sexta-feira, 7 de março de 2014

O "X" DA QUESTÃO NO ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ



* Honório de Medeiros                               



Aparentemente apenas dois personagens são protagonistas tanto da invasão de Apodi, por cangaceiros, em 10 de maio de 1927, quanto de Mossoró, em 13 de junho de 1927. Trinta e três dias separam uma da outra.

Eles são o Coronel Isaías Arruda, Intendente de Missão Velha, no Cariri cearense, e o cangaceiro Massilon.

Qual a natureza da relação entre o Coronel e o Cangaceiro? Circunstancial ou decorrente de um planejamento?

No que diz respeito ao Coronel sabemos que a invasão de Apodi somente lhe surgiu na mente quando foi procurado por Décio Hollanda para ajuda-lo nesse propósito. Não há qualquer registro de interesse seu quanto ao Rio Grande do Norte anterior a esse contato.

E quanto à invasão de Mossoró, sabemos que essa idéia lhe foi apresentada após o retorno de Massilon da invasão de Apodi, apesar da opinião de Sérgio Dantas, calcado em Raul Fernandes, no sentido de que o Coronel tinha seus olhos voltados para a riqueza da segunda maior cidade do Rio Grande do Norte.

E o sabemos em primeiro lugar porque o Coronel não chamara Lampião às suas terras. Lampião lá apareceu inesperadamente, conforme nos demonstra, com precisão, o próprio Sérgio Dantas. E o sabemos também porque não há registro de qualquer atividade anterior do Coronel em promover essa “indústria” da invasão de cidades em busca de lucro.

Por fim, podemos inferir essa hipótese com base na seguinte cadeia de raciocínio: se ele não tivesse sido procurado para ajudar na invasão de Apodi, não teria conhecido Massilon; se não tivesse conhecido Massilon não haveria o ataque a Mossoró.

Então tudo leva a crer, em uma primeira análise, ao se observar a balança na qual estão postados os argumentos, no fator circunstancial, quanto ao Coronel, enquanto não encontramos qualquer indício que aponte para um planejamento anterior no sentido de atacar Mossoró.

Se circunstancial, então o papel do Coronel nas duas invasões foi de somenos importância, limitando-se a arranjar jagunços, armas, munição e, talvez, animais para as duas invasões, e a convencer Lampião a participar do ataque a Mossoró.

Coube, aqui, para empreender esse raciocínio, usar a Navalha de Ockham.

Entretanto se essa participação do Coronel foi circunstancial cabe, agora, perguntar o seguinte: o ataque a Apodi e Mossoró, no espaço de trinta e três dias, foi, também, circunstancial ou havia um nexo entre eles, anterior ao próprio ataque?

Quanto à existência do nexo existem os seguintes fortes indícios:

(i) a correspondência de Argemiro Liberato avisando previamente do ataque;

(ii) o aviso do Coronel Chico Pinto ao Coronel Rodolpho Fernandes após a invasão de Apodi e antes de Mossoró;

(iii) a menção ao projeto do ataque a Mossoró feito por jornal da cidade;

(iv) a presença, tendo em vista seu passado, nos dois ataques, enquanto protagonista, de Massilon.

Se assim o é, então a idéia de atacar Apodi e Mossoró já existia antes dos ataques serem realizados.

Quanto à invasão de Apodi, não existem dúvidas em relação a sua natureza política. Teria o ataque a Mossoró também a mesma finalidade?

Mais: se o ataque a Apodi tinha natureza política, e o ataque a Mossoró também o tinha, o que se conclui quando sabemos que no primeiro caso o objetivo era o Coronel Chico Pinto? Obviamente que o ataque a Mossoró queria atingir, por sua vez, o Coronel Rodolpho Fernandes.

Se decorrente de um planejamento, então como explicar esse liame entre as invasões?

Se o há, necessariamente passa pelo único personagem cuja presença nos dois ataques não foi circunstancial: Massilon.

Nesse caso somente a história de Massilon anterior aos fatos pode explicar o ataque a Mossoró. Suas relações, seus antecedentes, sua geografia.

Esse é o “x” da questão.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

AQUELAS NOITES DO SERTÃO



* Honório de Medeiros

Em memória de Compadre Adauto Fernandes.



Naquelas noites do Sertão a escuridão tomava conta da entrada do Sítio onde, à luz do lampião, Compadre Adauto Fernandes - eu, menino, o chamava assim, e ele assim me tratava - reunia, no seu entorno, a família e os amigos para uma xícara de café e ouvirem as estórias que constituíam a antiga tradição oral dos nossos antepassados.

Às vezes havia lua e o mar de prata criava ademanes fantasmagóricos nos arbustos lá fora, no terreiro; ao vê-los instintivamente aproximava-mo-nos um pouco mais do círculos dos adultos e somente relaxávamos quando sua risada cristalina pontuava essas estórias; até então, ele nos deixara, a todos, em permanente suspense.

Decerto nunca mais pude fugir de um compromisso alegando uma mentira inocente sem recordá-lo e a um desses "causos" em especial. Dizia respeito a alguém do seu conhecimento que para fugir de um compromisso social jurara, através de bilhete, estar, em casa, de repouso e, ao voltar de um forró onde se esbaldara a noite inteira, em outra localidade, mal apeara do cavalo escutou choro e lamentações, e seu pressentimento foi confirmado pelos fatos - ela, sua esposa, jazia nos braços das filhas nos estertores da morte.

Exposto assim parece pouco, quase nada, mas somente sabe acerca da magia daquelas noites quem as viveu no Sertão, à luz bruxuleante do lampião, céu estrelado, ouvindo, de quando em vez, dentre outros, o canto arrepiante dos rasga-mortalhas...  

Eram estórias de amor, gestas, ódios de família, tesouros enterrados, botijas, estes descobertos por intermédio de sonhos que precisavam de uma sabedoria centenária para serem interpretados corretamente, raptos consensuais ou não, caçadas às onças nas quais somente a habilidade sobrenatural do caçador o fizera escapar com vida, pescarias milagrosas, recuperação da saúde via feitiços e orações de benzedeiras e curandeiros, secas e invernadas desmedidas, justiça divina a corrigir desmandos humanos, feitos com armas, aventuras de parentes e amigos nas terras desconhecidas da Amazônia, para a qual tantos tinham ido e não mais voltado, os segredos da Serra das Almas...

Na forma arrastada com a qual meu compadre contava suas estórias havia uma magia que segurava a atenção: uma cadência hipnótica na voz, uma lógica precisa no encadear das frases buriladas com palavras que Luis da Câmara Cascudo não hesitaria em classificar como egressas do puro português colonial e que os folgados das cidades grandes alcunhariam de "matutês", por pura ignorância, uma sabedoria antiga de quem herdara e cultivara o dom de contar uma estória.

O desfecho sempre ensinava uma lição de vida e, não raro, eram belíssimos achados a externar uma apropriada observação acerca da natureza dos homens e seu destino de desprezar o caminho certo, a senda justa, a trilha verdadeira, na vida, em troca das facilidades enganosas que o diabo apresentava, enquanto armadilhas, para a perdição da alma dos incautos.

Mas Compadre Adauto Fernandes não era somente um contador de estórias sem igual e um dos últimos integrantes daquela raça de titãs que colonizou o Sertão e que nasceu no começo do século XX. Dotado de arguta percepção a respeito dos homens e das coisas, certa vez me confessou por que não votara no candidato a prefeito que entusiasmava, então, sua numerosa família: "meu compadre, se ele não consegue arrumar sua casa, como vai arrumar a dos outros?" Não deu outra. Foi uma desastre. E quando lhe indagávamos, ansiosos, acerca do inverno, tão esperado todos os anos, respondia calmamente: "isso é com Deus, mas a experiência dos antigos diz que..."; quase sempre acertava.

Compadre Adauto Fernandes também era um poeta, em um certo sentido, alguém com o dom de dizer belamente, em momentos especiais, com tiradas de brilho incomum, algo que nunca brotaria, com facilidade, dos nossos corações e mentes. Dele escutei, certa vez, quando falávamos da morte, rompendo um seu mutismo inabitual, que "a morte, para quem fica, é uma saudade sem esperanças". Acaso alguém poderia ser mais preciso e poético ao descrever esse sentimento? De outra, referindo-se aos caminhos e descaminhos de um amigo comum, saiu-me com essa, aludindo à eterna vitória da esperança sobre a razão: "compadre, quem nos puxa mesmo é a mão da ilusão..."

Tantos anos passados, todos nunca esquecidos. Tantas vidas vividas e sua lembrança não esmorece. As vidas, meu compadre, sem homens como você, íntegro, único, profundo, está cada dia mais parecida com o que lhe ouvi dizer várias vezes a esse respeito - "é uma roca sem fuso!".

Arte: ahoradaprincesa.spaceblog.com 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

TUDO É IGUAL, DE MANEIRA DIFERENTE



* Honório de Medeiros


No centro do redondel, o domador controla o cavalo sem qualquer arreio. É somente ele e o animal. Nada mais. Ao redor, quedamos fascinados, nós todos, derreados na cerca, emoldurados pelas pedras gigantescas que margeiam, um pouco ao longe, aquele pequeno vale, sob um sol já esmaecido de final-de-tarde. Estamos no Sertão. 

A mão esquerda controla a nobre cabeça do cavalo. A direita, terminando no dedo indicador esticado, seus quartos, o "motor". Os olhos do domador captam qualquer nuance na postura do animal. E vice-versa. Há uma perfeita integração entre eles. Faz-se silêncio no final de tarde. Ouvem-se as cigarras. Os passos do cavalo e seus bufidos. Algum estalar de língua. Pássaros que passam fendendo o ar deixando seu registro sonoro. Como se mandasse ondas de energia invisível, a cada ação do domador corresponde uma reação imediata do cavalo. Naquele momento ambos são somente um.

Lembrei-me, então, de um antigo filme em preto-e-branco no qual um idoso "sensei" de alguma dessas artes marciais esotéricas era atacado por todos os lados por alunos, a seu convite. Não havia contato físico entre eles. Antes da chegada, a cada gesto do mestre, os alunos desmoronavam, esbarravam em um muro invisível, ficavam imobilizados. Seria aquilo possível? Eu duvidava, sempre duvidei. Mas ali, naquele instante, o domador não demonstrava um controle suave e eficaz, sobre o cavalo, que eu somente imaginava possível à base de arreios e gritos?

"Uma questão de sinergia", disse-me ele, logo depois. "A noção de unidade, a qual você alude, é a essência de todos os movimentos; não há necessidade de violência; um movimento levemente brusco, de minha parte, é perfeitamente assimilado por ele, contanto que estejamos conectados."

Entendo, mas não compreendo. É complexo. Penso que talvez não seja possível exprimir essa dinâmica com palavras. É algo para além da razão.

Encerrada a demonstração, a noite cai. Jantamos no alpendre da casa principal. Conversamos. É acesa uma fogueira. Longas toras rústicas cercam as chamas, em forma de círculo. São os assentos sobre os quais nos acomodamos. Na abertura do círculo, a uma pequena distância, uma tela é postada e, antes dela, um projetor. O domador, agora, é um fotógrafo famoso. Sua obra, pequena e consistente, densa, até mesmo brutal, quase minimalista, internacionalmente reconhecida, será apresentada sob a forma de ensaios fotográficos.

As sequências começam. Primeiro, um ensaio acerca de um lixão, onde o fotógrafo viveu durante três meses para extrair aquela essência que desfila ante nossos olhos; depois, um recorte impressionante do dia-a-dia de uma família sertaneja paupérrima cujo epicentro é uma formidável e expressiva criança tetraplégica; finalmente, em um voo de natureza essencialmente subjetivista, imagens de pedras, as mesmas pedras onipresentes naquele espaço-tempo ancestral no qual estão postadas suas raízes, sugerindo percepções metafísicas.

As imagens, sempre em preto-e-branco, colhidas por uma antiga máquina de origem russa, revelam um primor técnico inalcançável sem uma entrega absoluta. Essas imagens, às vezes, estão levemente desfocadas. Há, nelas, uma suave e proposital distorção, que as tornam quase góticas, induzindo uma ultrapassagem do real. O Claro/escuro, a distorção dos contornos, a fusão dos nuances, a expressividade diluída de cada fotografado, ressaltada, por exemplo, nos seus olhares, os escassos objetos presentes em cada contexto, tudo propõe um leitura pensada, exponencialmente repensada.

Não é possível um olhar descomprometido de apreciador de paisagens...

O que há de comum entre o domador e o fotógrafo? Difícil dizer. Lembro-lhe, no final, Musashi, o samurai japonês, o maior dentre eles, autor de "Go Rin No Sho", o livro de tantas e tantas leituras diferentes: a estratégia, o kenjutsu, a póetica, a pintura... Seus leitores avançados dizem da unidade de tudo quanto há. Musashi aludiu a essa unidade quando nos convidou a perceber que a estratégia para combater um só é a estratégia para combater dez mil. Mas essa é apenas uma das faces de seu singular pensamento. Há a estratégia para a estratégia. Há a compreensão que a realidade ilusória que nos cerca e envolve é fogo, ar, terra, água e nada. O nada...

Antes mesmo que o domador/fotógrafo soubesse de Musashi, ele me dissera, antes: "tudo é igual, de maneiras diferentes..."

Então nos dispersamos. Dias singulares, esses. Cada um de nós percebe de forma muito diferente a sessão de ensaios. Há quem interprete as imagens a partir da arte Naïf. Como assim, me pergunto. A ingenuidade retratista Naïf? Estranhos, nós somos. Conseguiríamos encontrar uma unidade nessas "maneiras diferentes" de perceber as imagens? Ou a unidade é constituída dessas maneiras diferentes de percebê-las?

Fomo-nos. O sereno chegara e pedia uma rede macia e um bom cobertor. Amanhã é outro dia diferente e igual a todos os outros que o antecederam. É hora de ouvir estrelas...

Fulô da Pedra, final de fevereiro de 2014.

Arte: razorfoot.wordpress.com

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

VOCAÇÃO DA OPORTUNIDADE

* François Silvestre

Quando eu entrei na Faculdade de Direito, após ter estudado para o curso de Medicina, larguei o sonho de ser médico. Movido pela inclusão no serviço militar, induzido pelo ódio à Ditadura, deixei minha vocação médica e dediquei-me, como estudante de Direito, à permanente aventura do sonho da liberdade. Mas a Liberdade não é um sonho. É uma obrigação. E quem não se obriga à liberdade não merece viver. Nenhum de nós fomos heróis. Não. Dividimo-nos entre resistentes, cúmplices, omissos e pusilânimes. Os que resistiram, em qualquer e mesmo pequeno gesto. Os que colaboraram, em gesto grandiosamente sujo. Os que mesmo sem concordar, silenciaram, no direito ao sossego. E os que, no estuário da pusilanimidade, tripudiavam ou ainda tripudiam sobre o esquife dos frágeis resistentes. Na Faculdade de Direito, Casa de Amaro Cavalcanti, ali defronte da Praça Augusto Severo, havia, no meio das trevas, as vocações. Os que queriam ser juristas. Outros, Juízes. Advogados de banca famosa. Alguns, escritores de Direito. Raro era o desejoso de ser Promotor. Profissão de primo pobre da vida forense. Salário miserável. Hoje, num lampejo de mágica, a profissão alçou-se à condição de preferência forense. Mudaram os tempos ou melhoraram os contracheques?

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

LA VIE EST BRÈVE...



* George Louis Palmella Busson du Maurier (6 March 1834 – 8 October 1896):



PEU DE CHOSE


La vie est vaine,
Un peu d’amour,
Un peu de haine,
Et puis—Bonjour!

La vie est brève:
Un peu d’espoir,
Un peu de rève
Et puis—Bon soir!

Tradução livre:

COISINHA

A vida é vã,
Um pouco de amor,
Um pouco de ódio
E então: bom dia!

A vida é breve:
Alguma esperança,
Um pouco de sonho
E então: boa noite!

DO OUTONO DA VIDA




- Sinto saudades da minha juventude - responde - ou, melhor, do que essa juventude tornava possível... Por outro lado, descobri que o outono tranquiliza. Na minha idade, é necessário se sentir a salvo, longe dos sobressaltos produzidos pela primavera.
(...)
- Sei a que está se referindo - diz, finalmente. - Também acontece comigo. Um dia me dei conta de que havia mais pessoas desagradáveis nas ruas, os hóteis já não eram tão elegantes nem as viagens tão divertidas. Que as cidades estavam mais feias e os homens mais grosseiros ou menos atraentes...
(O Tango da Velha Guarda; Arturo Pérez-Reverte).

* Arte pinçada em oblogdafabrica.blogspot.com

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

MATURIDADE IMPREGNADA DE DESCRENÇA

* Honório de Medeiros


É muito ruim quando a maturidade surge impregnada de descrença. O Homem fica melancólico, quando não amargo. Embora digam que esse é o preço que se paga pela chegada do outono da vida, prefiro atribuir tal descrença a circunstâncias que fogem ao seu querer, mesmo se contra elas tenha lutado a boa luta, aquela que se supunha não ser vã.

Que circunstâncias seriam essas, caberia a pergunta. Poderia ser diferente, se elas fosse outras? Ou, por outro lado, se essas circunstâncias fossem diferentes seria possível imaginar que a maturidade surgiria sem descrença, mesmo que acompanhada da constatação de que o espírito está preso numa estrutura que o tempo vai comprometendo lenta mas insidiosamente?

Creio que sim. Poderia ser diferente se elas fossem outras. Mas não o são, e aqui estou eu, em plena maturidade, descrente, talvez melancólico, mas não amargo.

No meu caso essa descrença diz respeito ao que concluo quando observo o que se passa em meu País e meu Estado. Espero não estar errado - acredito sinceramente que não estou - mas minha conclusão é que, no geral, estamos muito pior, hoje, se comparado com ontem, ou mesmo anteontem. 

Entendam-me. Não nego avanços, pois os há. Apenas sustento que esses avanços aconteceram espontaneamente, decorrentes da própria lógica do capitalismo primitivo brasileiro. E são poucos. Eu diria que também são superficiais. E ainda digo que a questão é que a descrença não resulta do pouco que avançamos, ou da fragilidade dos nossos avanços, conquistas da Sociedade. Resulta do quanto deixamos de avançar graças às nossas elites políticas predatórias, inconsequentes, criminosas.

O Estado, uma hipostasia, concretamente nada mais é que a expressão financeira, legal e policial dessas elites políticas.  

O resultado desse atraso no avanço, digamos assim, cada um de nós, brasileiro, norte-rio-grandense, pode aquilatar meramente se dando conta - e fazemos isso, dia-a-dia - do que está acontecendo no nosso entorno. Não quero sequer mencionar o descalabro na educação, saúde, infra-estrutura, segurança pública - esta, no meu entender, caso para intervenção federal no Estado. Menciono, e é o bastante, a situação das consequências da seca no resto do Estado, para além dos limites caóticos de Natal.

Pois a seca, a mesma seca que angustiou D. Pedro II há tanto tempo atrás, essa seca dizimou, no interior, a agricultura, a pecuária, a criação, a piscicultura, as feiras, o comércio, a construção civil, nesses últimos anos. Agora a seca está ameaçando a sobrevivência das pessoas, principalmente dos mais humildes, condenados estes a fazerem uso de água misturada com lama para satisfazerem suas necessidades fundamentais; a seca está conduzindo as pessoas para patamares antigos de desrespeito ao ser humano que as novas gerações, se os conhecem, o é por meio da literatura...

Enquanto isso o Governo do Estado constrói um complexo denominado pomposamente "Arena das Dunas" para a Copa do Mundo de 2014 ao mesmo tempo em que o sertanejo e o Sertão potiguar se desfazem em sol, poeira e sede, e alguns privilegiados, para os quais essa questão é algo remoto, se preparam para contemplar e usufruir desse templo do supérfluo, da trivialidade, da falta de respeito com a condição humana.

Ainda por cima há os que creem firmemente que a construção da "Arena das Dunas" é algo defensável. E a defendem. E apresentam estatísticas nas quais se embasam para apresentar essa defesa. E falam e escrevem defendendo o impacto econômico favorável ao Rio Grande do Norte em decorrência do dinheiro federal que está vindo às catadupas. 

Um complexo que será visitado e usufruído pelas elites, um complexo inacessível à base da pirâmide social, um complexo desnecessário para todo o restante do Rio Grande do Norte.

Essa é apenas uma das faces da tragédia. E quanto às mortes que estão ocorrendo no nosso Estado, originando estatísticas semelhantes à de guerras civis?

Há ou não motivos para descrença?

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

COMO AVALIAR UM GOVERNO?


* Honório de Medeiros

Em “Desenvolvimento Como Liberdade” (Companhia das Letras; 2004; 4ª reimpressão; São Paulo), Amartya Sen, Premio Nobel de Economia, ex-membro da Presidência do Banco Mundial, ex-professor da Universidade de Harvard, esposo de Emma Rothschild – autora, por sua vez, de “Sentimentos Econômicos”, um denso ensaio acerca de Adam Smith, Condorcet e o Iluminismo – nos convida a percebermos o contraste entre “um mundo de opulência sem precedentes” e “um mundo de privação, destituição e opressão extraordinárias.”


Trocando em miúdos Amartya Sen nos convida, isto sim, a entendermos o desenvolvimento como “um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”, e, não, como algo a ser identificado com o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social.

Ao se referir à expansão das liberdades reais Amartya Sen se refere, por exemplo, aos serviços de educação e saúde – e aqui eu acrescento segurança pública – e aos direitos civis (a possibilidade de participar efetivamente do governo e das discussões e averiguações públicas em relação ao dinheiro do povo).

Aceitar esse ideário como premissa implica em compreender que somente podemos considerar desenvolvido ou em desenvolvimento um País, Estado ou Município no qual, à título de esclarecimento, e em termos bastante simplificados, o dispêndio com obras públicas, tais como calçamentos, praças, ruas, estradas, asfaltamento, prédios, pontes, açudes, barragens, estádios de futebol, somente ocorra como conseqüência necessária e comprovada da implantação de políticas públicas voltadas para o avanço em áreas como educação, saúde e segurança. Políticas públicas essas estabelecidas claramente através de programas e projetos que tenham metas, prazos, alocação de recursos humanos e financeiros delineados claramente e possam ser acompanhados e questionados pela sociedade como um todo.

Óbvio que, no Brasil, a lógica é outra. As obras públicas são sempre “vendidas” à sociedade como sendo essenciais para o desenvolvimento “sustentável”. Essa lógica, consciente ou inconscientemente, busca privilegiar quem há de se beneficiar direta e imediatamente com ela, ou seja, aqueles que detêm o capital em suas mãos e querem o retorno imediato do investimento realizado: comprova essa afirmação a relação estreitíssima, no Brasil, entre os governos, sejam estes federais, estaduais e municipais, e empreiteiros, construtores, empresários da construção civil, enfim, os quais, depois de realizadas as eleições, pressionam os candidatos aos quais apoiaram financeiramente a investirem em obras.

A constatação, também, daquilo que se afirma aqui pode ser feita por qualquer um: basta que nos perguntemos se com todo o investimento em obras ocorrido no Brasil, digamos, desde Fernando Henrique Cardoso, passando por Lula, até hoje, houve diminuição sensível na miséria, e melhoria significativa na educação, saúde, e segurança pública. Façamos o mesmo quanto ao Rio Grande do Norte, Natal e/ou Mossoró.

É claro que não. Muito ao contrário. O que nós percebemos, nitidamente, é que o avanço, se é que houve, é um verniz que não resiste a uma visita individual ou coletiva a postos de saúde ou hospitais, escolas públicas e delegacias de polícia.

Portanto a conclusão é óbvia: desconfiemos de qualquer obra que não esteja atrelada, comprovadamente, a uma política pública na área de educação, saúde ou segurança. Uma comprovação que salte aos olhos, indiscutível.

Para começo de assunto.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O MEU SERTÃO ESTÁ INDO EMBORA

No meu Sertão, essa Mesopotâmia que fica entre o São Francisco e o Parnaíba como o diz François Silvestre, desaparecem lentamente a parteira, a curandeira (farmacopéia nativa), a rezadeira, o cantador de viola, o cordelista, o xilogravurista, o vaqueiro, o armeiro, o forrozeiro de pé-de-serra, várias plantas e animais. Isso é o que eu me lembro. Tem muito mais. O próprio dialeto do Sertão, se posso chamar assim, está ferido de morte. A noção de honra, tão própria do sertanejo, esvaiu-se na vala comum da ética da malandragem, onde ser esperto é levar vantagem em tudo. Toda uma cultura desaparece lentamente. Um pouco mais à frente seremos todos iguais, todos medíocres, todos alienados...

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

DE TIRANIA E SERVIDÃO

Filipe, o Belo


* Honório de Medeiros                               

Finalmente expulsos da Terra Santa pelos Sarracenos em 1302 d.c., os Templários passaram a ter sua imensa riqueza cobiçada no Ocidente por soberanos e nobres, e seu prestígio e privilégios, assegurados até então pelos papas, invejados pelo clero.

Dentre eles, entretanto, nenhum chegou ao extremo de Filipe, o Belo, neto de São Luis, Rei da França.

Com o tesouro esgotado pelas lutas contra os barões feudais na tentativa de fortalecer seu reino e impor sua vontade, Filipe, para muitos o precursor do Estado-Nação, percebeu que muito próximo de si havia riqueza suficiente para saciar sua ambição e desenvolver seus projetos hegemônicos.

O primeiro grande obstáculo a vencer era a Igreja, no seio da qual fora criada a Ordem do Templo, sob as bênçãos de Honório II. Conta Charles G. Addison, historiador inglês, em seu acurado “A História dos Cavaleiros Templários e do Templo”, que “quando da morte do papa Bento IX (em 1304), ele conseguiu, por meio das intrigas do Cardeal Dupré, elevar o arcebispo de Bordéus, uma criatura sua, ao trono pontifical. O novo papa transferiu a Santa Sé de Roma para a França; convocou todos os cardeais a Lyon e ali foi consagrado (1305 d.c.), com o nome de Clemente V, na presença do Rei Filipe e seus nobres.”

O primeiro passo fora dado. A seguir o papa convoca os cavaleiros templários a Bordéus. Em 1307 o Grão Mestre do Templo e sessenta cavaleiros desembarcam na França e depositam o tesouro da Ordem no Templo de Paris. Jamais sairiam de lá.

Entrementes o Rei francês fazia circular diversos boatos sinistros e notícias odiosas a respeito dos Templários por toda a Europa, acusando-os de terem perdido a Terra Santa por não serem bons cristãos.

Depois, com base no depoimento de um cidadão condenado que viria a receber, posteriormente, o perdão real, mandou capturar, no reino, secretamente, todos os membros da Ordem, ao mesmo tempo em que determinava uma devassa nos bens dos Templários. A seguir Filipe endereçou correspondência aos reis europeus exortando-os a acompanhar seu exemplo.

E, então, os acusou dos mais esdrúxulos e inverossímeis crimes, tais como satanismo, sodomia, depravação herética e outros mais. Esses mesmos Cavaleiros Templários que durante centenas de anos derramaram seu sangue nas areias escaldantes da Palestina a serviço da Igreja, com as bênçãos e reverências dos reis da cristandade... 

O resto pertence à história. Torturados, espoliados, dizimados, os templários desapareceram de cena enquanto Filipe de França, e Eduardo, da Inglaterra, bem como o papa Clemente, passaram a mão em sua riqueza. Saliente-se que o Rei de Portugal, à época, não somente se recusou a fazer o mesmo, como deu guarida aos templários fugitivos que para lá se dirigiram.

Em tempos mais recentes, nos famosos expurgos realizados na União Soviética, a criação de crimes imaginários por parte da máquina do Estado a serviço de Stalin conduziu milhares de russos ao pelotão de fuzilamento ou aos campos de concentração. Quem desejar ler acerca do “modus faciendi” da máquina de acusação recomendo “O Zero e o Infinito”, do hoje esquecido Arthur Koestler, uma crítica contundente ao despotismo estalinista.

Esses fatos demonstram algo: em primeiro lugar, no que diz respeito à luta pelo Poder e sua manutenção, nada é novo, tudo é contemporâneo da existência do Homo Sapiens na face da terra; em segundo, não podemos permitir a concentração de Poder nas mãos de quem quer que seja; e, em terceiro, seja qual seja o credo ou ideologia, se favorecemos a concentração de Poder nas mãos de um,  ou de alguns, muitos irão sofrer as consequências no futuro.

Tais afirmações dizem respeito a qualquer agrupamento no qual o Homem viva em Sociedade. Tanto pode ser em família quanto, por exemplo, em uma Sociedade como a dos Estados Unidos da América, onde os métodos utilizados pelos seus serviços secretos, hoje em dia, aos poucos vão estrangulando as liberdades civis sob o falso argumento de proteção da segurança do País e seus habitantes. 

Na verdade o grande profeta dos últimos tempos acerca do exercício do Poder e suas decorrências foi George Orwell, em “A Revolução dos Bichos”; quanto à falta de legitimidade dos que o exercem, é de se render homenagens a Étienne de la Boétie e seu fabuloso “Discurso Acerca da Servidão Voluntária”.

Quão imensa é a vocação do Homem para a tirania e a servidão...

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

ATÉ PARA FAZER O MAL É PRECISO TALENTO


Honório de Medeiros


Napoleão tinha Fouché, seu sombrio e oblíquo Chefe da Polícia e Serviço Secreto, que morreu Duque de Otranto, após ser regicida; Portalis, seu jurista (o de Getúlio foi Chico Campos, criador da "Polaca", conhecido como "Chico Ciência"); Talleyrand, seu Ministro do Exterior.

O resto era perfumaria.

Alguém, com o Poder nas mãos, nos dias de hoje, precisa ter um também um Financeiro e um Planejador/Operador/Coordenador.

Nada mais.

Napoleão era, ele mesmo, esse Planejador/Operador/Coordenador. E quanto a Getúlio? Seria diferente? Creio que não.

Um Governo, para funcionar de alguma forma, precisa dizer claramente aos que o servem o que dele se quer. Claramente. Fiscalizar, assiduamente. E cobrar, sempre.

Por pior que seja o homem público no exercício do Governo ele não quer, para si, o ônus de ser chamado de incompetente.

Aliás, como bem está posto no "Príncipe", de Maquiavel, até para fazer o mal é preciso talento...

DE ENCONTROS


Honório de Medeiros



Não gosto de marcar encontros.
Deixo ao sabor do acaso, vê-la (o).
Assim, saio quando quiser,
Ou fico, caso queira.
E não lhe magoo.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

DE CINISMO




Honório de Medeiros


Deu-se que não se sabe se as elites políticas são cínicas por ignorância ou ignorantes por cinismo.

OS TEMPOS QUE VIRÃO




Honório de Medeiros


Para os tempos que virão,
Ó Pai, comprei armas.
Não me condene, peço-Lhe,
A palavra se tornou vã.

Lutarei pelos meus, creio,
Pelo pão de cada dia.
Pelo cobertor, a água de beber,
Serei duro, cruel, insensível.

Estamos condenados, Pai?
Somos todos o Mal?

Do que se alimenta esse horror,
A miséria, a doença, as trevas?

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

ADVOGADOS PROTESTAM CONTRA COBRANÇA DA ANUIDADE E PEDEM EXPLICAÇÕES À OAB


NADA DE NOVO SOB O SOL

Eugène François Vidocq


* Honório de Medeiros



Não há nada de novo sob o sol. Seguimos aparentemente em frente, para destino ignorado, permanecendo os mesmos de tanto tempo atrás, enquanto as formas, os instrumentos, os meios que são nossa criação, mas dos quais somos reféns, para lidar conosco, fenômenos e coisas, tornam-se cada vez mais complexos e e fugazes, em uma espiral, um "vir-a-ser", como diria Nietzche, de proporções incalculáveis.

Essência imutável, forma evanescente.

Leio em "Os Crimes de Paris", de Dorothy e Thomas Hoobler, acerca de Vidocq, um personagem maior que sua vida. "Depois de cometer vários crimes na juventude, trocou de lado e se aliou à polícia. Foi o primeiro chefe da Súrete, o equivalente francês do FBI, e modelo para vários personagens da literatura", dizem-me eles.

Fascínio antigo esse meu por Vidocq. Camaleônico, sofisticado, indecifrável, também foi o criador da primeira agência de detetives do mundo, o "Bureau de Reinseignements", ou Agência de Inteligência. Que outro, além de um francês, criaria uma agência de detetives com esse nome?

Inspirou Maurice Leblanc na criação do célebre Arsène Lupin, O Ladrão de Casaca, que eu lia, fascinado, na adolescência, graças à bondade de um colega de ginásio, na Mossoró que não existe mais. Como inspirou, também, além de muitos outros, tais como Alexandre Dumas, Victor Hugo e Eugène Sue, o ainda mais célebre personagem de Balzac, Vautrin, presente em vários livros da "Comédie Humaine".

Em certo momento, lá para as tantas, Vautrin explica o mundo:

"-E que lodaçal! - replicou Vautrin. - Os que se enlameiam em carruagens são honestos, os que se enlameiam a pé são gatunos. Tenha a infelicidade de surrupiar alguma coisa e você ficará exposto no Palácio da Justiça como uma curiosidade. Furte um milhão e será apontado nos salões como um modelo de virtude. Vocês pagam 30 milhões à polícia e à justiça para manter essa moral... Bonito, não é?"

Como diria minha mãe: "vão-se os anéis, sempre permanecem os dedos..."

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

UMA OBRA A MAIS, UMA POLÍTICA PÚBLICA A MENOS




* Honório de Medeiros


Há uma lógica perversa induzindo a opção por privilegiar obras físicas em detrimento de políticas públicas nos governos brasileiros, sejam estes quais sejam, municipais, estaduais, ou mesmo federais. Tal lógica é ainda mais perversa porque praticamente exclui a opção pelas políticas públicas, entendidas estas “como as várias funções sociais possíveis de serem exercidas pelo Estado, tais como saúde, educação, previdência, moradia, saneamento básico, entre outras”, no dizer de Antônio Sérgio Araújo Fernandes, Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Políticas Públicas da UNESP/Campus Araraquara, em “Políticas Públicas: Definição, Evolução e o Caso Brasileiro”.

Em primeiro lugar, a opção por obras físicas, QUANDO RESULTADO DESSA INDUÇÃO, é conseqüência de demandas específicas, a das grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados e, também, convenhamos, conseqüência de esses empresários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, da elite política, quando não são o que comumente chamamos, no Brasil, de “laranjas”, ou seja, títeres dos próprios políticos.

Em segundo lugar, a opção por obras físicas é, também, conseqüência de outra demanda específica, qual seja a necessidade de encher os cofres vazios da elite política vencedora dos pleitos eleitorais aos quais se candidataram, bem como construir reserva financeira para as futuras demandas político-partidárias.

Em terceiro lugar, a opção por obras físicas é, por fim, conseqüência de ainda outra demanda específica: a de gerar condições de manutenção e aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão pública, sob a alegação (interna) de que estes não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o serviço público (o chamado “por fora”).

Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras e serviços e, como conseqüência, por intermédio do Tesouro, financiá-las – consome o que sobra, no orçamento, em termos de recursos, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal, isso na maioria das vezes com manipulação orçamentária, sem praticamente nada deixar para a efetivação de políticas públicas.

A manipulação, persistente, o gerenciamento dolosamente equivocado das finanças públicas, se mantém, obviamente, com a leniência dos Órgãos fiscalizadores, seja por desídia, seja por incompetência. Ano após ano a Constituição Federal é desrespeitada e seus princípios norteadores, no que dizem respeito à Educação e Saúde, entre outros, adquirem o perfil de “letras mortas”.

Esse "sistema" cínico e predatório engendra uma custosa publicidade com o objetivo de persuadir os inocentes úteis acerca dos bons propósitos de toda obra e qualquer serviço que estejam sendo feitos nos moldes descritos acima. Assim, toda e qualquer obra e serviço surgem, na publicidade, como decorrência de uma “demanda social” e se destinam ao “desenvolvimento sustentado”. Obras e serviços por intermédio dos quais circula o capital financeiro da elite política, para perpetuar a expropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia.

E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, a luta contra a mortalidade infantil, a luta pela qualidade do ensino em todos os graus, a luta pela queda dos índices de homicídios, latrocínios, furto, a luta pelo saneamento básico, a luta pela melhoria do sistema prisional, enfim tudo que não dá retorno financeiro é deixado de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente, apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.

Vejamos o que nos dizem, por exemplo, Admir Antonio Betarelli Junior, Edson Paulo Domingues e Aline Souza Magalhães em seu estudo “QUANTO VALE O SHOW? IMPACTOS ECONÔMICOS REGIONAIS DA COPA DO MUNDO 2014 NO BRASIL”, encontrável no Google, sob o título acima. Leiam com atenção:

“Os resultados analisados neste trabalho dizem respeito aos impactos dos investimentos em infra-instrutora urbana e estádios programados para a Copa-2014 anunciados pelo Ministério do Esporte no início de 2010. A literatura de economia dos esportes costuma elencar outros impactos advindos dos eventos esportivos, como por exemplo: ampliação dos setores de serviços e hotelaria; fluxo adicional de turistas no evento e pós-evento; e exposição internacional do país, com atração de investimento externo. Entretanto, tais impactos, se existem, são de difícil mensuração e projeção. Por exemplo, diversos especialistas em economia do turismo (e.g. Matheson, 2002) consideram que um mega-evento como a Copa do Mundo apenas substitui turistas usuais no país-sede por “turistas-copa”, e mesmo estes podem efetuar um dispêndio no país significativamente menor, tendo em vista os gastos com ingressos e deslocamentos para o evento.

O principal resultado da Copa-2014 parece ser a melhoria da infra-instrutora urbana nas cidades-sede, o que representa efetivamente impacto de longo prazo na eficiência econômica de diversas cidades. Além disso, este trabalho destacou as opções de financiamento dos investimentos da Copa-2014, e sinalizou que o impacto econômico tende a diminuir com o financiamento público para as obras de estádios de futebol, uma vez que implicam ou no crescimento da dívida pública ou na redução do gasto das diferentes esferas de governo envolvidas. Embora no Brasil o futebol seja a “paixão nacional”, não se vislumbra uma forma de avaliar o ganho de bem-estar das famílias com a reforma e construção de estádios de futebol, de uso essencialmente dos clubes de futebol ou eventos comerciais. Provavelmente, um ganho mais importante de bem-estar ocorrerá com a vitória brasileira na Copa-2014.”

Ou seja, os impactos econômicos favoráveis são como miragens no deserto. E estão os autores abordando única e exclusivamente o viés econômico do evento. Não está sendo abordado o dano incalculável em termos de políticas públicas não gestadas e implementadas pela falta de financiamento governamental.

Obviamente que há toda uma plêiade de estatísticas justificando os investimentos do Governo. Não é nada difícil manipular estatísticas. Difícil é admitir que fazer calçamento ou construir um estádio possa ser melhor que educar crianças, melhorar o atendimento médico-hospitalar ou diminuir as estatísticas da violência urbana e rural.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

CRISE ORÇAMENTÁRIA/FINANCEIRA DO RN

Honório de Medeiros



Consta que desde o ano passado o pagamento da folha de pessoal do Estado do Rio Grande do Norte é feito por ofício.

Ou seja, o Governo manda um ofício para o Banco do Brasil e este, como dispõe do dinheiro, efetua o pagamento.

E o quê estaria faltando, então?

A regularização orçamentária/contábil.

Sem essa regularização, o próprio Governo fica sem o controle da execução orçamentária/contábil/financeira do seu, meu, nosso dinheiro.

Imagine que você sai soltando cheques por aí sem lastro em seu orçamento. Mesmo que você tenha dinheiro paga paga-los, em um certo momento, um pouco mais para a frente, você já não sabe a quem deve pagar, quanto, e como. 

Instala-se o caos. É mais ou menos assim. O dinheiro vai para o ralo, por falta de controle.

Deus queira que não seja verdade. Se for, somente Ele sabe o dano que tudo isso pode nos causar.

Quem poderia esclarecer a verdadeira situação financeira/orçamentária do Estado, qual seja o Tribunal de Contas, apêndice da Assembléia Legislativa que, como dizem os demagogos, "é a casa do Povo", não se pronuncia.

Nem o Tribunal de Contas, tampouco a Assembléia Legislativa, sequer o Ministério Público.

Resta-nos a Igreja que sempre nos disse ser intermediária entre Deus e os homens...

domingo, 26 de janeiro de 2014

ESTAMOS FAZENDO PAPEL DE TOLOS


* Honório de Medeiros


Assim, aos poucos, os VÂNDALOS cumprem o papel para o qual foram instrumentalizados e são pagos, qual seja o de 1) afastar a classe média das ruas, das manifestações contra o Governo; 2) justificar a colocação das forças armadas nas ruas, durante a Copa, criando bolhas de "padrão FIFA" nos entornos dos estádios e lugares onde ficarão alojadas as delegações, enquanto do lado de fora o caos social continuará seu crescimento, como se pode perceber no que diz respeito a segurança pública, saúde, educação, infra-estrutura, e por aí vai, graças, tudo isso, a nossas elites dirigentes...

Enquanto isso, também, os inocentes úteis e os não-inocentes inúteis - estes bem pagos - engrossam o caldo de idiotização, nas redes sociais, do brasileiro, condenado a rir qual um tolo daquilo que não entende e de si mesmo, a se iludir com o circo que lhe proporcionam a conta-gotas, ao tempo em que é alvo dos predadores de sempre, estes, sim, rindo seus risos de hienas saciadas ao decidirem o destino da massa alienada!

sábado, 25 de janeiro de 2014

DE SOLTEIRONAS




* Honoré de Balzac
"O CURA DE TOURS"


"Não têm todas as solteironas um talento particular para acentuar as ações e as palavras que os ódios lhes sugere? Arranham como gatos. E, além disso, não somente ferem, mas sentem prazem em ferir e em mostrar à vítima que a feriram."


Arte: ventodoagreste.blogspot.com

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

NÃO, AMIGO VELHO!


* François Silvestre 


Um comentário raivoso, de uma petista daqui da Serra, desejando me ver morto num asilo, num português pré-alfabetizado, fez-me rir. Coisas do contracheque. Mas há um e-mail, também de um conhecido de longa data, figura sensata, merecedora do meu afeto e admiração, que me pergunta: “Guinou à direita, poeta de Mãe-Guilé”? Não, amigo velho. Quem guinou à direita foram vocês. O que é aliar-se a Maluf? Ser correligionário de Collor? Defender Sarney? Em vez de revisar as privatizações criticadas, privatizar alterando apenas a nomenclatura? Passear pelo Brasil aos abraços com José Maria Marin, financiador de torturadores? Ter candidato ao governo do Rio de Janeiro que se alia a Silas Malafaia numa cruzada de costumes? Você estava no Teatro Alberto Maranhão, lembra?, quando Vital Farias, Elomar, Geraldo Azevedo e Xangai recitaram um poema meu e foram criticados, aos gritos, por um grupo de petistas, que me chamaram de burguês e renegado. Naquele tempo vocês eram a esquerda à esquerda. mesmo sem o currículo da luta que lhes presentou a liberdade. E eu era o burguês. E ainda sou. Mudei de opinião em muita coisa, mas não inocento a Direita nem anistio o Fascismo. Vocês guinaram e guinaram feiamente. Mas isso não altera o afeto que lhe devoto. Suba a Serra, que aqui tem jandaça, cerveja, bóia e rede ampla. Coisas de burguês.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A DESCARADA FEIURA DA BELEZA

* François Silvestre


O Estádio Arena das Dunas é belo? Não. É belíssimo! Ricamente belo. O Hospital Walfredo Gurgel é feio? Não. É horrível. Pobremente feio. Os hotéis da Via Costeira são belos? Ricamente belos. Os outros hospitais públicos do Estado são choupanas que cheiram a iodo podre. E as escolas públicas? E as delegacias de polícia? E o serviço de segurança? Não levem as autoridades federais a passarem nem perto dos hospitais, nem das delegacias, nem das escolas, nem dos postos de saúde. Não. Eles não podem sair daqui com má impressão da nossa terra de Cascudo. Levem as autoridades federais e os visitantes estrangeiros para a Arena das Dunas. Depois ponham capuzes neles ao saírem dali para outras localidades. Não deixem eles verem a nossa pobreza, nossa sujeira, nossa miserabilidade. E digam a eles que não ouçam os reclamos dessa gente ingrata. Com uma Arena dessas, só os ingratos reclamam de hospitais imundos, escolas fechadas, delegacias caindo, homicídios diários, assaltos constantes, pedintes nos semáforos, salários atrasados, inadimplência com fornecedores, adutoras sem canos, tudo gente do contra. Vamos engrossar o time, ops, dos a favor. Quem for a favor da sacanagem levante o braço. Quem for contra levante outra coisa…

domingo, 19 de janeiro de 2014

OS CAÇADORES DE CABEÇAS DO ANDAR DE BAIXO

Elio Gaspari, O Globo


Em 2011, um grupo de jovens executivos colocou-se a seguinte questão: o que se pode fazer para ajudar uma criança pobre que tem um brilhante desempenho escolar e enfrenta a lei da gravidade social que tenta retê-la no andar de baixo? Nasceu assim o Primeira Chance.

Ontem, em Fortaleza, cinco desses executivos passaram o dia entrevistando 35 jovens que cursam o ensino fundamental em escolas públicas. Quando tiverem terminado o serviço, estarão escolhidos os garotos e garotas que cursarão o ensino médio como bolsistas nas duas melhores escolas da cidade (Ari de Sá e Farias Brito). Resolvido? Como diria Fred Astaire, o segredo de um bom dançarino está em dar aos outros a impressão de que é fácil.

Os executivos do Primeira Chance ralaram. Como achar os garotos? Fácil. Selecionaram 250 crianças do ciclo fundamental bem colocadas em olimpíadas de conhecimento, como as de Matemática, Português, Ciências e Física. Como contatá-los? Pedindo ajuda às escolas?

Não dá certo, muitos diretores temem que lhes queiram roubar os bons alunos. Mandando-se uma carta ao aluno, para o endereço do colégio, ele vai recebê-la. Resolvido? Nem sempre. Um garoto não tinha telefone (móvel ou fixo) em casa. Para chegar a ele foi preciso ligar para a residência onde sua tia trabalhava como empregada doméstica.

Em todo o processo, o Primeira Chance busca crianças que, além de terem bom desempenho, mostrem uma surpreendente capacidade de batalhar pelo que querem. Um menino sem pai, com mãe e avó analfabetas, tinha medalha olímpica de Matemática. Aos 10 anos, soubera que na cidade da avó havia uns austríacos que ensinavam inglês de graça.

Mudou-se para a casa dela. Seis anos depois, sua entrevista em Fortaleza deu-se em inglês. Ele também descobriu uma professora de Matemática que lecionava para pobres e colocou-se sob sua proteção.

Das 250 cartas enviadas, tiveram 75 respostas, e os candidatos foram convidados para uma prova e uma entrevista. A renda média de suas famílias era de R$ 1 mil por mês. Feito? Nada. Metade deles não veio.

Um garoto que tinha duas medalhas de olimpíadas não poderia sair de sua cidade (Jijoca de Jericoacoara) a sete horas de Fortaleza, pois não tinha como pagar o ônibus. A turma do Primeira Chance cacifou as passagens, e ele veio com o pai, que trazia consigo currículos para tentar um emprego de porteiro na capital caso o filho se desse bem.

Catapultados para boas escolas como a Ari de Sá ou a Farias Brito, resolvia-se apenas uma parte do problema. Faltava o resto. Os colégios dão os livros, e o Primeira Chance cobre as despesas de material, transporte e alimentação.

Em alguns casos, pagam também a hospedagem num pensionato. Um garoto jamais calçara sapatos, usava sandálias artesanais. Pela lei da gravidade, quando terminasse o ciclo fundamental, iria para a roça do pai.

Cada jovem amparado pelo Primeira Chance ganha um mentor que acompanha seu desempenho, com quem se comunica durante todo o tempo em que cursa o ensino médio e se capacita para o vestibular. Um bolsista custa R$ 4 mil por ano. Tendo começado em 2011, o grupo de executivos já deu 14 bolsas.

O garoto que foi morar com a avó analfabeta para estudar inglês ganhou mais três medalhas olímpicas, foi aprovado nos vestibulares do Instituto Militar de Engenharia e do Insper, que oferece bolsas para jovens do Primeira Chance. O menino de Jijoca de Jericoacoara ganhou mais uma medalha na Olimpíada de Física e passou no vestibular do IME quando ainda cursava o segundo ano do ensino médio.

Nenhum dos executivos do Primeira Chance é milionário. Quase todos estão apenas devolvendo o que receberam da Viúva, pois estudaram em universidades públicas gratuitas, seis deles no Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Alguns, ralando como os meninos que beneficiam.

Além de um núcleo de 17 pessoas, têm a ajuda de 15 voluntários. A idade média do grupo está em menos de 30 anos. O que eles fazem não custa um tostão à Viúva, numa época em que dinheiro da Boa Senhora é usado para construir estádios, e o Rio de Janeiro corre o risco de perder a maior faculdade de Medicina do país — decadente, porém a maior.

Essa turma prefere que se divulgue mais o site do Primeira Chance do que seus nomes. O endereço é primeirachance.org. Vale lembrar que grandes universidades privadas americanas, interessadas em preservar a diversidade de seus alunos, despacham expedições para achar talentos.

Nunca é demais lembrar a frase de Andrew Carnegie, dono da maior fortuna dos Estados Unidos no final do século XIX: “Morrer rico é uma desgraça.”

Em dinheiro de hoje, ele distribuiu bilhões de dólares. Morava num palacete na esquina da Rua 91 com a Quinta Avenida. É mais modesto do que o palácio erguido pelo Barão de Nova Friburgo no Rio de Janeiro.

A mansão de Carnegie foi doada ao governo. Repetindo, doada. O palácio do barão tentou virar hotel, faliu e acabou vendido à Presidência da República por algo como 15 milhões de dólares em dinheiro de hoje. É o Palácio do Catete.

Vão aqui os nomes das empresas que com recursos ou serviços colaboram com o grupo do Primeira Chance:

Colégio Ary de Sá, Colégio Farias Brito, Instituto Ling, Fundação Beto Studart, escritório de advocacia Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey e Quiroga, Yázigi, Adbat/Tesla, Locaweb, Curso Simétrico, Editora VestSeller, Accord, Sindicato da Escolas Particulares do Ceará, Sinepe, Organizze e Insper.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

DA RETÓRICA EM SI MESMA

Honório de Medeiros 
                  
O corpo quer; a razão rechaça; a vontade, árbitro, cede.

Na verdade a Retórica é uma técnica de obtenção e manutenção do Poder. Muito além de uma técnica de persuasão, como propõem alguns teóricos. A persuasão é, apenas, um dos instrumentos da Retórica, tal como a manipulação ou a sedução.

Muito embora se costume dizer que a Retórica seja uma técnica de persuasão, de convencimento, ela é muito mais que isso. Pressupõe a existência, em polos distintos, de alguém a almejar que o Outro faça ou deixe de fazer algo, e a existência desse Outro.

Há uma tentativa de circunscrever a Retórica ao espaço da persuasão, quando a vontade do Outro cede, de motu próprio, posto que convencido, à vontade do persuasor.

Nada menos verdadeiro: na tentativa de persuasão do Outro, por mais ética que tenha sido, uma vez que ocorra, significa que a vontade do persuasor se impôs à do persuadido alterando sua percepção das coisas e dos fenômenos.

Como a ninguém é dada a primazia de saber o que é certo ou errado, se o Outro é persuadido sem que sua percepção das coisas ou fenômenos tenha ocorrido por si mesma, sem interferência externa, então temos, mesmo se inconsciente, uma imposição de vontade.

Evidente que no mundo das verdades da ciência não se há de falar em persuasão: aqui a demonstração lógica se impõe por si mesma.

Nessa perspectiva da persuasão a ocultação inconsciente da intenção da imposição da vontade do persuasor pressupõe, na maioria das vezes, uma crença, a fé nos próprios desígnios de quem persuade. Mas nem sempre é assim. Aquele que tenta persuadir não raro o faz deliberadamente, querendo influenciar o Outro a modificar sua vontade, mesmo respeitando regras éticas no que diz respeito ao seu procedimento, tentando evitar a manipulação. O persuasor pensa: “quero persuadir, não manipular”.

Em tese, seria esse um dos alicerces da Democracia.

A manipulação, por sua vez, é la bête noire da Retórica. Aqui não há limite ético quanto á intenção da alteração da vontade do Outro.

Assim ocorre, também, no que diz respeito à sedução.

Qual a diferença entre manipulação e sedução? Sutil. Somente pode ser percebida por intermédio da introdução da noção de “vontade”.

Essa noção, segundo Hannah Arendt[1], foi introduzida na discussão filosófica por intermédio de São Paulo, em sua famosa Carta aos Romanos. E, através dela, podemos entender que o “eu quero” nem sempre corresponde ao “eu posso”.

Ou seja, minha vontade pode determinar claramente o rumo a ser seguido, entretanto não consigo me colocar em movimento.

Na manipulação[2], mesmo que enganado, vez que manipulado, a vontade do Outro adere à vontade do persuasor; na sedução, a vontade do Outro é contra, mas cede por não ter forças para a recusa.

Na sedução o Outro não é enganado e não muda sua percepção das coisas ou fenômenos, entretanto não é possível resistir ao sedutor.

Seja persuasão, seja manipulação, seja sedução, todas são instrumentos da Retórica, que é uma técnica de Poder, e têm, como objetivo, fazer com que a vontade de quem a utiliza influencie, no sentido de alterá-la, as ações do Outro.


[1] Responsabilidade e Julgamento; ARENDT, Hanna.

[2] Justiça versus Segurança Jurídica e Outros Fragmentos; de MEDEIROS FILHO, Francisco Honório.