quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

DE TIRANIA E SERVIDÃO

Filipe, o Belo


* Honório de Medeiros                               

Finalmente expulsos da Terra Santa pelos Sarracenos em 1302 d.c., os Templários passaram a ter sua imensa riqueza cobiçada no Ocidente por soberanos e nobres, e seu prestígio e privilégios, assegurados até então pelos papas, invejados pelo clero.

Dentre eles, entretanto, nenhum chegou ao extremo de Filipe, o Belo, neto de São Luis, Rei da França.

Com o tesouro esgotado pelas lutas contra os barões feudais na tentativa de fortalecer seu reino e impor sua vontade, Filipe, para muitos o precursor do Estado-Nação, percebeu que muito próximo de si havia riqueza suficiente para saciar sua ambição e desenvolver seus projetos hegemônicos.

O primeiro grande obstáculo a vencer era a Igreja, no seio da qual fora criada a Ordem do Templo, sob as bênçãos de Honório II. Conta Charles G. Addison, historiador inglês, em seu acurado “A História dos Cavaleiros Templários e do Templo”, que “quando da morte do papa Bento IX (em 1304), ele conseguiu, por meio das intrigas do Cardeal Dupré, elevar o arcebispo de Bordéus, uma criatura sua, ao trono pontifical. O novo papa transferiu a Santa Sé de Roma para a França; convocou todos os cardeais a Lyon e ali foi consagrado (1305 d.c.), com o nome de Clemente V, na presença do Rei Filipe e seus nobres.”

O primeiro passo fora dado. A seguir o papa convoca os cavaleiros templários a Bordéus. Em 1307 o Grão Mestre do Templo e sessenta cavaleiros desembarcam na França e depositam o tesouro da Ordem no Templo de Paris. Jamais sairiam de lá.

Entrementes o Rei francês fazia circular diversos boatos sinistros e notícias odiosas a respeito dos Templários por toda a Europa, acusando-os de terem perdido a Terra Santa por não serem bons cristãos.

Depois, com base no depoimento de um cidadão condenado que viria a receber, posteriormente, o perdão real, mandou capturar, no reino, secretamente, todos os membros da Ordem, ao mesmo tempo em que determinava uma devassa nos bens dos Templários. A seguir Filipe endereçou correspondência aos reis europeus exortando-os a acompanhar seu exemplo.

E, então, os acusou dos mais esdrúxulos e inverossímeis crimes, tais como satanismo, sodomia, depravação herética e outros mais. Esses mesmos Cavaleiros Templários que durante centenas de anos derramaram seu sangue nas areias escaldantes da Palestina a serviço da Igreja, com as bênçãos e reverências dos reis da cristandade... 

O resto pertence à história. Torturados, espoliados, dizimados, os templários desapareceram de cena enquanto Filipe de França, e Eduardo, da Inglaterra, bem como o papa Clemente, passaram a mão em sua riqueza. Saliente-se que o Rei de Portugal, à época, não somente se recusou a fazer o mesmo, como deu guarida aos templários fugitivos que para lá se dirigiram.

Em tempos mais recentes, nos famosos expurgos realizados na União Soviética, a criação de crimes imaginários por parte da máquina do Estado a serviço de Stalin conduziu milhares de russos ao pelotão de fuzilamento ou aos campos de concentração. Quem desejar ler acerca do “modus faciendi” da máquina de acusação recomendo “O Zero e o Infinito”, do hoje esquecido Arthur Koestler, uma crítica contundente ao despotismo estalinista.

Esses fatos demonstram algo: em primeiro lugar, no que diz respeito à luta pelo Poder e sua manutenção, nada é novo, tudo é contemporâneo da existência do Homo Sapiens na face da terra; em segundo, não podemos permitir a concentração de Poder nas mãos de quem quer que seja; e, em terceiro, seja qual seja o credo ou ideologia, se favorecemos a concentração de Poder nas mãos de um,  ou de alguns, muitos irão sofrer as consequências no futuro.

Tais afirmações dizem respeito a qualquer agrupamento no qual o Homem viva em Sociedade. Tanto pode ser em família quanto, por exemplo, em uma Sociedade como a dos Estados Unidos da América, onde os métodos utilizados pelos seus serviços secretos, hoje em dia, aos poucos vão estrangulando as liberdades civis sob o falso argumento de proteção da segurança do País e seus habitantes. 

Na verdade o grande profeta dos últimos tempos acerca do exercício do Poder e suas decorrências foi George Orwell, em “A Revolução dos Bichos”; quanto à falta de legitimidade dos que o exercem, é de se render homenagens a Étienne de la Boétie e seu fabuloso “Discurso Acerca da Servidão Voluntária”.

Quão imensa é a vocação do Homem para a tirania e a servidão...

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

ATÉ PARA FAZER O MAL É PRECISO TALENTO


Honório de Medeiros


Napoleão tinha Fouché, seu sombrio e oblíquo Chefe da Polícia e Serviço Secreto, que morreu Duque de Otranto, após ser regicida; Portalis, seu jurista (o de Getúlio foi Chico Campos, criador da "Polaca", conhecido como "Chico Ciência"); Talleyrand, seu Ministro do Exterior.

O resto era perfumaria.

Alguém, com o Poder nas mãos, nos dias de hoje, precisa ter um também um Financeiro e um Planejador/Operador/Coordenador.

Nada mais.

Napoleão era, ele mesmo, esse Planejador/Operador/Coordenador. E quanto a Getúlio? Seria diferente? Creio que não.

Um Governo, para funcionar de alguma forma, precisa dizer claramente aos que o servem o que dele se quer. Claramente. Fiscalizar, assiduamente. E cobrar, sempre.

Por pior que seja o homem público no exercício do Governo ele não quer, para si, o ônus de ser chamado de incompetente.

Aliás, como bem está posto no "Príncipe", de Maquiavel, até para fazer o mal é preciso talento...

DE ENCONTROS


Honório de Medeiros



Não gosto de marcar encontros.
Deixo ao sabor do acaso, vê-la (o).
Assim, saio quando quiser,
Ou fico, caso queira.
E não lhe magoo.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

DE CINISMO




Honório de Medeiros


Deu-se que não se sabe se as elites políticas são cínicas por ignorância ou ignorantes por cinismo.

OS TEMPOS QUE VIRÃO




Honório de Medeiros


Para os tempos que virão,
Ó Pai, comprei armas.
Não me condene, peço-Lhe,
A palavra se tornou vã.

Lutarei pelos meus, creio,
Pelo pão de cada dia.
Pelo cobertor, a água de beber,
Serei duro, cruel, insensível.

Estamos condenados, Pai?
Somos todos o Mal?

Do que se alimenta esse horror,
A miséria, a doença, as trevas?

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

ADVOGADOS PROTESTAM CONTRA COBRANÇA DA ANUIDADE E PEDEM EXPLICAÇÕES À OAB


NADA DE NOVO SOB O SOL

Eugène François Vidocq


* Honório de Medeiros



Não há nada de novo sob o sol. Seguimos aparentemente em frente, para destino ignorado, permanecendo os mesmos de tanto tempo atrás, enquanto as formas, os instrumentos, os meios que são nossa criação, mas dos quais somos reféns, para lidar conosco, fenômenos e coisas, tornam-se cada vez mais complexos e e fugazes, em uma espiral, um "vir-a-ser", como diria Nietzche, de proporções incalculáveis.

Essência imutável, forma evanescente.

Leio em "Os Crimes de Paris", de Dorothy e Thomas Hoobler, acerca de Vidocq, um personagem maior que sua vida. "Depois de cometer vários crimes na juventude, trocou de lado e se aliou à polícia. Foi o primeiro chefe da Súrete, o equivalente francês do FBI, e modelo para vários personagens da literatura", dizem-me eles.

Fascínio antigo esse meu por Vidocq. Camaleônico, sofisticado, indecifrável, também foi o criador da primeira agência de detetives do mundo, o "Bureau de Reinseignements", ou Agência de Inteligência. Que outro, além de um francês, criaria uma agência de detetives com esse nome?

Inspirou Maurice Leblanc na criação do célebre Arsène Lupin, O Ladrão de Casaca, que eu lia, fascinado, na adolescência, graças à bondade de um colega de ginásio, na Mossoró que não existe mais. Como inspirou, também, além de muitos outros, tais como Alexandre Dumas, Victor Hugo e Eugène Sue, o ainda mais célebre personagem de Balzac, Vautrin, presente em vários livros da "Comédie Humaine".

Em certo momento, lá para as tantas, Vautrin explica o mundo:

"-E que lodaçal! - replicou Vautrin. - Os que se enlameiam em carruagens são honestos, os que se enlameiam a pé são gatunos. Tenha a infelicidade de surrupiar alguma coisa e você ficará exposto no Palácio da Justiça como uma curiosidade. Furte um milhão e será apontado nos salões como um modelo de virtude. Vocês pagam 30 milhões à polícia e à justiça para manter essa moral... Bonito, não é?"

Como diria minha mãe: "vão-se os anéis, sempre permanecem os dedos..."

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

UMA OBRA A MAIS, UMA POLÍTICA PÚBLICA A MENOS




* Honório de Medeiros


Há uma lógica perversa induzindo a opção por privilegiar obras físicas em detrimento de políticas públicas nos governos brasileiros, sejam estes quais sejam, municipais, estaduais, ou mesmo federais. Tal lógica é ainda mais perversa porque praticamente exclui a opção pelas políticas públicas, entendidas estas “como as várias funções sociais possíveis de serem exercidas pelo Estado, tais como saúde, educação, previdência, moradia, saneamento básico, entre outras”, no dizer de Antônio Sérgio Araújo Fernandes, Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Políticas Públicas da UNESP/Campus Araraquara, em “Políticas Públicas: Definição, Evolução e o Caso Brasileiro”.

Em primeiro lugar, a opção por obras físicas, QUANDO RESULTADO DESSA INDUÇÃO, é conseqüência de demandas específicas, a das grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados e, também, convenhamos, conseqüência de esses empresários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, da elite política, quando não são o que comumente chamamos, no Brasil, de “laranjas”, ou seja, títeres dos próprios políticos.

Em segundo lugar, a opção por obras físicas é, também, conseqüência de outra demanda específica, qual seja a necessidade de encher os cofres vazios da elite política vencedora dos pleitos eleitorais aos quais se candidataram, bem como construir reserva financeira para as futuras demandas político-partidárias.

Em terceiro lugar, a opção por obras físicas é, por fim, conseqüência de ainda outra demanda específica: a de gerar condições de manutenção e aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão pública, sob a alegação (interna) de que estes não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o serviço público (o chamado “por fora”).

Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras e serviços e, como conseqüência, por intermédio do Tesouro, financiá-las – consome o que sobra, no orçamento, em termos de recursos, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal, isso na maioria das vezes com manipulação orçamentária, sem praticamente nada deixar para a efetivação de políticas públicas.

A manipulação, persistente, o gerenciamento dolosamente equivocado das finanças públicas, se mantém, obviamente, com a leniência dos Órgãos fiscalizadores, seja por desídia, seja por incompetência. Ano após ano a Constituição Federal é desrespeitada e seus princípios norteadores, no que dizem respeito à Educação e Saúde, entre outros, adquirem o perfil de “letras mortas”.

Esse "sistema" cínico e predatório engendra uma custosa publicidade com o objetivo de persuadir os inocentes úteis acerca dos bons propósitos de toda obra e qualquer serviço que estejam sendo feitos nos moldes descritos acima. Assim, toda e qualquer obra e serviço surgem, na publicidade, como decorrência de uma “demanda social” e se destinam ao “desenvolvimento sustentado”. Obras e serviços por intermédio dos quais circula o capital financeiro da elite política, para perpetuar a expropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia.

E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, a luta contra a mortalidade infantil, a luta pela qualidade do ensino em todos os graus, a luta pela queda dos índices de homicídios, latrocínios, furto, a luta pelo saneamento básico, a luta pela melhoria do sistema prisional, enfim tudo que não dá retorno financeiro é deixado de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente, apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.

Vejamos o que nos dizem, por exemplo, Admir Antonio Betarelli Junior, Edson Paulo Domingues e Aline Souza Magalhães em seu estudo “QUANTO VALE O SHOW? IMPACTOS ECONÔMICOS REGIONAIS DA COPA DO MUNDO 2014 NO BRASIL”, encontrável no Google, sob o título acima. Leiam com atenção:

“Os resultados analisados neste trabalho dizem respeito aos impactos dos investimentos em infra-instrutora urbana e estádios programados para a Copa-2014 anunciados pelo Ministério do Esporte no início de 2010. A literatura de economia dos esportes costuma elencar outros impactos advindos dos eventos esportivos, como por exemplo: ampliação dos setores de serviços e hotelaria; fluxo adicional de turistas no evento e pós-evento; e exposição internacional do país, com atração de investimento externo. Entretanto, tais impactos, se existem, são de difícil mensuração e projeção. Por exemplo, diversos especialistas em economia do turismo (e.g. Matheson, 2002) consideram que um mega-evento como a Copa do Mundo apenas substitui turistas usuais no país-sede por “turistas-copa”, e mesmo estes podem efetuar um dispêndio no país significativamente menor, tendo em vista os gastos com ingressos e deslocamentos para o evento.

O principal resultado da Copa-2014 parece ser a melhoria da infra-instrutora urbana nas cidades-sede, o que representa efetivamente impacto de longo prazo na eficiência econômica de diversas cidades. Além disso, este trabalho destacou as opções de financiamento dos investimentos da Copa-2014, e sinalizou que o impacto econômico tende a diminuir com o financiamento público para as obras de estádios de futebol, uma vez que implicam ou no crescimento da dívida pública ou na redução do gasto das diferentes esferas de governo envolvidas. Embora no Brasil o futebol seja a “paixão nacional”, não se vislumbra uma forma de avaliar o ganho de bem-estar das famílias com a reforma e construção de estádios de futebol, de uso essencialmente dos clubes de futebol ou eventos comerciais. Provavelmente, um ganho mais importante de bem-estar ocorrerá com a vitória brasileira na Copa-2014.”

Ou seja, os impactos econômicos favoráveis são como miragens no deserto. E estão os autores abordando única e exclusivamente o viés econômico do evento. Não está sendo abordado o dano incalculável em termos de políticas públicas não gestadas e implementadas pela falta de financiamento governamental.

Obviamente que há toda uma plêiade de estatísticas justificando os investimentos do Governo. Não é nada difícil manipular estatísticas. Difícil é admitir que fazer calçamento ou construir um estádio possa ser melhor que educar crianças, melhorar o atendimento médico-hospitalar ou diminuir as estatísticas da violência urbana e rural.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

CRISE ORÇAMENTÁRIA/FINANCEIRA DO RN

Honório de Medeiros



Consta que desde o ano passado o pagamento da folha de pessoal do Estado do Rio Grande do Norte é feito por ofício.

Ou seja, o Governo manda um ofício para o Banco do Brasil e este, como dispõe do dinheiro, efetua o pagamento.

E o quê estaria faltando, então?

A regularização orçamentária/contábil.

Sem essa regularização, o próprio Governo fica sem o controle da execução orçamentária/contábil/financeira do seu, meu, nosso dinheiro.

Imagine que você sai soltando cheques por aí sem lastro em seu orçamento. Mesmo que você tenha dinheiro paga paga-los, em um certo momento, um pouco mais para a frente, você já não sabe a quem deve pagar, quanto, e como. 

Instala-se o caos. É mais ou menos assim. O dinheiro vai para o ralo, por falta de controle.

Deus queira que não seja verdade. Se for, somente Ele sabe o dano que tudo isso pode nos causar.

Quem poderia esclarecer a verdadeira situação financeira/orçamentária do Estado, qual seja o Tribunal de Contas, apêndice da Assembléia Legislativa que, como dizem os demagogos, "é a casa do Povo", não se pronuncia.

Nem o Tribunal de Contas, tampouco a Assembléia Legislativa, sequer o Ministério Público.

Resta-nos a Igreja que sempre nos disse ser intermediária entre Deus e os homens...

domingo, 26 de janeiro de 2014

ESTAMOS FAZENDO PAPEL DE TOLOS


* Honório de Medeiros


Assim, aos poucos, os VÂNDALOS cumprem o papel para o qual foram instrumentalizados e são pagos, qual seja o de 1) afastar a classe média das ruas, das manifestações contra o Governo; 2) justificar a colocação das forças armadas nas ruas, durante a Copa, criando bolhas de "padrão FIFA" nos entornos dos estádios e lugares onde ficarão alojadas as delegações, enquanto do lado de fora o caos social continuará seu crescimento, como se pode perceber no que diz respeito a segurança pública, saúde, educação, infra-estrutura, e por aí vai, graças, tudo isso, a nossas elites dirigentes...

Enquanto isso, também, os inocentes úteis e os não-inocentes inúteis - estes bem pagos - engrossam o caldo de idiotização, nas redes sociais, do brasileiro, condenado a rir qual um tolo daquilo que não entende e de si mesmo, a se iludir com o circo que lhe proporcionam a conta-gotas, ao tempo em que é alvo dos predadores de sempre, estes, sim, rindo seus risos de hienas saciadas ao decidirem o destino da massa alienada!

sábado, 25 de janeiro de 2014

DE SOLTEIRONAS




* Honoré de Balzac
"O CURA DE TOURS"


"Não têm todas as solteironas um talento particular para acentuar as ações e as palavras que os ódios lhes sugere? Arranham como gatos. E, além disso, não somente ferem, mas sentem prazem em ferir e em mostrar à vítima que a feriram."


Arte: ventodoagreste.blogspot.com

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

NÃO, AMIGO VELHO!


* François Silvestre 


Um comentário raivoso, de uma petista daqui da Serra, desejando me ver morto num asilo, num português pré-alfabetizado, fez-me rir. Coisas do contracheque. Mas há um e-mail, também de um conhecido de longa data, figura sensata, merecedora do meu afeto e admiração, que me pergunta: “Guinou à direita, poeta de Mãe-Guilé”? Não, amigo velho. Quem guinou à direita foram vocês. O que é aliar-se a Maluf? Ser correligionário de Collor? Defender Sarney? Em vez de revisar as privatizações criticadas, privatizar alterando apenas a nomenclatura? Passear pelo Brasil aos abraços com José Maria Marin, financiador de torturadores? Ter candidato ao governo do Rio de Janeiro que se alia a Silas Malafaia numa cruzada de costumes? Você estava no Teatro Alberto Maranhão, lembra?, quando Vital Farias, Elomar, Geraldo Azevedo e Xangai recitaram um poema meu e foram criticados, aos gritos, por um grupo de petistas, que me chamaram de burguês e renegado. Naquele tempo vocês eram a esquerda à esquerda. mesmo sem o currículo da luta que lhes presentou a liberdade. E eu era o burguês. E ainda sou. Mudei de opinião em muita coisa, mas não inocento a Direita nem anistio o Fascismo. Vocês guinaram e guinaram feiamente. Mas isso não altera o afeto que lhe devoto. Suba a Serra, que aqui tem jandaça, cerveja, bóia e rede ampla. Coisas de burguês.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A DESCARADA FEIURA DA BELEZA

* François Silvestre


O Estádio Arena das Dunas é belo? Não. É belíssimo! Ricamente belo. O Hospital Walfredo Gurgel é feio? Não. É horrível. Pobremente feio. Os hotéis da Via Costeira são belos? Ricamente belos. Os outros hospitais públicos do Estado são choupanas que cheiram a iodo podre. E as escolas públicas? E as delegacias de polícia? E o serviço de segurança? Não levem as autoridades federais a passarem nem perto dos hospitais, nem das delegacias, nem das escolas, nem dos postos de saúde. Não. Eles não podem sair daqui com má impressão da nossa terra de Cascudo. Levem as autoridades federais e os visitantes estrangeiros para a Arena das Dunas. Depois ponham capuzes neles ao saírem dali para outras localidades. Não deixem eles verem a nossa pobreza, nossa sujeira, nossa miserabilidade. E digam a eles que não ouçam os reclamos dessa gente ingrata. Com uma Arena dessas, só os ingratos reclamam de hospitais imundos, escolas fechadas, delegacias caindo, homicídios diários, assaltos constantes, pedintes nos semáforos, salários atrasados, inadimplência com fornecedores, adutoras sem canos, tudo gente do contra. Vamos engrossar o time, ops, dos a favor. Quem for a favor da sacanagem levante o braço. Quem for contra levante outra coisa…

domingo, 19 de janeiro de 2014

OS CAÇADORES DE CABEÇAS DO ANDAR DE BAIXO

Elio Gaspari, O Globo


Em 2011, um grupo de jovens executivos colocou-se a seguinte questão: o que se pode fazer para ajudar uma criança pobre que tem um brilhante desempenho escolar e enfrenta a lei da gravidade social que tenta retê-la no andar de baixo? Nasceu assim o Primeira Chance.

Ontem, em Fortaleza, cinco desses executivos passaram o dia entrevistando 35 jovens que cursam o ensino fundamental em escolas públicas. Quando tiverem terminado o serviço, estarão escolhidos os garotos e garotas que cursarão o ensino médio como bolsistas nas duas melhores escolas da cidade (Ari de Sá e Farias Brito). Resolvido? Como diria Fred Astaire, o segredo de um bom dançarino está em dar aos outros a impressão de que é fácil.

Os executivos do Primeira Chance ralaram. Como achar os garotos? Fácil. Selecionaram 250 crianças do ciclo fundamental bem colocadas em olimpíadas de conhecimento, como as de Matemática, Português, Ciências e Física. Como contatá-los? Pedindo ajuda às escolas?

Não dá certo, muitos diretores temem que lhes queiram roubar os bons alunos. Mandando-se uma carta ao aluno, para o endereço do colégio, ele vai recebê-la. Resolvido? Nem sempre. Um garoto não tinha telefone (móvel ou fixo) em casa. Para chegar a ele foi preciso ligar para a residência onde sua tia trabalhava como empregada doméstica.

Em todo o processo, o Primeira Chance busca crianças que, além de terem bom desempenho, mostrem uma surpreendente capacidade de batalhar pelo que querem. Um menino sem pai, com mãe e avó analfabetas, tinha medalha olímpica de Matemática. Aos 10 anos, soubera que na cidade da avó havia uns austríacos que ensinavam inglês de graça.

Mudou-se para a casa dela. Seis anos depois, sua entrevista em Fortaleza deu-se em inglês. Ele também descobriu uma professora de Matemática que lecionava para pobres e colocou-se sob sua proteção.

Das 250 cartas enviadas, tiveram 75 respostas, e os candidatos foram convidados para uma prova e uma entrevista. A renda média de suas famílias era de R$ 1 mil por mês. Feito? Nada. Metade deles não veio.

Um garoto que tinha duas medalhas de olimpíadas não poderia sair de sua cidade (Jijoca de Jericoacoara) a sete horas de Fortaleza, pois não tinha como pagar o ônibus. A turma do Primeira Chance cacifou as passagens, e ele veio com o pai, que trazia consigo currículos para tentar um emprego de porteiro na capital caso o filho se desse bem.

Catapultados para boas escolas como a Ari de Sá ou a Farias Brito, resolvia-se apenas uma parte do problema. Faltava o resto. Os colégios dão os livros, e o Primeira Chance cobre as despesas de material, transporte e alimentação.

Em alguns casos, pagam também a hospedagem num pensionato. Um garoto jamais calçara sapatos, usava sandálias artesanais. Pela lei da gravidade, quando terminasse o ciclo fundamental, iria para a roça do pai.

Cada jovem amparado pelo Primeira Chance ganha um mentor que acompanha seu desempenho, com quem se comunica durante todo o tempo em que cursa o ensino médio e se capacita para o vestibular. Um bolsista custa R$ 4 mil por ano. Tendo começado em 2011, o grupo de executivos já deu 14 bolsas.

O garoto que foi morar com a avó analfabeta para estudar inglês ganhou mais três medalhas olímpicas, foi aprovado nos vestibulares do Instituto Militar de Engenharia e do Insper, que oferece bolsas para jovens do Primeira Chance. O menino de Jijoca de Jericoacoara ganhou mais uma medalha na Olimpíada de Física e passou no vestibular do IME quando ainda cursava o segundo ano do ensino médio.

Nenhum dos executivos do Primeira Chance é milionário. Quase todos estão apenas devolvendo o que receberam da Viúva, pois estudaram em universidades públicas gratuitas, seis deles no Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Alguns, ralando como os meninos que beneficiam.

Além de um núcleo de 17 pessoas, têm a ajuda de 15 voluntários. A idade média do grupo está em menos de 30 anos. O que eles fazem não custa um tostão à Viúva, numa época em que dinheiro da Boa Senhora é usado para construir estádios, e o Rio de Janeiro corre o risco de perder a maior faculdade de Medicina do país — decadente, porém a maior.

Essa turma prefere que se divulgue mais o site do Primeira Chance do que seus nomes. O endereço é primeirachance.org. Vale lembrar que grandes universidades privadas americanas, interessadas em preservar a diversidade de seus alunos, despacham expedições para achar talentos.

Nunca é demais lembrar a frase de Andrew Carnegie, dono da maior fortuna dos Estados Unidos no final do século XIX: “Morrer rico é uma desgraça.”

Em dinheiro de hoje, ele distribuiu bilhões de dólares. Morava num palacete na esquina da Rua 91 com a Quinta Avenida. É mais modesto do que o palácio erguido pelo Barão de Nova Friburgo no Rio de Janeiro.

A mansão de Carnegie foi doada ao governo. Repetindo, doada. O palácio do barão tentou virar hotel, faliu e acabou vendido à Presidência da República por algo como 15 milhões de dólares em dinheiro de hoje. É o Palácio do Catete.

Vão aqui os nomes das empresas que com recursos ou serviços colaboram com o grupo do Primeira Chance:

Colégio Ary de Sá, Colégio Farias Brito, Instituto Ling, Fundação Beto Studart, escritório de advocacia Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey e Quiroga, Yázigi, Adbat/Tesla, Locaweb, Curso Simétrico, Editora VestSeller, Accord, Sindicato da Escolas Particulares do Ceará, Sinepe, Organizze e Insper.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

DA RETÓRICA EM SI MESMA

Honório de Medeiros 
                  
O corpo quer; a razão rechaça; a vontade, árbitro, cede.

Na verdade a Retórica é uma técnica de obtenção e manutenção do Poder. Muito além de uma técnica de persuasão, como propõem alguns teóricos. A persuasão é, apenas, um dos instrumentos da Retórica, tal como a manipulação ou a sedução.

Muito embora se costume dizer que a Retórica seja uma técnica de persuasão, de convencimento, ela é muito mais que isso. Pressupõe a existência, em polos distintos, de alguém a almejar que o Outro faça ou deixe de fazer algo, e a existência desse Outro.

Há uma tentativa de circunscrever a Retórica ao espaço da persuasão, quando a vontade do Outro cede, de motu próprio, posto que convencido, à vontade do persuasor.

Nada menos verdadeiro: na tentativa de persuasão do Outro, por mais ética que tenha sido, uma vez que ocorra, significa que a vontade do persuasor se impôs à do persuadido alterando sua percepção das coisas e dos fenômenos.

Como a ninguém é dada a primazia de saber o que é certo ou errado, se o Outro é persuadido sem que sua percepção das coisas ou fenômenos tenha ocorrido por si mesma, sem interferência externa, então temos, mesmo se inconsciente, uma imposição de vontade.

Evidente que no mundo das verdades da ciência não se há de falar em persuasão: aqui a demonstração lógica se impõe por si mesma.

Nessa perspectiva da persuasão a ocultação inconsciente da intenção da imposição da vontade do persuasor pressupõe, na maioria das vezes, uma crença, a fé nos próprios desígnios de quem persuade. Mas nem sempre é assim. Aquele que tenta persuadir não raro o faz deliberadamente, querendo influenciar o Outro a modificar sua vontade, mesmo respeitando regras éticas no que diz respeito ao seu procedimento, tentando evitar a manipulação. O persuasor pensa: “quero persuadir, não manipular”.

Em tese, seria esse um dos alicerces da Democracia.

A manipulação, por sua vez, é la bête noire da Retórica. Aqui não há limite ético quanto á intenção da alteração da vontade do Outro.

Assim ocorre, também, no que diz respeito à sedução.

Qual a diferença entre manipulação e sedução? Sutil. Somente pode ser percebida por intermédio da introdução da noção de “vontade”.

Essa noção, segundo Hannah Arendt[1], foi introduzida na discussão filosófica por intermédio de São Paulo, em sua famosa Carta aos Romanos. E, através dela, podemos entender que o “eu quero” nem sempre corresponde ao “eu posso”.

Ou seja, minha vontade pode determinar claramente o rumo a ser seguido, entretanto não consigo me colocar em movimento.

Na manipulação[2], mesmo que enganado, vez que manipulado, a vontade do Outro adere à vontade do persuasor; na sedução, a vontade do Outro é contra, mas cede por não ter forças para a recusa.

Na sedução o Outro não é enganado e não muda sua percepção das coisas ou fenômenos, entretanto não é possível resistir ao sedutor.

Seja persuasão, seja manipulação, seja sedução, todas são instrumentos da Retórica, que é uma técnica de Poder, e têm, como objetivo, fazer com que a vontade de quem a utiliza influencie, no sentido de alterá-la, as ações do Outro.


[1] Responsabilidade e Julgamento; ARENDT, Hanna.

[2] Justiça versus Segurança Jurídica e Outros Fragmentos; de MEDEIROS FILHO, Francisco Honório.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A RETÓRICA DOS OBJETOS

Honório de Medeiros


“Ser é perceber” (George Berkeley, 1685-1753).

Os objetos falam.

Existe uma diferença entre “ver” e “enxergar”, sabemos disso[1]. Quando “vemos”, percebemos.

Os objetos, se percebidos, dizem-nos muito.

Imagine que você seja um advogado que foi introduzido na biblioteca de um potencial cliente para discutir com ele acerca de um futuro contrato de honorários. Você não se preparou para o encontro, seja porque não teve tempo, seja porque confia em sua capacidade de persuasão.

Ao aguardar a chegada do seu possível futuro cliente em sua (dele) biblioteca se admira com a organização reinante: livros limpos, organizados por tema e, nesses nichos, os autores postados em ordem alfabética.

A biblioteca condiz com o ambiente no qual ela repousa. Os outros objetos do espaço circundante também prima pela limpeza e organização: não há nada fora do lugar.

Esses objetos dizem que seu dono é alguém, portanto, organizado, até mesmo meticuloso.

Qual a probabilidade de você convencê-lo nesse encontro para o qual não está devidamente preparado com dados, documentos, legislação, jurisprudência e, até mesmo, doutrina?

Quase nenhuma.

Existe uma retórica dos objetos, chamemo-la assim, na falta de uma denominação melhor. O que se quer dizer é que “os objetos dizem, expressam algo”. E é fundamental conhecê-la para quem se interessa em “decifrar” o meio com o qual interagimos.

Ramo da Retórica dos Objetos é a publicidade. Usa a técnica da Retórica dos Objetos para induzir associações de idéias que promovam o consumo.

Na Retórica dos Objetos é fundamental a noção de “estranhamento”. É por intermédio do “estranhamento” que decodificamos os objetos.

E o que seria o “estranhamento”? É algo difícil de conceituar, tal como a liberdade. Sabemos o que esta é, mas não sabemos dizer com propriedade o que ela é.

Em certo sentido “estranhamento” é uma desarmonia em relação ao padrão comum. Tal qual uma arte marcial, tornar-se hábil em captar essa desarmonia demanda contínuo exercitar-se até o limite do possível.

Recordemos o exemplo acima. Para alguém acostumado a perceber, a organização limpa e meticulosa da biblioteca do cliente chama a atenção por fugir do padrão comum. Ao conectar essa constatação com a que resulta do “ver” os restantes dos objetos espalhados pelo ambiente, torna-se possível fazer alguma inferência, ou elaborar alguma hipótese, para sermos mais precisos, acerca da personalidade do seu proprietário.

Em episódio bastante interessante da série “The Mentalist”, agentes do FBI buscam, em uma sala, uma câmera de vídeo escondida. As outras já foram encontradas e estavam postadas em lugares óbvios. O personagem principal, Patrick Jane, ao ser introduzido na sala, observa que um determinado espelho estava colocado em uma altura um pouco acima do normal. Levanta-se o espelho e lá está a câmera procurada. Mas como essa câmera filmava através do espelho? Patrick sabia que os ilusionistas usam muito um tipo de espelho que permite a quem está por trás visualizar através dele. A noção de “estranhamento” permitiu a localização imediata da câmera procurada.

Em outro episódio, esse bastante conhecido na literatura policial, Sherlock Holmes chama a atenção de Dr. Watson para o cão da propriedade onde acontece a investigação. Dr. Watson retruca informando que o cão não latiu. Sherlock pondera, então: “por isso mesmo”.

Ou seja, Sherlock vivenciou, ali, essa sensação de estranhamento.

Um exemplo, pinçado da literatura, explica melhor a teoria acima:

"Enquanto se movimentavam pela pista, ele estudou o marido com olhos profissionais, de caçador tranquilo. Estava acostumado a fazê-lo: esposos, pais, irmãos, filhos, amantes das mulheres com quem dançava. Homens, enfim, acostumados a acompanhá-las com orgulho, arrogância, tédio, resignação e outros sentimentos igualmente masculinos. Havia muitas informações úteis nos alfinetes de gravata, nas correntes de relógio, nas cigarreiras e nos anéis, no volume das carteiras entreabertas diante dos garçons, na qualidade e no corte do paletó, nas listras de uma calça ou no brilhos dos sapatos. Até mesmo na forma de dar o nó na gravata. Tudo dera material que permitia a Max Costa estabelecer métodos e objetivos ao compasso da música; ou, dizendo de modo mais prosaico, passar de danças de salão a alternativas mais lucrativas." (O TANGO DA VELHA GUARDA; Arturo Pérez-Reverte). 





[1] http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2011/11/ver-e-enxergar-acionam-regioes-diferentes-do-cerebro-diz-estudo.html

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A RETÓRICA DO CORPO



Honório de Medeiros                                                       

O corpo fala. E o que ele diz é o objeto de estudo da Retórica do Corpo. 

É técnica complexa, essa de entender o que o corpo fala. Em a dominando, o especialista “percebe”, ao invés de apenas “ver”, as mensagens que as pessoas enviam por intermédio dos muitos e complexos sinais emitidos por seu corpo durante a interação social ou mesmo isoladamente. 

Claro que em um nível muito básico todos somos capazes de distinguir o óbvio, em se tratando de retórica do corpo: se alguém, na nossa frente, cruza e descruza os braços repetidamente, e muda as posições dos pés com insistência, é muito provável que esteja imersa em ansiedade. 

Em outros níveis a tarefa de decodificar a linguagem do corpo se torna bem mais complexa, e envolve fisiologia, psicologia, capacidade de inferência e análise, princípios de estratégia e tática, e assim por diante. 

Na imagem vista acima, a linguagem do corpo dos dois protagonistas é quase exposta aos berros. Ou seja, é fácil perceber o que se passa internamente em cada um deles, a partir do que seus corpos expressam. 

Por exemplo, Roseana Sarney: 

Consideramos, “a priori”, que o corpo humano se expressa fundamentalmente via abdômem, tórax e cabeça. O restante do corpo corrobora a mensagem enviada por essas suas três partes. 

O abdômen diz a vida instintiva, o tórax a vida emocional, e, a cabeça, a vida mental. 

Observemos Roseana Sarney no momento em que se manifesta publicamente acerca do horror vivido recentemente no setor penitenciário maranhense, e que foi fartamente veiculado pela mídia nacional e internacional. 

Sua postura geral é de recuo, como se estivesse sendo atacada. É a mesma postura de alguém que foge de um golpe inesperado. Essa postura de recuo reflete a linguagem do abdômen (instinto) e tórax (emoção): “defenda-se ou fuja”. 

Ela, a Governadora, escolheu defender-se, contra-atacando. Não tinha outra opção. É o que se percebe da posição dos seus braços, extensão do tórax, que apontam, como lanças, para aqueles que a atacam com questões “impertinentes”, enquanto os dedos, apontando para cima, ou seja, para a cabeça, tentam impor aquilo que ela diz, seu discurso: "prestem atenção no que eu digo". 

O olhar esbugalhado e a testa franzida demonstram a ira em ter sua posição de “dona do pedaço” sobre ataque, acusando o golpe mal assimilado, porque em desconformidade com o que ela deseja e espera. A cabeça recuada, e o queixo erguido, nos induz a leitura de uma postura arrogante, tipo “com quem você pensa que está falando? Quem determina aqui as regras do jogo sou eu!”. 

Trocando em miúdos: posição de defesa, e contra-ataque arrogante, típica de um “coronel de saias”. 

Olhando atentamente para a cena, o Ministro da Justiça é a própria expressão da contrariedade com tudo que está acontecendo. Ele está contrariado por estar ali, por estar vendo o que está vendo, por estar escutando o que está escutando. 

Seu corpo diz isso. 

Observe-se o braço cruzado por sobre o abdômen e o tórax. É como se ele estivesse reprimindo sua raiva, contendo suas emoções. O outro braço, conectado ao primeiro, obstrui a boca, como se a reprimisse de dizer aquilo que deseja. A boca é, na cabeça, como que uma extensão do abdômen: por seu intermédio, comemos; e o abdômen, como dito acima, representa o instinto básico do ser humano. 

A cabeça do Ministro, ou seja, a razão, também está contida pela mão. Sua postura, reprimida em todos os três quadrantes fundamentais do corpo, é de absoluto incômodo com a situação pela qual está passando e é corroborada pela expressão da região dos olhos, onde despontam as sobrancelhas erguidas e as pálpebras baixadas, típicas de desaprovação e desprezo. 

A Retórica do Corpo, quando em consonância com a Retórica da Expressão Oral e Textual, assim como com a Retórica das Coisas, proporciona uma interessante possibilidade de percepção da realidade e, até mesmo, de interferência na realidade. 

A questão que remanesce diz respeito ao uso ético dessa técnica.

domingo, 12 de janeiro de 2014

CARTA PARA OTHONIEL NO AZUL




Laélio Ferreira

“Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades
...............................................................
...............................................................
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá
Preta”
(“Meu Caro Amigo”, de Chico Buarque de Holanda)

"Seu" Othoniel, me abençoe.

Aqui está a sua Obra Reunida.

Compromisso cumprido, comigo mesmo.

Fiz o que pude, meu velho. Foram madrugadas sofridas, adiamentos, angústias, muita saudade. Relendo tudo o que escreveu, revisando e redigindo as notas – vão me chamar de prolixo, aposto! –, avivaram-se na cachola setentona as lembranças de tudo quanto sofreu: as perseguições que lhe fizeram; a sua pobreza digna, altiva e ao mesmo tempo resignada; a doença, o auto-exílio, a saudade de Natal, a perda de Maria.

Nas notas que redigi, as amargas, sobre indivíduos, pessoas, segui conselho do velho Balzac ("Pode perdoar-se, mas esquecer, isso é impossível"). Aos que lhe fizeram mal, perdoei alguns, poucos.

Dos outros, não esqueci nenhum: os nominei e sobre eles fiz registro merecido.

Há poucos dias, completei setenta e uma safras de caju, aqui mesmo, na ocara grande do mestre-de-campo Filipe Camarão. Há quarenta, logo depois de Mamãe, o senhor, saudoso da terra, exilado e esquecido no Rio de Janeiro, partiu para o Azul.

Diz o povo – aqui, neste planeta amalucado – que a vida é
frágil, que passa. Ficaram, porém, para mim, intangíveis, as suas obras, as lembranças, as saudades – repito. Permanecem, como impressões que o tempo atenua, mas não apaga. A eternidade tem a duração da memória de quem nos ama. Passamos pela vida dos outros deixando nossa imagem numa frase, num verso, no rosto de um descendente.

E quanto lhe tenho vislumbrado por cá, meu velho! Nos meus filhos, nuanças das coisas que eram tão suas: sorrisos desconfiados, recolhimentos, alegrias. Neles, vejo, sempre comovido, tudo isso e até mais nos gestos, modos de andar, alguns tiques, nas vozes, nos olhos deles todos – filhos e netos. Noto-me, ainda, muito parecido com o senhor, "incompreendido e incompreendendo" quanta coisa deste mundão cá de baixo, com a mesmíssima larga aversão à mediocridade provinciana. Já houve quem nos chamasse, aos dois, pai e filho, de "irritadiços". Valeria, pois, para ambos, aquele contundente e velho conselho sertanejo de que "não se pode discutir com um burro sem ter um pedaço de pau na mão?"

Vosmecê, meu pai, bem sabe que deixei os versos comportados muito cedo por muitas razões, limitando-me, nas horas vagas, às glosas sacanas, fesceninas, quase sempre de crítica e desabafo, metendo a catana numa pá de gente – às vezes, até, me arrependendo por algumas grosserias: a velha história de "não perder o mote".

Poesia e cultura –"agricultura insana da cabeça" – nunca rimaram com felicidade material, fortuna. O senhor mesmo dizia a Esmeraldo Siqueira, naquelas cavaqueiras das "hemiplégicas poltronas" lá de casa, que o único poeta que tinha dado certo, naquela sua época, era o Augusto Frederico Schimidt – milionário amigo e ghostwriter de Juscelino, embaixador e dono de supermercados.

Fui à vida, à liça, muito cedo, sem nunca sonhar em vir a ser
um daqueles "intelectuais conterrâneos" que por cá saltitam e pululam. Fui, sim, catar o pão de cada dia em atividade profissional sem nenhuma poesia, Brasil afora, vasculhando – a bem da verdade, com pouquíssimo sucesso na hora dos julgamentos pelas cortes – o lixo da corrupção fantástica de muitos comedores de verbas federais, lestos e mitrados rabos-de-couro, políticos viciados ou afilhados desta brava e malina gente.

Até hoje, nessa banda escura, nada mudou no Pindorama. Acho eu que a coisa só fez piorar, desde os tempos da carta de Caminha.

Aqui, na nossa não muito gentil Jerimunlândia – canguleiro eu, xaria o senhor –, há poucos dias, um estentóreo historiador nativo, freguês juramentado de caderneta do Instituto Histórico, deu-me, solene, de pé e com vasto calhamaço agasalhado no sovaco, mesta e acachapante notícia sobre uma grossa estripulia do João Rodrigues Colaço, Capitão-Mor da Fortaleza e, dizem alguns, fundador
da Cidade. Pois não é que o nosso contraparente, marido
empistolado da fidalga e distante "prima", Dona Beatriz de
Menezes, está sendo acusado – veja só, o Senhor, pode rir! –, séculos depois da tal tribuzana, de "doar a si próprio uma sesmaria na Redinha". O que mal começa, segue mal a vida toda. "A gente vai vivendo e esperando que alguma coisa divina aconteça..." (Borges).


Laélio Ferreira

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O GREGO, A "PLACE DU TARTRE", E A CULTURA...


O Grego, Bárbara, e a Place du Tartre
Honório de Medeiros

Em “E Foram Todos para Paris” (Casa da Palavra; 2011), Sérgio Augusto (jornalista, escritor), infatigável leitor da romaria americana do Século XIX à França (Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, Fenimore Cooper, Henry James, etc.), conta que seu chamego pela cidade começou quando assistiu ao musical Sinfonia de Paris (An American in Paris), de Vicente Minelli, com músicas de ninguém mais, ninguém menos, que Gershwin.

Diz ele que em 1952 teve um coup de foudre pelo personagem de Gene Kelly, um ex-combatente americano, Jerry Mulligan, que decide virar pintor e morar para sempre em Paris quando terminou a Segunda Grande Guerra, vendendo seus quadros em Montmartre.

Lendo o trecho olhei instintivamente para duas imagens feitas com giz de cera cor vermelho-terra que adornam a parte superior acima da minha cama. São datadas de 26 de abril de 2008 e 3 de maio do mesmo ano, quando eu e Bárbara, minha esposa, posamos para um grego de barba cerrada, francês macarrônico, que passava o dia na Place du Tartre, coração de Montmartre, a fumar e colher turistas para sobreviver com sua arte.

Aquele 26 de abril foi inesquecível. Eu completava cinquenta anos, estava em Paris com Bárbara e alguns amigos queridos, e iríamos terminar a noite no La Coupole, tradicional e histórico restaurante do Boulevard Montparnasse inaugurado no ano que Lampião invadiu Mossoró, 1927, e que durante muito tempo foi o centro da vida artística e intelectual da cidade, pois era frequentado assiduamente por Picasso, Man Ray, Cartier-Bresson, Buñuel, Henry Miller, Anais Nin, Hemingway, Giacometti, Sartre, Gainsbourg, Jane Birkin, entre outros.

Dois anos depois voltei à Place du Tartre. Será que o grego ainda desenhava por lá, me perguntei. Chegáramos cedo da manhã. Muitos cavaletes ainda estavam fechados, aguardando seus donos, desenhistas, pintores, como o grego. Poucos turistas flanavam no local. Decidimos enveredar, a flanar, enquanto os artistas não chegavam, por ruelas que, da praça, descem sinuosas e estreitas, até o entorno de Montmartre.

Algum tempo depois, alguns copos de Guiness a mais, voltamos. Fui direto ao local onde o Grego ficava. Não estava. Fiquei na dúvida se perguntava por ele. Resolvi que sim, perguntaria. Dirigi-me a outro pintor, e lhe perguntei pelo Grego, descrevendo-o o melhor possível.

Nem precisei esperar a resposta. Olhando acidentalmente para outro recanto da praça encontrei-o placidamente sentado, a fumar um cigarro e tomar uma caneca de café, enquanto na cadeira na qual se sentavam os que iriam posar, uma bela adolescente de beleza diáfana tão tipicamente francesa aguardava pacientemente o resultado da sua (dele) busca por inspiração ou, apenas, que resolvesse começar seu dia.

Hoje, após ler o texto acerca do qual comentei acima, fico me perguntando que tipo de decisão conduziu o Grego ao estilo de vida que inspirou o personagem do musical aludido por Sérgio Augusto. Terá sido o Sinfonia de Paris?

Acerca da influência da cultura, entendida esta enquanto “estilo de vida”, como pensava Eliot, rios de tinta foram já escritos. Cultura que influenciou gerações e as levou a tomar decisões fundamentais em suas vidas, e que tende a desaparecer na justa medida da futilidade própria da “civilização do espetáculo”, como a define Llosa em seu livro de ensaios homônimo, leitura da qual não devemos abrir mão para entender o que se passa hoje conosco no universo da literatura, pintura, escultura, as artes, enfim...

É como diz Llosa, citando o sociólogo Frédéric Martel: “A imensa maioria do gênero humano não pratica, não consome nem produz hoje outra forma de cultura que não seja aquela que, antes, era considerada pelos setores cultos, de maneira depreciativa, mero passatempo popular, sem parentesco algum com as atividades intelectuais, artísticas e literárias que constituíam a cultura.”

Bom, voltando ao que importa, cito Llosa por que ele captou, no espírito da época, na indústria do entretenimento que nos aliena e embrutece, na massificação onipresente, na frivolidade típica da cultura do nosso tempo, a ausência de referências fundamentais como aquelas que desabrocharam em Viena, Berlim, Paris e Nova Iorque entre os séculos XIX e XX.

Referências que levaram, quem sabe, à construção do personagem Jerry Mulligan, calcado em Picasso ou outro pintor famoso; referências que levaram o Grego a fazer, de sua vida, uma elegia à arte, dedicando-a à mítica Paris e à Place du Tartre.

Quanto ao Grego, pode não ser verdade minha hipótese, mas me apraz pensar que sim...
No final disse o Grego que esse, acima, era eu.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

DEPRESSÃO




Honório de Medeiros



Às vezes penso que a depressão resulta da extrema lucidez e surge quando todos os filtros, todos os véus, todos os empecilhos que a mente cria para esconder a realidade desabam e, então, a terrível apreensão imediata de todas as coisas e todos os fenômenos, como de fato eles são, e, não mais, como parecem ser, se instala em nossa consciência de si. Nesse instante a solidão imanente, intrínseca, em cada um de nós, nos assume e esmaga sem piedade, e somos levados à compreensão absoluta da total irrelevância de tudo quanto nos cerca e envolve...


* Arte em vivianeguimarães.wordpress.com