terça-feira, 29 de março de 2011

CRISE DO ESTADO OU CRISE NO ESTADO?


Honório de Medeiros

Há muito tempo falamos em crise do Estado no Brasil. Desde a República Velha, pelo menos. Poderíamos indagar: crise do Estado Burguês/Liberal brasileiro? Como a queda do muro de Berlim ainda está próxima os paradigmas marxistas, não os leninistas poderiam ser os instrumentos teóricos através dos quais analisaríamos esta atual circunstância histórica . Alguns marxistas, por exemplo, que ainda posam de leninistas, asseguram ser a América Latina o elo fraco do sistema internacional capitalista no momento, haja vista a presença fantasmagórica do populismo, conseqüência imediatas das contradições de classe tornadas agudas pelo neoliberalismo. Como ainda é avassaladora a presença do marxismo enquanto aparato intelectual para a descrição da realidade social, parece não haver mais espaço, no mundo acadêmico, para o pensamento de Freud e uma possível psicanálise com fulcro em uma “teoria do vínculo social”, nem para uma “teoria do campo social” de cunho darwinista que o substitua ou complemente.



Do ponto de vista exclusivamente jurídico a carência é ainda maior, visto não ser mais possível aceitar a herança jusnaturalista, fundamentada em uma teoria das fontes do Direito de conteúdo exclusivamente metafísico, enquanto base para uma análise sócio-política do fenômeno estatal. Também não é possível aceitar o formalismo kelseniano por que associado ao positivismo exacerbado e estreito típico dos modelos lógicos aos quais Goëdel demonstrou não poderem obter coerência a partir de si mesmo. Há algo tão metafísico quanto a norma hipotética fundamental? Carece o positivismo, evidentemente, de um conteúdo explicativo próprio das grandes sínteses ontológicas. Seria Marx ainda hegemônico, mesmo que por exclusão?

Marx nos disse, através dos seus intérpretes, que o Estado nada mais seria que um instrumento de opressão de uma classe sobre outra. Uma superestrutura ideológica resultante das relações de produção específicas de uma circunstância histórica. Poderíamos dizer, então, que essa crise pelo qual supostamente passa o Estado Brasileiro seria típica do acirramento de uma luta de classes, das contradições inerentes ao sistema capitalista, algo tão antigo, no Brasil, quanto sua descoberta por Pedro Álvares Cabral?



Mas caiu o Muro de Berlim e com ele a hegemonia do pensamento marxista como paradigma para as ciências sociais. É bem possível que as suposições quanto a essa queda tenham sido grandes demais. Talvez muito de seu pensamento efetivamente não tenha perdido a consistência teórico/empírica. Penso, principalmente, no Marx sociólogo para distanciá-lo do Marx filósofo. Penso em Friedrich Engels. Penso em paradigmas epistemológico-sociológicos e percebo a presença de Marx e de todo um conjunto de alavancas intelectuais que sobreviveram à queda do Muro de Berlim e ao seu ostracismo intelectual. E muito embora Marx não tenha escrito uma teoria do Estado pronta e acabada, encontro um interessante paralelo entre sua concepção de Estado enquanto resultante da luta de classes, divisão social do trabalho e relações de produção, nessa ordem, e uma possível teoria do Estado a partir das relações de domínio em uma perspectiva darwiniana. Muito embora seja inaceitável, hoje, até mesmo do ponto de vista lógico, o primado de a infra-estrutura material originar a superestrutura ideológica -algo que em lógica é denominado “falácia naturalista” e já identificada por Henri Poincaré - o “insight” básico do Estado enquanto cristalização de forças em conflito, pelo Poder, em última instância é compatível com os paradigmas de um certo tipo de darwinismo. Ou seja, para apreendermos uma noção de Estado que não esteja contaminada pela “antropoformização” – a tendência de considerá-lo agente e não ambiente ou espaço (“topos”) - é plenamente satisfatório recorrer ao marxismo e sua noção, dentre outras, de “aparelho” (na linguagem de Althusser e Poulantzas). Teremos, então que entender aparelho como elemento de um conjunto sistemático desse tipo de estrutura burocrática instaurada por relações de poder que constituem o Estado. Portanto o aparelho judiciário, o governamental, o legislativo, e assim por diante, nada mais são que aparelhos do Estado, ou, em última instância, cristalizações de relações de domínio.



Penso agora em darwinismo por que de todas as grandes sínteses fornecedoras de paradigmas para uma ciência social ele foi o único que sobreviveu à virada do século. Penso em darwinismo por que é impossível compreender qualquer epifenômeno social atual fora de uma perspectiva jusnaturalista, positivista, ou funcionalista sem que para ele recorramos em busca de referencias teóricas que resistam, pelo seu próprio conteúdo, às críticas implacáveis do mundo acadêmico. E penso em darwinismo por que algumas de suas contribuições, aquelas que não estão sendo deturpadas e saturando de leviandade e misticismo a discussão acadêmica – em um interessante paralelo com a física quântica - podem ser bastante úteis na tentativa de explicar nosso mundo social.



Pois bem, para certo darwinismo a idéia de Estado é que este seja uma resposta, uma estratégia adaptativa de sobrevivência para segmentos da espécie humana, ou para coalizão de genes, engendrada a partir das relações de domínio existentes em uma circunstância histórica. Que o Direito seja resultante dessas relações de domínio até mesmo o cauteloso Bobbio assevera. Assim como Pierre Bourdieu. Nicos Poulantzas. Trasímaco da Calcedônia, para começo de assunto. O marxismo diz o mesmo com outra linguagem. Que o Estado tenha surgido de atos de força, ou seja, do Poder, há uma tradição nesse sentido que começa com Platão, passa por Renan, Nietsche, Kautsky, os marxistas, de uma forma geral, Popper, e chega aos nossos dias. Devo observar que esse tipo de conjectura, ou melhor, de teoria do conhecimento, não nos permite construir visões de como será o futuro. Embora possamos encontrar leis gerais explicativas, sempre esbarramos no óbvio: pode haver leis ainda mais gerais, ainda não descobertas, que englobem a anterior e apontem para rumos desconhecidos. Dizendo de forma simples: é impossível a predição. Mesmo que o sol nasça todo dia, talvez não nasça amanhã. É apenas provável que nasça amanhã. Ou melhor: há uma propensão quanto ao seu nascimento amanhã.



Mas essa teoria permite que expliquemos o passado e nossa explicação resista às críticas. Então talvez possamos compreender como surge o Estado, e com qual papel, a partir de um dos corolários da teoria da evolução. A evolução – não no sentido moral – vai do mais simples para o mais complexo. Se visualizarmos a árvore do conhecimento compreenderemos essa afirmação. Imaginemos, por exemplo, a evolução da matemática, desde a aritmética ao cálculo de tensores hiperespaciais. Ou da música. Ou do Direito. Ou da norma jurídica, mais especificamente: concreta e pessoal por que casuísta, antes da formação do Estado, para geral e abstrata, hoje, típica de uma necessidade política complexa. Ou as normas jurídicas das sociedades mecânicas para as normas jurídicas das sociedades orgânicas, como diz Durkheim. Esse corolário, aliado à contribuição de Herbert Spencer acerca da diferenciação e especialização das espécies da qual Popper fez uso em sua teoria do conhecimento é um rico manancial para analisarmos se realmente há uma crise do Estado ou se essa crise é aparentemente fabricada.



Uma conseqüência óbvia da utilização desses paradigmas é identificar estratégias adaptativas: Marx, Darwin e até mesmo a moderna Sociologia, com Pierre Boudieu e a categoria filosófica do Poder Simbólico ajudam a compreender a possibilidade de que a idéia de “Crise do Estado” seja uma manipulação, algo próprio do jogo do Poder Político. Eles ajudam a compreender a “função de ocultação” que um conceito como o de Estado veiculado pela mídia possui. Não precisamos ir muito longe. Basta nos lembrarmos dos EUA fabricando a crise do Iraque para ocupar, estrategicamente, suas reservas de petróleo. Basta nos lembrarmos dos EUA fabricando a crise com o Irã para continuar detendo a hegemonia nuclear na Terra. O modelo é simples: cria-se um inimigo estratégico potencial e abstrato (hoje é o terrorismo, ontem foi o comunismo, antes de ontem foi a heresia, para a Inquisição); cria-se uma crise; mobiliza-se e manipula-se a sociedade através da mídia ; e arranca-se das mesmas vítimas de sempre o ônus da luta (tributos, vidas).



Do ponto de vista concreto a lógica do Poder Político fabrica consensos e gera crises. O Consenso de Washington, um conjunto de propostas teóricas acerca de como deve ser a gestão da economia mundial legitima e impõe uma crise ao Brasil que não é do Estado, vez que os aparelhos estatais continuam funcionando normalmente. Uma das faces da crise imposta ao Brasil é a determinação do superávit primário como meta “de Estado”, não de Governo. E essa determinação nos é imposta sob a ameaça da fuga do capital estrangeiro que está a financiar nossa execução orçamentária. Dinheiro para o superávit financeiro é escassez para infra-estrutura. Para a saúde. Para a educação. Para a segurança pública. Uma crise imposta ao Brasil foi aquela referente à necessidade de despejar dinheiro público no saneamento de bancos privados em “débâcle” financeira por má gestão, no governo Fernando Henrique. A mídia – o chamado “clero secular” para lembrar a expressão de Isaiah Berlin – trabalhou muito e bem, financiada com nosso dinheiro, para que ficássemos apavorados com a possibilidade de todo nosso sistema financeiro ruir por terra e, qual um castelo de cartas, em decorrência, a razoável vida que nós, da classe média, levávamos. O “clero secular”, por ignorância ou má-fé, exerce um papel fundamental nesse processo de gerar crises: não por outra razão setores avançados das elites acreditam piamente que haja um déficit previdenciário. E a idéia de acabar com esse déficit é “vendida” como uma política de Estado. Idéia tão manipulável politicamente que nosso Presidente, no início de 2007, dela abdicou em busca de dividendos eleitorais. Não sabe o “clero secular” que o Governo coloca sob essa denominação não apenas o pagamento das aposentadorias, mas, também, programas de inclusão social efetivados através do colossal repasse de dinheiro arrancado da classe média para, dentre outros, a aposentadoria rural. Não sabe ou não quer saber. Entendida dessa forma não há previdência pública que funcione. Lembro, aqui, que a criação da contribuição previdenciária do aposentado contou com a participação decisiva do Supremo Tribunal Federal flexibilizando o conceito de “direito adquirido”. Lembro, também, que dias antes da votação no Supremo Tribunal Federal um ainda não ministro expedira um parecer condenando veementemente essa flexibilização, o que não o impediu de, uma vez ministro, mudar rapidamente de idéia. Práticas típicas de segmentos da elite assegurando a perpetuação do “status quo”.



A lógica do poder político pode ser tudo, menos burra. Pensemos acerca da atual greve dos bancários (2006). Pensemos naquilo que os bancários reivindicam. Percebamos o que os banqueiros oferecem. Vejamos o lucro estratosférico dos banqueiros. Entendamos por que os banqueiros não podem ceder: é a teoria do dominó, cedendo um, não há quem segure os outros que estão na fila lutando por melhoria salarial. Não ceder, ou ceder de forma ínfima, é uma barreira de contenção. Outra conseqüência do “Consenso de Wanshington” é a expropriação lenta, contínua e determinada da força de trabalho do servidor público, que é a parcela mais representativa da classe média: há uma expropriação direta, através da cobrança do imposto de renda, e há várias indiretas, dentre elas os cortes de vantagens. E há uma terceira expropriação: o aumento do custo de vida, que certamente não afeta a parcela da elite que repassa o ônus para os menos favorecidos, e a inflação. Esse achatamento remuneratório, digamos assim, engendra corrupção e desídia. Em uma escala muito mais ampla e perigosa, amordaça a classe média por que a amedronta com o fantasma da impossibilidade de manutenção do seu estilo de vida. É incalculável a dor de um pai típico da classe média que é obrigado a tirar o filho de um colégio particular para colocá-lo em uma escola pública. Percebamos a distorção.



Percebamos, também, a distorção que é o chamado contingenciamento orçamentário. Contigencia-se o orçamento para manipulá-lo. A possibilidade do contingenciamento torna inútil toda a discussão política que origina o orçamento. O que é contingenciado? O dinheiro para as políticas públicas por que estas são lentas e longas, atravessam governos. E o Poder Inconseqüente quer o agora, o imediato. Quer obras, às vezes não tão necessárias, mas para as quais há a demanda de setores específicos e poderosos da elite. Mas não quer um programa para a erradicação da mortalidade infantil por que implica em um longo e lento período de execução. Não quer um investimento consistente na educação por que o retorno não é eleitorável em curto prazo.



Observemos que tudo quanto foi mencionado é decisão política: manipulação do conceito de Estado, criação de inimigos fictícios do Estado, flexibilização de uma cláusula pétrea da Constituição Federal, criação da contribuição previdenciária, necessidade de pagar o superávit fiscal, contingenciamento orçamentário. Decisão de quem detém o Poder Político. Decisão de quem não assume o ônus da decisão e o transfere para essa entidade hipostasiada, abstrata, fictícia, chamada Estado. Decisão de Governo. Por que de concreto há, como nos mostram a ciência, relações de domínio, relações de Poder.



Então é preciso olhar com um olhar crítico essa idéia de “Crise do Estado”. É preciso perceber a função de ocultamento que o termo Estado possui conforme lidamos com ele hoje. Dizemos “Política de Estado” quando deveríamos dizer “Política de Governo”. Por que não podemos nem devemos aceitar que os detentores do Poder usem os aparelhos do Estado como escudo abstrato para ocultar sua manipulação. “Não sou eu, é a lei.” “Cumpro meu dever”. “Obedeço a ordens”. Essas expressões são tão mais perigosas por que isentam seus protagonistas da responsabilidade política que devem ter em relação ao que fazem com seus semelhantes. “Política de ou do Estado”: essa antropoformização dos aparelhos estatais torna impessoais as relações entre dominantes e dominados e permite ampliar e sofisticar os mecanismos de dominação. Óbvio que a grande maioria daqueles que exerce parcelas residuais de Poder não percebe o caráter de “correia-de-transmissão” que envolvem seus atos. Não percebem e virão a ser punidos mais na frente, por que são peças descartáveis, utilizáveis apenas enquanto aperfeiçoam o processo de expropriação que a configuração de poder existente instaura. E mais que em qualquer outro ambiente essa realidade se faz presente no campo jurídico.



É preciso também olhar criticamente as manobras diversionistas decorrentes dessa alienante manipulação: é muito comum encontrarmos em ambientes acadêmicos propostas de “aperfeiçoamento do Estado”. Todas as vezes que escuto essas propostas me lembro que antes os governos imperialistas esmagavam resistências com espadas, lanças e escudos, como o fez Roma; hoje o esmagamento é feito com armas muito mais aperfeiçoadas, como fuzis com mira a laser. O Estado aperfeiçoado é o Estado Orewelliano.


Dessa forma, parece claro que devemos aperfeiçoar a Democracia. É no campo político que são tomadas as decisões que impulsionam os aparelhos do Estado. É preciso crítica, vigilância, participação. É preciso um combate constante, profundo, amplo e disseminado ao autoritarismo. É preciso ampliar até o limite do impossível a inserção dos excluídos no processo político. Caso contrário continuaremos pagando o preço da nossa alienação: confundirmos o aparente com o essencial; o contingente, com o estrutural; o circunstancial com o definitivo.


É preciso crítica, vigilância e participação principalmente por que a tomada, por setores da elite, dos aparelhos do Estado pode engendrar tentações autoritárias: em recente episódio ocorrido (2006) no Norte do País, integrantes da cúpula do Tribunal de Contas, Assembléia Legislativa, Ministério Público, Poder Judiciário e Poder Executivo – uma quadrilha de aparelhos do Estado – foi flagrada em crimes que causaram e causam comoção e indignação, tentações autoritárias e críticas à democracia. Entender assim, entretanto, é um viés equivocado. Ao contrário do que se supõe, somente nas democracias é possível expor publicamente um tumor dessa natureza.



Para que esse processo de crítica, vigilância e participação se tornem efetivo é preciso que nós nos mobilizemos e combatamos aquilo que mudou para pior: a qualidade dos nossos atores políticos. Estamos pagando o preço da nossa omissão. Somos condescendentes. Somos omissos. Somos ignorantes. Não introjetamos a lição que Péricles nos legou através da Oração aos Mortos de Maratona, no sentido de construirmos uma “Paidéia”, uma “Cultura” de Democracia real, concreta, não formal, abstrata. Uma Democracia de inclusão social. Políticas Públicas da Sociedade, não do Estado.



Precisamos combater a manipulação de uma realidade que insiste em saltar ante nossos olhos: o Brasil que vivemos não é aquele que os detentores do Poder nos apresentam. Basta sairmos daqui agora e irmos a postos de saúde, escolas públicas e delegacias de polícia para constatarmos o que essa afirmação quer dizer. As modificações no aparelhamento do Estado são decisões políticas. São essas que devem ser modificadas. O “corpus” político deve configurar o Estado que é sempre autoritário e o colocar a reboque da Sociedade para que a tradição de Democracia enquanto valor seja preservada. Não há crise do Estado; há crise no Estado.

SE ELEITO DEPUTADO, ASSASSINO CONFESSO TOMARIA POSSE

Pimenta Neves e Sandra Gomide


Blog de Augusto Nunes

"Faz mais de 10 anos que o jornalista Antonio Pimenta Neves matou a ex-namorada Sandra Gomide com uma bala nas costas e outra na cabeça. Horas depois do crime, contou tudo à polícia e se tornou réu confesso. Em 2006, foi condenado em primeira instância a 18 anos de prisão, reduzidos a 15 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Não cumpriu nenhum.

No momento, espera em liberdade o julgamento de um recurso encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. O caso está com o ministro Celso de Mello, que não sabe quando terá tempo de examiná-lo. Tecnicamente, Pimenta Neves não é culpado de nada: graças às alquimias da legislação e às acrobacias da jurisprudência, tornou-se inconstitucional tratar um matador assumido como assassino antes que a sentença transite em julgado.

O cidadão brasileiro Antonio Marcos Pimenta Neves poderia, se quisesse, ter disputado uma vaga na Câmara dos Deputados em 2010. Não lhe faltariam simpatizantes, sobretudo entre colegas de ofício. O público alvo seria alcançado sem muita despesa, já que a Justiça Eleitoral concentrou o público alvo de delinquentes candidatos em poucos lugares: agora, a população carcerária se vale de urnas instaladas nos presídios para cumprir o dever cívico do voto.

Com alguma lábia e um pouco de sorte, Pimenta Neves hoje estaria festejando, entre uma conversa no cafezinho da Câmara e uma reunião para tratar da reforma política, a vitória da turma do prontuário no STF ─ e os nítidos sinais de que a lei da ficha suja será pulverizada de vez até 2012. A inovação legal torna inelegível gente condenada em duas instâncias. Isso é inconstitucional, já avisaram alguns ministros. É preciso aguardar o julgamento doo último recurso na última instância.

Sandra Gomide agonizava de costas quando levou o tiro de misericórdia. Nunca mereceu uma lágrima do seu executor. Para pelo menos seis doutores do STF, detalhes do gênero são pieguices irrelevantes, coisa de leigos que nem imaginam as altitudes jurídicas alcançadas por uma toga. A lei só retroage em benefício do réu, declamariam em coro. O princípio da anterioridade é sagrado, alertariam aos berros ─ mais de 10 anos depois do assassinato. E todos fingiriam ignorar que o processo dorme numa gaveta do Supremo.

Nada como um caso exemplar para encerrar a conversa fiada: caso virasse deputado, Pimenta Neves continuaria servindo à nação com as bênção do STF e sob as asas da Constituição. Os pimentas neves que agem fantasiados de pais-da-pátria são cada vez mais numeros. Há algo de muito errado com um país que torna possível tamanha afronta à justiça."

domingo, 27 de março de 2011

O JUIZ QUE LIMPOU OS FICHAS-SUJAS

Ruth de Aquino (colunista de Época):

"O novo juiz do Supremo Tribunal, Luiz Fux, é faixa preta em jiu-jítsu. Carioca de 57 anos, foi surfista, tocou guitarra numa banda de rock, The Five Thunders (“Os cinco trovões”). Aluno brilhante de escolas públicas, Fux tornou-se, na semana passada, o ídolo dos fichas-sujas.

A decisão do juiz de adiar a Lei da Ficha Limpa para 2012 lavou o passado de políticos que há muito tempo violam o Artigo 14 da Constituição. Este sim deveria ser o artigo intocável. É o que prega a moralidade na vida pública.

Fux acredita que continua a ser o mesmo lutador da juventude. “Na minha época, os professores de jiu-jítsu davam o exemplo da retidão”, escreveu, em depoimento para a Uerj, onde se formou em Direito.
 
Em seu primeiro voto polêmico, Fux não pode ser criticado por desrespeitar a legislação. Baseou-se nela para desempatar os votos dos colegas.
 
A Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, com 1,6 milhão de assinaturas, foi aprovada no ano passado e sancionada pelo Congresso e por Lula. Tornava inelegíveis os políticos condenados por improbidade, corrupção, abuso de poder econômico, quebra de decoro.

Fux elogiou a lei, mas concluiu que ela não poderia valer para 2010, já que, pelo Artigo 16 da Constituição, mudanças em leis eleitorais precisam ser aprovadas até um ano antes do voto.
 
O palavreado no Supremo costuma ser rebuscado. “A Lei da Ficha Limpa, no meu modo de ver, é um dos mais belos espetáculos democráticos, posto que é uma lei de iniciativa com escopo de purificação no mundo político”, começou Fux, em sua média inicial com a torcida do povo brasileiro, que não aguenta mais tanta impunidade em campo.

E continuou: “Um dispositivo popular, ainda que oriundo da mais legítima vontade popular, não pode contrariar regras expressas no texto constitucional.”
 
Acontece, senhor juiz, que os fichas-sujas vêm contrariando regras expressas no texto constitucional muito tempo antes de a lei ser aprovada. Caso levássemos a Constituição à risca, dezenas de políticos não poderiam estar no Congresso nem disputar as eleições de 2010.
 
Um dado me convence de que validar a Ficha Limpa já nas últimas eleições não equivale a rasgar o texto da Constituição: o voto de cinco juízes do Supremo.

Foram favoráveis à aplicação imediata da lei: Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski. Todos estudaram Direito, chegaram ao STF e fizeram uma opção.
 
Entre o Artigo 16, que fala da “anualidade”, e o Artigo 14, que fala da “moralidade pública”, esses cinco juízes ficaram com o último."

sexta-feira, 25 de março de 2011

A MOÇA DA ROSA

amemdesejoamem.blogspot.com

Honório de Medeiros


“Você vai viver muito”. Eu fora ali para escutar aquilo? Procurara na árida cidade sertaneja uma rosa para ver aquela mulher miúda, morena, ainda jovem, envelhecida por muitos partos desfolhá-la, jogando as pétalas uma a uma no chão, enquanto em tom monocórdio, os olhos vazios, insondáveis, aparentemente, só aparentemente pousados na atividade mecânica que as mãos executavam, recitava aquela ladainha própria dos adivinhos?

Olhei para ela e tive vontade de lhe dizer que já conhecia sua técnica imemorial, igual à de tantos outros espertalhões que trabalham com a fronteira do provável: “você vai viver muito; existe um parente seu que está muito adoentado; há um amigo seu que lhe inveja e torce contra você...” Algo, entretanto, me mantinha calado, talvez o constrangimento de ter caído naquela armadilha.

 Era um final de tarde modorrento e quente. Eu, pensei, poderia estar no ar condicionado lendo, esperando o frescor da noite para ir à caça. Poderia estar fazendo a ronda do final de expediente nas cercanias da praça principal. Poderia estar jogando conversa fora em qualquer calçada. Mas não, estava ali, em plena zona rural, em um Sítio qualquer, de uma cidadezinha ainda menor e qualquer, numa casa pequena e humilde e qualquer, em um quarto no qual somente existiam duas cadeiras e uma mesa redonda de plástico, um crucifixo de madeira e metal no qual um Jesus Cristo de contornos indefinidos parecia abstraído, na sua dor, do que ali se passava, um calendário antigo, de muitos anos atrás, com estampa de Nossa Senhora, e pétalas e mais pétalas de rosa a fazerem um contraste interessante contra o chão cinza de cimento batido.

Lá fora outros aguardavam. Todos unidos pela esperança de conhecer o futuro. Eles tinham fé, eu não. A adivinha prosseguia com sua litania: “você tem que ir embora para seu valor ser reconhecido; aqui é muito pequeno; não se envolva em questões de terra...” Claro, pensei imediatamente, numa realidade como esta, pleno Sertão, questões envolvendo terra é sempre lugar comum problemático. E saber disso e usar o que se sabe é apenas a esperteza típica desse povo que vive de enganar os bestas como eu.

 Imprequei contra o amigo que me trouxera e prometera atendimento imediato, graças a seu parentesco com a adivinha, a despeito da quantidade de pessoas vindas de todos os lugares, que aguardavam atendimento. Maldisse o calor, a poeira, as moscas, a pobreza aviltante do lugarejo. Desculpei a mim mesmo alegando que a curiosidade vencera a razão. Lembrei-me que aquela mulher nada cobrava por suas consultas – deixava a cargo de cada um dar ou não alguma coisa. O que eu daria? Dinheiro?

Então terminou. Ergui-me sem saber o que dizer. Estirei-lhe a mão que ela recebeu com outra flácida e fria. Enquanto me virava pude perceber seu olhar voltado para o meu. Já não estava mais vazio de expressão, parecia conter uma curiosidade definida. Ao tocar na tranca da porta escutei: “Doutor?” “Sim”, respondi voltando. “Não vá ao encontro daquela moça que está lhe esperando.” “Como?”, perguntei estupefato. Ela não respondeu. Saí. Recebi o olhar de todos. Queriam ver, na minha face, os vestígios de quem soubera seu futuro. Encontraram mais que isso: o abalo de quem teve um segredo sensível descoberto de forma totalmente inesperada.

quinta-feira, 24 de março de 2011

COMO VOTOU CADA MINISTRO A LEI DA FICHA LIMPA

Enviado por Ricardo Noblat em 24.3.2011


Jornal "O Globo"

Gilmar Mendes

Primeiro a votar ontem, afirmou que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada na eleição de 2010. O relator do recurso de Leonídio Bouças ressaltou a importância do cumprimento do artigo 16 da Constituição, que impede a aplicação de novas regras eleitorais a menos de um ano antes da votação. Disse que o STF tem o dever de decidir de acordo apenas com a Constituição.

Luiz Fux

O voto mais aguardado do dia foi contrário à aplicação da nova lei nas eleições do ano passado. Também citou o artigo 16 como garantia da igualdade de competição entre os candidatos. Para o ministro, criar novas regras de elegibilidade às vésperas das eleições afeta a segurança de candidatos e eleitores. Mas Fux iniciou seu voto elogiando a lei.

Ayres Brito

Novamente, o ministro defendeu a validade imediata da Lei da Ficha Limpa. "O cidadão tem o direito de escolher, para a formação dos quadros estatais, candidatos de vida pregressa retilínea", defendeu. Ele ressaltou a importância do artigo 14 da Constituição Federal, que prega a moralidade na vida pública.

Joaquim Barbosa

Voltou a defender a aplicação da lei nas eleições do ano passado. "A História nos mostra que, de tempos em tempos, é preciso fazer opções. O STF está, neste momento, fazendo uma opção", disse. Ele ressaltou dois dispositivos constitucionais: o artigo 16, que fala da anualidade, e o 14, que prega a moralidade pública. "Essa é a opção que devemos fazer. Eu já manifestei minha opção há muito tempo".

Ricardo Lewandowski

Presidente do TSE, argumentou que a lei poderia produzir efeitos em 2010. Segundo ele, o princípio da anualidade não precisa ser observado porque a nova lei não alterou a igualdade na disputa. "Não se verificou alteração da chamada paridade de armas. Todos os candidatos de todos os partidos estavam exatamente na mesma situação antes do registro, antes das convenções partidárias".

Celso de Melo

Argumentou que a Lei da Ficha Limpa não poderia vigorar nas eleições de 2010, já que foi aprovada com menos de um ano de antecedência do pleito."O fato é que o artigo 16 (da Constituição) é intocável. O artigo é imodificável, quer por emenda à Constituição, quer por simples lei complementar."

José Antonio Toffoli

Votou contra a aplicação da lei nas eleições do ano passado, assim como tinha feito em julgamento anterior no STF. Foi bastante enfático ao defender que, a menos de um ano das eleições, não se podem mudar as regras. Segundo Toffoli, "a Lei (da Ficha Limpa) alterou o processo eleitoral ao afastar candidatos". Ele ressaltou que a lei tem validade, mas não para o ano passado.

Cármen Lúcia

Em voto breve, apresentou a mesma posição defendida em julgamentos de 2010: favorável à aplicação imediata da lei. Ela afirmou que o processo eleitoral começa com as convenções, quando as candidaturas são formalizadas. Portanto, as novas regras de inelegibilidade não teriam afetado diretamente os concorrentes. "Não vejo quebra das condições de igualdade", disse.

Ellen Gracie

Voltou a defender a validade da lei para o ano passado. No plenário, contou que recebe centenas de e-mails de pessoas preocupadas com o resultado do julgamento. Esclareceu que o STF não estava derrubando a validade da lei, só declarando que ela pode vigorar apenas nas próximas eleições. "A Lei da Ficha Limpa permanece. O STF não derrubou a lei. Pelo menos não por enquanto", disse.

Cezar Peluso

Disse que a lei não pode ser aplicada já, o que violaria a Constituição. Frisou que a decisão não significa que o STF seja contra a "moralização do processo político". Mas afirmou: "Essa exclusão da vida pública, com base em fatos acontecidos antes do início de vigência da lei, é uma circunstância histórica que nem as ditaduras ousaram fazer."

Marco Aurélio

Também ponderou que o artigo 16 da Constituição impede mudanças na regra eleitoral a menos de um ano da votação. "Vivemos sob a proteção de uma Constituição Federal que submete a todos indistintamente, inclusive ao próprio povo", afirmou. "O artigo 16 é cláusula pétrea, quer queiramos ou não".

WODEN MADRUGA E A "ARENA DAS DUNAS"

Jornal de wm, 24 DE MARÇO DE 2011:


"A copa e a pomada
 
As colunas políticas-esportivas dedicam seus espaços mais nobres às manobras da Assembleia Legislativa, em cujos gramados o Governo do Estado joga toda a sua força para aprovação dos editais e dos royaties da Petrobras que vão permitir a construção da Arena das Dunas. Estufe o peito do seu bairrismo, caro natalense, porque a cidade será uma das sub-sedes da Copa do Mundo de 2014! Nem que isso custe a bagatela de 1 bilhão e meio de reais.

Ouvi dizer (ou eu li?) que o Ministério Público estaria questionando alguns aspectos legais dos editais. Mas na praça Gentil Ferreira ninguém acredita que o projeto da Arena não seja aprovado. E com ele os bilhões assinalados e ferrados desde a sua origem.

Até porque é grande o contingente de cérebros que acredita que a Copa transformará Natal numa das vitrines do mundo, uma cidade quase perfeita, um cantão suíço à beira-mar plantado. Dos altos de Mãe Luíza e dos baixos do Maruim, a humanidade te contempla, Natal!

Enquanto isso vi na televisão (ou li na crônica social) que faltam remédios básicos na farmácia do Abrigo dos Velhos Juvino Barreto. Faltava até pomada para aliviar as coceiras dos nossos velhinhos campeões do mundo, nossos canarinhos-de-ouro, murchinhos, coitadinhos, coçando aqui e acolá."

quarta-feira, 23 de março de 2011

FILOSOFAR É PRECISO

psicanalisedebebado.blogspot.com

Honório de Medeiros

Diz a tradição que o filósofo é um amigo da sabedoria. Claro. Mas é algo além disso, até por que não são todos os amigos da sabedoria que são filósofos, desde que a entendamos como conhecimento – termo quiçá desconhecido na Grécia antiga onde foi cunhada essa definição de filosofia.

É bem mais que isso, pois há os inimigos do conhecimento que são filósofos – dentre eles os irracionalistas de todos os matizes, incluindo os niilistas que seriam, digamos, os terroristas contra o saber. Da mesma forma que há amigos da sabedoria que, em relação a ela, cultivam um amor unilateral, não correspondido, pleno de atenção e aparato – pompa e circunstância – assim são os eruditos, a quem se atribui a condição de citar autores e obras sem lhes entender verdadeiramente o conteúdo.

Essa amizade há de ser crítica, é uma condição fundamental, para não ser ligeira e pouco consistente. Crítica no sentido da busca deliberada, metódica, determinada, de falhas, contradições, erros, equívocos, na sabedoria exposta, objetivada, anunciada: tudo quanto está oculto no espírito dos filósofos não interessa ao mundo, assim como a poesia que não se faz conhecida não será admirada ou enaltecida.

Há outra condição, um dever-ser, um valor: deve haver honestidade de propósitos no que diz respeito à busca da verdade. Sem que se faça presente esse pré-requisito o pseudofilósofo enreda seus argumentos nas armadilhas do ego e encontra miragens onde sequer há desertos.

Portanto há critérios para alguém ser considerado filósofo: é preciso haver apreço pela busca ao conhecimento; é preciso que haja a crítica dessa trajetória; é preciso que essa busca e essas críticas sejam metódicas; é preciso ter o espírito honesto nessa caminhada.

O filósofo deve ter o olhar da razão treinado para perceber as contradições da realidade na qual está imerso, sem esquecer que dela é parte integrante e inafastável. Não há olhar neutro por que quem olha é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto desse olhar. E o treinamento deve ter sido, deve ser obsessivo, é a ginástica do espírito: ler, ler novamente, reler; pensar, pensar o pensamento, pensar o pensamento pensado – livros e a vida, a vida que é um livro e os livros que são vidas.

Por fim a filosofia é, então, o resultado de uma atitude. O filósofo, amigo crítico, metódico e honesto da sabedoria, assume uma postura em relação à Verdade; a ela tem afeto, que sua companhia, não a desrespeita nesse propósito, e a procura com critério. Talvez, para alguns, não seja simpática essa atitude, como o demonstra, por um lado, o martírio de Sócrates na Grécia antiga; a humilhação de Galileu, na Idade Média; o assassínio de Trotsky na era contemporânea; por outro lado, o menoscabo da elite, tão revelador, para com a filosofia e poesia.

Não importa. Se as idéias movem o mundo – e de fato o é, para o bem ou para o mal, quem as elabora, necessariamente, são os filósofos. Ou não foi isso que Karl Marx fez?

terça-feira, 22 de março de 2011

ARQUITETO MOACYR GOMES ANALISA LICITAÇÃO PARA O "ARENA DAS DUNAS"

Publicada no “Jornal de Roberto Guedes Via e-mail" de 21 de fevereiro de 2011:

"Caro Roberto:

Realmente a capacidade de persuasão da senhora governadora perante a Assembléia Legislativa na reunião da ultima quarta feira, se fosse num programa de auditório teria levado Gongo, mas entende-se, considerando-se que a ilustre senhora não é engenheira nem economista, mas é inadmissível a um secretário, engenheiro experiente, persuasão ZERO, dizer na televisão para todo o Rio Grande do Norte, que aquilo que anda sendo divulgado no site do Estado (http://www,portal.rn.gov.br) seria um um projeto que embasou uma licitação que se dizia internacional, na qual teriam sido inscritos vinte tantos interessados, mas, ao final, estranhamente só apareceu uma única ganhadora, apesar do governo dizer que a modelagem econômica é bastante atraente, como de fato foi, mas apenas para uma só empresa interessada. Que é isso?

Que projeto, secretário, como é que se faz uma licitação de obra pública, com base em simples imagens virtuais, desprovidas de quaisquer informações, mínimas que sejam, que possam levar pelo menos a uma estimativa, muito menos a um orçamento e a um cronograma ? Bem que o presidente do CREA vem há bastante tempo dizendo que não há projeto, e, se apareceu recentemente um projeto, cadê a TRANSPARÊNCIA, porque não se publica no site do Estado junto com orçamento e cronograma, para conhecimento da sociedade , que afinal é quem vai pagar a conta ?

Parece que o governo debocha dos engenheiros, arquitetos e economistas locais, como se fossem imbecis. A televisão mostrava claramente as fisionomias constrangidas de todos, inclusive da governadora e seu secretário, fingindo acreditar no que se dizia,numa espécie de fascinação pelo “canto das sereias”, e tudo indica, que no fim, vão aprovar a esbórnia mais facilmente do que a polêmica da poda do cajueiro de Pirangí.

Na pratica é o seguinte: o governo encomenda ao parceiro privado, um elefante branco, por R$ 300 milhões, sendo seu fiador, dando-lhe como fundo garantidor terrenos subavaliados por R$370 milhões, sabendo que valem três vezes mais, além de "royalties" de petróleo no valor de R$ 70 milhões, e admite que quando receber o paquiderme, seu custo terá um ágio de 300% a mais, isto é, terá um custo final multiplicado por 4 = R$ 1,2 bilhões. Resumindo, o Estado para candidatar-se a receber (ou não) do Governo Federal, R$ 3 bilhões para infra-estrutura (cadê os projetos ?) tem que pagar um juro de 40% ? FANTASTICO, nem nos Emirados Arabes, por isso, São Paulo se recusa a paga esse mico.

Assim, sabendo-se que o governo não terá como pagar as contrapartidas, e que, os "royalties" não cobrirão o déficit do empresário, sua grande jogada será avançar nos terrenos, vendê-los, ou usá-los na especulação imobiliária e se locupletar.

E nós ficamos com a fama que atribuía Nelson Rodrigues aos beócios: chamando-os de "lorpas, pascácios e bovinos", enquanto os políticos e gestores ficarão impunes e continuarão a ser eleitos. No fim, essa aventura irresponsável de arriscar mais de R$1,5 bilhões para candidatar-se a receber R$ 3 bilhões, em promessas terá o custo de quantas vidas humanas desprezadas nos corredores dos hospitais durante os vinte anos, por conta de 2 jogos inexpressivos para enriquecer a CBF/FIFA e seus apaniguados?

Desculpe, Roberto, peguei carona no seu PS do jornal de ontem, sexta-feira 17, porque sei que você faz jornalismo com seriedade e coragem. Gostaria de publicar esses comentários em todos os jornais do país, até mesmo como alerta às outras cidades brasileiras que estarão sendo também enganadas por esse rolo compressor. Não sendo possível, estou enviando para os contatos que tenho por aqui, pois estou seguro que ainda tem muita gente sensata em meu estado, embora consciente de que nada mudará o curso dessa insensatez. Que venha a Copa para Natal, por meios lícitos, e não através de manobras abjetas.

Grande abraço do amigo Moacyr Gomes.

sábado, 19 de março de 2011

OBTER O CONTROLE. ESTAR NO CONTROLE. MANTER O CONTROLE.


Honório de Medeiros

Obter o controle. Estar no controle. Manter o controle. Faz parte da doideira ideológica que é a tal da estratégia militar ou de combate. Quem tem o controle tem o Poder, dizia, para um dos seus escravos, o extraterrestre que governava a terra no romance de L. Ron Hubbard, aquele autor americano de ficção científica que ficou mais famoso como criador da Cientologia, estranha seita preferida de 10 entre 10 atores famosos americanos.


O controle está para o Poder como a célula está para o tecido, o átomo para a matéria, digo eu. É através do controle que se estabelece a hierarquia, seja qual seja o ser vivo, parodiando Popper e sua Teoria Evolucionária do Conhecimento, ou seja, da ameba ao humano. Lula, que não é lido, mas não é burro, deixou bem claro ao analisar Pedro Simon e sua quixotesca candidatura a Presidente do Senado: “ele não é confiável”. Confiável ou controlável? Dá no mesmo nesse contexto sórdido da política.



Na raiz desse controle está a tendência inata do ser humano de explorar, absorver, extrair, para si, tudo quanto, naquilo que o cerca, amplie sua possibilidade de sobrevivência. Dawkins – esse mesmo que desencadeou uma cruzada contra Deus a partir de Darwin – afirmaria que fazemos isso manipulados pelos nossos genes. Para ele, nós somos nossos genes. O resto é invólucro. Ou seja, o resto é resto. Há controvérsias. Alguns acham muito radical essa teoria.


Trazer para o mais íntimo de nós, no aspecto físico, o que está por trás – mesmo que remotamente – das ações humanas deu um corpo de vantagem a Darwin sobre o velho Marx. Este, como se sabe, coloca a divisão do trabalho na raiz do problema do controle. Esta, a divisão do trabalho, vai fazer surgir a propriedade privada, ou vice-versa, as relações de produção, a infra-estrutura material, a superestrutura ideológica, enfim, ufa!, a luta de classes e a exploração do homem pelo homem.



Mas o que estaria por trás do surgimento da propriedade privada? O que está no começo da exploração do homem pelo homem? Marx não disse. Talvez seu companheiro Engels tenha esboçado algo a respeito a partir da análise dos estudos de Morgan, um antropólogo e etnólogo americano que andou estudando os nativos de seu país no final do século XIX, em uma obra que é muito citada nos meios acadêmicos e pouco lida. Pois Darwin disse. Disse claramente. E com ele, começou um novo capítulo das ciências sociais e, mais especificamente falando, da Psicologia Social Evolutiva.



Pois bem: voltamos ao ponto de partida. Somos levados, instintivamente, a controlar para explorar. Isso tanto em nível pessoal quanto social. Quem controla estabelece hierarquia. O povo, que não é besta, há muito denuncia, como pode, a arrogância da elite que põe o dedo em riste e pergunta ao Zé Mane: “você sabe com quem está falando?”, para tentá-lo controlar.



E não há limite para a intenção de controle. O céu é o limite. “Quanto mais temos, mais queremos ter.” O povo diz, o povo sabe. O senso comum é o ponto de partida para o conhecimento. Quanto mais queremos ter, mais nos tornamos predadores.



Claro que os controladores dão nomes bonitos a tudo isso. Faz parte do jogo, é uma estratégia de controle. Chamam a esse impulso predatório de ambição social, luta para deixar o legado na história, defender os interesses da sociedade, luta para ascender na escala social... Tudo lorota. Na essência, é o ruim e velho capitalismo de guerra e sua teia de argumentos justificatórios. No âmago do âmago, como diriam os exagerados, está esse egoísmo inato cujas vísceras Darwin expôs.



E os santos, alguém perguntaria. O altruísmo, diria eu, é sempre uma espécie do egoísmo.

sexta-feira, 18 de março de 2011

BRINQUEDINHO DE R$ 1,2 BI AJUDA A MATAR MILHARES DE POTIGUARES

Por Carlos Santos (blogdocarlossantos.com.br):

O brinquedinho denominado de "Arena das Dunas", que vai ser construído em Natal, para abrigar jogos subalternos da Copa do Mundo de Futebol de 2014, vai custar mais de R$ 1,2 bilhão.

O Governo do Estado garante a farra, que é a alegria de uns poucos, em detrimento de muitos.

A esperteza vence a sensatez.

Esses senhores e senhoras que estão incensando a obra deveriam passar um final de semana no Walfredo Gurgel e Tarcísio Maia, testemunhando uma carnificina própria de hospitais de campanha em Kosovo deflagrada, Cabul ou Teerã.

Falta até esparadrapo.

Gente agoniza nos corredores. Outros ficam amontoados em enfermarias, quartos etc.

Mulheres, homens, jovens e idosos, todos pobres, entregues à voracidade do capital. Vitimas de outras prioridades.

Só mesmo uma força divina para punir essa gente.

Na terra, impossível. Não acredito.

terça-feira, 15 de março de 2011

MINHA ALMA É CHAMA

abismo.jpg

Honório de Medeiros

A minha própria alma é esta chama,

Insaciável de infinitos.

Flameja para o desconhecido sua ânsia,

É preciso asas quando se ama o abismo.

DO OFÍCIO DE ENSINAR

decisivo.com.br

Honório de Medeiros

De todas as atividades profissionais que exerci, nenhuma me deu tanto prazer quanto a de ensinar. Não por outro motivo continuo ensinando, e até diria que o afeto pelo ensino me levou, incontáveis vezes, a construir inconscientemente obstáculos que me impediram de aceitar outros compromissos mais rentáveis ou mesmo de maior projeção curricular.

Assim, nada me deu tanto orgulho quanto a obtenção, com louvor, do título de mestre através da defesa de dissertação acerca do tema “Poder Político e Direito” ante uma banca de examinadores formada por dois doutores e um livre-docente, este último, inclusive, visceral adversário da minha linha de pensamento no âmbito do Direito, claramente externada anteriormente em memorável prova oral de admissão ao curso de mestrado que durou quase quarenta e cinco minutos! Contou-me o Dr. Paulo Lopo Saraiva, depois, em jantar comemorativo, que ele insistira em compor a “minha” banca. Uma honra, com certeza.

A vida acadêmica seria, portanto, uma opção natural para mim quando terminei o curso de Direito em Natal. Seria se já naquele tempo do qual os professores universitários de hoje têm saudade, a profissão não fosse tão mal remunerada. E eu não precisava fazer muitas indagações para constatar essa realidade. A professora Elza Sena, minha tia, com quem eu morara durante meu curso universitário, ainda era viva, estava no penúltimo degrau de sua carreira, e ganhava muito mal. Tomei, portanto, outros caminhos, mas não escondia meu desejo de ensinar. Até que, em 1999, entrei, através de processo simplificado, na Universidade Potiguar, onde, desde então, ensino Filosofia do Direito, com raras incursões em outras disciplinas, quase sempre da área propedêutica, por opção própria.

Tenho ensinado, desde então, às vezes com sacrifício pessoal, mas sempre com renovado prazer. E tenho encontrado, sempre, compensações para o parco salário: as controvérsias em sala-de-aula, que enriquecem o conhecimento; a descoberta de talentos fulgurantes entre os alunos; a convivência com a diversidade de opinião entre colegas, no ambiente acadêmico; os laços de afeto que se formam entre professor e alunos; a criação do hábito de estudo para a preparação das aulas. Mas tenho sentido, na pele, dia após dia, o pouco compromisso da grande maioria dos nossos políticos com a educação, através da falta de investimento em recursos humanos, seja quanto ao básico, à parca remuneração dos professores, seja quanto ao complexo, o distanciamento da opção pela pesquisa científica.

Pedindo desculpas pelo texto auto-referente concluo observando que é inacreditável termos, no Brasil de hoje, ilhas de excelência na área de educação, resultado da abnegação, do sacrifício, da determinação de alguns. São estes, verdadeiros sacerdotes do saber, heróis anônimos, para recuperar uma definição surrada, batida, estropiada, mas absolutamente verdadeira. A eles, a nossa eterna e sincera homenagem.

domingo, 13 de março de 2011

A ARTE DE DECLAMAR E RAMIRO GUEDES

essênios.wordpress.com

Honório de Medeiros

Dia desses alguém tocou no nome de Ramiro Guedes. Nada sei a seu respeito, exceto que foi poeta, seus poemas cantavam estórias de conteúdo moral, e minha mãe os declamava com uma intensidade, uma carga dramática, um ritmo tal que invariavelmente nos conduzia às lágrimas. Ela tinha a arte de declamar.
 
Arte sim, sem dúvida. Como arte, com certeza, são os poemas de Ramiro Guedes, que foram feitos para serem declamados em saraus literários nos quais a sociedade ouvia, com raro deleite, versos às vezes não tão sofisticados – que importância teria o rigor formal? – assim como a estória em si – também não importa – e percebia aquele amálgama de talentos que torna grande o orador ou cantor: voz, presença, gestos, capacidade dramática, domínio de palco, interação com a platéia, noção de momento – esta, então, rara, vez que dom – ou seja, o declamador.

“D’antes, lá longe, nos confins d’Arábia,

Que se estendem do Líbano à Caldéia,

Vivia um velho sábio, d’entre os mais sábios,

Dos essênios da Síria e da Judéia.


Um dia uma lenta caravana,

Surgiu do horizonte pela calma,

Trazendo em canjirões de porcelana,

Essências de Bagdá, e óleos de Palma.”

E a declamação fluía lenta, nesse primeiro e hipnótico instante, transportando-nos para um Oriente misterioso onde dromedários, um atrás do outro, pacientemente, coroavam as dunas do deserto enquanto o sol morria suavemente. O poema prosseguia. Ramiro Guedes quer nos encaminhar ao sentido da vida através do mercador, dono dos animais, que busca, há muito tempo, resposta para essa pergunta angustiante; ele soubera que ali, no local de onde se aproximava, vivia alguém que lhe poderia responder.

O mercador consegue encontrar o eremita. E este se dispôs a escutá-lo. Ouviu-lhe o relato de uma busca incansável, por terras distantes e estranhas. Fora muito o tempo empreendido e os recursos gastos na busca. O mercador nada encontrara. Ninguém conseguira trazer-lhe o conforto e a paz tão ansiados pela sua alma inquieta.

O sábio o escutou em silêncio. Depois, pede-lhe que empalme a areia do deserto sobre a qual está prostrado e a amolde à conformação de sua mão. Diz-lhe que do consegui-lo depende a resposta para o que busca. O mercador tenta. Pega a areia fina, branca, segura-a firmemente, mas quando descerra os dedos ela escorre entre suas falanges até o chão. O mercador percebe que há algo muito importante nesse pedido do sábio. Aos poucos, torna-se frenético. Desesperado tenta outra, outra, e muitas outras vezes, mas sempre a areia escorre entre seus dedos. Em seu desespero, as lágrimas fluem. Uma delas, em um instante mágico, cai sobre a areia que começara a escorrer da palma de sua mão. Naquele local onde a lágrima caiu, as partículas se agrupam e jazem unidas, repousando. Nesse momento, como que acordando de um longo sonho, o sábio diz: “eis o sentido da vida: pó inconsistente e frágil, basta uma só lágrima, um sentimento, para que a areia do deserto se torne sólida e permanente na palma de sua mão”.

sexta-feira, 11 de março de 2011

O SERVIDOR PÚBLICO E AS ELITES

mastersantucci.blogspot.com

Honório de Medeiros

Costumo iniciar, ano a ano, o curso de Filosofia do Direito, na Universidade Potiguar, falando a meus alunos que filosofar é desvendar a realidade, como se esta tivesse véus que a ocultassem e, por assim ser, impedisse os menos persistentes de encontrar a verdade que ela persiste em nos esconder. Essa imagem inicial guarda débito para com a bela elaboração da mitologia hindu, que nos apresenta a deusa MAYA como sendo responsável exatamente pela impossibilidade de podermos enxergar a realidade como ela é e percebermos que tudo quanto nos cerca nada mais é que pura ilusão, um devaneio infindável a nos impedir o verdadeiro conhecimento.
Um desses véus mais persistentes é – se pudermos usar essa imagem para melhor explicarmos – é aquele que despersonaliza a ação concreta do ser humano e a atribui a uma abstração, como é o caso da idéia de Estado. Ouvimos e vemos sempre que o Estado não se faz presente, no caso do Brasil, desde épocas passadas, na luta contra a desigualdade e exclusão social – algo inquestionável, por sinal, por que podemos constatar que, de fato, evoluímos quanto ao aparato tecnológico com o qual o capital se instaura, mas não conseguimos solucionar questões comezinhas como a da eliminação do analfabetismo. Não é o Estado que não se faz presente. Somos nós mesmos que estamos ausentes. Despersonalizar a ação de quem detém o poder, mascarando-a com esses artifícios dificulta sua responsabilização.

Outro véu onipresente é aquele que nos impede de percebermos como se instaura uma determinada lógica na ação daqueles que detém o poder e, a partir de então, ela passa a fazer parte do nosso cotidiano sem que, em qualquer momento, passemos a questioná-la em seus fundamentos básicos. No primeiro caso temos a persistente e programada despersonalização da ação da elite, através de artifícios que pretendem legitima-la, como é o caso do atual conceito vigente de Estado, que deixa de ser o “topos” onde ocorre a ação, para ser o instrumento burocrático atrás do qual se esconde o processo de instauração dos mecanismos do Poder. No segundo caso temos o discurso real, não o ilusório ou artificioso, que engendra a ação daqueles que detém o Poder.

Podemos considerar que o primeiro – a despersonalização – é conseqüência coerente do segundo. Ou seja, despersonalizamos por que precisamos ocultar o real. Seria como uma manobra diversionista, se utilizássemos a linguagem da guerra. E qual é esse discurso real? Lembremo-nos que, no Brasil, desde a ocupação portuguesa, o espaço público foi privatizado. Não é desconhecido que na carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei, no final, ele solicita regalias para sua família. Tampouco o é o episódio das Capitanias Hereditárias.

O fato é que, desde o início, e até o presente, esse espaço público pertence à elite e esta tem ser revelado de um atraso inigualável. Raymundo Faoro demonstra, em sua obra “Os Donos do Poder”, criando o conceito de “estamento”, o quanto, ao longo dos anos, até o presente, a elite privatiza o público e o utiliza em proveito próprio. Ou seja, segundo Faoro, no capitalismo brasileiro não há, necessariamente, uma apropriação dos meios de produção por parte da elite, mas, sim, uma privatização do espaço público em proveito próprio. Assim é que vemos filhos de juízes sucederem aos pais, generais aos avós, deputados aos antepassados e assim por diante.

A vingança dos excluídos tem sido, ao longo do tempo, variada, mas permanente. Não é à toa que na literatura, na música, na arte, de uma forma geral, o “barnabé” é permanentemente motivo de chacota. Mas o resultado é inócuo. Continuamos tendo o espaço público privatizado. Essa ação da elite teve seu preço: a ampliação do espaço público, o gigantismo, o excesso de burocracia. Burocracia: mais cargos para atender a demanda, mais ações para atender a procura. Com a globalização, essa burocracia passou a ser um entrave para o grande capital internacional, legitimado pela doutrina do “Consenso de Washington”. A ordem passou a ser: devemos nos render ao Estado mínimo.

Chegamos, agora, ao ponto fulcral desta análise. A doutrina que passou a prevalecer após o ideário do “Consenso de Washington” exige um Estado mínimo para que não haja dificuldade na circulação do capital. Este tem que vir e voltar logo, bem mais gordo, para os bolsos de quem o possui. Para que não haja dificuldade nessa circulação, é necessário impor a ótica financeira na ação governamental. Essa ótica financeira demanda opções típicas de mercado, como equilíbrio nas contas públicas e pagamento dos juros extorsivos do dinheiro emprestado pelos organismos internacionais. Portanto, as políticas públicas de longo alcance, bem como os serviços e servidores públicos através dos quais elas são realizadas devem desaparecer para que a lógica da obra, em detrimento da meta intangível prevaleça. Não é à toa que os políticos somente pensam em termos de obras físicas. Acaso o investimento em uma meta real, concreta, significativa, de erradicação do analfabetismo traria retorno em termos de voto e dinheiro para financiamento de campanhas políticas? Construir uma ponte, sob o argumento de que é preciso desenvolver, traz retornos mais concretos que investir na erradicação da mortalidade infantil.

Então vemos o surgimento da publicidade: o “Governo investiu tantos milhões em obra tal e qual” e a sociedade esquece que mais importante é atingir metas mais abstratas, como a diminuição dos índices de violência pública. Sem contar que o discurso para legitimar as obras é impressionante em sua vacuidade: construamos para acelerarmos o desenvolvimento e aumentarmos a riqueza. Claro, o capital precisa de rapidez para circular. Então construamos estradas, rodoanéis, viadutos, pontes e outros mais, e esqueçamos o analfabetismo, a mortalidade infantil, a exclusão social, por que a riqueza vai circular mais rápido e tornar mais rico quem detém o capital, mas a desigualdade permanecerá, como o demonstra o crescimento desde Getúlio até os dias de hoje e a permanência da mesma desigualdade.

Nesse afã de tornar o Estado mínimo, faz-se a política da terra arrasada: não temos tempo nem queremos distinguir entre o que vale e o que não vale a pena eliminar: todo serviço público é ruim, e todos os servidores são ineptos. Esse é o discurso da elite que, infelizmente, encontra eco na sociedade nauseada com o mau serviço público e os maus servidores, que existem exatamente por que a elite apropriou-se do espaço público para se locupletar. Assim, aquilo que parece óbvio, qual seja a recompensa pela vocação do servidor público, uma aposentadoria digna, está desaparecendo e, com ela, o interesse em se devotar ao público.