segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A CIÊNCIA E O HOMEM


François Silvestre

A única ciência produzida pelo homem é a história. Não falo da narração dos fatos, que é historiografia. O fato histórico, de natureza científica, configura-se por suas causas, circunstâncias e resultados. Independe de ser narrado ou não. O historiador não faz história; cuida do registro, análise ou interpretação do fato. A historiografia é disciplina histórica. 

As outras ciências são de origem natural, anteriores à história. E o que dá status de ciência é a existência de leis. Não há ciência sem leis. O Direito não é ciência. O que chamamos de leis em Direito são apenas normas criadas pelo homem. Sentido vernacular restrito. Medicina não é ciência, é técnica aplicadora de ciências. A engenharia, idem. A sociologia não é ciência, mas conjunto de teorias do comportamento coletivo. 

A história tem leis? Claro. Quer ver uma? Todas as revoluções se exaurem ou se degeneram. Essa é uma lei histórica. As revoluções técnicas, como a industrial, se exaurem pela superação ou sofisticação dos seus equipamentos. As revoluções políticas e sociais se consumam ou se degeneram pelo esgotamento ou desvirtuamento. Não há exceção; porque não é regra, é lei. Guerras ou golpes de Estado não são sinônimos de revolução. 

Quando o homem descobre algo novo no campo do pensamento produz filosofia. Quando cria no campo da arte ou de bens produz cultura. Newton não criou a lei da gravidade. O que fez foi compreender a gravitação e expor o enunciado da lei. As leis da ciência independem da compreensão humana. A gravidade é de natureza física; a descoberta de Newton, de natureza histórica. 

O Momentum inexistente que produziu a existência, ou partícula-de--deus, pariu quadrigêmeos. Da explosão do parto pré-cósmico nasceram a fisicoquímica, o universo, o espaço e o tempo. Unidade no Totum, multiplicifidade no Sistema e energia no Quantum. A biologia só veio depois. No caso da Terra: quando a luz do sol, a água e o dióxido de carbono produziram o açúcar e este permitiu o surgimento do primeiro rudimento celular dos vegetais. 

Nesse momento, a fisicoquímica, ainda jovem, tinha pouco mais de dez bilhões de anos. Mais velha do que a ciência da vida. Pelo menos, na Terra. A diferença da partícula-de-deus para a criação pessoal é que, ao explodir, a partícula desaparece e se funde na estrutura do Universo. Vira conjunto dele, impessoal. Universo aqui, com letra maiúscula, representa o conjunto dos quadrigêmeos. 

Retornar um objeto no tempo equivale a buscar os elementos mais simples da sua composição. A luz está na origem e o interruptor no estudo crítico. A ciência não tem respostas fáceis. A facilidade reside na fé e não na razão. 

O mundo nasce da partícula-de-deus. Os deuses nascem da angústia do homem. Té mais.

O HOMEM E AS COISAS


 
 
Honório de Medeiros
 
                           
                            Saimos cedo de Pau dos Ferros no rumo de Patos, na Paraíba. Lá chegamos ao meio-dia. Hospedamo-nos no Hotel Zurick. À noite perguntamos ao recepcionista de onde tinha vindo esse nome. Com certo sarcasmo sertanejo ele nos disse: “o homem andou por lá e por certo achou esse nome bonito”. Franklin Jorge comentou: “se Cascudo tivesse estado aqui escreveria uma crônica com o seguinte título “Zurick em pleno Sertão paraibano; faria algo grandioso e o dono terminaria recebendo o título de cônsul honorário da Suíça”.
                            Fomo à Matriz. Prédio simples. Chegamos em plena missa das 16:00 horas. Arrodeamos a Igreja cujos fundos dão para uma rua estreita, pequena. Olhávamos para uma porta fechada, indecisos, quando um homem trigueiro, alto, encorpado, trinta e poucos anos, cabelos curtíssimos, vestido com uma camisa de mangas compridas abotoada nos pulsos se aproximou maciamente.
Perguntei-lhe se ali era a Secretaria da Paróquia. Ele disse que não e nos apontou onde ficava. Perguntei-lhe se era padre. Confirmou com aqueles ademanes típicos, mas discretos, de seminarista, contidos por sua estrutura física maciça, embora não desmesurada, e nos entregou sua mão também macia para apertarmos. Padre Francisco foi gentil, delicado.
                            Na livraria da cidade indagamos à vendedora pelas obras dos autores locais. Ela nos apontou, com certa displicência, um canto afastado de uma estante empoeirada. Encontramos uma gramática em versos, que eu logo comprei, e livros e mais livros de um poeta local. Nada mais. Depois, fomos às ruas: vibrantes, febris, plenamente comerciais. Carros, motos, bicicletas... Pessoas indo e vindo rápidas, com aquele semblante típico de quem precisa chegar logo em algum lugar preciso, para resolver algo.
Não havia pedintes, nem pastoradores de carro, nem lavadores de pára-brisa, nem deficientes físicos. Somente uma louca, personagem folclórico, que me abordou na farmácia: “lindão, me dê um dinheiro”. Como não dar? “Ela dá sempre esse golpe em quem não é daqui” disse-me o caixa da farmácia.
Raros são os passeantes. Os flâneurs. A maioria mulheres. As mulheres de Patos, são belas, não bonitas. Há uma diferença entre ser bela e ser bonita. A mulher, quando é bela, desafia o tempo. Não pede emprestado à juventude aquilo já possui. Belas, as mulheres de Patos. Suavemente arredondadas, como um ideal rafaelita amoldado à realidade anoréxica dos tempos atuais. Altivas. Ou contidas. Ou dissimuladas. Pernas longas, levemente grossas, torneadas. Narizes afilados. Belos dentes. Compõem um contraste marcante com o bulício comercial suburbano que ocupa nossos olhos quando caminhamos pelas ruas da cidade. Não haveria ruas onde não se compra e não se vende? Aparentemente não. Em qualquer lugar há essa atividade febril, tipicamente burguesa, que pressupõe uma interação constante entre as pessoas e que se opõe à percepção do aparente distanciamento das belas mulheres de Patos.
                            “Por que Patos?”, pergunto à Virgílio Trindade, a quem seu primo Virgílio Trindade, comerciante no Mercado Central, procurado por indicação de um transeunte como sendo bastante antigo na praça, na tentativa de encontrar dois velhos amigos de meu pai, reputa como escritor. Recebeu-nos muito bem. Tem um programa político em uma rádio importante da cidade. Magro, moreno, careca, sentado por trás de um birô anacrônico em um escritório de um só vão no centro da cidade, nos deu, com uma voz característica de fumante e locutor, um seu livro de crônicas, “Relíquias”.
Falou-nos do seu programa político: “é complicado”. “Porquê?” “A gente está falando com alguém ao telefone e no ar e ele grita: eu voto em Lula! Já pensou?”
“Por que Patos?”, repito. “Havia, aqui, antes, uma lagoa chamada ‘Lagoa dos Patos’”. “Onde ficava, insisti.” “Ah, quem quer que tenha um quintal em casa diz que era lá.” E esboça um esgar de sorriso sarcástico no canto da boca.
Virgílio Trindade nos indicou outros intelectuais de Patos, dentre eles o Secretário de Educação do Município que também é dirigente do Instituto Histórico local. Fomos até lá. Recebeu-nos uma moçoila loura tão importante quanto decrépito era o prédio da Secretaria. Perguntou-nos se tínhamos marcado hora. Foi até o gabinete e voltou cerimoniosa, nos pedindo que aguardássemos o término de uma reunião. Sentamos durante breves cinco minutos e nos despedimos, para espanto da secretária, a quem recomendamos, enfaticamente, a leitura da obra completa de José Sarney, apropriadíssima para moçoilas secretárias de secretários ocupadíssimos.
                            Passamos no “troca-troca”. Um galpão aberto para todos os lados onde quem quiser chega e expõe sua mercadoria para vender ou trocar. Seu Antônio, um sertanejo idoso, mas rijo, nos acolhe com um sorriso. Na sua banca encontramos desde uma rede de pescar em açudes até rádios antigos. “Troca-se qualquer coisa aqui, Seu Antônio?” “Qualquer coisa, doutor, até mulher velha por nova, mas dando o troco.” “Você e seu pai são de onde?”, diz ele se virando para Franklin Jorge. Caímos na gargalhada. Franklin diz que não é meu pai. Eu pisco o olho para Seu Antônio: “ele é muito vaidoso”. Despedimo-nos. Seu Antônio olha para mim quando Franklin lhe dá as costas: “eu entendo como é...”
                            Quem nos recebeu à porta da casa simples, estreita, geminada, praticamente no centro comercial de Patos, quando fomos à procura de Antônio de Lelé, cantador que primeiro fez dupla com Seu Chico Honório, meu pai, em sua breve carreira, foi sua esposa, baixinha, magrinha e enrugadinha. Tudo no “inha”.
Abriu a porta que dava para uma área antecedendo a salinha de estar e nos envolveu com um delicioso cheiro de alguma iguaria que estava sendo cozinhada no tempero de cominho.
Antônio de Lelé não estava apesar de Dona Maria afirmar que ele nunca saía de casa, fato desmentido diversas vezes ao longo do dia, para perplexidade nossa. Haveria algo freudiano nessa negação do óbvio?
Finalmente damos com Antônio de Lelé, lá pela quarta procura. Surpresa: é como ver Padre Sátiro Dantas na nossa frente sem aquela impaciência que o distingue. Antônio de Lelé conversa longamente com Seu Chico Honório pelo celular enquanto assediamos Dona Maria com elogios rasgados ao cheiro de sua comida. Queríamos um convite. Era um bode no cominho. “O que acompanha?” “Arroz, farofa na gordura, uma saladinha.” “Rapadura, também”. E ia recuando, agoniada para escapar da obrigação sertaneja de oferecer a iguaria elogiada. Constrangida pelo cerco implacável, não entrega os pontos: “se não fosse tão pouca a comida eu até que convidava.” Renunciamos ao ataque. Terminamos sem provar o bode.
Nesse tempo Antônio de Lelé já se despede alegando que tem que ir ao Banco, mas que nos aguarda de tarde, e garantindo que o livro de Orlando Tejo sobre Zé Limeira, com quem ele cantou várias vezes, tinha muita mentira. Eu fiquei me lembrando de Orlando Tejo no meu apartamento em Brasília, levado por Jânio Rego, espojado em minha cadeira de balanço a lançar fumaça de um cachimbo preto que empesteava o ambiente, falando acerca da Serra do Teixeira onde há um marco que fica no meio do tudo por que fica no meio do nada.
Escrever acerca do Homem, de suas relações, e das Coisas. Existirão Coisas ou tudo, além do Homem, nada mais é que um sonho meu, seu, nosso? E se este Universo nada mais for que um átomo dentre ilimitados outros de um Universo inconcebível que, por sua vez, é um átomo de outro Universo inimaginável, tudo isso em escala infinita? 
Enquanto o carro avançava Sertão adentro, no rumo de Cajazeiras, nossa próxima etapa da perambulação meio séria, meio anárquica, ladeado pela vegetação típica do semi-árido, aqui e acolá matizada por um ipê-roxo, juazeiro ou quixabeira especialmente frondosos, e serrotes despidos e enfeitados com pedras esculpidas aleatoriamente que faziam ondular a paisagem, divagávamos acerca da irrelevância da pesquisa que fazíamos e mergulhávamos na Metafísica. 
Mas a metafísica cansa e deprime, o mais das vezes, tamanha a vastidão daquilo que ela contém e tamanha nossa incapacidade. Voltamos ao concreto. O oceano bravio de questões que se tornou nosso assunto de viajem fez-nos correr em busca de um Porto Seguro: o dia-a-dia, o cotidiano, o detalhe mágico, por exemplo, do andar felino do camponês que se prontificou, sem nos conhecer, a ir conosco em busca de um ex-vereador que, segundo ele, “sabia tudo” de Santa Terezinha, município acerca de vinte quilômetros de Patos, onde tínhamos ido procurar o rastro de um tio de Massilon, o cangaceiro que arrastara Lampião para atacar Mossoró. 
Nada encontramos. Somente esse andar felino, o português arcaico, a cidadezinha pequeníssima, a sensação de absoluta irrelevância de qualquer pressa. Não por outra razão ao falar em pressa diz o sertanejo que “o apressado é agoniado do juízo”. 
O “sabe-tudo” nada sabia. Ouvira falar que, antigamente...  e coçava o rosto, empurrava o chapéu de couro para trás da cabeça e deixava o olhar vagando pelo cercado onde um menino tangia cabras para algum destino incerto, doido para se livrar da gente. 
                            Até logo, até logo, muito obrigado. Muito obrigado ao pessoal do Cartório de Patos que nada encontrando do que procurávamos nos fez descobrir outra pista. Muito obrigado a Dona Madalena, da Secretaria da Diocese de Patos. A senhora é tão boa, tão gentil, tão atenciosa, quanto é magra, pequenininha, delicada. E perfumada, a senhora é muito perfumada – a “Alma de Flores” – e elegante, naquela elegância anacrônica de moça velha que dedicou sua vida a secretariar Sua Excelência Reverendíssima, o Bispo Diocesano. E organizada, com seu birô impecável, onde duas caixetas, uma para “recebido”, outra para “devolvido”, cumpria a borocracia  temporal da Igreja, sua face terrena e humana, a “Cidade dos Homens” que se contrapõe à “Cidade de Deus” da qual nos deu a conhecer Santo Agostinho.

sábado, 1 de dezembro de 2012

O QUE ESTÁ ACONTECENDO NA OAB/RN?

A OAB esconde algo e a eleição continua suspeita

Do www.fatorrrh.com.br
A OAB não atendeu ao pedido da oposição, não enviou lista nenhuma de votantes, não exibiu a relação de quem pagou antes ou depois do prazo e ainda teve direito a voto.

A OAB esconde algo.

Em nota pública distribuída ontem, a entidade informou ao candidato da oposição, Aldo Medeiros, que questionou a existência de duas listas de votantes na última eleição da entidade, sendo uma secreta, que havia cumprido o solicitado.

Leiam trecho da nota:

..."Para esclarecer o assunto definitivamente, a OAB/RN já atendeu ao requerimento formulado pelo candidato da Chapa 02 e expediu certidão com o número de advogados inseridos na listagem entregue por mídia eletrônica, com a respectiva data de recebimento, e disponibilizou os Cadernos de Votação utilizados no dia da eleição, a fim de que os interessados possam cotejar os dados".

O Fator RRH recebeu de misteriosos mensageiros cópia do ofício endereçado pela OAB ao escritório de Aldo Medeiros.
Leiam o que diz o ofício e comparem o que está escrito lá em cima:

Natal, 29 de novembro de 2012

Ofício Número 70/2012 - Tesouraria - OAB-RN

Ilustríssimo Sr Aldo Medeiros Filho

Em resposta ao requerimento formulado por Vossa Senhoria informamos que estão sendo levantados os arquivos de retorno de pagamentos realizados no período de 19 de outubro a 19 de novembro de 2012, a fim de ser identificados quais aqueles realizados em tal período que se referem (ilegível) de situação financeira e quais são os atinentes ao pagamento de parcelas de vencimento se deu no trintídio respectivo.

Diante da necessidade de um maior período de tempo para o levantamento de tais dados, informamos a Vossa Senhoria que não será possível atender ao pedido no prazo de 72 horas conforme pleiteado.

Atenciosamente,

Marcos José de Castro Guerra - Tesoureiro da OAB -RN

Leiam o que o candidato da Oposição pediu para OAB esclarecer:
a) certidão onde conste o número de advogados inseridos na listagem entregue por mídia eletrônica à Chapa 02 – OAB PRA FRENTE, bem como a respectiva data de recebimento;

b) a relação de aptos a votar constante dos Cadernos Eleitorais usados nas Seções Eleitorais da Seccional;

c) a relação nominal e número de inscrição de cada advogado que conste de somente uma das Relações, com respectiva motivação de entrada ou saída de cada uma das relações;


Portanto, a oposição pediu uma coisa e a OAB respondeu outra.

Nem diz em quanto tempo dará acesso às listas.

Nos tempos de computador a OAB do RN pede mais de 72 horas - e não fixa prazo - para exibir uma simples lista de eleitores ou de votantes.

A oposição pediu a listagem e os cadernos eleitorais com os nomes dos que votaram e estavam aptos a votar no dia, ou seja, as listas que ficaram nas urnas.

A OAB informou que estavam à disposição.

Uma advogada de oposição foi ontem à sede da entidade mas não entregaram, alegando que já haviam enviado para o escritório de Aldo Medeiros.

A interessada foi ao escritório e lá não tinha lista nenhuma.

Na verdade mandaram somente aquele ofício lá de cima.

A advogada voltou à OAB e disseram que já era tarde, por isso só na segunda feira poderiam expor o pedido.

Continua muito estranha essa história de duas listas de votantes na eleição da OAB.

A oposição não está satisfeita com a resposta e a OAB, na lentidão da falta de transparência, poderia fixar pelo menos um "trintídio" para responder as dúvidas.

O ESTADO É UM NEGÓCIO



Honório de Medeiros

Pedro deve ter uns dezenove anos. Magro, magérrimo, seu corpo ossudo sobra dentro da farda do supermercado. Há sinais claros de subnutrição. No rosto espinhudo um sorriso nervoso aparece e desaparece sem conexão com o que ele diz: sorri quando fala sério, fica sério quando parece brincar com a própria desdita. Está noivo. Quer casar logo, mas não pode. Pergunto-lhe se estuda. “Não tenho tempo”, diz. “Pego aqui às oito da manhã e só largo lá pras oito da noite, e, aí, tenho que pegar ônibus pra Zona Norte, do outro lado de Natal, é quase hora e meia de viagem.” “Chego cansado, só penso em dormir, nem a noiva eu vejo.” 

                     "Está comprando as coisas para o casamento?”, pergunto. “Nada!” “A gente recebe um cartão do supermercado quando entra no trabalho e vai comprando, comprando, lá pra casa mesmo, pros meus pais, e no final do mês quase não recebe nada em dinheiro.” Faz uma pausa e continua: “mas minha noiva tá procurando emprego”. “Ela estuda?”, continuo. “Terminou o segundo grau, mas não foi em frente por que tem que ajudar em casa.” Pedro segue arrumando as mercadorias nas sacolas enquanto conversa comigo. Diz para mim que folga uma vez por semana, “às vezes”, já que quase sempre aparece um trabalho extra na empresa. E afirma enfático, que vai voltar a estudar, “é só as coisas melhorarem.” 

                      Pedro não sabe, mas sua turma tende a aumentar cada dia mais. A lógica do capital é essa. E anda cada dia mais sofisticada: nos círculos íntimos do Poder o Estado é tratado como “business”. Os termos usados pelos gestores públicos pertencem ao mais fino dialeto econômico/financeiro: é “destino econômico” para cá, “benefícios fiscais” para lá, “mercado interno” ali, “agenda de desenvolvimento” acolá. É preciso “vender” o Estado, dizem eles. É preciso “captar” investidores, entoam. Pura lógica do capital que amealhando corações e mentes desprevenidos ou ávidos induz sua entrega à tarefa menos árdua e mais prazerosa de semear facilidades, mão-de-obra barata e grata e outros mimos ao custo óbvio de almoços, jantares, e viagens, para os predadores de fora, loucos para espoliar mais uma caterva de ingênuos sob a batuta firme e alienada da administração pública. 

Vão se multiplicar, leio na imprensa, graças às injunções dos sábios conselheiros da Corte ante os maestros da economia brasileira, as empresas de fora no Rio G. do Norte. Elas vêm aí: lépidas e fagueiras, sem pagarem impostos, sem darem qualquer contrapartida para o resgate do atraso social, “mas gerando riqueza e empregos”, segundo a propaganda infernal dos publicitários. Riqueza para os ricos e empregos-farsas para os Pedros da vida, as Taís da vida – garçonete noite-e-dia em um “fast-food” desses que pululam por aí, a esconder rápido, um dia desses, suas lágrimas derramadas pelo filho recém-nascido e doente deixado em mãos estranhas enquanto o emprego é defendido com unhas e dentes; os Josés da vida – empregado de uma indústria “captada” no Sul maravilha, imposto “zero”, contribuição nenhuma, - quase um escravo, tal sua jornada de trabalho. E tudo continuará como sempre foi, desde que o mundo é mundo, por que essa história se repete há muito tempo. 

                      Quem duvidar da história de Pedro, Taís, José, procure a Justiça do Trabalho. Leia as sentenças dadas pelos juízes de primeira instância. Delicie-se com a expropriação da força de trabalho da nossa classe média mais baixa. Com a história daqueles que sustentam este arcabouço todo reproduzindo, cada vez mais sofisticadamente, o modelo de exclusão social no qual vivemos. Projete, a partir daí, o futuro de nossa juventude cinzenta, aquela que se contrapõe à “juventude dourada” – os filhos das elites. E esqueça os excluídos: esses sequer constam corretamente nas nossas estatísticas governamentais, a não ser muito por cima, como quando pensamos quanto a economia marginal, aquela à margem do Governo, produz dia-a-dia. 

                       Enquanto isso, enquanto os Estados são “vendidos” lá fora, no Sul maravilha, no “estrangeiro”, conseqüência de um surto atrasado e colonial de um capitalismo ingênuo e predatório – que o diga, por exemplo, para ficarmos na área governamental, aquilo que a Petrobrás faz com o Rio Grande do Norte ao arrancar nossa matéria prima deixando quase nada em troca – Pedro, Taís, e José não sabem, mas a cada momento aumenta o custo social que eles têm que pagar para sobreviverem nesta selva de pedra: não há políticas públicas, não há projetos sociais, não há ações governamentais planejadas, não há governo, enfim, portanto a eles e a seus filhos estão destinadas escolas decrépitas e sem professores; postos de saúde sem médicos e sem remédios; bairros e ruas com postos policiais abandonados, viaturas policiais inapropriadas, quebradas e sem gasolina; e servidores públicos trabalhando como se estivessem em pleno século XIX. 

E como os Pedros, Taíses e Josés vicejam na lama obscura da alienação, terminam achando que plano de saúde, escola particular, automóvel, lazer, cerca elétrica, carro blindado, segurança privada é, pela ordem natural das coisas, algo ao qual somente os ricos têm acesso. Seguem em frente, portanto, a venderem seu suor, seu sangue, sua vida, a preço vil.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

DEUS NÃO JOGA DADOS?


norbertoconti.com


Honório de Medeiros
                              
                               Como emerge um sistema?
                               Se considerarmos que Einstein estava correto, e “Deus não joga dados”, ou seja, se está correto o princípio da causalidade que propõe existir uma causa para tudo quanto existe, é possível supor um retorno causal a um ponto-de-partida.
                               As questões metafísicas, claro, surgem, então, aos borbotões: considerando sempre a perspectiva de uma explicação científica, portanto deixando de lado a hipótese Deus, é de se perguntar o que havia antes desse ponto-de-partida.
                               Não pode ser o “nada”, posto que do “nada”, nada se origina. Entretanto, se o ponto-de-partida surgiu a partir de algo, voltamos ao início: e o que originou esse ponto-de-partida?
                               Independente dessas dificuldades próprias de uma concepção determinista do “tudo”, contra ela podemos elencar várias críticas: a concepção indeterminista oriunda da física quântica, ou mesmo o postulado de Göedel, que demonstra a impossibilidade de construir uma linguagem matemática definitivamente consistente que expresse uma realidade, o que nos impossibilitaria de descrever completamente o “tudo”.
                               Entretanto, a se aceitar nossa condição humana de sermos programados evolutivamente para raciocinarmos causalmente (indução e dedução), podemos conceber a realidade (o “todo”) enquanto um incomensurável sistema, cujo ponto-de-partida perceptível, nas atuais condições, é o “big bang”.
                               Mesmo assim, provavelmente um infinito em termos de tempo tem que ser percorrido até sermos capazes de compreender como as lacunas entre o “ponto-de-partida” e a realidade atual são preenchidas. Uma tarefa tanto mais complexa quanto parece existir uma persistente impossibilidade de conciliação entre a física newtoniana e einsteiniana com a física quântica.
                               Em assim sendo, a questão de como emerge um subsistema dentro de outro subsistema, ou seja, como surge um subsistema de normas dentro de um subsistema de poder dentro de um subsistema social dentro de um subsistema orgânico dentro de um subsistema realidade física, nesse diapasão, é realmente uma tarefa descomunal.
                                Entretanto, deterministas, causalistas, sistêmicos, como somos instados a ser para sobrevivermos, mesmo que não tenhamos sequer uma pálida noção de todas as relações existentes entre os subsistemas, e muito menos, daquilo que se origina quando subsistemas se conectam com outros subsistemas engendrando ocupações de “espaços” vazios, não paramos de teorizar, ou seja, construir explicações acerca das lacunas no conhecimento, ou mesmo construir teorias que avançam no desconhecido.
                               A imagem possível que expressa essa concepção é a mesma, embora em menor infinitamente menor, que a teoria do “big bang” possibilita: o nada sendo ocupado pela matéria, ou seja, a ignorância sendo ocupada pelo conhecimento.
                               Ou seja, uma realidade finita, mas ilimitada, como pensava Einstein, lentamente ocupada pelo conhecimento, até que a equação final explique tudo.
 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

SER GENTIL NÃO É SER HUMILDE

Susan Sontag*
 
 
 
Honório de Medeiros
 

Em seu Diário (As Consciouness Is Hamessed To Flesh: Journals and Notebooks, 1964-1980), Susan Sontag se propõe, em 20 de julho de 1977:
 
"Ter um espírito nobre. Ser profunda. Nunca ser gentil".
 
 O comum dos mortais, cada vez mais sem descortínio, confunde gentileza com humildade. Talvez seja essa confusão entre gentileza e humildade que levou, em uma época de feroz competitividade, Sontag a desdenhar a gentileza. Se não se impusesse essa regra de conduta, poderia correr o risco de ser considerada alguém humilde, e posto que humilde, frágil, o que seria fatal no demi monde ao qual ela pertencia, como se percebe em Proust, no Em Busca do Tempo Perdido, ou em Honoré de Balzac, no La Comédie Humaine.
 
Percebe-se em qualquer canto deste mundo, claro, onde, como disse Thomas Hobbes, "homo homini lupus", mas convenhamos: antes em Proust que na bodega da esquina.

OS MISTÉRIOS DO ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ, QUARTA E ÚLTIMA TEORIA, SÉTIMA PARTE


Honório de Medeiros
 

Quarta teoria: o ataque a Mossoró resultou de um plano político (sétima parte)
 

A oposição chegara ao cúmulo de tentar levar o Coronel Rodolpho Fernandes, um homem sério, respeitado, ao ridículo, como nos lembra Paulo Fernandes na mesma carta: 

As advertências à população e providências tomadas por meu pai eram exploradas pela oposição até com o ridículo. Chamavam-no, por exemplo, de velho medroso, por se preocupar com um possível ataque de Lampião à cidade (...). 

Raul Fernandes confirma: 

 Adversários políticos e maledicentes desfrutavam, com vantagem, o receio do Prefeito. 

Apesar dessa situação política tensa na qual vivia naquele momento, em 1927, o Prefeito, o futuro parecia promissor: sua liderança em Mossoró era inconteste, a cidade crescia a olhos vistos sob sua administração, dois dos seus três filhos homens faziam medicina fora e voltariam, brevemente, para dar continuidade a seu legado político, e sua família era, naquele período, uma das mais ricas do Estado. 

Mesmo assim o Coronel Rodolpho Fernandes não descuidava de tudo quanto lhe dizia respeito. Conhecia bem os meandros da política interiorana. Não saía de sua lembrança a forma violenta através da qual seus parentes de Pau dos Ferros tomaram o poder naquela cidade[1], mandando embora, definitivamente, seu maior líder político, à época, o Coronel Joaquim Correia.
 
Coronel Joaquim Correia 

As histórias acerca de feitos do cangaço corriam de boca-em-boca pelas feiras, praças e ruas de Mossoró, sempre envolvendo coronéis e tendo disputas políticas como pano-de-fundo, principalmente aquelas oriundas do Cariri cearense no qual, não fazia muito tempo, Pe. Cícero e Floro Bartolomeu tinham liderado a deposição do Governador do Estado do Ceará, pela força das armas. 

Notícias vindas do Acre, por sua vez, davam conta das aventuras de seu parente, o Coronel Childerico Fernandes, o Guerreiro do Yaco, irmão do Coronel Adolpho Fernandes, nessa mesma época Prefeito de Pau dos Ferros, repletas de violência, como a batalha da qual participara, enquanto um dos líderes, em Sena Madureira, à frente de trezentos homens fortemente armados[2].
 
Coronel Childerico Fernandes, o "Guerreiro do Yaco" 

O Coronel Chico Pinto também lhe punha a par dos desmandos de seus adversários que iriam redundar na invasão da cidade por Massilon e em seu assassinato, alguns anos depois, na campanha do Partido Popular contra o Interventor Mário Câmara. 

As estripulias de Massilon em Brejo do Cruz e região, agindo a mando de pessoas que também tinham interesses políticos em Apodi[3] e região; as histórias oriundas do Cariri cearense, de deposição de Coronéis por outros Coronéis através das armas; as desavenças com José Augusto Bezerra de Medeiros; os embates com a dura oposição que lhe era feita em Mossoró, tudo isso lhe trazia profunda preocupação. 

Assim lhe pareceram particularmente preocupantes as informações que pessoas a si ligadas por laços comerciais e afetivos lhe fizeram chegar por aqueles dias do começo do ano de 1927. É como nos conta seu filho Raul Fernandes, em trecho já citado: 

Na última quinzena de abril, de 27, a notícia veio à luz de modo concreto. Argemiro Liberato, de Pombal[4], escreveu ao compadre Rodolpho Fernandes sobre a pretensão dos chefes de bandidos. Dos remotos sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará surgiam indícios dos agenciadores da vergonhosa empreitada. 

Raul Fernandes diz mais a frente, em nota ao texto: 

Ouvi de meu pai referências à missiva. 

Raimundo Nonato, na introdução à primeira edição de seu celebrado “LAMPIÃO EM MOSSORÓ[5]”, recorda: 

Desde alguns meses, é certo, soprava dos sertões um vento de intranquilidade, de sobressalto e permanente insegurança.
 
Escritor Raimundo Nonato, festejado autor de "Lampião em Mossoró" e "Jesuíno Brilhante" 

Quem agenciava essa empreitada? A mando de quem? Com qual objetivo oculto? 

O Coronel Rodolpho Fernandes sabia mais do que deixava transparecer, naquele momento, aos que lhe eram próximos. 

Não falou a seus filhos acerca de tudo quanto estava por trás desse agenciamento que acontecia no Sertão paraibano e cearense; tampouco disse qualquer coisa a esse respeito, que tenha sido registrado para a história, a seus interlocutores nas reuniões onde expôs a possibilidade de invasão da cidade por Lampião e os convocou para sua defesa. 

Pressentia, entretanto, o Coronel, que o ataque à cidade, se viesse a acontecer, ocultava outro plano, um plano dentro do plano, cujo objetivo era ele. 

Que outra explicação podia ser dada, se não essa, analisando-se os fatos depois de acontecidos, para a excessiva concentração de forças defensoras no entorno de sua residência, quando era sabido que ele, individualmente, jamais teria, consigo, dinheiro suficiente para qualquer resgate que valesse a empreitada do ataque a Mossoró? 

Enquanto isso os planos dos seus inimigos iam, aos poucos, tomando corpo. 

Não seria possível a eliminação pura e simples de Rodolpho Fernandes, com base na jagunçada. Seria um escândalo de proporções nacionais, e, na medida em que centrado exclusivamente na sua pessoa, alvo de uma forte e exaustiva investigação. 

Mossoró, como visto, rivalizava com Natal em tamanho e importância. Era o escoadouro natural para onde desaguavam comerciantes do sertão paraibano, do Ceará[6], e de outras cidades do Rio Grande do Norte. Além disso, ficava a meio caminho entre Natal e Fortaleza e era quase litorânea, com porto importante para o recebimento e escoamento de pessoas e mercadorias. Uma cidade rica e próspera. 

A não ser que fosse possível embutir o projeto de eliminação de Rodolpho Fernandes em outro projeto maior, que funcionaria como cortina de fumaça: invadia-se Apodi[7], para caracterizar a presença do cangaço no Rio Grande do Norte, e, a seguir, invadia-se Mossoró, saqueava-se o que se pudesse saquear e, enquanto o ataque acontecia, um grupo especialmente escolhido atacava a casa do Prefeito de Mossoró e o assassinava, conduzindo a opinião pública à ideia de que tudo quanto acontecera fora consequência da existência do cangaço. 

Para executar essa estratégia, entretanto, era necessária a presença de muitos cangaceiros na invasão. E para ser possível a teoria de que a invasão de Mossoró por Lampião ocultava o projeto de matar o Coronel Rodolpho Fernandes, era preciso que essa trama tivesse sido anterior à entrada, nela, do Rei do Cangaço, do Coronel Isaías Arruda, mas não, obviamente, de Massilon Leite[8].

Em entrevista ao Autor[9], datada de 12 de maio de 2011, o pesquisador Marcos Pinto informa o seguinte:

Cresci ouvindo  meu  avô  paterno  ARISTIDES  FERREIRA  PINTO (18.04.1907 / 19.09.1975)  narrar, de forma  minuciosa, no  alpendre  de  sua  fazenda, a  saga do seu  irmão  Cel. FRANCISCO  FERREIRA  PINTO (17.04.1895 / 02.05.1934), sempre  relatando  trechos da  carta  escrita  pelo  mesmo, e  enviada  para o  seu  parente  RODOLFO  FERNANDES, por  emissário  especial, após o  célebre  ataque à  Apodi, por  uma  parte  do bando  do  famigerado  Lampião, comandados  pelo  célebre  cangaceiro  Massilon  Benevides, fato ocorrido  à  10 de Maio  de  1927. 

Lembro-me que o meu avô fez o relato sempre observando ter ouvido inúmeras vezes do seu perseguido irmão, em que dentre o intrincado de particularidades da missiva informando o Rodolfo, destacava:                           

Que fora informado por pessoa de acentuada estima e confiança, de que fora armado um complô com fito único de exterminá-los fisicamente, engendrado pelo quarteto sinistro composto por Jerônimo Rosado, Felipe Guerra, seu cunhado Tilon Gurgel, que por sua vez arregimentou a participação do seu genro Décio Holanda; 

O alerta a Rodolfo para a necessidade e cuidados de chefe de estado maior em só arregimentar pessoas de sua mais íntima amizade e confiança, de preferência parentes; 

Que o complô tinha como objetivo abrir lacunas nos executivos de Apodi e Mossoró, proporcionando a assunção de Tilon Gurgel em Apodi, e o retorno de Jerônimo Rosado ao comando do executivo mossoroense, em Presidência da Intendência municipal (Equivalente ao de Prefeito) já ocupara para o período 1917-1919, tendo como Vice-Presidente da Intendência (equivalente ao cargo de Vice-Prefeito) o Dr. Antônio Soares Júnior, genro de Felipe Guerra;          

Antes de adentrar na resposta, faço a observação de que o grande e profícuo historiador VINGT-UN ROSADO enfatizou, em um dos seus livros em que aborda a atuação de seu irmão Dix-Sept como governador do RN, a importância do mesmo ter ratificado o intrínseco vínculo de amizade existente entre seu pai (Jerônimo Rosado) e o Dr. Felipe Guerra, com a nomeação do Dr. OTO GUERRA para o pomposo cargo de Procurador Geral do Estado.                    

Acredito  que  o  sutil  afastamento  do  VINGT-UN  em  relação  a  minha  pessoa  dera-se  em  decorrência  de um  artigo que escrevi  em  um  jornal  de  Mossoró, com  o  sugestivo  título  "FORJARAM  FATOS  NA  HISTÓRIA DE  MOSSORÓ"  em que  desmitifiquei   fatos  supostamente históricos  elencados  por  VINGT-UN  sobre  o  "MOTIM  DAS  MULHERES"  e  sob  o  verdadeiro  motivo  que fez  com  que  o  então  governador  DIX-SEPT  ROSADO  encetasse  a  viagem  ao  Rio de Janeiro, então Capital  da  República, ou seja, que a  viagem  dera-se  em atendimento  a  um telegrama  enviado  pelo  Presidente  Getúlio  Vargas, que  pretendia  aparar  arestas existentes entre  DIX-SEPT  e  o  CAFÉ  FILHO, então  Vice-Presidente  da  república.  Ressalte-se  que  o Dr. VINGT-UN  nunca deixou  de  saudar-me  quando  nos  encontrávamos.  Em que cofre estará  escondida  a  carta  do  Cel. Francisco Pinto? Terá sido incinerada  pelo  Dr.  Aldo  Fernandes, genro  de  Jerônimo  Rosado ?  Por que  deram  sumiço  a  essa  prova, que  paira  apenas como uma  referência  metafórica  a  um segredo?

Os  interesses  políticos  e  pessoais  que  uniam  JERÔNIMO  ROSADO, FELIPE GUERRA  e  seu  cunhado  TILON GURGEL, somado  à  intrínseca  participação  do seu genro Décio  Holanda, conduz  à  certeza  de  que havia  um  consórcio em confidências  íntimas  e  profundas. Delas se poderá  até  deduzir  que, nos  episódios  dos  10 de Maio  de  1927  e  de  13 de Junho  do mesmo  ano, Jerônimo  e  Felipe  Guerra  atuaram  como  espécies  de   mentores  com  acentuadas  ascendências. As  perspectivas de  sucesso  das  nefastas  empreitadas  alegravam  perversamente  os seus  espíritos.  Em  sentido  adverso a eles, os desígnios  divinos anularam  tamanha  virulência  em  matéria de  inveja  e  cobiça. Nuances que  anularam  seus princípios de homens públicos  e  anulam  suas  individualidades.  Foram   pródigos  em protagonizarem  distorções  de  caráter. A ânsia  pelo  poder fez com que perdessem  inteiramente  o  contato  com  a  realidade. 

O PLANO DENTRO DO PLANO 

Há indícios que isso seja possível? Há. Basta que nos lembremos dos interesses políticos existentes em descartar o Coronel Rodolpho Fernandes de sua liderança no Oeste e Alto Oeste Potiguar. E basta que nos lembremos das relações de Massilon com os Coronéis Quincas e Benedito Saldanha. 

A comprovação desses interesses é o menosprezo e a agressividade com a qual o Prefeito é tratado quando expõe a possibilidade de invasão da cidade; outra é o permanente trabalho de intriga contra si realizado junto a José Augusto Bezerra de Medeiros, Governador do Estado, já relatado; outra, ainda, é o apoio político e pessoal por ele dado ao Coronel Chico Pinto, em Apodi. 

Cabe lembrar, também, que o Prefeito de Pau dos Ferros, em 1927, o Coronel Adolpho Fernandes, pai de Alfredo Fernandes, primo e dono do palacete vizinho ao do Coronel Rodolpho Fernandes, e um dos seus principais suportes financeiros na compra das armas para a resistência mossoroense, era adversário político ferrenho de José Augusto Bezerra de Medeiros.
 
Alfredo Fernandes, muito rico, parente próximo de Rodolpho Fernandes, contribuiu financeiramente para a aquisição de armas para a resistência a Lampião em Fortaleza, onde morava 

José Augusto Bezerra de Medeiros depusera os Maranhão do poder e, assim, lançaram na oposição, em Pau dos Ferros, seus aliados (dos Maranhão) naquela Região. Aliados que tinham recebido todo o apoio de Ferreira Chaves, o último da oligarquia Maranhão a governar o Estado, para promover a tomada, em anos passados, pela força das armas, do poder do qual dispunha seu adversário, o Coronel Joaquim Correia. 

Mágoas antigas, mal curadas, essas e muitas outras, redundaram no descaso proposital, QUIÇÁ COSTURADO POLITICAMENTE PELOS QUE TINHAM INTERESSE no fim do poder político dos Fernandes, com que José Augusto Bezerra de Medeiros recebeu o pedido de socorro que o Coronel Rodolpho Fernandes lhe enviou, como nos conta Raul Fernandes[10]: 

Apelaram ao Governador do Estado. (...) ‘Desiludidos de qualquer providência do Governo Estadual’, os mossoroenses compreenderam que teriam de contar com os próprios recursos. 

Se houve, portanto, um plano dentro do plano, então a estratégia foi a seguinte: as verdadeiras causas do assassinato do Coronel Rodolpho Fernandes ficariam ocultas sob o pó que o ataque cangaceiro a Mossoró levantaria; e a estranheza de um ataque de cangaceiros diretamente a Mossoró não seria percebida, pois, antes, fora banalizada por outro ataque, este a Apodi, claro que em menores proporções, para não chamar muita atenção.

Ora, com o ataque a Apodi matavam-se dois coelhos com uma cajadada só: introduzia-se o cangaço no Rio Grande do Norte, criando-se a necessária “cortina de fumaça”, desmoralizava-se o Coronel Chico Pinto e sua liderança, bem como se eliminava a estranheza de um ataque cangaceiro direto a Mossoró, uma cidade grande e quase litorânea de um Estado até então livre da praga do cangaço. 

CONTINUA... 

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[1] Ver “O Fogo de Pau dos Ferros” em “MASSILON”, do Autor.
 
[2] Ver “DICIONÁRIO DAS BATALHAS BRASILEIRAS”; DONATO, Hernâni; verbete “SENA MADUREIRA”, bem como “O GUERREIRO DO YACO”, FERNANDES, Calazans.
 
[3] Os Saldanhas.
 
[4] Cidade paraibana onde nasceu Jerônimo Rosado. Pertence à mesma área de Brejo do Cruz, PB, cidade na qual eram influentes as famílias Maia e Saldanha.
 
[5] Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró.
 
[6] Limoeiro do Norte, Aracati e adjacências.
 
[7] O maquiavelismo, aqui, do qual Massilon seria o executor, teria sido no sentido de que ele sabia que o Coronel Chico Pinto não seria morto, porque sua morte teria tal repercussão que inviabilizaria o “plano dentro do plano”, mas, disso, não sabiam as lideranças menores apodienses envolvidas, caso contrário haveria perda de prestígio político por parte de quem estava manipulando as ações por trás dos cordéis e precisava continuar dominando o cenário político em Apodi e Região.
 
[8] Como explicado acima, a chegada inesperada de Lampião em Aurora, CE, pode ter precipitado a execução da estratégia cujos desdobramentos foram anunciados ao Coronel Rodolpho Fernandes pela carta de Argemiro Liberato. Existem, também, relatos de uma famosa carta enviada pelo Coronel Chico Pinto ao Coronel Rodolpho Fernandes informando-lhe acerca do próximo ataque a Mossoró. Dá notícia desta carta o jornal “CORREIO DO POVO” (NONATO, Raimundo; “LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró).
 
[10] “A MARCHA DE LAMPIÃO”; Editora universitária; Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 1981; 2ª edição; Natal, RN.