco somos cordiais além da medida, como disse Sérgio Buarque de Holanda. Ele, o grande Sérgio, talvez não tenha sido suficientemente crítico ao olhar para nossa história antes do Estado Novo de Getúlio. Uma história cheia de irridências, revoluções, insurgências, banditismo, cangaço e massacres. Taí Canudos, a cabanagem, o banditismo rural, o movimento farroupilha e tantos e tantos outros, para provar o que está sendo dito.

Com Getúlio e o Estado Novo acontece o que o Professor Gilson Ricardo de Medeiros Pereira lembra a partir da obra de Raimundo Faoro “Os Donos do Poder”: o pacto das elites para dissolver a luta de classes através da “solução pelo compromisso”, ou seja, a permanente negociação através da qual o zé-povinho recebe, quando muito irada, uma ração extra de carne para acabar com o resmungo.

Não por outra razão vai ano e vem ano e os tubarões da elite continuam o colossal processo expropriatório através dos inocentes-inúteis que exercem cargos na estrutura do poder e se prestam a fazer o serviço sujo dos patrões.

Quem conhece a história recente deste país sabe, talvez até mesmo na própria pele, o que foi feito com o serviço público a partir de Collor. Quem não sabe porque não é servidor público, mas pertence à classe média para baixo, com certeza sentiu e sente na pele quando precisou ou precisa da estrutura do Estado na saúde, educação e segurança pública.

E nós, estúpidos, continuamos esperneando e votando nos mesmos candidatos de sempre!