sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

DA RETÓRICA EM SI MESMA

Honório de Medeiros 
                  
O corpo quer; a razão rechaça; a vontade, árbitro, cede.

Na verdade a Retórica é uma técnica de obtenção e manutenção do Poder. Muito além de uma técnica de persuasão, como propõem alguns teóricos. A persuasão é, apenas, um dos instrumentos da Retórica, tal como a manipulação ou a sedução.

Muito embora se costume dizer que a Retórica seja uma técnica de persuasão, de convencimento, ela é muito mais que isso. Pressupõe a existência, em polos distintos, de alguém a almejar que o Outro faça ou deixe de fazer algo, e a existência desse Outro.

Há uma tentativa de circunscrever a Retórica ao espaço da persuasão, quando a vontade do Outro cede, de motu próprio, posto que convencido, à vontade do persuasor.

Nada menos verdadeiro: na tentativa de persuasão do Outro, por mais ética que tenha sido, uma vez que ocorra, significa que a vontade do persuasor se impôs à do persuadido alterando sua percepção das coisas e dos fenômenos.

Como a ninguém é dada a primazia de saber o que é certo ou errado, se o Outro é persuadido sem que sua percepção das coisas ou fenômenos tenha ocorrido por si mesma, sem interferência externa, então temos, mesmo se inconsciente, uma imposição de vontade.

Evidente que no mundo das verdades da ciência não se há de falar em persuasão: aqui a demonstração lógica se impõe por si mesma.

Nessa perspectiva da persuasão a ocultação inconsciente da intenção da imposição da vontade do persuasor pressupõe, na maioria das vezes, uma crença, a fé nos próprios desígnios de quem persuade. Mas nem sempre é assim. Aquele que tenta persuadir não raro o faz deliberadamente, querendo influenciar o Outro a modificar sua vontade, mesmo respeitando regras éticas no que diz respeito ao seu procedimento, tentando evitar a manipulação. O persuasor pensa: “quero persuadir, não manipular”.

Em tese, seria esse um dos alicerces da Democracia.

A manipulação, por sua vez, é la bête noire da Retórica. Aqui não há limite ético quanto á intenção da alteração da vontade do Outro.

Assim ocorre, também, no que diz respeito à sedução.

Qual a diferença entre manipulação e sedução? Sutil. Somente pode ser percebida por intermédio da introdução da noção de “vontade”.

Essa noção, segundo Hannah Arendt[1], foi introduzida na discussão filosófica por intermédio de São Paulo, em sua famosa Carta aos Romanos. E, através dela, podemos entender que o “eu quero” nem sempre corresponde ao “eu posso”.

Ou seja, minha vontade pode determinar claramente o rumo a ser seguido, entretanto não consigo me colocar em movimento.

Na manipulação[2], mesmo que enganado, vez que manipulado, a vontade do Outro adere à vontade do persuasor; na sedução, a vontade do Outro é contra, mas cede por não ter forças para a recusa.

Na sedução o Outro não é enganado e não muda sua percepção das coisas ou fenômenos, entretanto não é possível resistir ao sedutor.

Seja persuasão, seja manipulação, seja sedução, todas são instrumentos da Retórica, que é uma técnica de Poder, e têm, como objetivo, fazer com que a vontade de quem a utiliza influencie, no sentido de alterá-la, as ações do Outro.


[1] Responsabilidade e Julgamento; ARENDT, Hanna.

[2] Justiça versus Segurança Jurídica e Outros Fragmentos; de MEDEIROS FILHO, Francisco Honório.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A RETÓRICA DOS OBJETOS

Honório de Medeiros


“Ser é perceber” (George Berkeley, 1685-1753).

Os objetos falam.

Existe uma diferença entre “ver” e “enxergar”, sabemos disso[1]. Quando “vemos”, percebemos.

Os objetos, se percebidos, dizem-nos muito.

Imagine que você seja um advogado que foi introduzido na biblioteca de um potencial cliente para discutir com ele acerca de um futuro contrato de honorários. Você não se preparou para o encontro, seja porque não teve tempo, seja porque confia em sua capacidade de persuasão.

Ao aguardar a chegada do seu possível futuro cliente em sua (dele) biblioteca se admira com a organização reinante: livros limpos, organizados por tema e, nesses nichos, os autores postados em ordem alfabética.

A biblioteca condiz com o ambiente no qual ela repousa. Os outros objetos do espaço circundante também prima pela limpeza e organização: não há nada fora do lugar.

Esses objetos dizem que seu dono é alguém, portanto, organizado, até mesmo meticuloso.

Qual a probabilidade de você convencê-lo nesse encontro para o qual não está devidamente preparado com dados, documentos, legislação, jurisprudência e, até mesmo, doutrina?

Quase nenhuma.

Existe uma retórica dos objetos, chamemo-la assim, na falta de uma denominação melhor. O que se quer dizer é que “os objetos dizem, expressam algo”. E é fundamental conhecê-la para quem se interessa em “decifrar” o meio com o qual interagimos.

Ramo da Retórica dos Objetos é a publicidade. Usa a técnica da Retórica dos Objetos para induzir associações de idéias que promovam o consumo.

Na Retórica dos Objetos é fundamental a noção de “estranhamento”. É por intermédio do “estranhamento” que decodificamos os objetos.

E o que seria o “estranhamento”? É algo difícil de conceituar, tal como a liberdade. Sabemos o que esta é, mas não sabemos dizer com propriedade o que ela é.

Em certo sentido “estranhamento” é uma desarmonia em relação ao padrão comum. Tal qual uma arte marcial, tornar-se hábil em captar essa desarmonia demanda contínuo exercitar-se até o limite do possível.

Recordemos o exemplo acima. Para alguém acostumado a perceber, a organização limpa e meticulosa da biblioteca do cliente chama a atenção por fugir do padrão comum. Ao conectar essa constatação com a que resulta do “ver” os restantes dos objetos espalhados pelo ambiente, torna-se possível fazer alguma inferência, ou elaborar alguma hipótese, para sermos mais precisos, acerca da personalidade do seu proprietário.

Em episódio bastante interessante da série “The Mentalist”, agentes do FBI buscam, em uma sala, uma câmera de vídeo escondida. As outras já foram encontradas e estavam postadas em lugares óbvios. O personagem principal, Patrick Jane, ao ser introduzido na sala, observa que um determinado espelho estava colocado em uma altura um pouco acima do normal. Levanta-se o espelho e lá está a câmera procurada. Mas como essa câmera filmava através do espelho? Patrick sabia que os ilusionistas usam muito um tipo de espelho que permite a quem está por trás visualizar através dele. A noção de “estranhamento” permitiu a localização imediata da câmera procurada.

Em outro episódio, esse bastante conhecido na literatura policial, Sherlock Holmes chama a atenção de Dr. Watson para o cão da propriedade onde acontece a investigação. Dr. Watson retruca informando que o cão não latiu. Sherlock pondera, então: “por isso mesmo”.

Ou seja, Sherlock vivenciou, ali, essa sensação de estranhamento.

Um exemplo, pinçado da literatura, explica melhor a teoria acima:

"Enquanto se movimentavam pela pista, ele estudou o marido com olhos profissionais, de caçador tranquilo. Estava acostumado a fazê-lo: esposos, pais, irmãos, filhos, amantes das mulheres com quem dançava. Homens, enfim, acostumados a acompanhá-las com orgulho, arrogância, tédio, resignação e outros sentimentos igualmente masculinos. Havia muitas informações úteis nos alfinetes de gravata, nas correntes de relógio, nas cigarreiras e nos anéis, no volume das carteiras entreabertas diante dos garçons, na qualidade e no corte do paletó, nas listras de uma calça ou no brilhos dos sapatos. Até mesmo na forma de dar o nó na gravata. Tudo dera material que permitia a Max Costa estabelecer métodos e objetivos ao compasso da música; ou, dizendo de modo mais prosaico, passar de danças de salão a alternativas mais lucrativas." (O TANGO DA VELHA GUARDA; Arturo Pérez-Reverte). 





[1] http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2011/11/ver-e-enxergar-acionam-regioes-diferentes-do-cerebro-diz-estudo.html

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A RETÓRICA DO CORPO



Honório de Medeiros                                                       

O corpo fala. E o que ele diz é o objeto de estudo da Retórica do Corpo. 

É técnica complexa, essa de entender o que o corpo fala. Em a dominando, o especialista “percebe”, ao invés de apenas “ver”, as mensagens que as pessoas enviam por intermédio dos muitos e complexos sinais emitidos por seu corpo durante a interação social ou mesmo isoladamente. 

Claro que em um nível muito básico todos somos capazes de distinguir o óbvio, em se tratando de retórica do corpo: se alguém, na nossa frente, cruza e descruza os braços repetidamente, e muda as posições dos pés com insistência, é muito provável que esteja imersa em ansiedade. 

Em outros níveis a tarefa de decodificar a linguagem do corpo se torna bem mais complexa, e envolve fisiologia, psicologia, capacidade de inferência e análise, princípios de estratégia e tática, e assim por diante. 

Na imagem vista acima, a linguagem do corpo dos dois protagonistas é quase exposta aos berros. Ou seja, é fácil perceber o que se passa internamente em cada um deles, a partir do que seus corpos expressam. 

Por exemplo, Roseana Sarney: 

Consideramos, “a priori”, que o corpo humano se expressa fundamentalmente via abdômem, tórax e cabeça. O restante do corpo corrobora a mensagem enviada por essas suas três partes. 

O abdômen diz a vida instintiva, o tórax a vida emocional, e, a cabeça, a vida mental. 

Observemos Roseana Sarney no momento em que se manifesta publicamente acerca do horror vivido recentemente no setor penitenciário maranhense, e que foi fartamente veiculado pela mídia nacional e internacional. 

Sua postura geral é de recuo, como se estivesse sendo atacada. É a mesma postura de alguém que foge de um golpe inesperado. Essa postura de recuo reflete a linguagem do abdômen (instinto) e tórax (emoção): “defenda-se ou fuja”. 

Ela, a Governadora, escolheu defender-se, contra-atacando. Não tinha outra opção. É o que se percebe da posição dos seus braços, extensão do tórax, que apontam, como lanças, para aqueles que a atacam com questões “impertinentes”, enquanto os dedos, apontando para cima, ou seja, para a cabeça, tentam impor aquilo que ela diz, seu discurso: "prestem atenção no que eu digo". 

O olhar esbugalhado e a testa franzida demonstram a ira em ter sua posição de “dona do pedaço” sobre ataque, acusando o golpe mal assimilado, porque em desconformidade com o que ela deseja e espera. A cabeça recuada, e o queixo erguido, nos induz a leitura de uma postura arrogante, tipo “com quem você pensa que está falando? Quem determina aqui as regras do jogo sou eu!”. 

Trocando em miúdos: posição de defesa, e contra-ataque arrogante, típica de um “coronel de saias”. 

Olhando atentamente para a cena, o Ministro da Justiça é a própria expressão da contrariedade com tudo que está acontecendo. Ele está contrariado por estar ali, por estar vendo o que está vendo, por estar escutando o que está escutando. 

Seu corpo diz isso. 

Observe-se o braço cruzado por sobre o abdômen e o tórax. É como se ele estivesse reprimindo sua raiva, contendo suas emoções. O outro braço, conectado ao primeiro, obstrui a boca, como se a reprimisse de dizer aquilo que deseja. A boca é, na cabeça, como que uma extensão do abdômen: por seu intermédio, comemos; e o abdômen, como dito acima, representa o instinto básico do ser humano. 

A cabeça do Ministro, ou seja, a razão, também está contida pela mão. Sua postura, reprimida em todos os três quadrantes fundamentais do corpo, é de absoluto incômodo com a situação pela qual está passando e é corroborada pela expressão da região dos olhos, onde despontam as sobrancelhas erguidas e as pálpebras baixadas, típicas de desaprovação e desprezo. 

A Retórica do Corpo, quando em consonância com a Retórica da Expressão Oral e Textual, assim como com a Retórica das Coisas, proporciona uma interessante possibilidade de percepção da realidade e, até mesmo, de interferência na realidade. 

A questão que remanesce diz respeito ao uso ético dessa técnica.

domingo, 12 de janeiro de 2014

CARTA PARA OTHONIEL NO AZUL




Laélio Ferreira

“Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades
...............................................................
...............................................................
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá
Preta”
(“Meu Caro Amigo”, de Chico Buarque de Holanda)

"Seu" Othoniel, me abençoe.

Aqui está a sua Obra Reunida.

Compromisso cumprido, comigo mesmo.

Fiz o que pude, meu velho. Foram madrugadas sofridas, adiamentos, angústias, muita saudade. Relendo tudo o que escreveu, revisando e redigindo as notas – vão me chamar de prolixo, aposto! –, avivaram-se na cachola setentona as lembranças de tudo quanto sofreu: as perseguições que lhe fizeram; a sua pobreza digna, altiva e ao mesmo tempo resignada; a doença, o auto-exílio, a saudade de Natal, a perda de Maria.

Nas notas que redigi, as amargas, sobre indivíduos, pessoas, segui conselho do velho Balzac ("Pode perdoar-se, mas esquecer, isso é impossível"). Aos que lhe fizeram mal, perdoei alguns, poucos.

Dos outros, não esqueci nenhum: os nominei e sobre eles fiz registro merecido.

Há poucos dias, completei setenta e uma safras de caju, aqui mesmo, na ocara grande do mestre-de-campo Filipe Camarão. Há quarenta, logo depois de Mamãe, o senhor, saudoso da terra, exilado e esquecido no Rio de Janeiro, partiu para o Azul.

Diz o povo – aqui, neste planeta amalucado – que a vida é
frágil, que passa. Ficaram, porém, para mim, intangíveis, as suas obras, as lembranças, as saudades – repito. Permanecem, como impressões que o tempo atenua, mas não apaga. A eternidade tem a duração da memória de quem nos ama. Passamos pela vida dos outros deixando nossa imagem numa frase, num verso, no rosto de um descendente.

E quanto lhe tenho vislumbrado por cá, meu velho! Nos meus filhos, nuanças das coisas que eram tão suas: sorrisos desconfiados, recolhimentos, alegrias. Neles, vejo, sempre comovido, tudo isso e até mais nos gestos, modos de andar, alguns tiques, nas vozes, nos olhos deles todos – filhos e netos. Noto-me, ainda, muito parecido com o senhor, "incompreendido e incompreendendo" quanta coisa deste mundão cá de baixo, com a mesmíssima larga aversão à mediocridade provinciana. Já houve quem nos chamasse, aos dois, pai e filho, de "irritadiços". Valeria, pois, para ambos, aquele contundente e velho conselho sertanejo de que "não se pode discutir com um burro sem ter um pedaço de pau na mão?"

Vosmecê, meu pai, bem sabe que deixei os versos comportados muito cedo por muitas razões, limitando-me, nas horas vagas, às glosas sacanas, fesceninas, quase sempre de crítica e desabafo, metendo a catana numa pá de gente – às vezes, até, me arrependendo por algumas grosserias: a velha história de "não perder o mote".

Poesia e cultura –"agricultura insana da cabeça" – nunca rimaram com felicidade material, fortuna. O senhor mesmo dizia a Esmeraldo Siqueira, naquelas cavaqueiras das "hemiplégicas poltronas" lá de casa, que o único poeta que tinha dado certo, naquela sua época, era o Augusto Frederico Schimidt – milionário amigo e ghostwriter de Juscelino, embaixador e dono de supermercados.

Fui à vida, à liça, muito cedo, sem nunca sonhar em vir a ser
um daqueles "intelectuais conterrâneos" que por cá saltitam e pululam. Fui, sim, catar o pão de cada dia em atividade profissional sem nenhuma poesia, Brasil afora, vasculhando – a bem da verdade, com pouquíssimo sucesso na hora dos julgamentos pelas cortes – o lixo da corrupção fantástica de muitos comedores de verbas federais, lestos e mitrados rabos-de-couro, políticos viciados ou afilhados desta brava e malina gente.

Até hoje, nessa banda escura, nada mudou no Pindorama. Acho eu que a coisa só fez piorar, desde os tempos da carta de Caminha.

Aqui, na nossa não muito gentil Jerimunlândia – canguleiro eu, xaria o senhor –, há poucos dias, um estentóreo historiador nativo, freguês juramentado de caderneta do Instituto Histórico, deu-me, solene, de pé e com vasto calhamaço agasalhado no sovaco, mesta e acachapante notícia sobre uma grossa estripulia do João Rodrigues Colaço, Capitão-Mor da Fortaleza e, dizem alguns, fundador
da Cidade. Pois não é que o nosso contraparente, marido
empistolado da fidalga e distante "prima", Dona Beatriz de
Menezes, está sendo acusado – veja só, o Senhor, pode rir! –, séculos depois da tal tribuzana, de "doar a si próprio uma sesmaria na Redinha". O que mal começa, segue mal a vida toda. "A gente vai vivendo e esperando que alguma coisa divina aconteça..." (Borges).


Laélio Ferreira

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O GREGO, A "PLACE DU TARTRE", E A CULTURA...


O Grego, Bárbara, e a Place du Tartre
Honório de Medeiros

Em “E Foram Todos para Paris” (Casa da Palavra; 2011), Sérgio Augusto (jornalista, escritor), infatigável leitor da romaria americana do Século XIX à França (Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, Fenimore Cooper, Henry James, etc.), conta que seu chamego pela cidade começou quando assistiu ao musical Sinfonia de Paris (An American in Paris), de Vicente Minelli, com músicas de ninguém mais, ninguém menos, que Gershwin.

Diz ele que em 1952 teve um coup de foudre pelo personagem de Gene Kelly, um ex-combatente americano, Jerry Mulligan, que decide virar pintor e morar para sempre em Paris quando terminou a Segunda Grande Guerra, vendendo seus quadros em Montmartre.

Lendo o trecho olhei instintivamente para duas imagens feitas com giz de cera cor vermelho-terra que adornam a parte superior acima da minha cama. São datadas de 26 de abril de 2008 e 3 de maio do mesmo ano, quando eu e Bárbara, minha esposa, posamos para um grego de barba cerrada, francês macarrônico, que passava o dia na Place du Tartre, coração de Montmartre, a fumar e colher turistas para sobreviver com sua arte.

Aquele 26 de abril foi inesquecível. Eu completava cinquenta anos, estava em Paris com Bárbara e alguns amigos queridos, e iríamos terminar a noite no La Coupole, tradicional e histórico restaurante do Boulevard Montparnasse inaugurado no ano que Lampião invadiu Mossoró, 1927, e que durante muito tempo foi o centro da vida artística e intelectual da cidade, pois era frequentado assiduamente por Picasso, Man Ray, Cartier-Bresson, Buñuel, Henry Miller, Anais Nin, Hemingway, Giacometti, Sartre, Gainsbourg, Jane Birkin, entre outros.

Dois anos depois voltei à Place du Tartre. Será que o grego ainda desenhava por lá, me perguntei. Chegáramos cedo da manhã. Muitos cavaletes ainda estavam fechados, aguardando seus donos, desenhistas, pintores, como o grego. Poucos turistas flanavam no local. Decidimos enveredar, a flanar, enquanto os artistas não chegavam, por ruelas que, da praça, descem sinuosas e estreitas, até o entorno de Montmartre.

Algum tempo depois, alguns copos de Guiness a mais, voltamos. Fui direto ao local onde o Grego ficava. Não estava. Fiquei na dúvida se perguntava por ele. Resolvi que sim, perguntaria. Dirigi-me a outro pintor, e lhe perguntei pelo Grego, descrevendo-o o melhor possível.

Nem precisei esperar a resposta. Olhando acidentalmente para outro recanto da praça encontrei-o placidamente sentado, a fumar um cigarro e tomar uma caneca de café, enquanto na cadeira na qual se sentavam os que iriam posar, uma bela adolescente de beleza diáfana tão tipicamente francesa aguardava pacientemente o resultado da sua (dele) busca por inspiração ou, apenas, que resolvesse começar seu dia.

Hoje, após ler o texto acerca do qual comentei acima, fico me perguntando que tipo de decisão conduziu o Grego ao estilo de vida que inspirou o personagem do musical aludido por Sérgio Augusto. Terá sido o Sinfonia de Paris?

Acerca da influência da cultura, entendida esta enquanto “estilo de vida”, como pensava Eliot, rios de tinta foram já escritos. Cultura que influenciou gerações e as levou a tomar decisões fundamentais em suas vidas, e que tende a desaparecer na justa medida da futilidade própria da “civilização do espetáculo”, como a define Llosa em seu livro de ensaios homônimo, leitura da qual não devemos abrir mão para entender o que se passa hoje conosco no universo da literatura, pintura, escultura, as artes, enfim...

É como diz Llosa, citando o sociólogo Frédéric Martel: “A imensa maioria do gênero humano não pratica, não consome nem produz hoje outra forma de cultura que não seja aquela que, antes, era considerada pelos setores cultos, de maneira depreciativa, mero passatempo popular, sem parentesco algum com as atividades intelectuais, artísticas e literárias que constituíam a cultura.”

Bom, voltando ao que importa, cito Llosa por que ele captou, no espírito da época, na indústria do entretenimento que nos aliena e embrutece, na massificação onipresente, na frivolidade típica da cultura do nosso tempo, a ausência de referências fundamentais como aquelas que desabrocharam em Viena, Berlim, Paris e Nova Iorque entre os séculos XIX e XX.

Referências que levaram, quem sabe, à construção do personagem Jerry Mulligan, calcado em Picasso ou outro pintor famoso; referências que levaram o Grego a fazer, de sua vida, uma elegia à arte, dedicando-a à mítica Paris e à Place du Tartre.

Quanto ao Grego, pode não ser verdade minha hipótese, mas me apraz pensar que sim...
No final disse o Grego que esse, acima, era eu.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

DEPRESSÃO




Honório de Medeiros



Às vezes penso que a depressão resulta da extrema lucidez e surge quando todos os filtros, todos os véus, todos os empecilhos que a mente cria para esconder a realidade desabam e, então, a terrível apreensão imediata de todas as coisas e todos os fenômenos, como de fato eles são, e, não mais, como parecem ser, se instala em nossa consciência de si. Nesse instante a solidão imanente, intrínseca, em cada um de nós, nos assume e esmaga sem piedade, e somos levados à compreensão absoluta da total irrelevância de tudo quanto nos cerca e envolve...


* Arte em vivianeguimarães.wordpress.com

domingo, 5 de janeiro de 2014

O CHAPLIN (REGINA AZEVEDO) ENTREVISTA BÁRBARA DE MEDEIROS

Regina Azevedo*

Entrevista originariamente postada em "OCHAPLIN.COM"
 
Bárbara de Medeiros nasceu dia 27 de fevereiro de 1998, em Natal. Com 13 anos de idade, escreveu – e publicou! – um drama psicológico chamado ”O Escritor de Sonhos” e conquistou muitos amigos, fãs, e, sobretudo, leitores vorazes. Hoje, beirando os 16 anos, ela conversa com a gente sobre literatura, projetos futuros e incentivo.
 
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O CHAPLIN: Com quantos anos você começou a escrever?
 
Eu comecei a escrever assim que aprendi a escrever: com 6 anos de idade. Eu não me lembro de uma data especial na qual eu decidi ser escritora. Desde sempre quis fazer isso. Mesmo quando dizia: ”mamãe, quero ser bailarina”, eu queria ser bailarina e escritora. Pra mim, um escritor era uma espécie de mágico. E isso, acredite, é muito bom.
 
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O CHAPLIN: Vamos falar sobre família. Qual a participação de seus pais e familiares em tudo isso? 
Meus pais são muito interessados em leitura. Meu pai, aliás, é escritor. Desde muito cedo, fui incentivada a ler. Fiquei fascinada pela leitura. O incentivo a escrever veio automaticamente, depois disso.
 
O CHAPLIN: O que você lia aos 6 anos? E hoje em dia, quase 10 anos depois, o que você costuma ler?
 
Eu lia fantasia e gostava muito de histórias em quadrinho, em especial Turma de Mônica. Hoje em dia, continuo gostando de ambas as coisas, mas também leio muita ficção científica, biografias, terror e drama.
 
O CHAPLIN: O Escritor de Sonhos é seu primeiro livro publicado. Um drama psicológico, certo? Como foi o processo de escrita e criação desse livro?
 
Escrever é sempre doloroso. Escrevi esse livro em um único mês, o último do ano letivo, e fiquei como uma morta-viva: quase não comia, não falava – e eu falo muito! – e todo mundo percebeu como eu fiquei diferente. O processo foi extremamente desgastante: o antes, o depois e, claro, o durante.
 
 
 
O CHAPLIN:  Nem mesmo algumas das pessoas que leram o livro sabem definir o que REALMENTE a trama fala. Na sua cabeça, o que essa história conta?
 
“O Escritor de Sonhos” fala sobre um homem que mora num hospício, e, como ele não pode viver – porque ninguém vive num hospício; aquilo não é vida -, ele começa a sonhar. Com o livro, eu ambiciono questionar se quando a gente passa a viver através de sonhos, o sonho passa a ser vida, e a vida, um sonho. É basicamente isso.
 
O CHAPLIN: Você tem muito bloqueio de escritor? Como você lida com isso?
 
Eu tenho muito mesmo, mas procuro continuar escrevendo, de qualquer forma, mesmo que seja sobre o bloqueio, a falta de inspiração e tudo o mais. Sento à mesa e: vamos lá, Bárbara!
 
O CHAPLIN: Quando você escreveu seu livro, você fazia o 8º ano na ED (Escola Doméstica de Natal, uma escola tradicional que faz parte de um complexo escolar bastante renomado em terras natalenses). A escola te deu algum apoio?
 
Não. Apoio zero, inicialmente. Nem sabiam que eu estava escrevendo um livro, aliás. Mas os meus professores preferidos foram ao lançamento, porque eu os convidei, e isso foi muito importante pra mim. Alguns meses após o lançamento, a escola me deu a oportunidade de palestrar no Dia do Livro, e eu adorei, primeiro porque eu adoro palestrar e depois porque, na ocasião, eu conheci dois escritores que se tornaram grandes amigos: Jorge Enrique e José de Castro. Foi muito legal.
 
O CHAPLIN: E os planos para o futuro? O que você pretende fazer?
 
Eu estou editando meu livro Sindicato das Bailarinas Circenses, que é uma antologia de textos – poemas, contos, crônicas – inéditos ou já publicados no meio virtual. Mais além, só quero viver. É isso. E ser diplomata.
 
 
O livro de Bárbara está à venda na Saraiva do Midway Mall e você também pode comprá-lo através do e-mail barbie.bldm@gmail.com. (R$35)
 
* Poeta, performer em estudo e agitadora. fundei o iapois poesia, publiquei ''das vezes que morri em você'' (jovens escribas) e escrevo às vezes pro reginazvdo.tumblr.com. tenho um peixe chamado cachorro e amo bukowski.
 

"MINHA VIDA NA FRANÇA"; Julia Child

 
 
Bárbara Lima

Minha Vida na França, de Julia Child com Alex Prud’homme (SEOMAN) – As memórias deste livro inspiraram o filme Julie & Julia. Trata-se da autobiobrafia de Julia Child, considerada a introdutora da culinária francesa nos Estados Unidos. A descoberta de sua vocação para a culinária se deu em 1948, quando se mudou para a França e resolveu se inscrever no renomado instituto Le Cordon Bleu, sem nem mesmo saber falar francês. Foi aí que tudo começou. Mesmo com todos os percalços, conseguiu se impor em um meio dominado por homens, tornando-se uma escritora e apresentadora de sucesso e ensinando receitas sofisticadas, de forma pioneira, para milhares de americanos. Excelente leitura; contagia até quem não é fã dos romances culinaristas.
 

sábado, 4 de janeiro de 2014

DA JUSTIÇA

Honório de Medeiros

 
A Justiça é assim mesmo: de quando em vez, no varejo, aparentemente "justa"; no geral, no atacado, às vezes reacionária, quase sempre conservadora.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

HISTÓRIA E DESTINO


Florentino Vereda

A História e o Destino vivem juntos. Casal inseparável, como dois velhos tinhosos, divergem bastante, mas continuam de mãos dadas, alterando as vidas dos animais que se dizem humanos.
Assim foi na França, ao fim da Idade Média. Enquanto a História circulava pelos salões elegantes de Versailles, o Destino, sorrateiramente, conspirava contra a monarquia nos arredores de Paris.
Do mesmo modo, na Alemanha, a História tentava fazer daquela nação um grande império, mas o Destino levou-a à Primeira Guerra Mundial. Ao final do conflito, - destroçada e humilhada - seria apenas mais uma colônia dividida entre a França e o Reino Unido.
A História, insistentemente, faz ressurgir das cinzas um povo orgulhoso, guiado não por um super-herói ao estilo americano, mas por um pintor medíocre, um megalomaníaco prepotente que promete um império de mil anos. Derrotado depois de seis, deixou o país dividido entre russos e americanos, mais arrasado do que em 1917.
Alguns anos depois a União Soviética se esfacelaria e, por via de consequência, cairia o muro de Berlim, reunificando a Alemanha. Fukuyama, apressadamente, decretou o fim da História. Hoje, depois de quase um século de tragédias, a Alemanha é a âncora da Europa, em meio de uma crise que não foi imaginada por nenhum futurólogo. Nenhuma bola de cristal previu esses acontecimentos. Hiroshima e Nagasaki não estiveram nos pesadelos dos visionários.
Videntes são assim mesmo. Ótimos para prever o futuro, quando ele já se tornou passado.
Quase ninguém se lembra de Herman Kahn, futurólogo da guerra fria, arauto da destruição nuclear, felizmente desmentido pelo Destino.

Mas o senhor, Professor Honório, deve estar se perguntando qual o motivo de toda essa lenga-lenga.
É que no apagar deste 2013 não faltará quem faça previsões para 2014. Falsos profetas que não acertarão um palpite sequer. Ao que me consta nenhum Nostradamus contemporâneo anunciou a destruição das Torres Gêmeas.
Talvez nem Michelle, nos seus sonhos de adolescente, imaginou rolar nos lençóis de linho da casa branca, nos braços negros do seu marido - meio queniano, meio americano - hoje presidente dos Estados Unidos pela segunda vez. E que, em pleno funeral de Mandela, a Dinamarca flertaria abertamente com os Estados Unidos, com o piscar dos olhos azuis e o riso esfuziante da Primeira-ministra Helle Thorning Schmidt.
Enfim, o preto no branco, e no reino da Dinamarca já há algo de preto.

O Cardeal Bergoglio, embora finalista na escolha de Bento XVI, quase não era mencionado na sua sucessão, após uma renúncia que não foi “cantada” pelos videntes de plantão. Logo depois de a fumaça branca subir aos céus do Vaticano, o mundo surpreendeu-se com Francisco, o Papa das multidões, que levantou o tapete e sacudiu a poeira medieval de uma igreja corrompida e vilipendiada nos gabinetes e nas alcovas, reacendendo a fé que brota das ruas e renova a esperança de uma gente sem rumo e sem futuro, a não ser o longínquo paraíso depois da morte.

E o Brasil, depois de atravessar quase um século de golpes e contra-golpes, de viver algumas ditaduras, empossar malucos e corrutos, seria a grande esperança dos países emergentes, enquanto por trás das cortinas, é o parceiro ideal para as grandes negociatas com as corporações financeiras, braços dados com a outrora progressista esquerda sindicalista.

Portanto, não tenho previsões a fazer. Nenhum fim de mundo se avizinha, embora os Maias não tenham desistido. Asteroides não se desviaram das suasórbitas, planetas não se alinharam para acabar com a farra da copa e a grana da FIFA. O que se pode prever é o que já vem acontecendo há anos. E em 2014 as notícias serão as mesmas de sempre:

“Passageiros revoltados incendeiam composição após pane no metrô”;

“PIB do Brasil sofre queda pela enésima vez. Ministro Mantega diz que, apesar disto, o país -mesmo ruim das pernas -está crescendo;

“Paciente morre em hospital público, depois de 24 horas esperando na recepção. Diretor do hospital lamenta mais essa fatalidade”;

“Chuvas fortes causam inundações, desabamentos e mortes no Rio, em São Paulo, em Santa Catarina, no Paraná e na Bahia. Pobres perdem tudo o que não tinham.”

“Paulo Maluf é reeleito deputado federal”.


E a História e o Destino continuarão estrada afora, rindo de nós, pobres mortais, que não sabemos planejar um futuro decente para os nossos descendentes e continuamos a ouvir as besteiras em que nos fazem acreditar os falsos videntes.

Feliz 2014 para você, Professor Honório. 

FELIZ 2014!

O vôo do infinito para o infinito.
 
Imagem: Honório de Medeiros
 
 
Aos meus amigos do Blog, a cada um, o meu desejo é um paradoxo: que em 2014 o infinito seja o único limite para nossa busca do autoconhecimento.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

UM BANCO DAS IDÉIAS DO SERVIDOR PÚBLICO



Honório de Medeiros


Quando aceitei o convite do primeiro governo Wilma de Faria (2003/2006) para ser Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos, uma das primeiras questões à qual nós, eu e minha equipe, nos propusemos foi o que fazer com o imenso capital humano composto pela massa de servidores públicos estadual até então totalmente inaproveitado.

Nós sabíamos que era necessário, possível e desejável fazer algo que alavancasse não somente a carreira do servidor público, mas, também, significasse uma forte presença do Governo na sociedade, evidentemente a médio e longo prazo, no que diz respeito à qualidade do serviço prestado pelos órgãos que o compõem.

De um lado tínhamos aproximadamente 100.000 servidores, para o mais ou para o menos, cuja potencialidade era plenamente desconhecida, aos quais vinha sendo negado, desde há muito, até mesmo o mínimo, ou seja, um Plano de Cargos e Remuneração.
 
Do outro, uma sociedade que demandava serviços até então prestados de forma precária, quando não equivocada, em virtude do inexpressivo investimento em recursos humanos feito pelos governos que nos antecederam.

Apresentei, então, na primeira reunião do secretariado, realizada entre 13 e 14 de fevereiro de 2003, o esboço de um projeto denominado “Banco de Idéias”, a ser desenvolvido e administrado pela Secretaria de Administração e Recursos Humanos.

Consistia no seguinte: os servidores públicos seriam estimulados a se cadastrarem em um ambiente virtual apresentando todo seu potencial informal, em termos de idéias e currículo, até então ignorado pela Administração Pública.

Por exemplo, na nossa própria Secretaria existia um ASG com doutorado em Tecnologia da Alimentação.
 
Apareceriam, assim, especialistas, pós-graduados, graduados em áreas distintas daquelas nas quais eles trabalhavam. Apareceriam idéias importantes em relação à gestão pública estadual que permaneciam desconhecidas por não encontrarem interlocutores apropriados.

Constituído o Banco ele seria colocado à disposição, em ambiente virtual, dos gestores do Estado, através de um moderno sistema de busca.

Caso um Secretário de Agricultura precisasse de algum especialista em “Tecnologia da Alimentação” digitaria esses termos e a ficha cadastral do ASG da Secretaria de Administração apareceria na sua frente. O Secretário de Agricultura nomearia o ASG para um cargo em comissão bem remunerado de uma reserva criada exatamente para ser preenchida em situações específicas iguais a essa, ou obteria sua cessão e lhe atribuiria uma gratificação apropriada, e o seu problema estaria resolvido sem que fosse necessário importar “consultoria” de fora.

Caso o Secretário necessitasse de idéias acerca de um problema qualquer, o acervo do Banco também lhe seria extremamente útil – ele disporia de uma consultoria de alto nível, potencializada pela experiência de quem vivera e vivia a Administração Pública Estadual.

Esse Banco de Ideias funcionaria em uma Escola de Gestão cujo programa resultaria na capacitação em torno da demanda do Governo.
 
O quê nortearia a confecção do programa?
 
Parâmetros tais como o quê precisamos, quanto, quando, onde e por que, fundamentais para a elaboração, a médio e longo prazo, para a elaboração de uma política de recursos humanos em termos de treinamento de servidores.
 
Assim, em, em um prazo de tempo razoavelmente curto no que tange às políticas públicas, daríamos um salto de qualidade em termos de gestão administrativa.

O espaço é curto para maiores exposições acerca do Banco de Idéias do Servidor Público. Do ponto de vista estratégico, entretanto, é possível oferecer a noção daquilo que esteve envolvido no programa/projeto: aproveitar o potencial oculto e inerte de 100.000 servidores que perplexos, vêem o tempo passar e não conseguem crescer enquanto profissionais e tampouco têm a oportunidade de se colocar, concretamente, a serviço do seu Estado e da Sociedade.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

FÉ, FOCO E DISCIPLINA?

Honório de Medeiros


Os livros de autoajuda, rico filão explorado à exaustão por alguns espertos em cima da ingenuidade de muitos, ensina que fé, foco e disciplina é a chave para o sucesso.
 
Fé, ou seja, crer que depende de nós chegar lá, naquele lugar almejado; foco: ficarmos circunscritos ao objetivo, à meta a ser alcançada, evitando decididamente qualquer distração que nos faça perder o rumo; disciplina, por fim, significando aquela entrega de corpo e alma, em termos de esforço, de dedicação, de renúncia, fundamentalmente necessários para se alcançar o sucesso em qualquer empreitada.
 
Nada mais, nada menos.
 
No entanto, segundo as mais recentes pesquisas em neuropsiquiatria, realizadas obsessivamente por cientistas ao redor do mundo, aliadas ao conhecimento adquirido em áreas tão diversas quanto matemática, teoria da seleção natural e estatística, demonstram que tudo isso é, em uma medida para lá de razoável, pura balela.
 
O que existe, mesmo, é o acaso, aquilo que o senso comum chama de "sorte".
 
É o que se lê no livro "O Andar do Bêbado", de Leonard Mlodinow, recomendado por ninguém menos que o maior físico pós Einstein, Stephen Hawking, acerca do fenômeno da aleatoriedade.
 
O autor ensina teoria da aleatoriedade no famosíssimo Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech, celeiro de cientistas premiados com o Nobel, e é autor de obras com consagrados físicos mundiais, tais como Stephen Hawking ("Uma Nova História do Tempo") e Richard Feynman ("A Janela de Euclides" e "O Arco-Íris de Feynman").
 
Em "O Andar do Bêbado", Mlodinow demonstra, por a+b, que ao contrário do que se supõe, a grande maioria dos eventos são fruto de uma combinação de fatores em grande parte aleatórios. Os exemplos por ele elencados, minuciosos e contundentes. A análise, verossímil. As conclusões, pertinentes.
 
No final das contas, após a leitura do livro, que em certos largos trechos demanda um conhecimento mais profundo de matemática probabilística que poderão ser deixados de lado sem que se comprometa o entendimento do tema, o "coup de grace" é o seguinte: em qualquer empreendimento nosso, consciente ou inconsciente, não temos como saber, mesmo após todo os esforços, seja de planejamento, seja de realização, qual será o resultado; com certeza somente temos como saber que se não empreendermos, não conseguiremos.
 
Tudo isso em decorrência do fenômeno da aleatoriedade.
 
Ou seja, o esforço desprendido ao longo dos anos pela grande maioria para chegar lá somente valerá a pena para muitos poucos, e graças a fatores que independem de suas vontades.

É por essa razão que o autor conclui: "(...) a habilidade não garante conquistas, e as conquistas não são proporcionais a habilidade".

E remata: "Nas palavras de Thomas Watson, o pioneiro da IBM: 'se você quer ser bem sucedido, duplique sua taxa de fracassos'."

A questão é a seguinte; vale a pena tamanho sacrifício?
 
Talvez seja por isso que no Livro do Eclesiastes O-Que-Sabe advertiu, logo no prólogo: "Que proveito tira o homem de todos os trabalhos com que se afadiga sob o sol?"

 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

MINHA ALMA É CHAMA




Honório de Medeiros


A minha própria alma é esta chama,
insaciável de infinitos.
Flameja para o desconhecido sua ânsia,
é preciso asas quando se ama o abismo.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A "SÍNDROME DO PEQUENO PODER" E UM PODER EM CRISE

Carlos Santos

Começou na quinta-feira (12), a reforma da equipe de auxiliares (cargos de confiança) na Prefeitura de Mossoró, gestão do prefeito provisório Francisco José Júnior (PSD). Ontem (segunda-feira, 16), mais uma etapa.

As modificações ocorrem por natural necessidade de ajustes ao perfil do governante, interesses políticos distintos e circunstâncias administrativas que mexem com a gestão do novo prefeito.

Mesmo com seu discurso de afinação e apoio, além de “desejo” que a prefeita cassada e afastada Cláudia Regina (DEM) retorne ao cargo, o “aliado” Francisco José Júnior não tem qualquer motivo para realmente pensar assim. Nem agir.

A prefeitura não caiu em seu colo. Contudo não estamos diante de puro acaso ou conspiração com tal fim.

Ao saltar no agrupamento governista após as eleições do ano passado, depois de ser candidato reeleito à Câmara Municipal, ele tinha planos de se fortalecer para novos voos. Por isso, articulou e teve apoio de Cláudia Regina para ser “homem de confiança” no Legislativo, o presidindo novamente.

A princípio, tentava conseguir novo mandato como presidente da Casa, já obtido na legislatura passada. Em segundo plano, mirava mandato de deputado estadual, ascensão que seu pai Francisco José (PMN) já tivera.

Mas eis que aparece uma prefeitura em seu caminho, em seu caminho aparece uma prefeitura fragilizada, sucateada, com erário em sangria e com prefeita e vice afastados.

Claramente, Francisco José Júnior, conhecido como “Silveira”, não está na cadeira do Executivo guardando vaga para Cláudia Regina. As chances dela retornar são escassas. Completar o mandato é praticamente impossível.

A avalanche de cassações (11 em primeiro grau e cinco ratificadas no Tribunal Regional Eleitoral-TRE) a deixa numa situação incomum na história política do Brasil. Nunca antes na história desse país se viu algo parecido.

Consciente do vácuo de poder, Francisco José Júnior age rápido, tenta imprimir identidade própria ao período provisório e construir uma candidatura para completar o mandato iniciado por Cláudia e o vice Wellington Filho (PMDB).

O resto é puro sofisma e retórica. Tudo junto, misturado.

O próprio grupo que Cláudia começara a construir, dissociado de amarras com as lideranças de Rosalba Ciarlini (DEM) e ex-deputado estadual Carlos Augusto Rosado (DEM), está sendo rapidamente aniquilado. Boa parcela de sua militância “apaixonada” começa a se esgueirar para jogar incenso sobre novo guru.

É a vida. ”A vida como ela é”, com toque rodriguiano cruel, muito cruel.

Seus fieis “escudeiros” saíram logo em solidariedade à líder, reagrupados – como antes – e primitivamente, fora da prefeitura. Lá montam barricadas e tentarão se soerguer no exílio, sob o fantasma do ostracismo.

Ah, por favor! Ninguém culpe Silveira por essa tarefa de desconstrução ou asfixia de uma liderança emergente. Ele é parte interessada no espólio político de Cláudia, como qualquer um. Não um usurpador, como certos jagunços cibernéticos tentam vender.

O poder é sempre um serpentário repleto de ressentidos e conspiradores, verdugos e tartufos; gente acostumada à idolatria e à perfídia de laboratório. Tudo por lá parece manipulado em tubos de ensaio.

Para alguns, ele nunca será grande o bastante. Para outros, está além de suas possibilidades.

Nesse cenário confuso, Mossoró corre o perigo de ser solapada por algo pior: o surgimento de algum poderoso com “Síndrome do Pequeno Poder”. É aquele indivíduo que no exercício do mando, usa de forma absolutista para se impor, não se preocupando com as consequências dos seus desatinos.

- Cláudia passou, né? A gente está com Silveira – diz candidamente um vereador governista, com o pragmatismo que a situação costuma produzir na política nacional.

Passou?

Vamos em frente. Temos mais interrogações do que certezas diante de nossos olhos.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O CANGACEIRO MASSILON E A REPÚBLICA DO PATAMAR DE SÃO VICENTE

Jânio Rêgo

Centralizando a figura do cangaceiro potiguar que foi parceiro de Lampião no ataque que foi rechaçado da torre da igreja, Honório de Medeiros remonta a engrenagem do coronelismo e do Poder político no Nordeste rural e repagina e estimula a revisão crítica da história da invasão do Rei do Cangaço a Mossoró em 1927. (...) um novo conceito para o cangaço, dentro de uma perspectiva científica que identifique o geral no particular e afaste, de vez, o estudo do cangaço do mero "contar casos".

O Cangaceiro Massilon e a República do Patamar de São Vicente

Acho que compreendo a dificuldade de Carlos Santos em escrever no seu blog sobre "Massilon - Nas veredas do cangaço e outros temas afins", o livro de Honório de Medeiros sobre o cangaceiro que foi um dos protagonistas mais importantes do ataque de Lampião a Mossoró em junho de 1927, mesmo ele tendo acompanhado o autor no primeiro lançamento do livro, no sertão do Cariri, durante um seminário sobre o tema Cangaço.

Não é fácil escrever sobre aquilo que acicata nossa memória e nos remete à infância, à turma do Patamar, ao que ele próprio, Santos, tratou de nomear como a "República Independente do Patamar da Igreja de São Vicente" da qual somos remanescentes, como o autor Honório de Medeiros que diz assim, na introdução do livro:

"Nasci e cresci à sombra da Igreja de São Vicente, a igreja da "bunda redonda", brinquei, assisti missa, novena de Santo Antônio, sem perder o contato com as marcas que o combate contra Lampião deixou em suas paredes e na sua torre".

Centralizando a figura do cangaceiro potiguar que foi parceiro de Lampião no ataque que foi rechaçado da torre da igreja, Honório de Medeiros remonta a engrenagem do coronelismo e do Poder político no Nordeste rural e repagina e estimula a revisão crítica da história da invasão do Rei do Cangaço a Mossoró em 1927. (...) um novo conceito para o cangaço, dentro de uma perspectiva científica que identifique o geral no particular e afaste, de vez, o estudo do cangaço do mero "contar casos".

Surpreende no livro também, além desse viés do pesquisador sobre o cangaço, o caráter genealógico e emotivo que o autor revela na introdução: (...)se agregou o interesse de sempre acerca da história da minha família materna, da qual é o momento precioso, desde a fundação de Martins até a resistência oposta por Rodolpho Fernandes à Lampião".

Ao mesmo tempo em que escreve sobre o roteiro geográfico e factual de Massilon que passa pela Paraiba e Ceará, estados por onde andou em busca de informações, Honório constrói um arcabouço emocional da marcante trajetória e origem da família materna dele, os Fernandes do Rio Grande do Norte, do qual ele faz questão de revelar que é a nona geração do patriarca que fundou e deu nome à cidade serrana de Martins.

Mas para leitores como nós, eu e Carlos, fica difícil não ver em cada capítulo a imagem da Igreja de São Vicente. Mesmo que não seja o capítulo em que Honório descreve, preciso como um roteiro cinematográfico, a hora do tiro disparado por Manoel Duarte e que matou o cangaceiro Colchete.

O patamar hoje está mais curto e mais baixo do que aquele em que os republicanos brincavam pela manhã e à noite. Apenas dois degraus e chão pedregoso como nunca. Arrancador de chamboque nos dedos dos pés.

Os canteiros, construídos por padre Sátyro no auge da perseguição aos jogos de bola dos meninos, estes permanecem intactos sendo que agora têm plantas. As crianças foram rareando nas residências em torno do Patamar. A cidade. O tempo. Os hábitos.

O jogo de bola acabou-se muito antes da capelinha da bunda redonda tornar-se cult e festejada.

Estivemos lá na igreja, na missa e quermesse dos 80 anos de idade do Careca com a entrega aos fiéis da capela pintada, restaurada, nova como em 1919. E amarela, bem amarelinha. Foi muito interessante.

Padre Sátyro no altar: "Eu vi São Vicente sorrir! Eu vi São Vicente sorrir!"

O octogenário e sua retórica vibrante, sabedoria dos oradores sacros, tradição dos copistas do conhecimento e da liturgia.

Depois tivemos que ouvir a Prefeita da Cidade.

Mas nos compensaram os doces vicentinos vendidos no meio da rua lateral, a Francisco Ramalho, defronte à casa de Marcos Porto, esse já tornado memória e lenda do Patamar que já carece de um livro. Ele também um Fernandes.

No Rio Grande do Norte esse lado familista é muito importante. O livro de Honório permite ver que laços ancestrais construíram esse orgulho familiar que de certa forma marca o Estado do Rio Grande do Norte.

Jânio Rêgo é jornalista - janiorego@blogdafeira.com.br

* Extraído do blog Cangaço em Foco do escritor e pesquisador do cangaço Dr. Archimedes Marques.