Houve um tempo no qual comíamos apenas abacates crus no café-da-manhã, PFs no almoço, líamos e discutíamos Marx à tarde, e, quando vinha a noite, bebíamos cachaça e declamávamos Augusto dos Anjos para as meninas de São Carlos, em São Paulo, antes de as convidar para dançar forró, que estava começando a fazer sucesso, no "Porão" da Universidade Federal de São Carlos. Aqui, com o grande "Gentil", o "Alma minha Gentil que te partiste, tão cedo desta vida descontente...". Tirando a foto, meu irmão Gilson Ricardo, com quem eu passava as férias.
sábado, 9 de junho de 2012
"O PROBLEMA NÃO ESTÁ NA INSTITUIÇÃO, E SIM NAS PESSOAS"
Do www.blogdafeira.com.br
Por Danillo Ferreira
Existe uma construção no imaginário de alguns policiais que
pretende simplesmente acusar as pessoas como culpadas por más práticas nas
organizações policiais. Para eles, “a instituição é perfeita, as pessoas é que
a distorcem”. Trata-se de um argumento curioso, que possui consequências ainda
mais inusitadas.
Se o problema está nas pessoas, não há motivo para
diferirmos, por exemplo, uma ditadura de uma democracia, pois qualquer um dos
regimes pode ser igualmente bom, se temos pessoas boas. Como meus colegas
defendem que o Brasil, por sua cultura, é um exemplo de país com pessoas “más”,
parece que a Suécia, ou o Japão, teria sucesso ao implementar uma Ditadura.
Este raciocínio, que pretende conservar estruturas
institucionais existentes, terceirizando o problema para “as pessoas”, acaba
mesmo por extinguir a necessidade de quaisquer instituições. Ora, se todo o
nosso problema é moral (poucas pessoas “boas” e muitas pessoas “más”), não há
necessidade de instituição alguma. É só aguardar até que tenhamos mais “bons”
do que “maus” no mundo para que tudo dê certo.
Poucos teriam esta ingenuidade quase infantil, embora
defendam o argumento apontado no início deste texto.
É preciso observar que instituições são feitas para resolver
problemas, devendo se ajustar sempre que os problemas mudam ou se tornam mais
complexos. Se deixa de resolver os problemas, deixa de fazer sentido enquanto
instituição, na medida da quantidade de problemas que deixa de sanar.
É óbvio que a cultura local deve ser considerada nos
mecanismos institucionais de resolução de problemas. E aí deve-se atentar para
a formação dos profissionais e para a estrutura correcional, que também são
problemas que se referem ao modelo de instituição adequado. Ou a formação
policial não serve para modificar, em certo grau, os indivíduos? Orientá-los
para determinados tipos de prática, em detrimento de outras? Estamos condenados
à “educação que vem de berço”?
Existem, sim, elementos institucionais que,
independentemente de quem os esteja operando, são ineficientes, ineficazes.
Alguns gargalos são insuperáveis pela maior boa vontade que exista, algumas
perversões permanecerão existindo enquanto determinada arquitetura institucional
prevalecer.
Defender a conservação de uma instituição dizendo que o
problema são as pessoas é infantil e até ridículo. Observemos os resultados:
sua instituição resolve os problemas que se dispõe a resolver? Se sim, ela é
perfeita. Se não, precisa enfrentar o desafio da mudança.
Autor: Danillo Ferreira - Tenente da Polícia Militar da
Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em
Filosofia pela UEFS-BA. | Contato: abordagempolicial@gmail.com
DUAS COISAS ME FAZEM SEGUIR EM FRENTE
Por Bruna Negreiros
E assim, naquele momento, mais uma vez ela me dizia o quanto acreditava em Deus, afirmando que confiava e sabia que tudo daria certo. Repetia.
- Há duas coisas que
me fazem seguir em frente, a fé e a esperança.
E eu me surpreendia,
aquilo parecia tão absurdo para mim. Custava-me acreditar e aceitar que alguém
que passava por situação tão dolorosa poderia ainda assim ter fé e crer na
existência de um ser bom, um ser supremo que cuidava de todos. Aquilo me
irritava, e como irritava! Logo eu que costumava respeitar a crença de todos,
tempos depois acabara me tornando alguém que sentia um tremendo desconforto ao
ouvir ela dizer. E ela repetia.
- Confio em Deus e em
Jesus Cristo e somente eles podem me ajudar nesse momento. O que seria de mim
sem a fé?
Aquilo continuava a
me irritar, ficava em silêncio, mas subjacente ao que demonstrava na
superfície, o meu corpo parecia até ter milhares de facas pontudas e cortantes
por dentro. E o que eu queria de verdade era gritar.
- Escuta, presta bem
atenção! Não há provas, não existem fatos que comprovem. Sabe esse Deus que
você tanto fala? Ele não existe! Nós o criamos. Foram humanóides há milhares de
anos que procuraram uma explicação para a vida, para as coisas, e sem
conhecimento científico justificaram tudo através de um ser divino!
Mas infelizmente eu
sabia, bem no fundo, e custava-me muito dizer, mas eu tinha conhecimento que
aquela fé e esperança que ela tanto falava, eram o alicerce que ainda a matinha
de pé. E por mais que eu quisesse, mesmo no ápice do desespero e da raiva, eu
sabia que não poderia dizê-lo. Afinal, aquilo era o que a motivava e fazia com
que mesmo com tanto sofrimento, um sorriso tímido e sincero ainda surgisse no
canto de sua boca.
Algumas vezes eu
tentava realizar uma espécie de brincadeira, tentando um tipo de regressão,
voltando a tempos que hoje me parecem tão distantes. Transportava-me aos meus
11, 12 anos de idade, aos tempos que os problemas eram poucos, as brincadeiras
eram muitas e eu ainda acreditava em Deus. Talvez eu nem acreditasse mesmo,
penso que só seguia a ideologia hegemônica da família, uma criança de 11 anos
de idade não pode questionar muita coisa. Nessa pequena viagem de volta ao
passado, tentava lembrar o que eu pensava sobre o assunto na época, e
infelizmente não recordo de muita coisa. Lembro-me vagamente do primeiro
contato na escola com a teoria do big bang. Confesso quão estática fiquei ao
tomar conhecimento desta teoria. Veio-me a epifania, tudo parecia ter sentido,
e por muito tempo me considerei diferente de todas as outras crianças na sala
de aula, lembro-me que por muito tempo a teoria criacionista e a do big bang
coexistiram dentro daquela pouco desenvolvida mente infantil.
terça-feira, 5 de junho de 2012
XIV FÓRUM DO CANGAÇO EM MOSSORÓ
XIV Fórum do Cangaço em Mossoró
Dia
12/06/12 – Terça-feira -19h15min
Local:
Universidade Potiguar
Conferência
de abertura
Tema:
O código do sertão: violência e
resolução de conflitos
resolução de conflitos
Conferencista:
Prof. Francisco Linhares Fonteles Neto – Fortaleza/Ce
Coordenação:
Paulo Medeiros Gastão
21:00h
- Lançamento
de livro:
Obra:
A outra face do cangaço: vida e morte de um praça.
Editora.
Edições Bagaço
Dia
13/06/12 – Quarta-feira - 08:00h
Assembléia
Geral da SBEC
19h15min
- Mesa-redonda
Tema:
Violência contra a mulher no tempo do cangaço
Debatedoras
Juliana
Pereira Ischiara - Quixadá/CE
Susana
Goretti Lima Leite – Mossoró/RN
Moderadora
Rosimeiry Florêncio de Queiróz Rodrigues
Dia
14/06/12 – Quinta-feira -19h30min
Posse
da nova diretoria
20h00min
- Mesa
Redonda
Tema:
Narrativas sobre o cangaço na imprensa
Debatedores
Anildomá
Willans de Souza – Serra Talhada/PE
Wescley
Rodrigues Dutra – Cajazeiras/PB
Moderador
Marcilio
Lima Falcão
ELIAS CANETTI, ENSAÍSTA
Excepcionalmente dotado das artes do feiticeiro, previu Elias Canetti que o ar é o nosso último bem comum. Disse-o num discurso pela passagem do quinquagésimo aniversário de Hermann Broch, em Viena, 1936. Ao refletir sobre a data, viu Canetti um belo sentido na homenagem que se presta a um homem pelo seu quinquagésimo ano de vida e, desde então, percebeu que o público e o privado não admitem distinção; interpenetram-se hoje e de uma forma jamais vista no passado.
Consumido por uma compulsiva fome de leitura, forjou Canetti, como escritor, uma individualidade complexa e poderosamente vital. Tudo o que há lido, desde que aprendeu a ler, parece estar sempre ao seu dispor. Um leitor, enfim, alerta e hipercrítico. Descobriu – ou inventou – os seus precursores.
Ensaísta emérito, por índole, temperamento e cultura, escreveu os ensaios de Consciência da palavra, dos seus livros mais pessoais. Contém e resume todo um credo humanista ávido de vida. Escritor enciclopédico, sempre reiterando que nada surge sem grandes modelos, parece dizer-nos também que o ensaio agrada aos espíritos analíticos e discriminadores.
Dentre as suas obsessões, a busca de Kafka, um de seus precursores -, leitmotiv recorrente de suas inquisições metafísicas -, Franz Kafka é uma ideia fixa para o escritor. Canetti amplia a nossa consciência das coisas e da palavra. Como um arguto e inquieto observador minucioso, aplica-se a Canetti o mesmo axioma de Otto Maria Carpeaux para Benedito Croce. Foi um homem que pensou implacavelmente sem pensar em consequências. Sim, repetindo o próprio Canetti, leitor multifacético de Schopenhauer, rarefeito é o número de cabeças que pensam. Muitos escrevem sem medir as palavras. Leviana e epidermicamente, expedem palavras sem pensamento e sem noção.
Trata-se, obviamente, de um escritor para escritores; de um escritor que é um poço inesgotável de surpresas e novidades, adverte-nos o diabo da inveja. O homem de Ruschuk, Bulgária, é desses escritores que pacientemente deglutem o conhecimento, a informação, a herança dos séculos, devolvendo-os aos leitores em parágrafos que contém a memória universal.
Escritor de uma estirpe rara, tece Canetti a sua escrita com clareza e densidade, com razão e inteligência, podendo assim louvar seus precursores. Gogol, Stendhal, Thomas Mann, Karl Kraus, Kafka, Dostoievski etc.
Mestre da sátira, escreveu um único romance que não poucos afirmam ser o contraponto tardio de Don Quixote. Auto-de-fé foi o único de oito romances planejados que escreveu e que constitui um tour de force, numa prosa tão maior do que a de Joyce; um tour de force que se lê com prazer e assombro. Uma obra visceral, sob alguns aspectos, até, inumana. Ou sobre-humana, outros dirão. Canetti nunca foi desses escritores ricos, barulhentos, que querem ser levados a serio.
De suas obras, Massa e poder, a desconcertante e minuciosa trilogia biográfica constituída por A língua absolvida, O jogo dos olhos e Uma luz em meu ouvido; e, sobretudo, o romance Auto-de-fé, avultam, em grandeza metafísica e perspicácia, entre as criações magnas de Canetti. Diz-nos, através dessa obra progressiva – canettiana -, que a prática faz o mestre, tornando-nos merecedores, portanto, de uma paga justa.
Mario Vargas Llosa viu Auto-de-fé como um pesadelo realista. De fato, parece ser um dos maiores horrores da literatura, algo da mesma natureza demoníaca de Vathek, o califa ímpio. Contém o desejo do autor de escrever um texto rigoroso e desapiedado; um texto que não podia ser agradável ou complacente. Para muitos, uma das obras de ficção mais ambiciosas da narrativa moderna; para outros, a obra de um intelecto desmedido que não quer ser feliz, quer ser sábio. Um romance cômico inexcedível que só muito raramente provoca o riso do leitor. Assim, Auto-de-fé.
Canetti considera a leitura uma carícia. E, o escritor, alguém que nada obtém por herança, sem mérito nem esforço. Jamais será um pobre de espírito quem pensa assim! Alguém que engordou de inércia. Sobretudo preservou Canetti a coragem de manter-se sozinho. De não ser de preço comum no mercado. Desde cedo soube o que queria ser e quis sê-lo sem tardança. Porem deu tempo ao tempo e fez milhares e milhares de anotações que recheiam seus arquivos. Os arquivos de um escritor compulsivo, insuportável em sua minuciosidade. Ninguém era capaz de escrever com tanta raiva, como escrevia às vezes Canetti.
Os ensaios desse autor constituem uma biblioteca de humanidades e convergem para um fim, seu trabalho. Sua escritura – por sua extensão e profundidade -, dir-se-ia quase infinita, obra de um fazedor de bruxarias. De um ilusionista da literatura. Uma obra aparentemente sobre-humana. Trabalho que resultou, concretamente, num espólio literário extraordinário.
Canetti escreveu milhares de fragmentos que, organizados, procriarão dezenas de novos livros, de livros inéditos, desconcertantes, justificando a sua natureza de obra progressiva. O ensaio, como declarou, foi o meio pelo qual se manifestou o seu talento. Sua energia verbal, encantatória, persuasiva.
Engrandeceu Elias Canetti a arte do ensaio. Acrescentou-lhe o seu nome desmedido.
.Fragmento de O Escrivão de Chatham, v.2 -2 [inédito]
domingo, 3 de junho de 2012
A CASA-GRANDE DA FAMÍLIA DIÓGENES, CONTINUAÇÃO
Pereiro, Ceará: mítica, misteriosa...
Casa-Grande da Família Diógenes, do final do século XVIII, com trinta e oito compartimentos, construída por escravos, palco de muitas histórias e estórias...
Eis que na parede da
Casa-Grande encontro a fotografia de uma ancestral comum. O Coronel José
Fernandes de Queirós e Sá foi o pai do construtor da Casa Grande da Fazenda
João Gomes em Marcelino Vieira, Rio Grande do Norte, e meu tetravô pelo lado
materno.
As impressionantes janelas da Casa-Grande, quase do tamanho da cozinheira, a quem pedi que ficasse onde está, para estabelecer a comparação.
Muito mais acerca da Casa-Grande da Família Diógenes em www.honoriodemedeiros.blogspot.com.br, ou, especificamente:
1) A CASA GRANDE DA FAMÍLIA DIÓGENES EM PEREIRO, NO CEARÁ: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2009/12/casa-grande-da-familia-diogenes-em.html
2) A ESTRANHA PEREIRO 1: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2009/12/estranha-pereiro-i-html
3) A ESTRANHA PEREIRO 2: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2009/12/estranha-pereiro-ii-html
A FORMAÇÃO DA MENTALIDADE SUBMISSA
Vicente Romano
befelgueiras.blogs.sapo.pt
Por Vicente Romano [*]
A manipulação
Além de insígnia
militar romana e de pequena estola ornamental dos sacerdotes, o manípulo, era
também o punhado de forragem que se punha diante do burro, de forma a que o não
pudesse alcançar, para que, ao persegui-lo, o animal carregasse ou puxasse a
carga que outrem lhe destinara.
Segundo os dicionários,
manipular significa "operar com as mãos, trabalhar demasiado alguma coisa,
manuseá-la, manejar as coisas a seu modo ou intrometer-se nas coisas
alheias" e, por fim, "intervir com meios hábeis ou, por vezes,
astuciosos, na política, na sociedade, no mercado, etc., com frequência para
servir interesses próprios ou de terceiros".
Desta forma,
etimologicamente, manipulação acaba por ser uma intervenção consciente num dado
material com um fim determinado. Neste sentido, diz-se que o oleiro manipula a
argila ou que o realizador de cinema ou de televisão manipula as imagens
filmadas. Aqui, vamos referir-nos à manipulação dos conteúdos de consciência,
das mensagens dos meios de comunicação no seu sentido mais lato. Trata-se de
uma intervenção com consequências sociais e, portanto, de um acto político.
É certo que toda a
utilização dos media pressupõe sempre uma manipulação. Qualquer processo de
produção comunicacional, desde a selecção do meio, à gravação, à mistura e
montagem, à realização e distribuição é uma intervenção, uma manipulação do
material existente. Aquilo que importa, como assinalava Enzensberger em 1969,
após os acontecimentos do "Maio" francês e alemão do ano anterior,
não é que os meios e as mensagens da indústria da consciência sejam manipulados
ou não, mas sim quem os manipula, em proveito de quem e ao serviço de que
interesses.
Neste contexto da
submissão das consciências e da formação da opinião, vamos entender por
manipulação a orientação da comunicação por uma minoria, com o objectivo da
dominação de todos os outros. O primeiro passo para sermos donos das nossas
vidas e do nosso futuro é o representado pela identificação dos entraves que,
interessadamente, outros nos colocam no caminho para levarem a água ao seu
moinho. Por isso convém ter claro o conceito de manipulação e os seus
objectivos antes de passarmos à descrição das técnicas utilizadas por essas
minorias para conseguirem atingir os seus objectivos.
A manipulação
espiritual, como comunicação orientada para o domínio ideológico, visa adaptar,
na medida em que lhe for possível, ao sistema social vigente, a consciência e
as actividades, incluídas as que se processam no tempo livre, da maioria da
população contra os seus próprios interesses e, dessa forma, subordiná-los aos
interesses minoritários que a promovem. As maiorias devem submeter a sua imagem
do mundo, a sua compreensão das coisas, os seus gostos, em suma, o seu modo de
vida, aos interesses das minorias. A manipulação significa a deformação
espiritual do povo, significa privá-lo das suas faculdades e actividades
criadoras. Através dela, desgasta-se sistematicamente a subjectividade do
indivíduos, isto é, a sua personalidade. Manipulação significa uniformização do
espírito, a desgraduação de todo o ser humano à condição de objecto ou de um
número que se vende por "xis" ao milhão, no caso dos telespectadores
das audiências televisivas, por exemplo. O receptor e o consumidor das
mensagens e produtos desta indústria da consciência e do entretenimento não
participa na planificação, na direcção, nas decisões nem na gestão desta
produção. Não se trata, como pretendia McLuhan, de que o meio seja a mensagem,
mas sim de todos os meios transmitirem a mesma mensagem e até a mesma imagem.
Por isso, "o que vemos, lemos e ouvimos, o que se veste, o que se come, os
sítios onde se vai e aquilo que se acredita estar a fazer, passaram a ser
responsabilidade de um sistema de informação que fixa gostos e valores em
função dos seus próprios critérios de mercado, os quais, por sua vez, se
reforçam entre si" (H. I. Schiller). [1]
Para lograr essa
uniformização da consciência numa sociedade fraccionada por contradições antagónicas
aplicam-se métodos psicológicos cujo êxito foi testado e confirmado na
"publicidade" comercial, a indústria do reclame.
Mobilizando recursos
científicos nas disciplinas mais diversas (sociologia, estudos de opinião,
psicologia, politologia, relações públicas, estudos comportamentais e
motivacionais, teoria da comunicação, etc), consegue construir-se um pensamento
em modelos pré-formatados. Uma maneira de pensar que, para além do mais,
reforça a aparência de que se está a agir livremente. Sob a cobertura de uma
suposta liberdade de expressão, os poucos que dela realmente dispõem, quer
dizer, as minorias que detêm os meios para a expressar, tentam moldar
sistematicamente as consciências de milhões de pessoas, condenando-as à
menoridade intelectual, educando-as para a docilidade, para suportar, sem
críticas, o sistema de dominação e exploração vigente, e para considerar como
próprios os falsos ideais deste mesmo sistema. As actuações e condutas daí
resultantes são apresentadas como "livres decisões", autodeterminadas,
quando na realidade são induzidas, heterodeterminadas.
Como fenómeno típico da
vida espiritual nesta autodenominada "sociedade de mercado livre", a
manipulação das consciências parte, entre outras, das seguintes condições
prévias:
1) A concentração sem
precedentes do capital em sectores chave e, ao mesmo tempo, a recente baixa das
taxas de juros.
2) O problema daí
derivado da valorização do capital e da procura de novos investimentos.
3) O desenvolvimento do
sector terciário, de serviços.
4) A eliminação das
fronteiras nacionais por necessidade de expansão do capital, ao mesmo tempo que
se estão gerando continuamente novas fronteiras e conflitos étnicos.
5) O agravamento das
contradições do sistema capitalista, especialmente entre Norte e Sul, entre
pobres e ricos.
6) A existência de
modernos meios técnicos e conhecimentos científicos – aquilo que costuma
englobar-se sob a designação "novas tecnologias" – que permitem o
exercício unitário e simultâneo do poder económico e ideológico sobre o
conjunto de toda a sociedade.
7) Uma oferta massiva
de mercadorias que estimula o consumo enquanto ideal de desejo
8) O progressivo
abandono da ideia de "público", conducente à marginalização dos
serviços públicos enquanto organização e modo de regulação do sistema
9) O subsequente
processo de desregulação e privatização com a preponderância dos critérios de
rentabilidade financeira sobre os critérios de rentabilidade social
10) A comercialização
de todos os aspectos da vida material e espiritual dos cidadãos o que conduz,
necessariamente, a que o produto barato, isto é, o produto indiferenciado,
uniforme, determine a produção e os programas. O efeito final da
comercialização é, como se constata, o entretenimento à base de enlatados
fabricados em série e envoltos em reclames publicitários.
11) Aquilo que se impõe
é o valor de troca da informação e do entretenimento como mercadoria destinada
a compensar ilusoriamente as carências afectivas da maioria da população e não
o útil potencial do seu valor de uso
12) A indústria da
comunicação e da consciência, principal instrumento de dominação e submissão,
transformou-se num sector estratégico nos campos económico, político e cultural
A manipulação dirige-se
ao pensamento, aos sentimentos, às acções (e omissões) de toda e qualquer
pessoa. Da esfera íntima até à apresentação pública no trabalho, na escola ou
na política, não sobra um único aspecto, uma única dimensão da vida que dela
não receba a influência. O objectivo final da manipulação é a obtenção da
passividade e da submissão. A manipulação das mentes é uma guerra psicológica
planificada, elaborada a partir de conhecimentos científicos, contra o
desenvolvimento progressista, isto é, solidário e cooperativo do ser humano ou,
o que é a mesma coisa, orientada contra o progresso social.
Naquilo a que se chama
"sociedade de mercado livre", a função da indústria da comunicação,
como de qualquer indústria, consiste em gerar lucro, mais ainda, em estimular a
sua criação e, sobretudo, em manipular a maioria da população de maneira a que
esta não empreenda acções contra o sistema de economia privada, mas antes que o
apoie e reforce. A razão de ser da manipulação funda-se nas leis que regem a
economia de mercado. Por isso há quem a tenha qualificado como um instrumento
de conquista, como o fez Paulo Freire, na sua "Pedagogia do
Oprimido". [2] A manipulação, diz o pedagogo brasileiro, é um dos recursos
mediante os quais "as elites dominantes tratam de fazer com que as massas
se moldem aos seus objectivos". Valendo-se de mitos que explicam,
justificam e até adornam as condições existentes de vida, a minoria que dispõe
dos media mobiliza-se em favor de uma ordem social que não serve os interesses
das maiorias. Uma manipulação bem sucedida fará com que as pessoas não pensem
noutros ordenamentos sociais possíveis nem, consequentemente, em alterar os
existentes.
Por outras palavras, a
função primordial da indústria da comunicação, da consciência, do
entretenimento ou como quer que se lhe chame, na sociedade capitalista consiste
em desorganizar e desmoralizar os submetidos. Neutraliza os dominados, por um
lado, e consolida, por outro, a solidariedade com a classe dominante e com os
interesses desta. Ao fim e ao cabo, "os ricos também choram", têm
problemas com os seus filhos, etc. Os modelos de conduta que apresentam,
baseiam-se no êxito pessoal, no individualismo, no isolamento e na fragmentação
social. O colectivo, segundo tal lógica, não conduz a lado algum.
Manipula-se, em suma,
quando se produzem informações que não reflectem os interesses e necessidades
dos seus consumidores, quando deliberadamente se produzem mensagens
desconformes com a realidade social.
O oposto da manipulação
é a formação da consciência crítica e da vontade democrática, tendo em vista o
desenvolvimento multifacetado da pessoa humana. Para isso requer-se, entre
outras coisas, a transformação do sistema de produção material e espiritual, do
sistema de ensino, a criação de condições efectivas de acesso que estendam a
liberdade concreta de expressão a todos, a supressão das medidas estatais que
limitam essas liberdades, requer-se a travagem e anulação da influência dos
monopólios e oligopólios na formação da opinião pública e na cultura. Terão as
maiorias de converter-se em protagonistas dos media, recorrendo aos modelos e
exemplos concretos e reais para a formação da sua opinião em todos os aspectos
da vida. O povo como protagonista, implica que as maiorias trabalhadoras
elaborem as suas notícias e as discutam [3] .
Técnicas de manipulação
a) A selecção
Uma das técnicas de
manipulação que melhor passam despercebidas consiste no seleccionar para
difusão aquelas informações que melhor satisfazem os interesses e os objectivos
dos seus produtores. Qualquer objecção que se faça a esta selecção costuma,
segundo a escassíssima minoria que a elabora e destina a todos os outros,
equivaler a um atentado contra a liberdade de expressão, de comércio, de
criação, etc.
E, contudo, a
informação é, por natureza, selectiva. Não se consegue publicar tudo aquilo que
acontece. Mesmo que fosse possível sabê-lo, os jornais e as revistas têm um
número limitado de páginas, um espaço finito. O mesmo acontece com os espaços e
os tempos radiofónicos e televisivos. Daí a necessidade de seleccionar entre o
fluxo incessante, proveniente dos correspondentes, das agências, do material em
bruto que, depois de uma primeira triagem é passado às redacções jornalísticas,
as quais, por seu lado, voltam a seleccioná-lo de modo que, no fim do processo,
apenas se publicará qualquer coisa como um por cento da informação inicialmente
gerada. Trata-se de uma zona de desperdício astronómico, que bem valeria a pena
analisar.
Logicamente, cada qual
selecciona de acordo com os seus gostos, educação, ideologia, interesses,
necessidades, etc. Na formação social que se denomina "mercado
livre", quer dizer, capitalismo, selecciona-se aquilo que se crê ir vender
melhor e a mais gente.
Seja como for, devido à
concentração existente nesta indústria da consciência, ou do entretenimento,
como outros preferem chamar-lhe, a verdade é que se contam pelos dedos de uma
mão as agências internacionais que seleccionam os acontecimentos e as imagens
que vemos na maior parte do mundo. O mesmo é válido para a produção de filmes,
séries televisivas, livros de texto, etc. Basta recordar a informação sobre a
Guerra no Golfo, do princípio dos anos 90, cuja cobertura foi atribuída em
exclusivo à cadeia norte-americana CNN, com os jornalistas devidamente
escolhidos e previamente industriados pelos militares do Pentágono. Basta
recordar que 95 por cento das imagens difundidas pelos meios de comunicação são
fornecidas por uma agência noticiosa dos Estados Unidos ou, ainda, que 90 por
cento dos conhecimentos armazenados em bancos de dados de todo o mundo são
propriedade privada norte-americana.
Em suma, uns poucos
detêm o poder de definir a realidade para a maioria de todos os outros, de
dizer-lhes o que se passa, o que é bom e o que é mau, o que se deve ou não
fazer e como fazê-lo, etc. Este poder de fixar o programa social de qualquer
comunidade é a chave do controlo social. Lorde Nordcliffe, dono de um dos mais
poderosos consórcios jornalísticos dos princípios do século XX, explicava-o
muito directamente e sem muito gaguejar: "Deus ensinou os homens a ler para
que eu possa dizer-lhes quem devem amar, quem devem odiar e o que devem
pensar". [4]
E a história que nos
contam costuma ser, quase sempre, a dos outros, não a nossa. Enquanto estamos
entretidos a viver as histórias dos outros, não temos tempo para nos interessarmos
pelas nossas próprias, isto é, com as histórias da nossa vida. Porque se nos
ocupássemos dela, se acerca dela descobríssemos como são bem outros que a
determinam e não nós, certamente não ficaríamos de braços cruzados e
tentaríamos mudar a figura das coisas.
b) Silenciamento
O simples método de
manipular comunicando tão-somente aquilo que convém implica, por definição, o
silenciamento do inconveniente. Os governos, por exemplo, encontram um
formidável instrumento de controlo social no silenciamento de informações
vitais à população, como ocorreu em Espanha durante a Guerra do Golfo com a
questão dos sobrevoos e abastecimentos das tropas norte-americanas.
Quando a verdade não
corresponde aos interesses do capital, não se trata de mentir, mas antes de não
dizer a verdade. Este método é mais difícil de ser percebido pelos leitores,
ouvintes ou telespectadores.
Informa-se de maneira
selectiva, mas credível, acerca de fenómenos, pormenores, sem contexto, sem
chegar, nunca, à essência do sistema.
Os governos despendem
centenas de milhões na acumulação de informação que se destina a ser
imediatamente silenciada, por razões de Estado, de interesse ou segurança
nacional, etc., mas cujo conhecimento acabará repartido por uns quantos. Um
exemplo quase pueril, para não mencionarmos outros de maior substância, é o
daqueles ex-chefes de Estado que ao cessarem funções levam consigo milhares de
documentos para redigirem as suas memórias e, com eles, fazerem, portanto, o
seu negócio privado. Por isso se diz que informação é poder ou, com maior
precisão, que o poder se baseia na ocultação da informação. Não era diferente
nos países socialistas.
c) A comunicação
oficial e protocolar
A maioria das notícias
dos meios de comunicação, em especial da televisão, refere-se às actividades
dos governantes. A televisão considera precisar imprescindivelmente de notícias
que possam apresentar-se com imagens. Nas deslocações, visitas e inaugurações
dos chefes de Estado e dos governantes, podemos assistir a como descem dos
aviões, como têm à espera as suas guardas de honra, apresentação de armas e
hinos nacionais, como chegam e partem nos carros topo de gama, como membros das
comitivas e guarda-costas abrem e fecham as portas, como os governantes olham
para as câmaras com expressões e gestos estudados.
Às vezes, nem se
distingue, onde estão, se em Madrid, em Bruxelas ou noutra qualquer capital. As
imagens parecem-se entre si, como gotas de água. Os personagens que decidem a
nossa vida desaparecem, então, atrás de portas que se fecham e, aí, onde
verdadeiramente começa a história, é onde nós ficamos sem saber o que se
negoceia e assina para lá delas. É assim que se encena o espectáculo da
democracia. Dá um trabalho considerável distinguir entre espectáculo, política
e reclame publicitário. Mas o primado é sempre do espectáculo. [5]
d) Os mitos da
sociedade ocidental
A manipulação das
consciências efectua-se também por meio de uma série de mitos que estruturam os
conteúdos das mensagens. Herbert Schiller, no seu já antes citado "Mind
Managers", analisa cinco destes mitos.
1) O mito do
individualismo e da decisão pessoal. Baseia-se na suposta primazia do indivíduo
como valor supremo. Aqui reside o fundamento da liberdade, da propriedade
privada, do triunfo pessoal a todo o custo, etc. Esta forma de apresentar o
progresso do ser humano oculta, capciosamente, o facto de aquilo a que chamamos
sociedade ou cultura humana ter surgido da cooperação, da solidariedade e da
comunicação. É isso que distingue o humano do animal. O egoísmo selvagem
representa precisamente a animalidade.
2) O mito da
neutralidade. A eficácia da manipulação depende da inexistência de provas da
sua existência, de que as mentes submissas acreditem que as coisas são
inevitavelmente como são, sem que nada exista que possa mudá-las. Para esse
efeito, é fundamental que as pessoas creiam na neutralidade das instituições
sociais, dos governos, do sistema de ensino, dos meios de comunicação e da
ciência. Lamentavelmente para esses interesses, os factos desmentem esta tão
cacarejada neutralidade.
3) O mito da
inalterabilidade da natureza humana. A opinião que tenham sobre a natureza
humana influi também no comportamento das pessoas e nas suas expectativas.
Quando se difunde a ideia, que se pretende até demonstrar
"cientificamente", segundo a qual a condição humana é uma criação
definitiva, acabada, seja por Deus ou pelo ADN, genoma humano ou como quer que
se denominem as novas "divindades" da ciência, estará, então, a
admitir-se que as relações conflituais são inerentes à própria condição humana,
nada tendo a ver com as circunstâncias sociais; que a agressividade é
incorrigivelmente própria da natureza humana; e que, portanto, não vale a pena
mudar o meio social gerador, ele sim, de tais conflituosidade e agressividade
de uns seres humanos para com os outros. Os efeitos sociais destas teses são a
desorientação, a incapacidade para identificar as contradições e as suas causas
e, o que é pior, a aceitação submissa da situação existente.
4) O mito da ausência
de conflitos sociais. Consequência lógica do anterior, impõe-se o mito de que
não existem conflitos sociais, de classe. O conflito apresenta-se sempre como
um problema individual. Do ponto de vista da sua comercialização, dizem-nos os
investigadores, a apresentação como colectivos dos problemas sociais, requer
não apenas um esforço acrescido, como perturba os consumidores. Daí que os
entretenimentos e produtos culturais de maior difusão estejam tão impregnados
de violência individual. A cooperação, a unidade e a luta colectivas constituem
conceitos potencialmente perigosos.
5) O mito do pluralismo
dos media. Este baseia-se na ilusão de que ao dispor de um grande número de
títulos de jornais e revistas ou de muitas emissoras de rádio ou canais de
televisão, o cidadão está apto a escolher entre uma oferta efectivamente
diversificada. É uma ilusão que surge reforçada pelo facto de o consumidor
poder realmente optar por um ou por outro título, ou canal. Mas caso se observe
mais de perto os conteúdos, facilmente se verá como são todos mais ou menos
idênticos. Multiplicidade de botões (canais) não é sinónima de diversidade de
opiniões. Onde se encontra, por exemplo, um diário de grande projecção ou um
canal de televisivo de esquerda? O pluralismo autêntico é o das opiniões
diferentes e contrastadas. O aumento de títulos, canais e programas não basta.
Se todos oferecem a mesma informação oficial protocolar, a mesma música, os
mesmos espectáculos banais, os mesmos concursos e os mesmos reclames
publicitários, não é pluralismo o que se tem, mas sim uniformidade e
conformismo, compensação fácil para os défices emocionais, as angústias e
frustrações e, em última instância, doutrinação.
a) Os inquéritos e
sondagens de opinião
Transformaram-se
actualmente numa verdadeira indústria de que a política e outras indústrias mal
podem prescindir. São técnicas para averiguar e determinar os hábitos e
preferências individuais e colectivos. Não são, de modo algum, instrumentos
neutrais, uma vez que os gostos e as tendências humanas não podem ser separados
das relações sociais em que existem. A sua publicação pode, inclusivamente,
criar, ela mesma, estados de opinião; através dela podem dissipar-se as dúvidas
dos indecisos, estimular o espírito gregário. Pelas sondagens não se pretende ficar
a saber o que as pessoas desejam, mas antes se os métodos anteriormente
empregues foram eficazes ou se, pelo contrário, é preciso modificá-los. A
indústria dos inquéritos e sondagens emprega-se, consabidamente, para dirigir
gostos e decisões, tanto na compra de bens de consumo, como nas eleições
políticas.
b) A censura
É a forma mais brutal
de intervenção para manipular as consciências. Ainda que deva ter-se em conta
que existem diversos tipos de censura. Assim, nos regimes totalitários,
pratica-se a censura prévia, isto é, a que se efectua antes de que os produtos
se imprimam e saiam para a rua. Também acontece censurar depois da impressão,
intervindo antes da publicação e comercialização. Deste modo, podem
confiscar-se jornais, revistas e livros nos quais já se tenham investido somas
consideráveis, infligindo os correspondentes prejuízos aos seus editores. Mas
não se pode, igualmente, esquecer a autocensura que a si mesmos impões os
produtores (jornalistas, escritores, artistas, etc.), antes de darem por
concluídos os seus trabalhos, de forma a que estes agradem às instâncias
superiores e não lhes criem problemas.
A arma contra a censura
é a motivação. Quando se quer escutar a mensagem, de pouco valem as barreiras e
as intromissões. Os espanhóis que queriam escutar a "Pirinaica" [como
os portugueses que queriam ouvir a Rádio Argel ou a Rádio Moscovo] durante a
ditadura, bem que o faziam apesar dos perigos e das interferências. A censura
não resolve nada, apenas prejudica a sociedade sobre a qual é exercida. Os
obstáculos impostos à liberdade conseguem apenas, como regra, estimular ainda
mais o desejo de conhecer o interdito. Quando a opinião pública não pode
informar-se nem expressar-se livremente, procura as suas próprias formas de
satisfazer as necessidades que sente e os interesses que partilha. Não há muros
que possam entravar a radiodifusão, como acontecia na ex-República Democrática
Alemã (RDA), cuja população escutava diariamente os programas de rádio da então
República Federal, através dos quais podia dedicar-se a imaginar o fascinante
espectáculo do "paraíso" capitalista que tanto viria a frustrá-la
posteriormente.
c) A fulanização da
política
Os acontecimentos
sociais, no discurso dos media, personalizam-se. Os dirigentes políticos passam
a ser julgados pelos seus atractivos pessoais e não pelos respectivos
programas, por aquilo que conseguiram fazer ou pelos falhanços que averbaram.
Os principais problemas apresentam-se ao público reduzidos a análi-ses de
atributos pessoais, dos seus hobbies, deslizes sentimentais, vida familiar e,
até, por via da análise dos vestidos e penteados. Os conflitos sociais são
interpretados e expostos como conflitos de personalidades. A guerra no Golfo
não é uma luta pelo controlo do petróleo e pela independência nacional de
determinados países, mas antes uma questão pessoal entre Bush e Saddam, por
exemplo. Estrategicamente, esta fulanização tem a virtualidade de alienar as
atenções das pessoas e das grandes massas relativamente aos problemas sociais
que as afectam, de facto.
d) A exposição
linguística
Como mencionámos ao
falar da violência psicológica ou simbólica, a linguagem continua a ser o
principal instrumento de manipulação. Se os seres humanos desenvolveram a
linguagem para poderem entender-se uns aos outros, para poderem cooperar entre
si para benefício de todos, o capitalismo de hoje utiliza a linguagem
precisamente na direcção inversa, para os confundir e dividir. As notícias são,
quase invariavelmente, apresentadas sem conexão entre si. Esta fragmentação
dificulta e impede a sua compreensão, pois sem contexto não há significado. Uma
coisa existe, através das outras, dizia Hegel. Se não nos são apresentadas as
relações que existem entre acontecimentos e estados de coisas, não podemos
simplesmente entender o que se passa. Explicar a violência na Irlanda do Norte
em termos de católicos e protestantes, sem dizer a quem pertence a riqueza,
quem ocupa os postos de trabalho e quem são os pobres ou os que estão no
desemprego, não serve de nada para perceber o que ali se passa. O mesmo poderia
dizer-se de todos os conflitos no mundo, veiculados pelos media. No conflito
jugoslavo, parece que só há um "mau", os sérvios, que se qualificam
de "antigos comunistas". Ao comunismo e neo-comunismo da Sérvia,
opõe-se a "liberdade" da Croácia, ainda que o seu governo seja
fascista. Na "sociedade de mercado livre" incluem-se as monarquias
feudais da Arábia, todas as ditaduras latino-americanas e quase todas as
africanas e asiáticas. O modelo da sociedade democrática e livre por excelência
são os Estados Unidos da América, que apesar do ardor com que proclamam a
liberdade de circulação de pessoas e bens, impõem há mais de 40 anos, um
bloqueio económico a Cuba, ou que com a sua legislação proteccionista impedem a
importação de bens de outros países, entre os quais europeus. E podíamos
continuar indefinidamente.
Um método simples de
observar o facciosismo da opinião dos media consiste em atentar nos adjectivos
com que qualificam os acontecimentos e as pessoas. Através deles, saberemos
como os julgam, que pretendem, se a sua tão propalada neutralidade e
independência tem, afinal, ou não tem, alguma a coisa a ver com a realidade e a
lógica das coisas.
O entretenimento
Entreter significa
compensar durante um lapso de tempo, as debilidades e carências emotivas e
sentimentais. O entretenimento apela aos défices emocionais que, de vez em
quando, todos nós temos. É disso que vive esta indústria. Porque o objectivo
último do entretenimento maioritariamente proporcionado pelos media de hoje não
é o postulado ético da coexistência entre povos e etnias e culturas, mas é
antes o de ganhar dinheiro com programas que exploram os mais primitivos
instintos (sexo e violência). Quando a aspiração de toda a construção cultural
consistiu ao longo dos séculos em refrear e sofisticar estes instintos, hoje em
dia, o direito do mais forte limita-se, ao potenciá-los, a contradizer todo o
património de avanço cultural e político nos direitos humanos.
Enquanto jogo lucrativo
com as emoções de terceiros, o entretenimento torna-se, na realidade, uma
questão política determinada pelos meios que se utilizem para o disseminar.
Quem diariamente se distrai com o assassinato, a morte, a fraude, a violência
bruta, aprende que o direito do mais forte e que o individualismo egoísta
prevalecem sobre os direitos humanos, a solidariedade e a cooperação e aprende
ainda que a melhor maneira de responder às opiniões contrárias é partir a cara
àqueles que as expressem. O simplismo e a rudimentaridade dos punhos, em vez da
complexidade e diversidade das opiniões, da força dos argumentos racionais,
produz mirones cínicos e não cidadãos democratas, dotados de consciência
crítica e sentimentos solidários.
O entretenimento e a
diversão das grandes massas das populações e a organização perversa dos seus
tempos livres, converteram-se numa das indústrias mais lucrativas e prósperas
dos nossos dias. Aproveitando-se das forças produtivas mais modernas, as novas
tecnologias da informação e da comunicação, como costumam ser designadas,
gera-se uma ampla oferta de organização do tempo livre, entendido como tempo de
ócio, de não trabalho. Mas, isto em nada significa que este seja um tempo
efectivamente à nossa disposição, ocupado com actividades organizadas e
dirigidas por nós mesmos. O que se passa é que esta indústria utiliza, na
projecção dessa e doutras ilusões, todas as formas de cultura popular:
histórias, desenhos animados, discos, cassetes, jogos de vídeo, programas de
rádio e de televisão, cinema, revistas ilustradas, acontecimentos desportivos,
concertos e festivais de pop e de rock, fascículos, livros promovidos pelos
reclames comerciais, etc., etc. Existe uma enorme quantidade de produtos para
iludir as pressões e angústias da vida quotidiana, para a evasão através do
jogo e do entretenimento, para tentar, enfim, satisfazer esperanças e desejos
secretos.
Esta exploração
interessada das necessidades humanas de entretenimento, de descanso, de
distensão cumpre uma outra função importante: abstrair da sua realidade as
grandes massas da população, algo que deve entender-se também no âmbito da
manipulação ideológica e da formação da mentalidade submissa. E, não obstante,
encontra-se muito arreigado o mito de que a diversão e o lazer são neutrais,
carecem de pontos de vista orientados e existem à margem dos restantes
processos sociais. No fim de contas, que pode ter de mal seleccionarmos o
programa que mais nos agrade, a estância balnear que a carteira nos autorize,
ou os video-jogos com que se entretêm os nossos filhos, enquanto nos poupam,
aliás, a ter de aturá-los e responder às suas perguntas? Se dermos, porém, uma
olhadela, ainda que superficial, aos conteúdos, não tardaremos em descobrir o
negócio da violência que se empenha em projectar a ilusão de um "oeste
selvagem", nas fitas de cowboys, por exemplo. Um "oeste" que já
por volta de 1875 bem tinha desaparecido, mas de que ainda hoje continua a
alimentar-se a fábrica de sonhos de Hollywood. Ou o negócio do terror, do sexo,
da pornografia, a chirichia das revistas cor-de-rosa ou os supostos debates
(magazines) da hora da sobremesa. A própria guerra e a morte são convertidas em
diversão. Quem pára o suficiente para pensar no sentido existente por trás do
facto de que as pontes e edifícios que voam pelos ares, os choques de comboios,
os saltos do décimo andar, os voos supersónicos do Super-Homem, etc., etc.,
equivalem apenas a uma burla estética? Hoje em dia, aluga-se inclusivamente
público para jogos e concursos junto de lares de terceira idade, escolas
primárias ou faculdades. Há adultos, jovens ou crianças, que por dez euros ou
um simples lanche e um sumo, estão dispostos a rir ou aplaudir de cada vez que
a produção os mande fazer uma coisa ou a outra.
Vivemos a cultura do
simulacro.
A cultura popular já
não é feita pelo povo. Como salienta Herbert Schiller, "a rede da cultura
popular que relaciona entre si os elementos da existência e que fixa a
consciência geral daquilo que existe, do que é importante, do que está
reciprocamente ligado, converteu-se, primordialmente, num produto
manufacturado". Esta cultura, que pode perfeitamente designar-se por
"cultura dos media", impregna a mentalidade e contribui decisivamente
para a formação da opinião da maioria, uma vez que esta não dispõe, na verdade,
de qualquer outra fonte de informação. A UNESCO estima que, hoje em dia, 85 por
cento dos serviços culturais do mundo são veiculados pelos meios de massas,
especialmente pela televisão. Os seus conteúdos e programas proporcionam
reiteradamente a quem os vê chaves interpretativas e hierarquias de valores na
nossa sociedade, bem como indicações sobre como proceder para atingir o sucesso
e a felicidade, como educar os filhos, como deve o casal fazer amor, etc., etc.
Estes materiais formam, doutrinam, estimulam a ambição e o lucro pessoais e propagam
a ideia de que a natureza humana é imutável. Negam, enfim, a viabilidade de
outras formas de organizar a vida e a coexistência humanas.
O êxito da indústria do
entretenimento assenta nas expectativas do público. O espectador espera do
televisor o prazer, a diversão, o desafogar das tensões, da mesma forma que da
máquina de lavar espera roupa limpa e do frigorífico alimentos frescos. Ao
mesmo tempo que subsistem, bem longe desta indústria, aquilo que são as
naturais necessidades de lazer e de actividade livre das dos seres humanos e
das grandes massas populacionais por eles constituídas, necessidades que ainda
não se precisaram devidamente e que qualquer programa político emancipador
deverá ter bem em conta.
NOTAS
[1] A citação do autor
é da edição em castelhano de Schiller, Herbert I. (1972) Mind Managers,
"Los Manipuladores de Cerebros" (1989), Gedisa, Barcelona (:189). H.
I. Schiller (1919-2000) foi um dos mais profundos e radicalmente críticos
pensadores do dispositivo mediático. Professor na Universidade da Califórnia,
em San Diego, a sua obra está por traduzir em português. Na linha de estudos
sobre as relações de dependência mediática imperial, sobretudo da América
Latina em relação ao seu país, os Estados Unidos, a sua abordagem da globalização
comunicacional e da evolução tecno-política dos dispositivos contemporâneos de
comunicação, centrava-se nas possibilidades perversas de os novos meios e as
novas redes se transformarem em extensões imperialistas de controlo e
manipulação à escala planetária (NT)
[2] Freire, Paulo
(1970), Pedagogia do Oprimido, acerca oposição entre a teoria dialógica da
acção (cujo objectivo é a adesão das massas às formas de organização da sua
libertação), e a teoria antidialógica da acção cujo instrumento é a manipulação
e objectivo a conquista e a dominação). Ver especialmente páginas 102 e segs.
da edição aqui consultada, 17ª, de 1987, Rio de Janeiro, Paz e Terra. (NT)
[3] Matéria
essencialmente ideológica e política, tal como o autor aqui a coloca, a verdade
é que as práticas e o debate em torno do jornalismo participativo, do
cidadão-jornalista, etc., têm vindo a conhecer um impulso que à data da edição
deste livro, poucos poderiam antever. Um interessante roteiro sobre o estado da
arte no debate internacional deste tema, e não só, pode ser encontrado no
excelente Ponto Media, o actualizado, atento e cuidado blogue do jornalista
português António Granado, disponível em http://ciberjornalismo.com/pontomedia/
(NT)
[4] O autor vai, aqui,
uma vez mais à raiz da questão. De assinalar, porém, que bem depois de
Nordcliffe, as ciências da comunicação chegaram a conclusões que validam
palavra por palavra a asserção do lorde britânico. Onde melhor e de modo mais
acessível podemos continuar, ainda hoje, a encontrar coligidos, em língua
portuguesa, os estudos que corroboram o aqui explanado, é nas colectâneas
organizadas por Nelson Traquina, da Universidade Nova de Lisboa, contendo,
entre outros importantes estudos, os textos e autores fundamentais das
principais teorias do "valor notícia" e dos critérios de selecção
noticiosa (gate keeping), das teorias funcionalistas sobre o trabalho e a
organização das redacções jornalísticas, bem como das teorias do agendamento
(agenda setting), em especial da evolução de 25 anos de pesquisa nesta área por
parte dos seus autores McCobms e Shaw (1972 e 1993). Portanto, duas obras de
referência e aprofundamento, em português: Traquina, Nelson (org) (1993),
Jornalismo: Questões, Teorias 'Estórias', Lisboa, Ed. Vega. E Traquina, Nelson
(2000), O Poder do Jornalismo, Análise e Textos da Teoria do Agendamento,
Coimbra, Minerva. (NT)
[5] Uma das mais
importantes e radicalmente profundas obras sobre estes aspectos
sócio-comunicacionais e políticos das nossas sociedades é da autoria do
co-fundador francês da chamada Internacional Situacionista, Guy Debord:
"Comentários sobre a sociedade do espectáculo". Obra original de
1988, escrita duas décadas após o seu outro clássico, "A sociedade do
espectáculo" (original de 1967), os "Comentários" antecipam com
uma precisão cirúrgica a evolução do sistema espectacular nas suas formas mais
recentes, e que ultrapassaram a própria vida do seu autor, que se suicidou a 30
de Novembro de 1994. Existe uma (esgotada) tradução portuguesa dos
"Comentários", pela editora Mobilis in Mobile, datada de 1995 e uma
outra igualmente esgotada edição portuguesa de "A Sociedade...", de
1991, pela mesma editora, depois de uma primeira edição ter circulado
semi-clandestinamente em português em 1972. (NT)
[*] Catedrático de
Comunicação Audiovisual (jubilado em 2005) da Universidade de Sevilha,
doutorado pela Universidade Complutense de Madrid e doutorado cum laude pela
Universidade de Münster, autor de 13 livros.
O presente texto é um excerto de A formação da Mentalidade submissa,
tradução de Rui Pereira, Deriva Editores , Porto, 2006, 165 pgs., ISBN
972-9250-20-0
Este ensaio encontra-se em http://resistir.info/ .
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