sexta-feira, 11 de março de 2011

O SERVIDOR PÚBLICO E AS ELITES

mastersantucci.blogspot.com

Honório de Medeiros

Costumo iniciar, ano a ano, o curso de Filosofia do Direito, na Universidade Potiguar, falando a meus alunos que filosofar é desvendar a realidade, como se esta tivesse véus que a ocultassem e, por assim ser, impedisse os menos persistentes de encontrar a verdade que ela persiste em nos esconder. Essa imagem inicial guarda débito para com a bela elaboração da mitologia hindu, que nos apresenta a deusa MAYA como sendo responsável exatamente pela impossibilidade de podermos enxergar a realidade como ela é e percebermos que tudo quanto nos cerca nada mais é que pura ilusão, um devaneio infindável a nos impedir o verdadeiro conhecimento.
Um desses véus mais persistentes é – se pudermos usar essa imagem para melhor explicarmos – é aquele que despersonaliza a ação concreta do ser humano e a atribui a uma abstração, como é o caso da idéia de Estado. Ouvimos e vemos sempre que o Estado não se faz presente, no caso do Brasil, desde épocas passadas, na luta contra a desigualdade e exclusão social – algo inquestionável, por sinal, por que podemos constatar que, de fato, evoluímos quanto ao aparato tecnológico com o qual o capital se instaura, mas não conseguimos solucionar questões comezinhas como a da eliminação do analfabetismo. Não é o Estado que não se faz presente. Somos nós mesmos que estamos ausentes. Despersonalizar a ação de quem detém o poder, mascarando-a com esses artifícios dificulta sua responsabilização.

Outro véu onipresente é aquele que nos impede de percebermos como se instaura uma determinada lógica na ação daqueles que detém o poder e, a partir de então, ela passa a fazer parte do nosso cotidiano sem que, em qualquer momento, passemos a questioná-la em seus fundamentos básicos. No primeiro caso temos a persistente e programada despersonalização da ação da elite, através de artifícios que pretendem legitima-la, como é o caso do atual conceito vigente de Estado, que deixa de ser o “topos” onde ocorre a ação, para ser o instrumento burocrático atrás do qual se esconde o processo de instauração dos mecanismos do Poder. No segundo caso temos o discurso real, não o ilusório ou artificioso, que engendra a ação daqueles que detém o Poder.

Podemos considerar que o primeiro – a despersonalização – é conseqüência coerente do segundo. Ou seja, despersonalizamos por que precisamos ocultar o real. Seria como uma manobra diversionista, se utilizássemos a linguagem da guerra. E qual é esse discurso real? Lembremo-nos que, no Brasil, desde a ocupação portuguesa, o espaço público foi privatizado. Não é desconhecido que na carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei, no final, ele solicita regalias para sua família. Tampouco o é o episódio das Capitanias Hereditárias.

O fato é que, desde o início, e até o presente, esse espaço público pertence à elite e esta tem ser revelado de um atraso inigualável. Raymundo Faoro demonstra, em sua obra “Os Donos do Poder”, criando o conceito de “estamento”, o quanto, ao longo dos anos, até o presente, a elite privatiza o público e o utiliza em proveito próprio. Ou seja, segundo Faoro, no capitalismo brasileiro não há, necessariamente, uma apropriação dos meios de produção por parte da elite, mas, sim, uma privatização do espaço público em proveito próprio. Assim é que vemos filhos de juízes sucederem aos pais, generais aos avós, deputados aos antepassados e assim por diante.

A vingança dos excluídos tem sido, ao longo do tempo, variada, mas permanente. Não é à toa que na literatura, na música, na arte, de uma forma geral, o “barnabé” é permanentemente motivo de chacota. Mas o resultado é inócuo. Continuamos tendo o espaço público privatizado. Essa ação da elite teve seu preço: a ampliação do espaço público, o gigantismo, o excesso de burocracia. Burocracia: mais cargos para atender a demanda, mais ações para atender a procura. Com a globalização, essa burocracia passou a ser um entrave para o grande capital internacional, legitimado pela doutrina do “Consenso de Washington”. A ordem passou a ser: devemos nos render ao Estado mínimo.

Chegamos, agora, ao ponto fulcral desta análise. A doutrina que passou a prevalecer após o ideário do “Consenso de Washington” exige um Estado mínimo para que não haja dificuldade na circulação do capital. Este tem que vir e voltar logo, bem mais gordo, para os bolsos de quem o possui. Para que não haja dificuldade nessa circulação, é necessário impor a ótica financeira na ação governamental. Essa ótica financeira demanda opções típicas de mercado, como equilíbrio nas contas públicas e pagamento dos juros extorsivos do dinheiro emprestado pelos organismos internacionais. Portanto, as políticas públicas de longo alcance, bem como os serviços e servidores públicos através dos quais elas são realizadas devem desaparecer para que a lógica da obra, em detrimento da meta intangível prevaleça. Não é à toa que os políticos somente pensam em termos de obras físicas. Acaso o investimento em uma meta real, concreta, significativa, de erradicação do analfabetismo traria retorno em termos de voto e dinheiro para financiamento de campanhas políticas? Construir uma ponte, sob o argumento de que é preciso desenvolver, traz retornos mais concretos que investir na erradicação da mortalidade infantil.

Então vemos o surgimento da publicidade: o “Governo investiu tantos milhões em obra tal e qual” e a sociedade esquece que mais importante é atingir metas mais abstratas, como a diminuição dos índices de violência pública. Sem contar que o discurso para legitimar as obras é impressionante em sua vacuidade: construamos para acelerarmos o desenvolvimento e aumentarmos a riqueza. Claro, o capital precisa de rapidez para circular. Então construamos estradas, rodoanéis, viadutos, pontes e outros mais, e esqueçamos o analfabetismo, a mortalidade infantil, a exclusão social, por que a riqueza vai circular mais rápido e tornar mais rico quem detém o capital, mas a desigualdade permanecerá, como o demonstra o crescimento desde Getúlio até os dias de hoje e a permanência da mesma desigualdade.

Nesse afã de tornar o Estado mínimo, faz-se a política da terra arrasada: não temos tempo nem queremos distinguir entre o que vale e o que não vale a pena eliminar: todo serviço público é ruim, e todos os servidores são ineptos. Esse é o discurso da elite que, infelizmente, encontra eco na sociedade nauseada com o mau serviço público e os maus servidores, que existem exatamente por que a elite apropriou-se do espaço público para se locupletar. Assim, aquilo que parece óbvio, qual seja a recompensa pela vocação do servidor público, uma aposentadoria digna, está desaparecendo e, com ela, o interesse em se devotar ao público.
















segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

QUE TIPO DE GOVERNO TEMOS?

brasillibertario.blogspot.com

Honorio de Medeiros

Não se iluda: governo, governança, gestão, administração pública, tudo isso significa a mesma coisa, ou seja, como aqueles que estão no Poder o exercem sobre nós, os pobres mortais. Vamos usar o antigo termo “governo”, a partir de agora, pois é o que com mais possibilidade é entendido por todos.


Como podemos rapidamente julgar um governo sem temermos cair no mero “achismo”? Um dos meios utilizados é analisar se esse governo pode ser definido como “reacionário”, “conservador”, “reformista” ou “revolucionário”. Aqui convém lembrar que não cabe discussão acerca do significado de cada termo citado. O que importa é o problema em questão: saber como podemos definir o governo analisado. Assim, cada termo desses pode ser utilizado a partir de como o entende o senso comum.



No caso de governo reacionário, o senso comum entende que é aquele que promove a volta ao passado, por entender que aquilo que existe hoje não atende às expectativas de quem está no Poder. Seria o caso dos saudosistas do governo militar, que querem a volta da ditadura implantada a partir de 64. Esses dizem sempre: “tempos bons foram aqueles...”



O governo conservador quer que tudo permaneça como está. Tem horror a mudanças, embora talvez tenha sido eleito prometendo algumas e sempre diga, quando na mídia, que está promovendo uma “reforma profunda” ou uma “verdadeira revolução” através de sua administração. Nesse tipo de governo, as coisas mudam para não mudar, ou seja, tudo quanto já existia permanece com outro nome. Para sabermos se um governo é conservador ou não, basta pensarmos se alguns dos eixos fundamentais da vida em sociedade sofreram modificação para melhor ao longo do tempo: a saúde pública melhorou? E a educação? E a infra-estrutura, ou seja, as estradas, o trânsito, a meio-ambiente? E a segurança pública?



O governo reformista estabelecerá políticas públicas que modificarão fundamentalmente a situação por ele encontrada ao chegar ao Poder. Foi o que aconteceu e ainda acontece, por exemplo, no Chile pós Pinochet. Foi o que aconteceu e ainda acontece, por exemplo, nos países escandinavos, nos chamados “tigres asiáticos”, no Japão e Alemanha pós-guerra. Essas reformas podem existir, também, em estados-membros e municípios. Foi o caso do governo Cortez Pereira, aqui no Rio Grande do Norte, que o Poder pós 64 impediu a continuidade inclusive no plano das idéias.



Por fim o governo revolucionário é aquele que faz mudanças radicais em curto espaço de tempo, sem qualquer preocupação quanto aos meios que conduzirão aos fins almejados. Foi o que ocorreu através da revolução americana de 1777, francesa de 1789, russa de 1917, e aí por diante.



Agora, pensemos: que tipo de governo temos no país, no nosso Estado, no nosso município?

domingo, 27 de fevereiro de 2011

PARABÉNS!!!

Bárbara Lima de Medeiros

PARABÉNS, PRINCESA!

QUE A VIDA LHE SEJA LEVE.

COM TODO O MEU AMOR,

Honório de Medeiros

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

BELEZA SERELEPE



Honório de Medeiros
Para B.M.F.L.

Ela, toda serelepe, explica por que não freqüenta academia: “esse povo pensa que vai ficar igual a essas modelos famosas. Não se tocam que não há musculação nem plástica que dê jeito em quem não nasceu para a passarela. Não há milagre que resolva o problema de quem nasceu baixa, por exemplo”. “Eu acho que você está sendo radical”, provoco. “Que nada”, responde, “estão todos é jogando dinheiro fora”. “E os saradões, as malhadas, com tudo em cima?” “Eu acho é graça; de que adianta tudo isso se esse povo só vê o próprio umbigo? Não se fixam em ninguém? Você não vê os atores e atrizes? A rotatividade nos relacionamentos? É como os adolescentes: a fila tem que andar”.

“Então esse negócio de beleza...” “Olhe”, ela interrompe, “se o cara está apaixonado, não está nem aí para a celulite ou a estria. Aquela modelo do Rio Grande do Norte, linda, Fernanda Tavares, não tem celulite? E não está noiva com um ator global? E se a pessoa ama esse negócio de beleza também é extremamente relativo. Quantos homens e mulheres não amam pessoas que não são nenhum padrão de beleza! Isso por que eu imagino que o amor é algo que se constrói dia-a-dia, uma cumplicidade, tipo uma sociedade bem firme, e então não se acaba por conta de uma barriguinha qualquer”.

“Além do mais”, continuou num fôlego só, “se eu fizer plástica, lipoaspiração, cuidar dos dentes, for à academia religiosamente, emagrecer, ficar nos trinques, nada disso me garante que eu vou conquistar quem quiser. E se a pessoa que eu quiser gostar de um outro tipo? De que adiantou todo meu esforço? Esse negócio de cultivar a beleza é uma armadilha. Nela só se dá bem dono de academia, cirurgião plástico, dentista, nutricionista, dermatologista, esse pessoal que vive da vaidade alheia. Muito mais importante do que isso tudo é você ter cabeça! Quantos homens e mulheres que não foram bonitos conseguem todos que quiseram...”

Ela argumenta e argumenta. Cita o caso de A, de B, de C... Lembra casamentos que se acabaram, traições, paixões que nasceram do dia para a noite nos lugares e entre as pessoas mais inesperadas, tudo sem que a beleza realmente importasse. Atribuiu o sucesso na conquista a algo que denominou de “atitude”. Disse-me ela: “você precisa ter atitude; se você tiver, vai conseguir”. Perguntei-lhe o que ela entendia por “atitude”. Ela respondeu que se eu não sabia, não adiantava explicar. “Isso é como paixão, se você está apaixonada, sabe que está, não precisa se perguntar”.

E, talvez cansada, mas mesmo assim lépida e fagueira, levantou seu corpo da cadeira, dardejou uma despedida através de um olhar negro como seus olhos, e danou-se no mundo, totalmente indiferente aos olhares de admiração dos homens e de inveja das mulheres que a viam passar.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A NATUREZA É EQUILÍBRIO?

stcsociedade.blogspot.com

Honório de Medeiros

Embora pura metafísica, ou seja, além da possibilidade de explicação científica, pelo menos por enquanto, é possível que todos os sistemas, inclusive nós mesmos, tendam para o equilíbrio, como parece demonstra-lo a capacidade de auto-organização da sociedade próxima ao limite do caos social.

Observando a realidade social, parece fazer sentido essa tendência. Se nos lembrarmos das revoluções, insurreições, irridências acontecidas ou acontecendo mundo afora, constatamos que em todas elas há a fragmentação do tecido social seguida de uma ação espontânea organizadora que ergue, dos escombros, uma nova configuração para a sociedade. Foi assim com a Revolução Francesa, Bolchevique, a queda do regime comunista, e está acontecendo no Haiti, Iraque, Afeganistão e em outros países.

Qual seria a causa do início do processo de ruptura do equilíbrio? Platão diria que é cíclico e permanente. Algumas das modernas teorias acerca da realidade afirmam a infinita permanência desse processo no qual a Ordem sucede ao Caos e que não diria respeito apenas ao nosso Universo material, ao contrário, existiria inclusive dentro de cada um de nós. Outro filósofo lembra que nosso conhecimento é sempre dependente da fragmentação das nossas expectativas em relação a como tudo se comporta: se, por exemplo, uma determinada pessoa não se conduz como imaginávamos, buscamos saber qual a causa dessa contradição e, então, passamos a conhece-la melhor.

A posição desse filósofo permite-nos trazer a discussão acerca do equilíbrio como lei universal para o campo pessoal. Assim, a tese seria que o equilíbrio que nos mantém lúcidos e vivos precisa ser mantido e ele pode ser comprometido, por exemplo, quando dizemos algo e fazemos diferente. Ou seja, quando nossa teoria é diferente da prática.

Óbvio que nada aqui dito é novidade. As filosofias orientais há muito apontam para a busca desse equilíbrio como meta a ser alcançada. Na Grécia, base de nossa cultura ocidental, já havia o conceito de “homeostase” como algo a ser percebido e constatado. E a própria psicanálise teoriza acerca da “unidade do Eu”.

O que há de novo é a ressurreição dessa metafísica: haveria uma lei natural única, absoluta e eterna regendo desde o comportamento do universo às relações pessoais, passando pela interior da matéria. Não por outro motivo, alguns teóricos da psicanálise admitem que muitas doenças são originárias da ruptura no equilíbrio psíquico do indivíduo.

Quanto ao mundo biológico, mais precisamente em relação à teoria da seleção natural, a tendência comentada pode ser percebida nos processos adaptativos das espécies: quando se rompe o equilíbrio no meio-ambiente, aparece a “doença” ecológica: são os desastres dos quais nos dá notícia, quase todos os dias, a mídia.

Não é à toa que o sempre bem lembrado Aristóteles nos apontava o caminho do meio como o caminho a ser seguido. Esse meio é equilíbrio, simbolizado pela balança cujos pratos estão nivelados por igual, núcleo da idéia de democracia, legado maior da Grécia imortal à humanidade.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O QUE LEVA O JOVEM AO CRIME

wellington-rodrigues18.blogspot.com

Honório de Medeiros

Uma das conseqüências possíveis relacionadas com a teoria da Antropóloga Alba Zaluar, Coordenadora do NUPEVI (Núcleo de Pesquisa das Violências), ligado ao Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de que apenas a pobreza e a desigualdade social não explicam a ida de jovens para a criminalidade, é dar razão ao senso comum do povo quando clama pelo endurecimento da legislação penal.

A teoria, exposta em matéria assinada pelo jornalista Antônio Góis, da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro, apresenta como uma das causas do envolvimento de jovens com a violência a estrutura cultural que induz o surgimento do que ela chamou de “etos da hipermasculinidade”, ou seja, trocando em miúdos, “a busca do reconhecimento por meio da imposição do medo”.

É algo decorrente da chamada “cultura machista”: os filhos homens são criados em ambientes que reproduzem condutas herdadas de desrespeito sistemático às mulheres, aos homossexuais, aos negros, às minorias, enfim, e valorização direta ou subliminar dos ícones da masculinidade distorcida; a música, a tradição oral, o lazer, a literatura, a própria postura passiva das minorias contribuem para a construção desse perfil medíocre e ameaçador.

A antropóloga lembra que “se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus (conjunto habitacional favelizado na zona Oeste do Rio de Janeiro) e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime.” É outra comprovação científica que respalda o senso comum: se apenas a pobreza fosse passaporte para o crime, não haveria Sociedade da forma como conhecemos. Melhor, não haveria tantos ricos criminosos.

De posse do trabalho apresentado por Alba Zaluar talvez pudéssemos pelo menos iniciar a discussão em torno da ampliação das penas no Brasil. Quem sabe instaurarmos a prisão perpétua: não outra punição merece uma quadrilha de assaltantes recentemente presa em São Paulo, todos na faixa dos vinte anos, especializados em condomínios, que se tornaram conhecidos por torturarem suas vítimas, fossem elas novas ou idosas. Prisão perpétua com alimentação, saúde, lazer, tudo pago com trabalho – há tantas estradas para ajeitarmos, Brasil afora, tanta terra para ser arada...

E o maior empecilho, para aumentarmos a dosagem das penas no nosso país, para criarmos a prisão perpétua, é exatamente esse remorso social – quando não é a defesa em causa própria, como por exemplo, o caso dos nossos congressistas, grande parte respondendo algum tipo de processo – hipócrita que nos corrói a capacidade de enxergar o óbvio agora corroborado cientificamente. Sempre achamos, segmentos da elite, que a criminalidade tinha ligação direta com a pobreza. Recusávamos-nos a perceber, com o povão, que sofre nas mãos da delinqüência e nas mãos da polícia, que não era assim, afinal não se justifica que haja tortura e morte desnecessária em cada assalto realizado: a crueldade é um ritual de passagem na hierarquia do crime, dependente da admiração dos companheiros: quanto mais cruel, mais admirado, quantos mais homicídios, mais enaltecido.

Agora é tempo de ir atrás do prejuízo antes que seja tarde demais: contamos nos dedos as casas e condomínios onde não há cerca elétrica e cães, isolamento e medo. Fazemos de conta que não há guerra civil em São Paulo e Rio de Janeiro. Iludimo-nos pensando que o Estado é soberano em algumas áreas das grandes cidades do Brasil.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

OUTROS FRAGMENTOS

Poesia
muraldosescritores.ning.com

Honório de Medeiros

“Iluminar a realidade”, disse-me o Prof. Gilson Ricardo de Medeiros Pereira, apontando o horizonte, quando lhe pedi ajuda. Ah, a poesia – como ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, apesar de até mesmo no comum e banal, dependendo do contexto, haver beleza. Muitas palavras lavradas em tecniquês diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos. Entretanto essa frase descerrou véus e eu pude enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta.

O – X – O

É em decorrência de nossa ambigüidade que florescem os nossos adversários. Quais adversários? Quaisquer. Basta que sintam, nos interstícios do que dizemos, ou fazemos, ou pensamos e expomos, a fragilidade de nossas posições ambíguas. Ambíguas por que não são claras, não estão concretamente dimensionadas, suscitam muitas e várias interpretações. Essa ambigüidade é uma das armas da elite política.

O – X – O

Teria existido alguma sociedade humana sem qualquer tipo de regulamentação? Não. Essa é uma constatação de fato. Algumas experiências anarquistas – notáveis em si mesmas – fracassaram. Assim sendo, seria a hierarquia algo inerente ao humano?

O – X – O

Nada tão contrário quanto Erhlich a Kelsen, Kelsen a Erhlich. Um alemão, outro tcheco naturalizado austríaco. Aquele a advogar que o Direito emana diretamente da Sociedade; este do Estado. Óbvio que o Estado está para a Sociedade como a espuma para o mar. Entretanto observemos: emana DIRETAMENTE da Sociedade e do Estado.

O – X – O

Se quiséssemos escrever uma história da literatura norteriograndense, ou outra, acerca do Poder no Rio Grande do Norte ao longo deste século, qual seria o eixo, ou melhor, a força motriz que estaria por trás dos fatos? Algo como a luta de classes, de Marx, ou a seleção natural, de Darwin, ou mesmo a psicanálise de Freud, talvez mesmo o instinto de morte de Ernst Becker? Constatação: somos devedores integrais dos gigantes do século XIX e XX, caso contrário, somos meros contadores de histórias.

O – X – O

O idealismo radical é a loucura da Razão: aqui estamos a mercê de uma realidade que somente existe em nossa imaginação, somos o sonho de um Deus, e nele, sonhamos que sonhamos. Há a relação necessária com o instigante universo imaginário criado em Matrix, única e exclusivamente em nosso sonho conduzido e coletivo, onde sonhamos que estamos vivos. Há a semelhança com Maya, a deusa hindu, aquela que nos faz acreditar que estamos vivos e conscientes quando, na realidade, nada mais fazemos que sonhar.

O – X – O

Nada tão instigante quanto pegar um fato qualquer, que tenha repercussão, e observar como cada veículo de comunicação o trata de forma diferente. As diferenças são de estilo e conteúdo, e deixam entrever as raízes ocultas das diferentes motivações existentes no seu interior. Um mesmo fato, várias interpretações: as ingênuas, as manipuladas, as tecnicamente absurdas, as cansadas, as óbvias, cada uma delas um indicativo acerca de quem a fez, uma assinatura, um estilo, uma personalização de quem por ela é responsável.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O INVESTIMENTO NO SERVIÇO E SERVIDOR PÚBLICO DEVE SER UMA POLÍTICA DE ESTADO

pauloafonsonoticias.com.br

Honorio de Medeiros

Há uma nítida distinção, em termos ontológicos, entre serviço público e iniciativa privada.

No primeiro caso, o paradigma que norteia a ação pública (iniciativa pública) é cumprir expectativas da sociedade, definidas constitucionalmente, enquanto a ação privada é impulsionada pelo objetivo do lucro. A própria Constituição Federal, embora estabeleça como princípio constitucional a livre iniciativa e o modelo capitalista de organização da economia, ressalva o caráter social da propriedade. Essa característica, segundo a melhor hermenêutica, referenda o primado de que o público está acima do privado, como de fato o corrobora a própria legislação infraconstitucional: assim são as previsões de intervenção do Estado na Ordem Econômica sem que, entretanto, se anatematize o lucro.

Quando tratamos de ações voltadas para a sociedade, do primado do público sobre o privado, temos que convir que dada a especificidade da demanda de natureza essencialmente complexa, não somente quanto ao aspecto ético, político e social, mas, também, quanto a quantidade (a sociedade) e a qualidade, esta necessariamente é, no mínimo, de médio prazo, inobstante demandas emergenciais, enquanto as ações privadas, por serem pautadas pelo lucro são, essencialmente, instáveis e voláteis.

Se a ação pública se desenvolve, o mais das vezes, a médio e longo prazo, torna-se fundamental a preservação da sua memória, qual seja o recurso humano nela envolvida e a conseqüente experiência advinda no trato com a questão trabalhada. Sem a preservação dessa memória, não é possível a continuidade de políticas públicas, e a conseqüência é o comprometimento das ações estatais. E somente é possível a preservação da memória aludida com o respeito ao serviço público, servidor público e a sua carreira diferenciada, assegurando-se-lhe o direito de ser credor do investimento de Estado em sua vida profissional, através de aposentadoria distinta, remuneração razoável e estabilidade na carreira. Ou seja, o serviço e o servidor público devem ser um investimento do Estado, dadas as peculiaridades do exercício da função pública, que exige sacrifícios indiscutíveis.

Porque essas políticas públicas – aquelas consistentes – demandam tempo para serem implementada? Porque envolvem parcela significativa da sociedade durante um longo tempo. É o caso, por exemplo, da erradicação do analfabetismo. As ações públicas que ao longo do tempo efetivamente originaram melhoria na qualidade de vida da sociedade foram desenvolvidas sob o prisma da permanência, para além dos humores político-partidários. Podemos comprovar essa afirmação analisando o segmento da Saúde e Educação em países comprovadamente desenvolvidos. Acresça-se outra assertiva: o desenvolvimento – não o econômico, mas, sim, o da qualidade de vida - desses países foi decorrente de políticas públicas, nunca privadas (lembremos a Escandinávia).

Mesmo no Brasil, onde faltam políticas de Estado, embora abunde as de Governo, muitos avanços foram obtidos graças a políticas públicas permanentes. Na área de saúde, por exemplo, o Brasil é referência mundial não somente no que concerne a erradicação definitiva de algumas moléstias como, também, em relação ao combate preventivo à AIDS.
 
Parece óbvio que, no caso do Brasil, os parâmetros estabelecidos pelo Consenso de Washington e que originaram o cânone neoliberal encontraram solo fértil na tradicional ojeriza da sociedade esclarecida à utilização do serviço público e burocracia como instrumentos de obtenção e manutenção de privilégios de classe. É certo, também, que faz parte da cultura brasileira – embora a raiz possa ser rastreada até Portugal, como lembra Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” – a construção dessa histórica instrumentalização do aparelho estatal por parte do estamento burocrático. É certo, ainda, que o capital internacional considera a presença do Estado na economia como um obstáculo à sua desenvoltura, bem como anatematiza a concepção de desenvolvimento econômico por ele impulsionado. A conclusão, portanto, é a crença de que o servidor e o serviço público, são alavancas do atraso.

Entretanto, a verdade é bem outra. Podemos desconsiderar o diagnóstico apresentado pelo senso comum da sociedade e teóricos do neoliberalismo em relação ao serviço público brasileiro em seus fundamentos; podemos e devemos criticar veementemente a causa por eles encontrada dos descaminhos específicos do Brasil. O Estado não é um mal em si mesmo. Com efeito, condenar o Estado, o serviço e o servidor público na sua totalidade, pelos desacertos da elite governamental, seria como propor igual condenação do Capital pelas falências e concordatas inerentes à iniciativa privada.
 
Contra esse ideário quase consensual que se tornou lugar comum no Ocidente, e que nos legou a permanente fragilidade de nossas instituições, e a favor da compreensão do papel fundamental do serviço e servidor público na obtenção do bem-estar social almejado pela Sociedade, argumenta Jânio de Freitas, em seu artigo intitulado “O Bolso e a Vida”, publicado na Folha de São Paulo de 19 de janeiro de 2003: “A iniciativa privada não faz um país, no sentido de vida social e econômica organizada. Só o serviço público pode fazê-lo. Os estudos sobre a recuperação da Europa, da devastação do pós-guerra ao bem-estar de hoje, sem igual no mudo, demonstram que o êxito não se explica pelo Plano Marshall, mas pelo papel decisivo do serviço público e pela função atribuída ao Estado naqueles novos ou restaurados regimes democráticos”.
 
Não levar em consideração tal princípio pode nos levar a passarmos por cima do legado histórico de políticas públicas que foram extremamente úteis à sociedade brasileira e que, com certeza, não poderiam ser implementadas pela iniciativa privada: um exemplo banal é a informatização das eleições no Brasil. As políticas públicas foram possíveis graças à preservação, governo após governo, qualquer que tivesse sido seu matiz, da memória da instituição. Esta somente é possível quando o servidor público tem respeitada sua diferença com o privado, como por exemplo, a exclusividade de suas atribuições, ou seja, por exemplo, não trabalhar em nada além daquilo para o qual foi investido – o que seria um desvio de função, e que é uma garantia de Estado.

Por fim, da mesma forma como deve ter acontecido ao longo do processo histórico pelo qual passaram países altamente desenvolvidos e nos quais a participação do Estado foi fundamental, tal qual a Dinamarca, Suécia, Canadá, França, para que o serviço e o servidor público sejam devidamente respeitados, necessário é combater a burocracia, a corrupção, e a ineficiência no Brasil. Em o fazendo, asseguramos um passaporte para um futuro melhor, capitaneado por um Estado que reflita os anseios da Sociedade.
 
Pois, afinal, o Estado não é um mal em si mesmo.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O AVILTAMENTO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA

queverdadeeessa.com

Honório de Medeiros

Os cursos de Direito estão sendo encaminhados, lentamente, por imposição do mercado, para se transformarem em cursinhos preparatórios a concursos e exame da Ordem dos Advogados do Brasil, comprometendo o pouco que restou da preocupação das elites, após a ditadura militar, com a formação humanística.


A pressão para que isso ocorra, ainda difusa, vem de todos os lados, e não é contida pela presença formal, no currículo dos cursos, de disciplinas pertencentes à área propedêutica como filosofia, sociologia, teoria geral do Estado e outras. Incide tal pressão sobre os professores dessa área quando eles cobram os alunos, através de avaliações e presenças, e estes questionam apontando a pouca importância daquilo que lhes é ministrado em termos de mercado de trabalho; incide sobre os dirigentes institucionais, a quem se pressiona para que obtenha o relaxamento do educador quanto ao desempenho do educando em Filosofia do Direito, por exemplo, mas, ao mesmo tempo, que seja exigente quanto aos mestres que proferirão as aulas ditas “práticas”; incide nos estudantes vinda de seus pais, que estão de olho nos concursos públicos que seus filhos farão e acham que não adianta a preocupação com o estudo de algo que não tem “utilidade”; incide insidiosamente nos pais, na medida em que eles são cobrados por parentes e amigos quanto ao futuro profissional de cada um dos seus filhos.



O aparente renascer da Filosofia, que contrariaria o argumento acima exposto, constatado em alguns jornais e revistas de circulação nacional, não explora o aspecto “fashion” oculto na tardia opção de parcela da elite por algo aparentemente tão obscuro e de difícil compreensão. Muito mais que curiosidade filosófica, o que a motiva essa opção é a necessidade de ser “in” em termos sociais, na medida em que possa falar, mesmo que superficialmente – é o que se permite em reuniões sociais - no nome de filósofos ou obras até então relegados às bibliotecas de alguns poucos excêntricos.



É isso mesmo, trocando em miúdos: esse renascer é aparente e decorre da criação de mais uma forma alienada de se destacar socialmente, extremamente curiosa por que ela lida, concretamente, com o aparato intelectual – os livros e seus autores - que, em tese, em sendo utilizado corretamente, libertaria o alienado de sua alienação. Esse filme não é novo: posar de intelectual, há alguns anos, já rendeu seu charme...



O certo é que a proliferação de cursos de Direito oferecidos por instituições privadas vem acentuando o aviltamento do ensino. As universidades querem poder estampar nos jornais a relação dos seus alunos aprovados em concursos para poderem captar mais clientes, e como para eles serem aprovados precisam se submeter à lógica educacional própria de cursinhos preparatórios, onde o superficial e contingente prepondera sobre o profundo e estrutural, está armado o cadafalso onde serão guilhotinadas gerações presentes e futuras de possíveis pensadores, humanistas e críticos substanciais da nossa realidade.



Fatos como aquele ocorrido com um amigo meu, professor, que em sala de aula leu textos de Fernando Sabino, na tentativa de estabelecer com seus alunos a cumplicidade através do belo, e no final foi indagado acerca de em qual livraria seria encontrado “seu” livro fatalmente tende a ser um padrão. E que padrão...

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

COMO IDENTIFICAR O TEXTO QUE VISA MANIPULAR

todahelohim.blogspot.com

“Primeiro critério formal: defasagem entre a intenção declarada e o que diz o texto. Segundo critério formal: defasagem entre a tese e sua demonstração proposta. Com frequência, o texto manipulador caricatura. O texto manipulador utiliza o raciocíno por acidente. O texto manipulador pode utilizar a desinformação sistemática” ("A Arte de Pensar"; Pascal Ide; Martins Fontes; 1995; págs. 36, 42, 43, 44).

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O PROCESSO CIVILIZATÓRIO

blog.cancaonova.com

Honório de Medeiros

Talvez seja falsa a noção de que é possível, coletivamente, e conscientemente, construirmos valores que norteiem um processo civilizatório semelhante àquele que sempre evocamos quando voltamos nossos olhos para a história em busca de entendimento e orientação, qual seja a civilização grega, o senso de “Arete” que perpassa a vida do cidadão ateniense, sua “Paidéia”, como magnificamente nos mostra Péricles, em sua “Oração aos Mortos na Batalha de Maratona”, preservada por Tucídedes.

O olhar crítico acerca desse preâmbulo há de apontar, de início, duas falhas: a fragilidade da mundivisão ateniense que não resistiu aos próprios conflitos internos e a Alexandre, o Grande; e a impossibilidade daquela experiência sublime ter sido resultado de qualquer planejamento, mas, sim, de fatores tão circunstanciais quanto, por exemplo, para o surgimento da filosofia, a especial qualidade e característica da língua grega.

A tais críticas é possível responder dizendo que não se trata de repetir, por igual, tamanho feito. Isso seria impossível. Trata-se, no entanto, de fazer sobressair o aparato tecnológico construído pelo homem ao longo dos séculos colocando-o à disposição de uma política da Sociedade – nunca de governo – que deliberadamente, envolvendo todos, construa, firme e deliberadamente, esses pilares onde se firma uma civilização pela qual tenhamos orgulho e respeito.

Caso contrário as piores previsões possíveis de serem construídas a partir das teorias que sobreviveram à passagem do século XX para o XXI irão se concretizar e nós, ao contrário do que pensava Karl Popper ao combater tenazmente a idéia de determinismo histórico ao qual estaríamos subjugados mesmo que com certa liberdade limitada, estaríamos marchando a passo batido para o caos – esse limite último da entropia – ou para o resultado possível da seleção natural, que como sabemos não tem finalidade moral em seu percurso, a ser encontrado em um planeta Terra esgotada pelo que dela se tirou sem qualquer cuidado: o fim da espécie humana.

Catastrófico? Talvez. Possível? Com certeza. Coincidentemente o mundo volta seus olhos, apavorado, para a Terra e os transtornos climáticos e catástrofes naturais que estão acontecendo cada vez mais freqüentemente. Já há trabalhos científicos demonstrando ser insuportável continuar extraindo, do nosso planeta, e da forma como é feita, sua riqueza natural. Desmatamentos, degelos, extinção de espécies, extração de riquezas do subsolo, dizimação de florestas, aquecimento global – parece não haver fim para tudo quanto o homem possa fazer nessa empreitada de autodestruição. Se não abrirmos os olhos, não construirmos um novo pacto civilizatório que deixe para trás o modelo ao qual temos nos aferrado ao longo de nossa existência, não haverá por que não dar razão aos Cátaros, aqueles hereges dizimados pela Igreja medieval, que diziam ser o mundo da matéria uma criação do mal.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

DE BORGES A DUMAS, PASSANDO POR CARLYLE

Alexandre Dumas

Honório de Medeiros

Em “Ficções”, Borges pondera:

“Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma idéia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário. Assim procedeu Carlyle em "Sartor Resatus" (...) Mais razoável, inepto, ocioso, preferi a escrita de notas sobre livros imaginários."

Borges cita Carlyle, de quem, possivelmente absorveu a técnica.

Entretanto Dumas pai, que foi contemporâneo do célebre ensaísta, também a utilizou. Em “Os Quarenta e Cinco”, lá para as tantas, ao relatar uma correspondência enviada por Chicot a Henrique III e comentar a excentricidade do seu estilo, convida: “Quem quiser ter conhecimento dela encontra-la-á nas Memórias de l’Étoile”.

Ou, de fato, terão existido essas Memórias de l’Étoile e elas ocupam algum escaninho empoeirado do Cemitério dos Livros Esquecidos que Carlos Ruiz Zafón localiza em Barcelona?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

HANS KELSEN

Hans Kelsen
direitovn.blogspot.com

Honório de Medeiros

Aprendi a me interessar pelo Direito graças a Hans Kelsen e os japoneses. O primeiro me apresentou, pela primeira vez, o Direito enquanto um Objeto que pode ser pensado em si mesmo; os outros me mostraram que um técnico pode transformar seu domínio em arte, como o fazem os artesãos que constroem as espadas japonesas.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

IMPOSTO SOBRE A RENDA

Honório de Medeiros

Está prestes a chegar a hora da tortura anual: a declaração do imposto sobre a renda.

Nós, da classe média, como sempre, assistimos passivos o massacre feito pelo Governo: em algum lugar do cérebro surge uma vontade inicial de se revoltar, mas, breve, retornamos à nossa passividade natural, tipicamente brasileira.

No nosso país não pagam imposto sobre a renda os muito pobres e os muito ricos. Os muito pobres por razões óbvias. Os muito ricos por que se beneficiam das brechas da lei, das facilidades legais, da impunidade onipresente. Ou pagam, mas repassam o ônus para nós, a classe média. E o Governo, ah!, o Governo acha mais fácil tributar na fonte ou expropriar a passiva e inerte classe média.

Essa nossa passividade não é genética, como pensam alguns sociólogos de meia-tijela. Não somos assim por que resultamos do cruzamento de brancos portugueses de baixíssima qualidade, negros indolentes e índios preguiçosos ou mal-acostumados. Nada disso é verdade. Ao contrário. É difícil um povo que trabalhe mais para sobreviver que o brasileiro.

E tampouco somos cordiais além da medida, como disse Sérgio Buarque de Holanda. Ele, o grande Sérgio, talvez não tenha sido suficientemente crítico ao olhar para nossa história antes do Estado Novo de Getúlio. Uma história cheia de irridências, revoluções, insurgências, banditismo, cangaço e massacres. Taí Canudos, a cabanagem, o banditismo rural, o movimento farroupilha e tantos e tantos outros, para provar o que está sendo dito.

Com Getúlio e o Estado Novo acontece o que o Prof. Gilson Ricardo de Medeiros Pereira lembra a partir da obra de Raimundo Faoro “Os Donos do Poder”: o pacto das elites para dissolver a luta de classe através da “solução pelo compromisso”, ou seja, a permanente negociação através da qual a patuléia recebe, quando muito irada, uma ração extra de carne para acabar com o resmungo.

Não por outra razão vai ano e vem ano e os tubarões da elite continuam o colossal processo expropriatório através dos inocentes-inúteis que exercem cargos na estrutura do poder e se prestam a fazer o serviço sujo dos patrões.

Quem conhece a história recente deste país sabe, talvez até mesmo na própria pele, o que foi feito com o serviço público a partir de Collor. Quem não sabe por que não é servidor público, mas pertence à classe média para baixo com certeza sentiu e sente na pele quando precisou ou precisa da estrutura do Estado na saúde, educação e segurança pública.

E nós continuamos esperneando e votando nos mesmos candidatos de sempre!
















segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O RACIONALISMO CRÍTICO DE KARL POPPER E A TEORIA DAS FONTES DO DIREITO

Karl Popper

Honório de Medeiros

É possível discernir, na literatura acerca das fontes do Direito, dentro de uma perspectiva atenta a critérios estabelecidos pela filosofia, mais especificamente pela epistemologia, uma dicotomia, quanto às teorias contemporâneas acerca das fontes do Direito, entre metafísica e ciência. Trata-se, por exemplo, de um lado, das variadas teorias de cunho jusnaturalista ou positivista em sentido estrito, e do outro, aquelas oriundas da sociologia jurídica propriamente dita.

Nesse sentido uma pesquisa a ser elaborada a partir da aplicação da contribuição do racionalismo crítico popperiano, principalmente no que diz respeito a sua epistemologia, às teorias existentes acerca das fontes do Direito pode não somente esclarecer alguns conceitos básicos nelas utilizados, como apresentar instrumentos de caráter demarcatório, topológico, que permitam a apresentação de uma proposta cujo cerne seja respaldável pela ciência.

Evidentemente, dentro de um contexto mais geral, trata-se de inserir o resultado da pesquisa em uma discussão onipresente, no que diz respeito às fontes do Direito. Essa inserção, uma vez conseguida, tendo sido ratificada pela comunidade acadêmica, traria o campo epistemológico, que é seu habitat, para o âmbito da questão fulcral em relação ao Direito, qual seja o entendimento relativo ao seu nascimento.

Uma vez entendido que somente é possível avançar no que concerne à teoria acerca das fontes do Direito quando, a partir da perspectiva de uma epistemologia claramente definida, construir-se uma teoria científica demarcada da metafísica, como conseqüência à produção intelectual relacionada ao tema poderá apresentar, do ponto de vista prático, proposições passíveis de serem submetidas aos critérios da refutabilidade e, assim, serem aceitas como verdades, mesmo que conjecturais, científicas.
 
É possível, conclui-se, que a partir do racionalismo crítico de Popper, e utilizando-se o instrumental teórico por ele elaborado, apresentar-se uma proposta teórica acerca da fonte do Direito. Proposta essa que, evidentemente, estará submetida aos rigorosos critérios que constituem a epistemologia a qual deu ele seu nome. E que, se verdadeira, concorrerá para dissipar os véus que encobrem o objeto próprio da pesquisa, qual seja, a fonte do Direito.

sábado, 29 de janeiro de 2011

A MORTE DE ISAÍAS ARRUDA

Isaias Arruda

Prof. José Cícero.
Escritor, Pesquisador e Poeta.
Secretário de Cultura de Aurora, Ce.
TEXTO NA ÍNTEGRA: jcaurora.blogspot.com

A tarde estava cinzenta naquela Aurora pacata e provinciana de 1928. Uma enorme sensação de tranqüilidade cobria os semblantes dos viajantes, assim como o coração e o pensamento da multidão que se aglomerava na pedra da estação. Uma cena comum a todas as cidades interioranas atendidas pelo velho trem da Rede Ferroviária Cearense(RVC). Nuvens cor de chumbo em formação pareciam prenunciar no céu daquela Aurora antiga e calma, algo diferente prestes a ocorrer: uma tragédia.
 
Naquela tardezinha quase insossa de sábado, dia 4 de agosto de 1928 quando muitos já se esqueciam dos episódios um ano antes relacionado à presença do rei do cangaço na terrinha; o velho aparelho do telégrafo da RVC de novo estava prestes a receber no código morse um telegrama diferente. Um comunicado estranho; digamos que chave, para todos os desdobramentos do acontecimento dramático que se seguira ao fato: “Antonio, algodão hoje sobe!”. Uma missiva quase enigmática considerando que o algodão – o ouro branco d’Aurora faria sempre o sentido contrário, ou seja, descia. E o seu preço no mercado há muito era de todos conhecido.

Porém, aquela mensagem codificada não seria de todos estranha. Havia um destino e um desiderato certo: surpreender o coronel. Dizia muito mais do que ali estava escrito de modo lacônico... A estação de Aurora estava repleta de gente. Um acontecimento que se tornara comum deste a sua inauguração oito anos antes em 7 de setembro de 1920.

E a cronologia do momento seguinte, provaria depois para todos que era um crime. Um atentado violento à ordem e a vida em nome da vingança e da intolerância. Uma intriga passada à limpo, expressa na força da violência e da ignorância em detrimento da razão e da justiça. Sinais de uma época densamente marcada pelo poder de fogo do coronelismo oligárquico, engendrado pelos mais temíveis e truculentos líderes políticos que o Cariri cearense já experimentou. Um período onde a lei no mais das vezes era a do mais forte e a justiça quase sempre era feita pelas próprias mãos, em geral, dos poderosos.

Naquele sábado, de tarde escura de agosto, a estação de Aurora não tardaria a ser palco de um episódio que marcaria à história do Cariri e do Ceará para sempre, vez que envolveria, aquele que foi certamente o mais famoso e temível chefe político da região: o coronel Isaias Arruda. Filho do lugar, ex-delegado, agora prefeito pela força da vizinha Missão Velha. De quebra, o maior dos coiteiros de Lampião no interior cearense. Um autêntico mantenedor de jagunços e hábil negociador político junto aos grandes da capital.

O relógio do prédio apontava 14h25min quando, finalmente, todos puderam escutar o apito estridente da máquina a ecoar no horizonte. Apenas Sabina entretida demais com o seu café não se deu conta do acontecido. Todos, de repente voltaram suas atenções na direção do corte-grande lá para as bandas do alto da cruz, do sito Frade. O trem da Fortaleza vinha ligeiro beirando o rio Salgado.

Exímios chapeados transportavam com pressa e celeridade grandes caixotes, pacotes e outros fardos de mercadorias. Uns descian para o armazém da RVC outros subian para os vagões do trem com destino ao Crato. Animais, peças de madeira, artesanato, aguardente, rapadura, oiticica, panelas de barro. O trem acelerava a curiosidade, tanto quanto a economia daquela terra.

Mas de repente o som de um tiro seco ribombeou no ar. Quebrando a normalidade natural daquele acontecimento diário. Em seguida vários outros disparos puderam ser ouvidos no interior do segundo vagão da primeira classe. Talvez sete ou oito no total... Até hoje ninguém sabe ao certo. Um silêncio quase sepulcral se abateu na plataforma por alguns instantes que pareceram eternos. Somente o ronco da locomotiva estacionada deforfronte a caixa d’água. Em seguida uma correria...

Vozes diziam tratar-se de uma discussão. Três homens saíram atracados e em seguida correram no sentido contrário do vagão. Uma disparada em direção do armazém e depois para o beco da antiga rua que dava para o cemitério. Um quarto homem um tanto elegante, bem tratado, gestos aparentemente finos surgiu do segundo vagão da primeira classe. Vestindo impecavelmente um linho branco, ele pisou de modo esquisito e desaprumado o piso, a pedra da estação. Alguns passos apenas e cambaleando fitou a multidão como quem quisesse dizer algo. Não foi possível. Sangrando e com a mão direita colada ao peito chamava baixinho pelo primo. O linho branco do seu terno agora começava a se tingir de vermelho. Seus sapatos de cor marrom e bem polidos contrastavam com o vermelho escuro do seu próprio sangue formando porças na plataforma. Era o coronel Isaias Arruda, chefe político, prefeito da Missão Velha. Homem afamado em toda região e na capital do estado. Devagar caiu ao chão da plataforma ainda com arma junta ao cinto da calça. Não teve tempo de usá-la.

Alguém saindo de dentro do vagão posterior se aproxima dele e forra o chão da pedra com um jornal que lia; edição do dia 3. Seu braço esquerdo e parte superior do tórax estavam em frangalhos. Ferimentos gravíssimos provocados pelos sete balanços com que fora atingido.O coronel ferido seriamente pronunciava baixinho como que cansado:

- Os irmãos paulinos me acertaram! Mas como é que nem o Viana nem ninguém me avisou que meus inimigos estavam aqui?! Bando de covardes...

E de chofre emendou:

- alguém me chame o farmacêutico! Foram os Paulinos, eles me acertaram... Bando de covardes!

Outros mais ousados e corajosos aos poucos foram se aproximando da vítima que gemia deitada ao solo da pedra sobre as folhas do jornal ‘O Ceará’. Enquanto isso, um pouco afastado da estação José Furtado(Nequinho de Milica) primo da vítima saíra em perseguição(ou fugindo) dos irmãos paulinos: Antonio e Francisco, responsáveis pelo atentado.

Levado para a residência de Augusto Jucá um antigo amigo na rua grande, Isaias foi socorrido, inicialmente por um farmacêutico - o único que existia na cidade. No dia seguinte dois médicos vindo de trole pela linha da RVC: Antenor Cavalcante e Sérgio Banhos atenderam o coronel. Porém, diante das gravidades dos ferimentos não tiveram como salvá-lo. Sendo que no dia 8 de abril uma quarta-feira às 6h da manhã, quatro dias após ser alvejado, Isaias Arruda faleceu como que por capricho do destino na terra em que nascera.

Rumores apontaram ter sido o assassinato uma vingança de Lampião pela traição do coronel um ano antes, durante a célebre tentativa de envenenamento do bando lampiônico e o histórico cerco de fogo do sítio Ipueiras, propriedade de Arruda em Aurora em cujo local Virgulino se arranchara por diversas vezes. Ocasião em que o rei do cangaço fugia das volantes após o fracasso da invasão de Mossoró, arquitetada sob as estratégias de Massilon Leite e financiada pelo próprio Isaias.

Mas o certo, segundo se provaria depois foi que os paulinos vingaram o assassinato do irmão mais velho João, morto numa emboscada no serrote d’Aurora pelos jagunços de Arruda no ano anterior.

Terminava ali de modo trágico, na estação ferroviária de Aurora a verdadeira saga de um dos mais temíveis e respeitados coronéis do Cariri - Isaias Arruda. Assim como sua rixa ferrenha contra os irmãos paulinos da Aurora.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

MANOELITO E A ARTE DE APRISIONAR O INSTANTE

Honório de Medeiros

Algum tempo atrás o Centro Mossoroense promoveu, em Natal, uma exposição com pequena parte do acervo fotográfico de Manoelito. Ao mesmo tempo, prestou-lhe uma homenagem através de seus descendentes. E os mossoroenses, além de outros interessados, puderam constatar seu talento através das fotografias expostas na Capitania das Artes.

Vivo fosse talvez Manoelito tivesse encarado com ressalvas as fotografias escolhidas para a exposição. Faltaram aquelas que melhor diziam de sua arte: os tipos populares, os nus artísticos, a própria cidade.

Sim, porque já naquela época, ou por isso mesmo, ele construiu um legado contemporâneo do futuro - em termos de arte os conteúdos como o querem os filósofos ditam a forma - jamais vice-versa.

Embora seja compreensivo a causa do Centro Mossoroense ter escolhido as fotografias de membros das antigas famílias da cidade para o vernissage, não seria demais a lembrança do caráter paroquiano dessa escolha. No final das contas a exposição, que pretendia homenagear Manoelito, transformou-se numa homenagem de mossoroenses a mossoroenses através das fotografias que ele compôs.

Assim é que não se via outra coisa, na Capitania das Artes, senão mossoroenses procurando a si mesmo e a seus ancestrais nas fotos expostas. Um fato no mínimo curioso para um evento aberto ao público para homenagear a arte - não a memória por ele construída - de um artista finalmente justamente lembrado.

Não importa. De qualquer maneira a homenagem, merecida, foi feita.

E o melhor do acontecimento foi ter sido chamado a atenção dos próprios mossoroenses para o valor incalculável do acervo doado pela família de Manoelito ao município de Mossoró. Não é à-toa a importância que estudiosos das grandes universidades do sul lhe dão. Tornado público, talvez seja mais difícil sua destruição, embora não haja mais como recuperar o muito que já se perdeu em decorrência da incúria dos órgãos públicos.

Saliente-se que o valor da obra de Manoelito não reside apenas no aspecto histórico. Se, através das lentes de suas máquinas fotográficas, captou e registrou quase cinqüenta anos da vida de Mossoró, muito mais se torna fundamental seu trabalho quando o observamos a partir de uma perspectiva científica e, com os olhos de estudiosos, agradecemos sua contribuição para entendermos a evolução de uma cidade com as características de Mossoró.

Ou seja, o instante que Manoelito aprisionou é, aos olhos do cientista, um imenso objeto de estudo a ser desvendado e compreendido. Lá estão, à sua espera, congeladas no espaço e no tempo, com arte, imagens que revelam fenômenos históricos, sociológicos, econômicos. Debruçados sobre eles, assim como se debruçaram sobre as pinturas, as estátuas, a arte, enfim, dos antigos, os estudiosos construíram a história da humanidade.

Entretanto, mais que alguém desejando fazer o registro de várias épocas, Manoelito construiu arte. Neste aspecto, não se sabe se sua vida imitou a arte, ou o contrário.

Como todo artista, estava à frente de seu tempo não só no que diz respeito à arte em si, mas também ao seu estilo de vida. E parecia compreender essa perspectiva, quando transcendia a diuturnidade das exigências comerciais que lhe eram impostas pela necessidade de sobrevivência compondo fragmentos-imagens de uma beleza sem par, mesmo se somente lhe era exigido o aprisionamento daquele instante específico através de uma fotografia.

Mas ele não fotografava, compunha. Transformava o árido em fértil, o cinzento em festa para os olhos, o jogo de sombras em delírios de arte. Repousa sobre o meu birô de trabalho uma foto de minha mãe, feita por ele, onde nela está estampado, com rara felicidade, o melhor de seu talento. Não podia ser diferente: virou lenda a exigência e rispidez com a qual, mesmo no tumulto de casamentos ou outras festas, produzia as fotografias a ele encomendadas.

E, compondo, reafirmou a crença - pelo menos para uns poucos - na qual somente os artistas como ele, antenas da raça, ungido dos deuses, conseguem tornar-se eternos.