quarta-feira, 6 de março de 2013

DO SACRIFÍCIO FINANCEIRO DE GERAÇÕES FUTURAS


Gostaria de saber de quem é esta arte, para render as devidas homenagens!
 
 
Honório de Medeiros
 

                               Recordo Zygmunt Bauman (“Isto Não É Um Diário”; Zahar) citando José Saramago enquanto contorno o canteiro de obras no qual é erguida a Arena das Dunas em Natal, esse monumento ao desperdício de dinheiro público e segregação social:

                               (...) as pessoas não escolhem um governo que colocará o mercado sob controle; em vez disso o mercado condiciona os governos de todas as formas a colocar as pessoas sob seu controle.

                               É o caso.

                            Em nossa alienação, a informação que o site http://www.copaemnatal.com.br/oprojeto nos fornece, qual seja, a de que entre a construção do estádio e das obras acessórias ao complexo, o Governo confirma gastos de mais de R$ 2 bilhões, confirmada por intermédio da excelente reportagem de Ana Ruth Dantas para o jornal Tribuna do Norte (http://tribunadonorte.com.br/noticia/governo-vai-pagar-mais-de-r-1-bilhao-pela-arena/175668) nos soa banal, face ao onipresente cansaço de nossa capacidade de se indignar ante a gastança governamental ilegítima, ampla e continuada, e até mesmo compreensível, tendo em vista a maciça e reiterada propaganda, por nós financiada, que busca nos convencer da necessidade do investimento aludido.

No próprio e primeiro site acima citado, trecho da matéria que ele veicula tem o seguinte título: Copa impulsiona economia potiguar. E a matéria prossegue:

(...) Segmentos de comércio, turismo, imobiliário e de serviços terão ganhos na geração de empregos e renda. A economia do Rio Grande do Norte será remodelada nos próximos cinco anos. (...) O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN (Fecomércio), Marcelo Queiroz, também acredita no desenvolvimento de Natal e destaca melhorias no comércio. “Os investimentos serão feitos em todas as áreas para os natalenses e para os milhares de turistas que virão conhecer o Estado”. “A visibilidade de Natal para todo o mundo, criada com o evento, só proporciona ganhos na economia”, lembra o presidente da Fecomercio. A criação de novos empreendimentos e as melhorias nas obras de infraestrutura irão gerar mais empregos e renda, alterando o perfil econômico do Estado.

Assim é que apenas um muxoxo contrai nosso rosto quando lemos o quê Ana Ruth Dantas esclarece:

O Governo do Estado pagará pela Arena das Dunas, que sediará os jogos da Copa do Mundo de 2014 em Natal, mais de R$ 1 bilhão. Embora o valor da obra seja de R$ 400 milhões, bancados pela construtora OAS através de recursos próprios e empréstimo junto ao BNDES, o desembolso dos cofres públicos potiguares para a empresa vai representar, ao término do contrato de 20 anos de concessão, o equivalente a três Arenas.

A engenharia financeira feita pelo Executivo para a construção da Arena das Dunas prevê repasses mensais durante 17 anos para a construtora. Esses repasses não terão qualquer ligação e/ou compensações com a possível receita auferida pela OAS da administração compartilhada do estádio. Os primeiros três anos, quando o estádio estará sendo construído, é o chamado "período de carência" do contrato Governo/OAS. A construtora é quem vai contrair o empréstimo de R$ 300 milhões oferecidos pelo BNDES e investir outros R$ 100 milhões, de recursos próprios, cobrindo o custo da obra. A partir do primeiro ano de operação do estádio, ou seja, em 2014, o Governo começará a pagar os R$ 400 milhões a OAS. Nos primeiros 11 anos de funcionamento do estádio serão prestações mensais de R$ 9 milhões. Do décimo segundo ano até o décimo quarto ano, serão R$ 2,7 milhões/mês de prestação. Nos três últimos anos do contrato de financiamento, o Governo pagará à OAS prestações mensais de R$ 90 mil. Ao final do contrato de 20 anos, incluindo os três de carência, o Governo do Rio Grande do Norte terá desembolsado R$ 1.288.400.000, ou seja, o equivalente a três Arenas das Dunas.

Não vou nem argumentar em defesa do emprego dessa colossal montanha de dinheiro em programas sociais na área de saúde, educação e segurança pública. Não vou mencionar o sucateamento da saúde estadual. Esse discurso está entediante. Vou argumentar em defesa do uso dessa montanha de dinheiro em uma infraestrutura que permitisse o avanço do turismo. Seria o caso de cuidar do nosso fantástico litoral, totalmente abandonado, bastando nos dirigirmos a Ponta Negra ou à Praia do Meio para comprovarmos essa situação. Seria o caso de interiorizar o turismo. Seria o caso de tantas outras idéias com retorno garantido...

As gerações futuras estão condenadas ao pagamento de um empréstimo ilegítimo em todos os seus aspectos. Não lhes sobra alternativa, vez que nós, o presente, não reagimos quando e como deveríamos. Por esse empréstimo, um segmento muito específico da Sociedade amealha riqueza arrancada de todos quantos estando na outra ponta do processo, seja em Natal, seja no interior, estão excluídos da possibilidade de serem beneficiados com esses recursos.

E por que esse empréstimo é ilegiítimo? É ilegítimo porque não beneficia, por exemplo, os favelados de Natal. Com uma população de 803.739 mil habitantes, Natal tem 10% de seus moradores vivendo em aglomerados subnormais, ou seja, favelas, invasões e loteamentos sem titulação. Segundo o Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital do Rio Grande do Norte tem 80.774 pessoas vivendo em aglomerados subnormais.
 

É ilegítimo porque não beneficia o interior, ou seja, segundo dados do IBGE - Censo 2010, como a população do RN é de 3.168.027 habitantes, e Natal tem 803.739 habitantes, ficam fora dos benefícios mais de dois milhões e trezentos mil habitantes.
 

Ou alguém imagina que para a população interiorana do Rio Grande do Norte a construção da Arena das Dunas trará alguma vantagem? Ou alguém imagina que essa obra trará benefícios para os mossoroenses, caicoenses, pauferrenses, para citar alguns?
 

Claro que todos quantos foram movidos, encaminhados para fazerem a defesa da Arena das Dunas, seja por ignorância, seja por má-fé, hão de dizer que todo esse investimento feito há de retornar por intermédio, por exemplo, do aumento da tributação que reverterá para o social, seja em Natal, seja no interior. É a famoso “teoria do bolo econômico”, o xodó dos ricos, o argumento principal esgrimido para justificar a espoliação, dos que detêm o capital financeiro. Por essa teoria, “aumentemos o bolo que todo mundo come”!
 

Lamento dizer, mas essa teoria foi construída para beneficiar os ricos. Nasceu nos laboratórios do chamado “Consenso de Washington”. E não é nova. Delfim Neto já a brandia décadas atrás quando dirigia os destinos econômico-financeiros do Brasil, sabe-se lá a serviço de quem. Não por outra razão Branko Milanovic, principal economista do departamento de pesquisa do Banco Mundial, citado por Bauman, afirma que
 

Na virada do século XXI, os 5% mais ricos do planeta recebem um terço do total da renda global, tanto quanto os 80% mais pobres.
 

Conclui Balmant:
 

Embora alguns países pobres estejam se emparelhando ao mundo rico, as diferenças entre os indivíduos mais ricos e mais pobres são enormes e tendem a crescer.
 

E o que é pior, especificamente, é que os ricos estão mais ricos pegando nosso dinheiro a preço vil, oferecido pelo Estado, captado diretamente, e o maior atingido é a classe média, vítima indefesa da tributação (os ricos transferem o ônus para os pobres), ou captado obliquamente, na base da sociedade, quando esta paga tributo indireto ao comprar bens de primeira necessidade, como uma caixa de fósforos, e o recebendo de volta gordo e lustroso.
 

Chama-se transferência esse processo: tiram de nós e dão a eles. É isso que os governos fazem quando pegam dinheiro emprestado para financiar obras que somente beneficiam uns poucos, em detrimento de muitos.
 

Vou dobrando o cabo da boa esperança, como dizia minha mãe se referindo aos que passam dos cinqüenta, e não vi nada mudar desde criança, no que diz respeito à distribuição da riqueza que o bom Deus houve por bem deixar na face da terra: os ricos continuam ricos, os pobres continuam pobres. O que mudou - e como, foram os instrumentos por meio dos quais os ricos arrancam o dinheiro dos pobres.
 

Não estranho, portanto, o que li em Bauman. Tampouco o que li do economista do Banco Mundial.
 

Mas não vou perder as esperanças. Meu padrinho Padre Cícero dizia, e minha santa mãe repetia, que “um dia o Sertão vai virar mar, e a roda grande entra na roda pequena”.
 

É aguardar...

sábado, 2 de março de 2013

QUAL CONSTITUIÇÃO?

Robert Darnton, em "Os dentes falsos de George Washington":

"Examine a correspondência entre Jefferson e Madison e você topará com observações como esta: 'A terra pertence sempre à geração contemporânea (...). Cada Constituição, portanto, e cada lei, expira (sic) naturalmente ao final de dezenove anos. Se forem levadas a durar mais, trata-se de um ato de força, e não de direito".

Lysander Spooner, em "No Treason", compilado por George Woodcock em "Os grandes escritos ANARQUISTAS":

"A Constituição não tem autoridade ou obrigação inerentes. Não tem nenhuma autoridade, a não ser pelo contato homem a homem. Nem mesmo pretende ser um contrato entre pessoas. No máximo pretende ser um contrato entre pessoas que viveram há 80 anos".

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

DE UM PAI APAIXONADO



 
A Princesa do meu Reino
 
 

Parece que foi ontem, mas você tinha ainda quatro ano:
 
-      Papai, o medo pode transformar a gente em herói, não é?
-      Como assim, Bárbara?
-      Como Mogli, papai.
-      O que é que tem Mogli?
-      Ora, papai, ele estava com medo dos bichos e aí ele fez muitas coisas.
-      Como Mogli?
-      Sim Papai. Você não gosta de Coragem, o Cão Covarde?
-      Gosto.
-      Então? Coragem não é medroso? E ele sempre não salva sua dona?
 
Minha filósofa...
 
Não pude perceber, não tinha como, não é, naquele momento, sua inteligência fulgurante, a rapidez e a profundidade do seu raciocínio, sua propensão para a abstração. Não pude pressentir, ali, sua capacidade de viajar da matemática para a literatura, fazendo conexões complexas, com a simplicidade que somente alguns privilegiados possuem...
 
 
Minha bela...
 
 
E essa sua beleza moreno-clara que chama a atenção pela simplicidade harmoniosa dos traços, esse rosto suave emoldurado pelo sorriso luminoso que é uma das suas características físicas mais marcantes?
 
 
Minha amiga e confidente...
 
 
Não é assim que nós somos? Amigos desde sempre? Não nos divertimos em longos debates espirituosos e tortuosos, com todas as armas retóricas possíveis, cheios de estratégias e táticas inimagináveis? Não nos consolamos mutuamente, quando a tristeza quer nos arrebatar? Não nos escutamos mutuamente quando o dia ensolarado insiste em se fazer noite tempestuoso? Não já beijei suas lágrimas? Não fui abraçado forte e carinhosamente por você nos meus cansaços?
 
 
Minha inspiração...
 
 
Que dizer do seu apurado senso social? De sua indignação com as injustiças? De sua tristeza com a miséria, com a humilhação, com a opressão? Do quanto você me inspira? Do quanto você me impediu, muitas vezes, de entregar os pontos?
 
 
Conclusão:  
 
Tudo foi, minha princesa, uma eternidade que passou como em um piscar de olhos, de tão feliz: cada segundo, cada minuto, hora, dia, anos, desde o momento mágico em que a tive pela primeira vez nos braços, tão frágil, tão indefesa, tão pequenina, até hoje, quinze anos depois, quando eu a olho e abraço, e meu coração se contrai, acelera, e percebo a menina-moça encantadora que você se tornou.
 
Deus lhe abençoe, meu amor: que a vida lhe seja leve!
 
Honório de Medeiros
 

sábado, 23 de fevereiro de 2013

NO CORAÇÃO DE NATAL, O ABANDONO!

NA BELA NATAL, EM PLENA AV. GOV. JUVENAL LAMARTINE, TEMOS:
 
 
 
Parque Ney Aranha Marinho
 
 
 
Alameda Deífilo Gurgel e Academia da Terceira Idade
 
 
QUE VOCÊ, DE LONGE, IMAGINA SER ASSIM:
 
 
 
 
MAS QUE, NA VERDADE, É ASSIM:
 
 
 
E ASSIM:
 
 
 
 


A NORMA JURÍDICA É SEMPRE UMA EXTENSÃO DO PODER POLÍTICO

A interpretação, produção, e aplicação da norma jurídica reflete, sempre, a vontade de quem detém o Poder Político, mesmo que em uma circunstância fugaz.
 
Não poderia ser diferente: a norma jurídica, sua interpretação, produção, e aplicação é, sempre, uma extensão desse Poder Político, é, sempre, um instrumento do Poder Político.
 
Quando, pela primeira vez na história, em Atenas, a norma jurídica adquiriu a roupagem retórica de instrumento para a obtenção da Justiça, refletiu a vontade política da nova classe que se contrapunha à aristocracia então reinante: a classe média, formada por comerciantes, artesãos, construtores, prestadores de serviços, produtores rurais de pequena monta, e assim por diante.
 
O sonho durou pouco e se transformou em pesadelo com Esparta, Alexandre da Macedônia, e, no final, Roma. Mas durou o suficiente para originar essa retórica relação entre Direito e Justiça.
 
Uma retórica Justiça que tem como núcleo o Justo-Em-Si-Mesmo, esse fantasma que ainda hoje assombra os atrasados livros de Filosofia do Direito.    

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O DEDO NA FERIDA

Carlos Santos, mais uma vez, com o talento que lhe é peculiar, põe o dedo na ferida. Leiam, abaixo, o que ele pensa acerca do bate-boca entre os idiotas "esquerdopatas", de um lado, e os imbecis "quasímodos morais da direita", do outro:

Dois lados de um debate que não existe

Blog do Carlos Santos


As redes sociais não têm contribuído para o bom debate. Triste, mas é a mais pura verdade.
 
De um lado, os “esquerdopatas” e na outra ponta, “quasímodos morais da direita”.
 
Cada corrente defende seus ícones atacando o contendor ideológico. Ambos fogem do questionamento elevado e do estudo de fatos.
 
Prevalece a deificação ou o enxovalhamento da honra desse ou daquele político, dependendo do ângulo de visão e interesse.
 
Sobram agressões e insultos bobos. Mexer nos vespeiros é ruim para os militantes cibernéticos.
Ninguém para para discutir o cerne da questão, em temas como impunidade e corrupção.
 
Com isso, testemunhamos a perpetuação de antigos vícios que prejudicam o Estado e afligem a sociedade.
 
“A culpa é do mordomo”, como se diz num velho clichê de filmes policiais.
 
Pobre Brasil!

A LETRA DO INFINITO

Do retalhosdoquesou.blogspot.com
 
 
Regina Azevedo
 
reginazvdo.blogspot.com.br
 

Em janeiro, li 'As vantagens de ser invisível', e chorei bastante, porque, além de ter me identificado muito com as histórias, o livro é tocante e muito lindo. 

Quem nunca se sentiu infinito? 

Eu já. 

A primeira vez em que me senti infinita foi quando li esse livro. A segunda foi quando tive um pesadelo e meu pai cantou pra mim, enquanto me balançava numa rede, até eu adormecer. A terceira vez foi quando senti um calor gigante, e tomei um quase-banho numa pia, e minha roupa ficou toda molhada - uma coisa linda de se ver. A quarta vez foi quando tomei banho, depois de um dia extremamente cansativo, e adormeci sem roupa alguma, completamente molhada, debaixo dos lençóis. A quinta vez foi quando me disseram que algo que eu tinha escrito tinha mudado uma vida. A sexta vez foi quando eu assisti o filme 'O lado bom da vida', e fiquei dançando, ali, no meio do filme, um monte de gente olhando. A sétima vez foi quando eu fiquei brincando de ser feliz, em um balanço que, teoricamente, só suportaria metade do meu peso. A oitava vez - e já estou ficando cansada desses números ''ordinários'' - foi quando dancei tanto que acordei completamente dolorida, no outro dia. A oitava vez, e não menos importante, foi quando comprei minha nova sapatilha de ballet e dancei e dancei e dancei, como se eu fosse a única no mundo e o mundo inteiro fosse vários. 

Mas, e quando esse sentir-se infinito não acaba nunca?, me pego perguntando, pouco tempo atrás. 

Dizem que eu estou apaixonada. Meus olhos brilham, meus poemas ganharam um quê de paixão e eu vivo chorando. Mas, oras! Eu sempre fui apaixonada. 

Pelos pássaros. 

E quem nunca?! 

Pois que digam. Espalhem em todos os reinos, façam a notícia correr rios e lagos, mandem avisar aos reis. Ordenem ao (ex-)papa que não renuncie, porque REGINA ESTÁ APAIXONADA! 

Estou apaixonada por um simples e único motivo: poder me apaixonar. 

E se não existisse ninguém que cativasse outros a tal ponto de fazer olhos brilharem e textos ganharam mais paixão? Como seria o mundo? 

Por Jesus, Maria e Vishnu. 

Estarei apaixonada até o dia em que estiver viva. 

Se não por algo, por tudo! Por um pássaro, por um canto, por um olho, por uma lágrima de canto de olho, uma dança, uma música, um poema, uma palavra... 

E espero que o Infinito inteiro me faça sentir infinita, sempre. 

Porque se não for assim, eu não quero ser nada. 

P.S.: Esqueçam essa história de pedir pro (ex-)papa não renunciar, porque eu quero é um papa mais pop!

sábado, 16 de fevereiro de 2013

NAS LÁGRIMAS DE UMA ADOLESCENTE, A ESPERANÇA NO HOMEM



11 DE SETEMBRO E A VIDA


Bárbara de Medeiros


Neste exato momento em que escrevo, as lágrimas caem dos meus olhos como gotas de chuva escorrem em uma janela, e eu tremo com os soluços que já não consigo controlar. Conhecimento mata. Mata sim. E eu sou a prova disso.
 
Porque até aproximadamente duas horas atrás eu estava bem. Sorrindo. Feliz. Sabia que o mal existia, é claro, mas não esperava que ele vivesse tão próximo ou que ele fosse tão poderoso e assustador. Eu era uma observadora passiva de um quadro pintado por outro artista, já manchado pelo tempo. Mas não hoje. Não mais.
 
Não que agora eu seja a artista. Vivemos em um período sem maiores perigos, e mesmo que não fosse assim, quem sou eu para ser alguém? Tenho 14 anos. Sou uma menina. Choro fácil. Apego-me fácil. Machuco-me fácil. Não apresento resistência nem esperança pra ninguém.
 
Mas sou um ser humano. E como ser humano, além de ter capacidade de abstração, também sou capaz de ficar emocionada. De sentir empatia. E é isso que eu sinto. É isso que me faz chorar agora, como não o fazia desde a morte do meu avô.
 
O motivo? 11 de setembro. Não, não a famigerada terça feira de 2001. Refiro-me a uma que ocorreu 28 anos antes, no Chile. Talvez você nunca tenha ouvido falar do que aconteceu. Até pouquíssimo tempo, nem eu sabia.
 
Talvez seja hipocrisia minha. Não chorei (tanto assim) ao saber da Segunda Grande Guerra nem da Primeira. A ditadura militar me irritou mais do que me chateou. Mas o que aconteceu nesse país estrangeiro a tão pouco tempo, paralelamente ao nosso próprio sofrimento também influenciado pelos Estados Unidos (embora em uma escala muitíssimo menor) levou-me ao estado de bebê novamente, em posição fetal aos prantos, sendo consolada pela minha mãe.
 
Não darei aula de história. (Ainda) não sou formada nessa matéria. Se te interessar saber o que aconteceu, assista a esse vídeo, a causa de toda a minha tristeza: http://www.youtube.com/watch?v=nQZ90Dz4OuM&feature=youtu.be
 
 
Somos todos seres humanos. Mas o que leva um de nós a exterminar (ou quase isso) sua própria raça? Inteligentes? Animais inteligentes? Só se for piada. Mais do que lágrimas e soluços de tristeza, eu sinto uma reviravolta no meu estômago que quase me faz vomitar. Nojo. Essa é a principal emoção em mim.
 
Sinto frio e medo. Não pelo passado, já que não podemos mudá-lo, mas pelo futuro. Sinto-me impotente. Assustada. Uma garotinha encolhida que precisa desesperadamente do consolo dos pais. Eu não sabia que era assim. Eu não esperava que fosse assim. Eu não quero que seja assim.
 
Mas a vida engana.
 
E a morte seduz.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

DO ATIVISMO JUDICIAL


 
 
Honório de Medeiros
 

Um dos mitos fundantes que norteiam a nossa concepção liberal de Estado é a do contrato social. Por esse mito cedemos a liberdade que supostamente nos é inerente para que o Estado impeça que nos destruamos uns aos outros.
 
Homo homini lupus, escreveu Thomas Hobbes, o homem é o lobo do homem, o primeiro dos grandes contratualistas. Frase de Plauto, em “Asinaria”, textualmente Lupus est homo homini non homo, expõe a causa-síntese, a constatação que impele o Homem a optar pelo pacto social: em o assegurando, a sociedade regula o indivíduo, o coletivo se impõe sobre o particular, e fica, assim,  assegurada a sobrevivência da espécie.
 
Caso não aconteça o pacto social, bellum omnium contra omnes, guerra de todos contra todos até a auto-aniquilação no Estado de Natureza, é o que ocorreria se imperasse a liberdade absoluta com a qual nasciam os homens, diz-nos, ainda, Hobbes, no final do Século XVI, início do Século XVII - recuperando a noção de contrato social exposta claramente por Protágoras de Abdera, a se crer em Platão.
  
Essa noção, de pacto ou contrato social, até onde sabemos, foi pela primeira vez exposta por Licofronte, discípulo de Górgias, como podemos ler na “Política”, de Aristóteles (cap. III):
 
De outro modo, a sociedade-Estado torna-se mera aliança, diferindo apenas na localização, e na extensão, da aliança no sentido habitual; e sob tais condições a Lei se torna um simples contrato ou, como Licofronte, o Sofista, colocou, “uma garantia mútua de direitos”, incapaz de tornar os cidadãos virtuosos e justos, algo que o Estado deve fazer.
 
E muito embora um estudioso outsider do legado grego tal qual I. F. Stone defenda que a primeira aparição da teoria do contrato social está na conversa imaginária de Sócrates com as Leis de Atenas relatada no “Críton”, de Platão, há quase um consenso acadêmico quanto à hipótese Licofronte estar correta. É o que se depreende da leitura de “Os Sofistas”, de W. K. C. Guthrie, ou da caudalosa obra de Ernest Barker.
                                     
Entretanto é com Jean Jacques Rousseau, após Hobbes e John Locke, que se firma o mito fundante do contrato social, influenciando diretamente as revoluções Americana e Francesa, bem como o surgimento da idéia de Estado conforme a concebemos ainda hoje. Em “O Contrato Social”, Rousseau põe na vontade dos homens, da qual emana o Estado após o pacto social, a origem absoluta de toda a lei e todo o direito, fonte de toda a justiça. O corpo político, assim formado, tem um interesse e uma vontade comuns, a vontade geral de homens livres.
 
Quanto a esse corpo político, José López Hernández em “Historia de La Filosofía Del Derecho Clásica y Moderna”, observa que Rousseau atribui o poder legislativo ao povo, já que esse mesmo povo, existente enquanto tal por intermédio do contrato social, detém a soberania e, portanto, todo o poder do Estado.
 
As leis, inclusive a do contrato social, que emanam do povo, assim as vê Rousseau: são atos da vontade geral, exclusivamente; “é unicamente à lei que todos os homens devem a justiça e a liberdade”; “todos, inclusive o Estado, estão sujeitos a elas”.
 
O ideário acima exposto, no qual a lei a todos submete por que decorrente da vontade geral do povo, que detém a soberania - pode ser encontrado em obras muito recentes, como o “Curso de Direito Constitucional”, primeira edição de 2007, do Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Ferreira Mendes e outros. Às páginas 37 do Curso, lê-se:
 
Por isso, quando hoje em dia se fala em Estado de Direito, o que se está a indicar, com essa expressão, não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica em que se viva sob o primado do Direito, entendido este como um sistema de normas democraticamente estabelecidas e que atendam, pelo menos, as seguintes exigências fundamentais: a) império da lei, lei como expressão da vontade geral; (...)
 
Assim como é encontrado, expressamente, enquanto cláusula pétrea, imodificável, na Constituição da República Federativa do Brasil, no parágrafo único do seu artigo 1º:
 
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
 
Ou seja, o exercício do poder é do povo, que em não o exercendo diretamente, o faz por intermédio de representantes seus eleitos. Eleitos, sublinhe-se. De onde se infere algo absolutamente trivial: enquanto, digamos assim, os parlamentares são o povo, os juízes são servidores do Estado, essa emanação da Sociedade.
 
Há algo de absurdo, portanto, nessa doutrina do “ativismo judicial” que viceja célere nos tribunais do Brasil, principalmente no nosso Supremo Tribunal Federal.
 
Entenda-se, aqui, como “ativismo judicial”, o “suposto” papel constituinte do Supremo, reelaborando e reinterpretando continuamente a Constituição, conforme afirmação sutil do Ministro Celso de Mello em entrevista ao “Estado de São Paulo”, criando normas jurídicas, seja através da “mutação constitucional”, na qual a forma permanece, mas o conteúdo é modificado, seja por intermédio da identificação de lacunas inexistentes no Ordenamento Jurídico, sempre, em ambos os casos, com fulcro em uma onisciência jurídica que expressa um vaidoso e preocupante subjetivismo, formalizada via uma retórica calcada em princípios abstrusos, confusos e difusos, indeterminados e nada concretos, da nossa Constituição Federal.
 
Não é por razões ideológicas ou pressão popular. É porque a Constituição exige. Nós estamos traduzindo, até tardiamente, o espírito da Carta de 88, que deu à corte poderes mais amplos, disse, arrogantemente, o então presidente do STF Gilmar Mendes, supondo que fora do “habitat” jurídico, estreito por nascimento e vocação, aqueles que têm alguma formação filosófica possam aceitar que em pleno século XXI a Corte Constitucional seja, para os cidadãos, o que a Igreja foi na Idade Média, quando se atribuiu o papel de intérprete do pensamento e da vontade de Deus.
 
Pergunta-se: teria o judiciário legitimidade, levando-se em consideração o que acima se expõe, para avançar na seara do legislativo, passando por cima da soberania do povo em produzir leis através de seus representantes, seja preenchendo lacunas (criando leis), seja alterando o sentido de normas jurídicas, seja modificando, via sentença, a legislação infraconstitucional? Ainda: teria amparo legal o STF para tanto?
 
É autoritário o cerne do argumento que norteia o ativismo judicial. Sob o véu de fumaça que é a noção de que haja um “espírito constitucional” a ser apreendido (interpretado segundo técnicas hermenêuticas somente acessíveis a iniciados – os guardiões do verdadeiro e definitivo saber) está o retorno do “mito platônico das formas e idéias” cuja contemplação e apreensão é privilégio dos Reis-Filósofos.
 
É a astúcia da razão a serviço do Poder. Platão, esse gênio atemporal, legou aos espertos, com sua gnosiologia, a eterna possibilidade de enganar os incautos lhes dizendo, das mais variadas e sofisticadas formas, ao longo da história, que somente “alguns”, os que estão no lugar certo, e na hora certa, podem encontrar e dizer “o espírito” da Lei, o bom e o mal, o justo e o injusto, o certo e o errado.
 
O mesmo estratagema a Igreja de Santo Agostinho, esse platônico empedernido, por séculos usou para administrar seu Poder: unicamente a ela cabia ligar a terra ao céu, e o céu à terra, por que unicamente seus príncipes sabiam e podiam interpretar corretamente o pensamento de Deus gravado na Bíblia, como nos lembra Marilena Chauí em “Convite à Filosofia”:
 
A autoridade apostólica não se limita ao batismo, eucaristia e evangelização. Jesus deu aos apóstolos o poder para ligar os homens a Deus e Dele desliga-los, quando lhes disse, através de Pedro: ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as Chaves do Reino: o que ligares na Terra, será ligado no Céu, o que desligares na Terra será desligado no Céu’. Essa passagem do Evangelho de Mateus será conhecida como ‘princípio petríneo das Chaves’ e com ela está fundada a Igreja como instituição de poder. Esse poder, como se observa, é teocrático, pois sua fonte é o próprio Deus (é o Filho quem dá poder a Pedro); e é superior ao poder político temporal, uma vez que este seria puramente humano, frágil e perecível, criado por sedução demoníaca (idem).
 
E, assim, como no Brasil a última palavra acerca da “correta” interpretação de uma norma jurídica é do STF, e somente este pode “contemplar” e “dizer” o verdadeiro “espírito das leis”, aos moldes dos profetas bíblicos, em sua essência última, mesmo que circunstancial, estamos nós agora, além de submetidos ao autoritarismo dos pouco preparados representantes do povo, ao autoritarismo dos ativistas judiciais.
 
OBSERVAÇÃO: acerca da instrumentalização política da interpretação jurídica constitucional, indico o meu “PODER POLÍTICO E DIREITO”; A.S. EDITORES; 2003.