quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O FOGO DE PEDRA DE ABELHAS (I)

Escritor Marcos Pinto



Por Marcos Pinto


                      A  primeira  denominação  toponímica  do  atual  município  de  Felipe  Guerra-RN   foi  "PEDRA  D'ABELHAS", que    deriva do fato  histórico  de  que existia,  e  ainda  existe, um  enorme  bloco  calcário  com um buraco  em  sua  estrutura, que  ao  longo  de  remoto  tempo  tem servido como  espécie  de  colméia  natural, proporcionando  a  situação  de  grandes  enxames  de  abelhas  nativas  da  região.

Esta  pedra  está  situada  na encarpa  da serra  do  Apodi, ao  lado  da  estrada  que  dá  acesso  ao  sítio  "Brejo  de  Felipe  Guerra", antigo  "Brejo do Apodi". Até  o  ano  de  1948  esta  estrada  constituía  o  caminho  de  todos  os  viajantes  e  comboeiros  que  demandavam  da  região  do  Oeste e Alto Oeste  no  rumo  de  Mossoró.  Daí que  a  antiga  cidade  denominada  de  "Pedra  de  Abelhas"  surgiu  como núcleo estradeiro.                                                                                                                                                                                           
Com  exceção  da  família  GURGEL  DO  AMARAL, oriunda  de  Aracati-CE,  todas  as  famílias  do  município  de  Felipe  Guerra  tem  origem  na  fértil "Várzea  do  Apodi", cujas  terras  de  aluvião  tem  sido  a  força  motriz  do  progresso  e  do  desenvolvimento   do  Vale  e  do  município  do  Apodi.

Para  adentrar  no  assunto  que  dá  título  à  este  despretensioso  artigo, há que se  ressaltar  que,  desde  o  dia  em que  houve  o  rompimento  político  entre  as  famílias  PINTO  e  GURGEL, ocorrido  no dia  02 de Dezembro  de  1897, entre  os  patriarcas  Coronel  ANTONIO  FERREIRA  PINTO  e  Coronel  FRANCISCO  GURGEL  DE  OLIVEIRA (Bisavô materno  de  Laire Rosado), nasceu  uma  predisposição  político/ belicosa  entre  o  povo de  "Pedra  de  Abelhas" e os  Apodienses.

Neste dia, o  Cel. FERREIRA  PINTO  fez  veemente  protesto  perante  os seus  pares,  na  tribuna  da Assembléia  Legislativa  potiguar (Investido  no primeiro mandato de Deputado Estadual) contra  a  injustificada  atitude  de  rompimento  político  do  Coronel  GURGEL  com  o  Dr.  Pedro  Velho, responsável  pela    instalação   do  regime  republicano  no  RN  em 1889.

Ocorre  que o  patriarca  da  família  GURGEL  em  "Pedra  D'Abelhas" - O  Capitão  TIBÚRCIO  VALERIANO GURGEL  DO  AMARAL (Natural do Aracatí-CE),era  tio  materno  do  Coronel  Francisco  Gurgel  de  Oliveira (Coronel  Gurgel) e, como tal, apoiou  a  tomada  de  decisão  política  do  sobrinho.  Tibúrcio  era  o  pai  de  TILON GURGEL  DO  AMARAL.  A partir  daí, nasceu  o  espírito  de  rivalidades  recíprocas  entre  os  Apodienses  e  os  "Pedrenses  de  Abelhas", cuja  rixa  perdurou  até  o  ano  de  1963,(18.09.1963)  quando  o  então  Distrito  de  "Pedra  de  ABelhas"  foi  elevado  ao  predicamento  de  cidade  e  município, com  o  nome  de  FELIPE  GUERRA, em  homenagem  a  um  cunhado de  Tilon  Gurgel.

Felipe  Guerra  era  casado  com  uma  irmã  de Tilon  Gurgel.  Faço a  observação  de  que  o  Dr. Felipe  Guerra  não  trouxe  nenhum  benefício  para  a  comuna  de  "Pedra  de  Abelhas",  para  tutelar   a  razão  de  ter  o  seu  nome  como  patrono  toponímico  do  novel  município.

Apesar  de  liames  familiares  existentes  entre  os  Coronéis  FERREIRA  PINTO  e  GURGEL -  o  primeiro  tinha  a  avó paterna  como  irmã  do  pai  do  segundo, ou seja, dona  JOAQUINA  MARIANA  DE  JESUS  era  irmã  do  Tenente-Coronel  Antonio  Francisco  de  Oliveira  -  pai  do  Coronel  Francisco  Gurgel  de  Oliveira (Coronel  Gurgel),  a  indisposição  política  foi  se  acirrando  entre  essas  duas  famílias  tradicionais.

No  ano  de  1913  houve  uma  ligeira  trégua, com  os  casamentos  de  dois componentes da  família  PINTO  com  duas moças  da  família  GURGEL:   Dr. Vicente  Ferreira  Pinto, Promotor  Público, filho  do  Coronel  FERREIRA  PINTO, com  a  Srita  FILOMENA  GURGEL, irmã  de  Tilon  Gurgel, e  o  agropecuarista  FRANCISCO DIÓGENES  FILHO (Sêo  Diógenes - pai  de  Zé  Diógenes) casou  com  CAETANA  GURGEL  FILHA (Dona  Caetaninha) também  irmã  de  Tilon  Gurgel.  Sêo  Diógenes  era  sobrinho  materno   do  Dr. Vicente  Pinto.

Em  1919  reacendeu  a  intriga  familiar  e  política  entre  estas famílias, originada  no  fato  de  que  dois  componentes  da  família  PINTO  abriram  dissidência  política  -  Os  Srs. SEBASTIÃO  PAULO  FERREIRA  PINTO  e  seu  primo  JOÃO  DE  DEUS  FERREIRA  PINTO, que  se  aliaram  à  cerrada  oposição  à  família  PINTO, liderada  por  Tilon  Gurgel.

A  partir  deste  ano  de  1919  o  município  de  Apodi  e  seu  povo  passou  a  ser  teatro  de  correrias  e  tropelias  protagonizadas  por  jagunços  componentes  da  milícia  particular  comandada  por  DÉCIO   HOLANDA, cearense  do  Pereiro, onde  em  1927  "acoitou" o bandido  Lampião  e  seu  bando, na  sua  fazenda  de  nome  "Bálsamo".

Neste mesmo  ano  de  1913,  o  Coronel  FRANCISCO  FERREIRA  PINTO  casou  com  sua  prima  MARIA  SALOMÉ  DIÓGENES  PINTO (Irmã  de  Sêo  Diógenes), que  fora  adotada  em  criança  pelo  Coronel  JOÃO  JÁZIMO  DE  OLIVEIRA  PINTO  e  esposa  ISABEL  SABINA  DE  OLIVEIRA  FILHA (Bebela  de  João  Jázimo).

Aquí, cabe  fazer  uma  explicação  de  cunho  genealógico:  João  Jázimo  casou  com  uma parente  e  enteada  do  seu  genitor.  Bebela  era  irmã  de  Francisco  Diógenes  Paes  Botão, que  casou  com  Antonia (Toinha - Filha do Coronel  Ferreira  Pinto  e  de  Claudina  Pinto)  e foram  pais  de  Salomé  Pinto  e  Sêo  Diógenes.  Salomé  era, ao  mesmo  tempo, sobrinha  materna  de seus pais  adotivos João  Jázimo  e sobrinha  materna  da  mulher  de  João  Jázimo  - no  caso  Bebela.

Sêo  Diógenes  passou  por  uma  situação de  extremo  vexame  em  02  de  Maio  de  1934,  quando  o  Coronel  Francisco  Pinto  foi  assassinado  em Apodi, tendo  como  mandante o  seu  cunhado  Tilon  Gurgel, mancomunado  com  o  não  menos  truculento  Luiz  Leite.  Sêo  Diógenes  era, ao  mesmo  tempo, cunhado  do  Coronel  Francisco  Pinto (Casado com sua  irmã  Salomé) e  de  Tilon  Gurgel (irmão de  sua  esposa  Caetaninha).

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

DESENVOLVIMENTO PARA INGLÊS VER

Clóvis Rossi

Por Clóvis Rossi* 

O economista Edmar Bacha, um dos integrantes da equipe que lançou o Plano Real, que conseguiu por fim controlar a inflação no Brasil, cunhou faz já bastante tempo uma expressão para designar o país: seria uma Belíndia, uma pequena Bélgica rica cercada por uma imensa Índia pobre, miserável até em determinados pontos.

A expressão caiu em desuso nos últimos anos, caracterizados por uma forte propaganda dos avanços econômicos e sociais do Brasil. De fato houve avanços a partir do controle da inflação que era uma fábrica de pobreza e desigualdade incontrolável.

Mas os resultados do Censo 2010 que acabam de ser divulgados mostram que a Belíndia continua muito viva, nos mais diferentes aspectos.

Fiquemos no que é mais chocante, a imensa desigualdade entre ricos e pobres. Os 10% mais ricos recebem 39 vezes mais do que os 10% mais pobres (R$ 5.345 x R$ 137). Detalhe cruel: esses R$ 137 são a renda média mensal dos mais pobres. Equivalem a € 57,50. Ou, posto de outra forma, os espanhois que vivem se queixando de que são “mileuristas” e, por isso, se sentem miseráveis, talvez se consolassem ao saber que, mesmo sendo baixa, sua renda é 17 vezes superior ao do brasileiro pobre.

O que significa uma coisa que a propaganda oculta: o Brasil emergente tem uma vasta massa de gente que continua submersa, tristemente submersa.

Uma outra pesquisa, esta feita pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, quantificou essa massa: há 26,2 milhões de pessoas vivendo com até R$ 134 de renda média (13% dos 190 milhões de brasileiros), aos quais se somam 80,8 milhões que o IPEA considera pobres, com renda média mensal entre R$ 134 e R$ 465.

Total dos que não emergiram: 107 milhões, mais da metade da população, a Índia brasileira.

A desigualdade se reflete em praticamente todos os aspectos da vida. Educação, por exemplo: a taxa de analfabetismo, embora em queda, continua insuportavelmente alta (9,6%) para um país que gosta de se considerar a sexta potência mundial.

Mas é obscena na faixa de pessoas de 10 anos ou mais de idade sem rendimento ou com rendimento mensal domiciliar per capita de até 1/4 do salário mínimo: chega a 17,5%, quando na “Bélgica” brasileira é de apenas 0,3% (na classe social que vive com 5 ou mais salários mínimos).

Outro exemplo: saneamento básico. No Sudeste, a região mais rica do país, 90,3% dos domicílios estão atendidos por abastecimento de água, esgoto e coleta de lixo. Na região Norte, a porcentagem cai para apenas 54,5%.

Essa “Belíndia” tropical não é mais um país de maioria branca, revelou também o Censo. Pela primeira vez, o número dos que se declaram “brancos” caiu abaixo de 50% (exatamente para 47,7%, uma queda de seis pontos percentuais em relação ao Censo 2000).

É claro que o Brasil evoluiu nesse intervalo, mas com lentidão irritante, especialmente para a minha geração que já não tem muito tempo para esperar que, enfim, a potência do futuro chegue realmente ao futuro.

*Clóvis Rossi é editorialista da Folha de S.Paulo e colunista do portal El País.com

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

SOBRE A VELHICE

Franklin Jorge

Por Franklin Jorge

Não concebo que a velhice nos traga o consolo de uma “melhor idade”, como alguns hipócritas pregam, atualmente, de olho num significativo contingente de virtuais consumidores abonados e frívolos. Melhor idade como, se nos arrastamos penosamente à procura do túmulo?
Aborrecido pela propaganda enganosa que se empenha em atrair esse segmento com promessas de satisfações que nunca se realizarão, prefiro concordar com Mishima, que foi sincero e corajoso, ao afirmar que nos tornamos piores à medida em que, pateticamente, envelhecemos.
Já Alfred de Vigny não havia observado, muito antes de Mishima, que viver envilece? E o nosso Ascendino Leite, mais recentemente, não acrescentou aos achaques da velhice – que viu como uma terrível humilhação – ridículos incondicionais, que me eximo de citar? E Goya já não os terá pintado, esses achaques, em sua Quinta del Sordo, com um realismo brutal que beira o grotesco?
Fazendo-se reconhecer à distância até pelo andar desengonçado de velho que luta contra a desobediência dos músculos, a velhice cobre o homem de opróbrios. Portanto, nada há que a velhice nos dê que não desejássemos recusar com algum alívio para a autoestima.
Além disso, como um terrível e diabólico atributo da velhice, em sua impotência o velho torna-se ressentido e egoísta, quando não invejoso dos moços, como os castrados que odeiam os gozadores.
O apego à vida – que coincide com o enfraquecimento das forças vitais do indivíduo – tem mais a ver com o instinto de conservação inerente à natureza do homem do que com a usufruição de uma enganosa “melhor idade” que só engana a quem não tem discernimento. No íntimo, a partir duma certa fase da vida, se não somos parvos, nos sentimos tocados pelo dedo da morte e, sem exagero, podemos nos considerar sobreviventes.
Ora, é justamente nessa etapa da existência que já não podemos ignorar a mesquinha e vil realidade que nos dá a consciência de que somos feitos de órgãos que começam a falhar, apesar das eventuais próteses e dos racauchutamentos proporcionados pelos recursos da ciência, só acessíveis, no entanto, a uma privilegiada minoria.
Desgatado pelos dentes do Tempo, o velho engana-se pensando que ainda tem algum futuro para dissipar em prazeres que afinal acabam em câimbras ou soluços, quando não em prosaicos distúrbios hidroeletrolíticos, que é o que “mata o velho”, segundo a sabença popular.
Doa-nos isto ou não – e a verdade, como sabemos, dói – a única coisa que melhora com a idade é o vinho. E, ainda assim, a qualquer momento, pode desandar em vinagre.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

QUEM PODE JULGAR O JUIZ?

Nélson Motta


Nelson Motta, O Globo



Quando se fala desse assunto deve-se pesar muito bem cada palavra. Basta algum juiz de qualquer lugar achar que há algo de errado, ofensivo ou calunioso nelas, e você pode ser processado. E pior, o processo vai ser julgado por um colega do ofendido. Com raras exceções, jornalistas processados por supostas ofensas a juízes são sempre condenados por seus pares.


Sim, a maioria absoluta dos juízes é de homens e mulheres de bem, mas eu deveria consultar meu advogado antes de dizer isto: o corporativismo do Judiciário no Brasil desequilibra um dos pilares que sustentam o Estado democrático de direito. Basta ver os salários, privilégios e imunidades.


A brava ministra faxineira-chefe Eliana Calmon está sob fogo cerrado da corporação por defender os poderes constitucionais do Conselho Nacional de Justiça e chamar alguns juízes de “bandidos de toga”. Embora não exista melhor definição para Lalau e outros togados que aviltam a classe.


Como um sindicato de juízes, a Ajufe está indignada porque a ministra Eliana é contra os dois meses de férias que a categoria tem por ano, quando o resto dos brasileiros tem só um (menos os parlamentares, que têm quatro). Se os juízes ficam muito estressados e precisam de dois meses “para descansar a mente, ler e estudar”, de quantos meses deveriam ser as férias dos médicos? E das enfermeiras? E aí quem cuidaria das doenças dos juízes?


“Será que a ministra diz isso para agradar a imprensa, falada e escrita? Para agradar o povão?”, questiona a Ajufe. Como não é candidata a nada, as posições da ministra têm o apoio da imprensa e do público porque são éticas, republicanas e democráticas. Porque o povão, e a elite, julgam que são justas.


Meu avô foi ministro do Supremo Tribunal Federal, nomeado pelo presidente JK em 1958, julgou durante 15 anos, viveu e morreu modestamente, entre pilhas de processos. Suas únicas regalias eram o apartamento funcional em Brasília e o carro oficial. Não sei se foi melhor ou pior juiz por isto, mas sempre foi para mim um exemplo da austeridade e da autoridade que se espera dos que decidem vidas e destinos.


Nelson Motta é jornalista.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O PRESTÍGIO DO PODER JUDICIÁRIO ESTÁ EM QUEDA-LIVRE

Walter Maierovitch

Dever de vigilância do COAF contestado por Marco Aurélio e AMB

29 de dezembro de 2011

Por Walter Maierovitch (maierovitch.blog.terra.com.br)

O prestígio do poder Judiciário está em queda-livre. Está a cair mais do que as desconfianças nas finanças da Grécia, Itália e Espanha.

Os ministros Marco Aurélio Mello e a Associação Brasileira de Magistrados (AMB) foram os grandes protagonistas de um descrédito jamais sentido na história judiciária brasileira republicana.

A última bola-fora diz respeito à representação proposta pela AMB e taxada como criminosa pelo ministro Marco Aurélio, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

Essa representação foi encaminhada ao Procurador Geral da República, — que é o titular da ação penal pública em caso de crime–, e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle sobre desvios funcionais de magistrados não supremos: o Supremo Tribunal Federal já decidiu, em causa própria evidentemente, que o CNJ não tem poder correcional sobre os 11 ministros do pretório excelso.

O motivo da “notícia de crime” contida na representação da AMB diz respeito à atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

O COAF, a pedido do íntegro ministro Gilson Dipp, então corregedor do CNJ, examinou a movimentação financeira de 217 mil funcionários públicos judiciários, incluídos magistrados. Parêntese: juízes são funcionários públicos em sentido amplo e são órgãos do poder Judiciário, em sentido estrito.

Das verificações, o COAF apontou para 3.400 casos de movimentação fora do padrão habitual. Em síntese, 3.400 servidores públicos que podem, por exemplo, ter ganhado na loteria, recebido heranças, verba de precatório desapropriatório ou vendido decisões, liminares ou de mérito. O ministro Paulo Medina, ex-presidente da AMB, foi afastado das funções, sem prejuízo de vencimentos e vantagens, por vender liminares. No caso, não foi o COAF mas o CNJ que apurou por conta própria.

O COAF, e não sabe o ministro Marco Aurélio Mello e o presidente da AMB, tem, por força de lei, o chamado “dever de vigilância”. Não é um órgão de investigação, mas de inteligência financeira. Ou seja, detecta e informa quem tem o dever de investigar.

O COAF foi criado num esforço internacional para impedir a lavagem de dinheiro e ocultação de capitais por organizações terroristas, de narcotraficantes e de criminosos poderosos e potentes espalhados pelo planeta.

Ao atender uma requisição judiciária ( o CNJ integra o Poder Judiciário), o COAF apontou para movimentação fora do padrão e sem afirmar tratar-se de consumação de crimes. Como frisado acima, o COAF não realiza investigações criminais.

Depois de conceder liminar em caso que não havia urgência e para esvaziar a atuação do CNJ, isto no apagar das luzes do ano Judiciário, o ministro Marco Aurélio prestou um novo desserviço ao atribuir conduta criminosa e referente a quebra de sigilo de magistrados. Ele confunde dever de vigilância com quebra de sigilo.

Fora isso, Marco Aurélio não quer deixar que o CNJ tome a iniciativa de investigar juízes sob suspeita de desvio funcional, como, por exemplo, venda de sentenças a traficantes de drogas, etc. E o CNJ nasceu para atuar correcionalmente.

Nessa quadro surreal de concessões de liminares sem o requisito necessário da urgência, com o ministro Ricardo Lewandowsky a impedir a continuação de correição no Tribunal de Justiça de São Paulo (em outros estados foram realizadas sem ações e liminares), deve-se lembrar que, em setembro passado, a inconstitucionalidade sobre a atividade correcional do CNJ foi retirada da pauta de julgamento pelo plenário do STF, sem oposição de Marco Aurélio Mello. E foi retirada de pauta não haver sido considerada urgente.

Pano Rápido. O ministro Marco Aurélio seria um bom candidato à presidência da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), que congrega 16 mil juízes e tem no corporativismo e na manutenção de privilégios (férias duas vezes ao ano) a sua bandeira de lutas.

Sobre interpretações, como levantou o jurista Joaquim Falcão, o ministro Marco Aurélio ficou vencido em 73% dos julgamentos sobre questões de direito Constitucional no STF (confira-se: Folha de S.Paulo, edição de 20 de dezembro, página A6).

A respeito da decisão de Marco Aurélio de soltura do banqueiro golpista Salvatore Cacciola, frise-se, foi por liminar e a contrair decisões de juiz federal, do Tribunal Regional Federal e do Superior Tribuanl de Justiça.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

CARTA A PAPAI NOÉ

nordesteweb.com


CARTA A PAPAI NOÉ
Luís Campos
Poeta mossoroense

Seu moço eu fui um garoto
Infeliz na minha infância
Que soube que fui criança
Mas pela boca dos outo.
Só brinquei com os gafanhoto
Que achava nos tabuleiro
Debaixo dos juazeiro
Com minhas vaca de osso
Essa catrevage, sêo moço
Que a gente arranja sem dinheiro.

Quando eu via um gurizin
Brincando de velocipe
De caminhão e de gipe
Bola, revólver e carrin
Sentia dentro de mim
Desgosto que dava medo
Ficava chupando o dedo
Chorando o resto do dia
Só pruquê eu num pudia
Pegar naqueles brinquedo.

Mas preguntei uma vez
A uns fio de dotô
Diga, fazendo um favô
Quem dá isso pra vocês?
Mim respondeu logo uns três
Isso aqui é os presente
Que a gente é inocente
Vai drumí às vêis nem nota
Aí Papai Noé bota
Perto do berço da gente. 


Fiquei naquilo pensando
Inté o Natá chegá
E na Noite de Natá
Eu fui drumi mim lembrando
Acordei fiquei caçando
Por onde eu tava deitado
Seu moço eu fui enganado
Que de presente o que tinha
Era de mijo uma pocinha
Que eu mermo tinha botado

Saí c’a bixiga preta
Caçando os amigos meu
Quando eles mostraram a eu
Caminhão, carro e carreta
Bola, revólver, corneta
E trem elétrico, até
Boneca, máquina de pé
Mas num brinquei, só fiz vê
E resolvi escrevê
Uma carta a Papai Noé.

“Papai Noé, é pecado
Os outro se matratá
Mas eu vou le recramá
Um troço que tá errado
Que aos fio de deputado
Você dá tanto carrin
Mas você é muito ruim
Que lá em casa num vai
Por certo num é meu pai
Que num se lembra de mim.

Já tô certo que você
Só balança o povo seu
E um pobe qui nem eu
Você vê, faz qui num vê
E se você vê, porque
Na minha casa num vem?
O rancho que a gente tem
E pequeno mas le cabe
Será que você num sabe
Qui pobe é gente também?

Você de roupa encarnada,
Colorida, bonitinha
Nunca reparou que a minha
Já tá toda remendada
Seja mais meu camarada
Prêu num chamá-lo de ruim
Para o ano faça assim:
Dê menos aos fio dos rico
De cada um tire um tico,
Traga um presente pra mim.

Meu endereço eu vou dá,
Da casa que eu moro nela
Moro naquela favela
Que você nunca foi lá
Mas quando você chegá
Que avistá uma paióça
Cuberta cum lona grossa
E dois buraco bem grande
Uma porta véia de frande
Pode batê que é a nossa.

sábado, 12 de novembro de 2011

COMO AVALIAR UM GOVERNO?



Honorio de Medeiros

Em “Desenvolvimento Como Liberdade” (Companhia das Letras; 2004; 4ª reimpressão; São Paulo), Amartya Sen, Premio Nobel de Economia, ex-membro da Presidência do Banco Mundial, ex-professor da Universidade de Harvard, esposo de Emma Rothschild – autora, por sua vez, de “Sentimentos Econômicos”, um denso ensaio acerca de Adam Smith, Condorcet e o Iluminismo – nos convida a percebermos o contraste entre “um mundo de opulência sem precedentes” e “um mundo de privação, destituição e opressão extraordinárias.”
Trocando em miúdos Amartya Sen nos convida, isto sim, a entendermos o desenvolvimento como “um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”, e, não, como algo a ser identificado com o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social.
Ao se referir à expansão das liberdades reais Amartya Sen se refere, por exemplo, aos serviços de educação e saúde – e aqui eu acrescento segurança pública – e aos direitos civis (a possibilidade de participar efetivamente do governo e das discussões e averiguações públicas em relação ao dinheiro do povo).
Aceitar esse ideário como premissa implica em compreender que somente podemos considerar desenvolvido ou em desenvolvimento um País, Estado ou Município no qual, à título de esclarecimento, e em termos bastante simplificados, o dispêndio com obras públicas, tais como calçamentos, praças, ruas, estradas, asfaltamento, prédios, pontes, açudes, barragens, estádios de futebol, somente ocorra como conseqüência necessária e comprovada da implantação de políticas públicas voltadas para o avanço em áreas como educação, saúde e segurança. Políticas públicas essas estabelecidas claramente através de programas e projetos que tenham metas, prazos, alocação de recursos humanos e financeiros delineados claramente e possam ser acompanhados e questionados pela sociedade como um todo.
Óbvio que, no Brasil, a lógica é outra. As obras públicas são sempre “vendidas” à sociedade como sendo essenciais para o desenvolvimento “sustentável”. Essa lógica, consciente ou inconscientemente, busca privilegiar quem há de se beneficiar direta e imediatamente com ela, ou seja, aqueles que detêm o capital em suas mãos e querem o retorno imediato do investimento realizado: comprova essa afirmação a relação estreitíssima, no Brasil, entre os governos, sejam estes federais, estaduais e municipais, e empreiteiros, construtores, empresários da construção civil, enfim, os quais, depois de realizadas as eleições, pressionam os candidatos aos quais apoiaram financeiramente a investirem em obras.
A constatação, também, daquilo que se afirma aqui pode ser feita por qualquer um: basta que nos perguntemos se com todo o investimento em obras ocorrido no Brasil, digamos, desde Fernando Henrique Cardoso, passando por Lula, até hoje, houve diminuição sensível na miséria, e melhoria significativa na educação, saúde, e segurança pública. Façamos o mesmo quanto ao Rio Grande do Norte, Natal e/ou Mossoró.
É claro que não. Muito ao contrário. O que nós percebemos, nitidamente, é que o avanço, se é que houve, é um verniz que não resiste a uma visita individual ou coletiva a postos de saúde ou hospitais, escolas públicas e delegacias de polícia.
Portanto a conclusão é óbvia: desconfiemos de qualquer obra que não esteja atrelada, comprovadamente, a uma política pública na área de educação, saúde ou segurança. Uma comprovação que salte aos olhos, indiscutível.

Para começo de assunto. 


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

DA ARTE DE ROMPER UM GRANDE AMOR



Honorio de Medeiros


                   Muito tempo depois de sua separação eu a encontrei em um café, contemplando o mundo lá fora com aqueles olhos azuis maravilhosos através das volutas da fumaça do cigarro. Após os cumprimentos de praxe, não resisti e lhe perguntei como sobrevivera ao fim do seu casamento, tão minuciosamente condenado ao fracasso, segundo sua própria avaliação, quando nos vimos pela última vez. Ela sorriu, se espreguiçou como uma gata, tomou lentamente um gole de café, e me perguntou se eu queria saber a história toda ou somente o desfecho, com algumas pinceladas óbvias como arremate.

                   Antes de lhe dizer que não dispensava os detalhes me lembrei que parte do seu fascínio era a administração do silêncio, e este nos induzia a supor regiões misteriosas do seu pensamento onde a fantasia bordava, junto com a realidade, situações fascinantes para quem soubesse ousar e tivesse coragem de receber. Já naquele tempo ela reinava impune, a tripudiar das vãs tentativas dos conquistadores ávidos e tímidos admiradores, sem que as recusas constantes diminuíssem a admiração que granjeava. Nela, nada se eximia de seduzir, mas mesmo assim um dia sucumbira a uma paixão inesperada e violenta, que a retirara do circuito das festas e badalações.

                   Desde o começo nós, seus amigos, percebêramos que não daria certo aquela paixão. Sutilmente sua liberdade fora sendo restringida – logo a dela, tão essencial a si. Aos poucos, milímetro por milímetro, cedera sem notar, encantada por uma proposta enleadora de construção do futuro a dois, mão a mão, através da imagem de uma ponte afetiva que se sabia onde começava, mas que terminaria no infinito. Embora apaixonada foi através da persuasiva magia da visualização de um amor único, daqueles que nutrem uma alma só em dois corpos distintos, que ocorrera a derrubada das suas últimas resistências.

                   Mas finalmente ela despertou e a ânsia de viver livre, solta, cobrou sua fatura. Passou a se sentir sufocada e a perceber as invisíveis amarras que lhe prendiam o vôo. Queria ir embora, queria sumir, queria desaparecer, mas havia um obstáculo, um sério senão a impedir sua liberdade: o orgulho desmedido, o egocentrismo concentrado, a incontida auto-imagem que seu companheiro fazia de si mesmo; não era possível que o relacionamento fosse desfeito sem que a explicação a ser dada para isso preservasse sua posição social e o alto conceito que fazia de si mesmo.

                   “Eu não podia lhe dizer que ia embora por que o amor acabara; seu orgulho não aceitaria ser trocado por nada, por coisa alguma. Ele não admitiria nunca que não fora capaz de me segurar apaixonada, não admitiria que eu nada mais sentisse exceto um afeto meio dependente do alívio do afastamento definitivo. Tive, então, que criar uma paixão inexistente por outro e, pior, por alguém abaixo da escala de valores que ele prezava. Fui deixando que ele imaginasse que a verdade, acerca dessa paixão, estava sendo arrancada a pedaços, tamanha era minha vergonha. Assim, fui repudiada, me libertei, e ele pode dizer por aí, quando questionado, que eu havia sido uma aposta perdida por que mal avaliada, que eu fui incapaz de perceber a qualidade do sentimento que despertara, que eu fui alçada a um nível incompatível com minha ausência de sofisticação e, assim, depois, tinha sido levada de volta, como seria natural, através de um "qualquer", ao mundo ao qual realmente pertencia”.


                   E se foi, não sem antes me endereçar um sorriso meio irônico, como se a trama que ela encetara não tivesse envolvido somente um homem, mas todos os outros tão previamente condenados a não escapar, no final da contas, da malícia de toda mulher.                  

domingo, 6 de novembro de 2011

A DIALÉTICA NÃO DEVE AVENTURAR-SE COM A VERDADE

Schopenhauer
dialogocomosfilosofos.com.br

"A dialética não deve, portanto, aventurar-se na verdade, do mesmo modo como o mestre de esgrima não leva em consideração quem de fato está com a razão no litígio que causou o duelo: acertar e defender, eis o que interessa. O mesmo vale na dialética: ela é uma esgrima intelectual; somente quando entendida desse modo puro pode ser apresentada como uma disciplina própria, pois, se nos colocamos como metga a pura verdade objetiva, retornamos à mera LÓGICA; se, por outro lado, nos colocamos a realização de proposições falsas, temos então a mera SOFÍSTICA."

sábado, 5 de novembro de 2011

UMA OBRA A MAIS, UMA POLÍTICA PÚBLICA A MENOS

Até quando?


Honório de Medeiros



Há uma lógica perversa, induzindo a opção por privilegiar obras físicas em detrimento de políticas públicas, nos governos brasileiros, sejam estes quais sejam: municipais, estaduais, ou mesmo federal. Tal lógica é ainda mais perversa por praticamente excluir a opção pelas políticas públicas, entendidas estas “como as várias funções sociais possíveis de serem exercidas pelo Estado, tais como saúde, educação, previdência, moradia, saneamento básico, entre outras”, no dizer de Antônio Sérgio Araújo Fernandes, Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Políticas Públicas da UNESP/Campus Araraquara, em “Políticas Públicas: Definição, Evolução e o Caso Brasileiro”.

Em primeiro lugar, a opção por obras físicas, QUANDO RESULTADO DESSA INDUÇÃO, é conseqüência de uma demanda específica: a das grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados e, também, convenhamos, como conseqüência do fato de seus proprietários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, da elite política, quando não são o que comumente chamamos, no Brasil, de “laranjas”, ou seja, títeres dos próprios políticos.

Em segundo lugar, a opção por obras físicas é, também, conseqüência de outra demanda específica: a necessidade de encher os cofres vazios da elite política vencedora dos pleitos eleitorais aos quais se candidataram, e construir reserva para as futuras demandas político-partidárias.

Em terceiro lugar, a opção por obras físicas é, ainda, conseqüência de outra demanda específica: a de gerar condições de manutenção ou aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão pública, sob a alegação (interna) de que não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o serviço público (o chamado “por fora”).

Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras e serviços e, como conseqüência, por intermédio do Tesouro, financiá-las – consome o que sobra, no orçamento, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal, na maioria das vezes com manipulação orçamentária, sem praticamente nada deixar para a efetivação de políticas públicas.

A manipulação, persistente, o gerenciamento estrutural e dolosamente equivocado das finanças públicas, se mantém com a conivência dos Órgãos fiscalizadores, seja por desídia, seja por incompetência. Ano após ano a Constituição Federal é desrespeitada e seus princípios norteadores, no que diz respeito à Educação e Saúde, entre outros, adquirem o perfil de “letras mortas”.

O círculo vicioso engendra uma custosa publicidade com o objetivo de persuadir a sociedade acerca dos bons propósitos de toda obra e qualquer serviço que estejam sendo feitos. Assim, toda e qualquer obra surge, na publicidade, como decorrência de uma “demanda social” e se destina ao “desenvolvimento sustentado”. Obras e serviços por intermédio dos quais circula o capital financeiro da elite política, para perpetuar a expropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia.

E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, a luta contra a mortalidade infantil, a luta pela qualidade do ensino em todos os graus, a luta pela queda dos índices de homicídios, latrocínios, furto, que não dão retorno financeiro – embora dêem retorno eleitoral (e como dão) – são deixadas de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente, apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.

Vejamos o que nos dizem, por exemplo, Admir Antonio Betarelli Junior, Edson Paulo Domingues e Aline Souza Magalhães em seu estudo “QUANTO VALE O SHOW? IMPACTOS ECONÔMICOS REGIONAIS DA COPA DO MUNDO 2014 NO BRASIL”, encontrável no Google, sob o título acima. Leiam com atenção:

“Os resultados analisados neste trabalho dizem respeito aos impactos dos investimentos em infra-instrutora urbana e estádios programados para a Copa-2014 anunciados pelo Ministério do Esporte no início de 2010. A literatura de economia dos esportes costuma elencar outros impactos advindos dos eventos esportivos, como por exemplo: ampliação dos setores de serviços e hotelaria; fluxo adicional de turistas no evento e pós-evento; e exposição internacional do país, com atração de investimento externo. Entretanto, tais impactos, se existem, são de difícil mensuração e projeção. Por exemplo, diversos especialistas em economia do turismo (e.g. Matheson, 2002) consideram que um mega-evento como a Copa do Mundo apenas substitui turistas usuais no país-sede por “turistas-copa”, e mesmo estes podem efetuar um dispêndio no país significativamente menor, tendo em vista os gastos com ingressos e deslocamentos para o evento.

O principal resultado da Copa-2014 parece ser a melhoria da infra-instrutora urbana nas cidades-sede, o que representa efetivamente impacto de longo prazo na eficiência econômica de diversas cidades. Além disso, este trabalho destacou as opções de financiamento dos investimentos da Copa-2014, e sinalizou que o impacto econômico tende a diminuir com o financiamento público para as obras de estádios de futebol, uma vez que implicam ou no crescimento da dívida pública ou na redução do gasto das diferentes esferas de governo envolvidas. Embora no Brasil o futebol seja a “paixão nacional”, não se vislumbra uma forma de avaliar o ganho de bem-estar das famílias com a reforma e construção de estádios de futebol, de uso essencialmente dos clubes de futebol ou eventos comerciais. Provavelmente, um ganho mais importante de bem-estar ocorrerá com a vitória brasileira na Copa-2014.”

Ou seja, os impactos econômicos favoráveis são como miragens no deserto. E estão os autores abordando única e exclusivamente o viés econômico do evento. Não está sendo abordado o dano incalculável em termos de políticas públicas não gestadas e implementadas pela falta de financiamento governamental.

Obviamente que há toda uma plêiade de estatísticas justificando os investimentos do Governo. Não é nada difícil manipular estatísticas. Difícil é admitir que fazer calçamento possa ser melhor que educar as crianças, melhorar o atendimento médico-hospitalar ou diminuir as estatísticas da violência urbana e rural.              

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

RECOMENDAÇÃO

 Recomendo vivamente a visita ao http://coronelangelodantas.blogspot.com.

Assim como recomendo, para quem lê e pesquisa acerca da história do Rio Grande do Norte, a leitura de "CRONOLOGIA DA POLÍCIA MILITAR DO RIO GRANDE DO NORTE (175 anos de história - 1834 a 2009)", de Ângelo Mário de Azevedo Dantas, orelhas de Manoel Onofre Jr., edição do Autor, 2010. Trata-se de uma obra de valor indiscutível para se entender o Rio Grande do Norte. O Autor é um pesquisador inteligente e infatigável, e o resultado do seu trabalho já é referência no Estado.

PATOS, ONDE HOUVE UMA LAGOA (2)

Antônio de Lelé, ex-cantador de viola

Honório de Medeiros


“Por que Patos?”, repito. “Havia, aqui, antes, uma lagoa chamada ‘Lagoa dos Patos’” “Onde ficava, insisti.” “Ah, quem quer que tenha um quintal em casa diz que era lá.” E esboça um esgar de sorriso sarcástico no canto da boca. Virgílio Trindade nos indica outros intelectuais de Patos, dentre eles o Secretário de Educação do Município, que também é dirigente do Instituto Histórico local. Fomos até lá. Recebeu-nos uma moçoila loura tão importante quanto decrépito era o prédio da Secretaria. Perguntou-nos se tínhamos marcado hora. Foi até o gabinete e voltou cerimoniosa, pedindo-nos que aguardássemos o término de uma reunião. Sentamos durante breves cinco minutos e, impacientes, nos despedimos, para espanto da secretária, a quem recomendamos, enfaticamente, como despedida, a leitura da obra completa de José Sarney, apropriadíssima para moçoilas secretárias de secretários ocupadíssimos.

                            Passamos no “troca-troca”. Um galpão aberto para todos os lados onde quem quiser chega e expõe sua mercadoria para vender ou trocar. Seu Antônio, um sertanejo idoso, mas rijo, nos acolheu com um sorriso. Na sua banca encontramos desde uma rede de pescar em açudes até rádios antigos. “Troca-se qualquer coisa aqui, Seu Antônio?” “Qualquer coisa, doutor, até mulher velha por nova, mas dando o troco.” “Você e seu pai são de onde?”, diz ele se virando para Franklin Jorge. Caímos na gargalhada. Franklin diz que não é meu pai. Eu pisco o olho para Seu Antônio quando vou saindo: “ele é muito vaidoso”. Despedimo-nos. Seu Antônio olha para mim quando Franklin lhe dá as costas: “eu entendo como é...” 

                            Quem nos recebeu à porta da casa simples, estreita, geminada, praticamente no centro comercial de Patos, quando fomos à procura de Antônio de Lelé, cantador que primeiro fez dupla com Seu Chico Honório em sua breve carreira de repentista, foi sua esposa, baixinha, magrinha e enrugadinha. Abriu a porta que dava para uma pequena área que antecedia a salinha de estar e nós fomos envolvidos por um delicioso cheiro de alguma iguaria que estava sendo cozinhada no tempero de cominho. Antônio de Lelé não estava apesar de Dona Maria afirmar que ele nunca saía de casa, fato desmentido diversas vezes ao longo do dia, quando insistíamos em o procurar. Haveria algo freudiano nessa negação do óbvio? Finalmente damos com Antônio de Lelé, lá pela quarta procura. Surpresa: é como ver Padre Sátiro Dantas na nossa frente sem aquela sua impaciência enervante.

 Antônio de Lelé conversa longamente com Seu Chico Honório pelo celular enquanto assediamos Dona Maria com elogios rasgados ao cheiro de sua comida. Queríamos um convite. Era um bode no cominho. “O que acompanha?” “Arroz, farofa na gordura, uma saladinha.” “Rapadura, também”. E ia recuando, agoniada para escapar da obrigação sertaneja de oferecer a iguaria elogiada. Constrangida pelo cerco implacável, não entrega os pontos: “se não fosse tão pouca a comida eu até que convidava.” Renunciamos ao ataque, comovidos. Terminamos sem provar o bode.

Nesse tempo Antônio de Lelé já se despede alegando que tem que ir ao Banco, mas nos aguarda de tarde, garantindo que o livro de Orlando Tejo sobre Zé Limeira, com quem ele cantou várias vezes, tinha muita mentira. Eu fiquei me lembrando de Orlando no meu apartamento em Brasília, levado por Jânio Rego, espojado em minha cadeira de balanço a lançar fumaça de um cachimbo preto que empesteava o ambiente, falando acerca da Serra do Teixeira onde há um marco que fica no meio do tudo por que fica no meio do nada.