segunda-feira, 26 de outubro de 2009

domingo, 25 de outubro de 2009

OS HOMENS

Pablo Neruda, "A Rosa Separada":

"Vê-se que nascemos para nos ouvir e nos ver,
para nos medir (quanto saltamos, quanto ganhamos, ganhamos, etc.),
para nos ignorar (sorrindo), para nos mentir,
para o acordo, para a indiferença ou para comer juntos.
Mas que ninguém não nos mostre a terra, adquirimos
olvido, olvido até os sonhos de ar,
e nos ficou somente um desejo de sangue e pó
na língua: engolimos a lembrança
entre vinho e cerveja, longe, longe daquilo,
longe daquilo, da mãe, da terra, da vida".



SERTÃO EM FLOR


CAMPANHA PARA A OAB

Em que diferem as chapas que disputam a OAB?

COMO PODE ME SER ÚTIL A FILOSOFIA

Marcela Fernandes, Curso de Direito da Unp, 19/08/2009


Aprender a pensar. Pensar parece ser algo tão simples, mecânico até, mas não é bem assim.



Tenho ouvido que as perguntas movem o mundo e não as respostas. Mas o que temos questionado?



A humanidade tem sido como uma caixa onde se é despejado todo tipo de informações. Ninguém, ou poucos tem se preocupado em filtrar, questionar ou analisar os conceitos e idéias jogadas sobre nós todos os dias.



Com a filosofia como filtro do conhecimento, um canal para questionar o que se ouve por aí como verdade absoluta, acredito que o mundo alcançaria um nível mais elevado de conhecimento e verdade.



Onde estão os grandes pensadores da nossa geração? Acho que estão por aí muito ocupados em assimilar todo o conhecimento já descoberto e produzido pelos pensadores das gerações passadas.



É hora de voltar a pensar. Hora de descobrir algo novo.














O DIREITO É FORÇA

Em “Servidão Humana”, Somerset Maugham assim começa um parágrafo: “Dizia para si mesmo que a força era o direito” (...)

Os anarquistas, bem como os libertários, pensam da mesma forma. Os primeiros enxergam na presença do Estado - e, por conseguinte, na do Direito - o supra-sumo do mal. Os últimos aceitam-no minimalista, ou seja, reduzido a cumprir funções mínimas embora essenciais, como a segurança e/ou a eficácia das leis.

Na realidade o senso comum também coloca essa compreensão no cérebro do povo. Para ele, a norma jurídica existe unicamente para os pobres, porque quem é rico por ela não é atingido.

O certo é quê o verdadeiro significado da presença da lei na vida da sociedade - a razão pela qual ela existe - é extremamente fetichizado, mascarado. Essa situação é decorrente da própria estratégia que determina sua existência: ela existe, mas, para existir, tem de ser enxergada de uma forma que lhe permita a sobrevivência. Um engodo, em suma.

Note-se que lei, aqui, é a norma jurídica, não aquela causal - como a da gravidade.

Assim é que, entre os que escrevem livros de direito, melhor dizendo, de filosofia do direito, a lei, por exemplo, corresponde a um ideal de justiça a ser atingido e que, ao mesmo tempo, originou sua criação: o Congresso Nacional, tomado pelo mais vívido sentimento de justiça, resolve aprovar uma lei que tem o objetivo de eliminar alguma maldade.

Ou, para outros, a lei embora não reflita necessariamente algum ideal de justiça - porque, afinal de constas, há leis injustas, mas, quem sabe, necessárias - são, no entanto, resultado do Congresso, que é o resultado da vontade popular, e por aí vai...

No fundo, o que se pergunta é qual a legitimidade da lei. Em que se baseiam os homens que a aplicam para exigir-lhe o cumprimento?

A resposta, hoje, mais moderna, ainda em vigor, é que a lei é resultado da vontade do povo, que a elaborou, analisou, votou e promulgou através de seus representantes, os congressistas.

Por essa linha de raciocínio, qualquer asneira que o Congresso aprove teria legitimidade, tendo em vista o fato de vivermos em um regime democrático.

Esse democrático, por si só, já é questionável - afinal, que eleições livres são essas, onde os votos são comprados e a vontade do povo é manipulada através dos meios de comunicação?

Mas esse é apenas o começo da novela. Supondo que se aceite o modelo em vigor no país, o democrático, alegando-se que não há outro melhor, etc e tal, como se voltar contra uma lei quando ela é legal, ou seja, foi feita segundo os padrões, mas, no entanto, é injusta?

Pressionando-se os congressistas para mudarem a lei. Essa é a única resposta que o jogo democrático permite.

E ir por outro caminho - aquele que os “sem-terra” estão utilizando para fazerem valer seu direito legítimo à terra?

Alguns diriam que esta não é mais uma questão jurídica, extrapola seu universo e invade o da política. Outros observariam que a lei é dura mais é lei, e mostrariam o caminho do congresso.

Os últimos, esses diriam, ao perceber que não interessa às elites resolverem o problema da terra: a força do direito é o direito da força. E ponto final.



A BELEZA SEGUNDO SOFIA

Para B.M.F.L.

Sofia, toda serelepe, explica por que não freqüenta academia: “esse povo pensa que vai ficar igual a essas modelos famosas. Não se tocam que não há musculação nem plástica que dê jeito em quem não nasceu para a passarela. Não há milagre que resolva o problema de quem nasceu baixa, por exemplo”. “Eu acho que você está sendo radical”, provoco. “Que nada”, responde, “estão todos é jogando dinheiro fora”. “E os saradões, as malhadas, com tudo em cima?” “Eu acho é graça; de que adianta tudo isso se esse povo só vê o próprio umbigo? Não se fixam em ninguém? Você não vê os atores e atrizes? A rotatividade nos relacionamentos? É como os adolescentes: a fila tem que andar”.



“Então esse negócio de beleza...” “Olhe”, ela interrompe, “se o cara está apaixonado, não está nem aí para a celulite ou a estria. Aquela modelo do Rio Grande do Norte, linda, Fernanda Tavares, não tem celulite? E não está noiva com um ator global? E se a pessoa ama esse negócio de beleza também é extremamente relativo. Quantos homens e mulheres não amam pessoas que não são nenhum padrão de beleza! Isso por que eu imagino que o amor é algo que se constrói dia-a-dia, uma cumplicidade, tipo uma sociedade bem firme, e então não se acaba por conta de uma barriguinha qualquer”.



“Além do mais”, continuou num fôlego só, “se eu fizer plástica, lipoaspiração, cuidar dos dentes, for à academia religiosamente, emagrecer, ficar nos trinques, nada disso me garante que eu vou conquistar quem quiser. E se a pessoa que eu quiser gostar de um outro tipo? De que adiantou todo meu esforço? Esse negócio de cultivar a beleza é uma armadilha. Nela só se dá bem dono de academia, cirurgião plástico, dentista, nutricionista, dermatologista, esse pessoal que vive da vaidade alheia. Muito mais importante do que isso tudo é você ter cabeça! Quantos homens e mulheres que não foram bonitos conseguem todos que quiseram...”




Sofia argumenta e argumenta. Cita o caso de A, de B, de C... Lembra casamentos que se acabaram, traições, paixões que nasceram do dia para a noite nos lugares e entre as pessoas mais inesperadas, tudo sem que a beleza realmente importasse. Atribuiu o sucesso na conquista a algo que denominou de “atitude”. Disse-me ela: “você precisa ter atitude; se você tiver, vai conseguir”. Perguntei-lhe o que ela entendia por “atitude”. Ela respondeu que se eu não sabia, não adiantava explicar. “Isso é como paixão, se você está apaixonada, sabe que está, não precisa se perguntar”. E, talvez cansada, mas mesmo assim lépida e fagueira, levantou seu corpo da cadeira, dardejou uma despedida através de um olhar negro como seus olhos, e danou-se no mundo, totalmente indiferente aos olhares de admiração dos homens e de inveja das mulheres que a viam passar.

CIDADEZINHAS

John Dunning, em "Assinaturas e Assassinatos":

"Sinclair Lewis estava certo, e não só sobre Minnesota. Cidadezinhas como esta são a mesma coisa em qualquer lugar. Pessoas amigáveis que ficam muito ofendidas se todas as demonstrações de amabilidade não são retribuídas por completo e imediatamente".

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO - II

O FOGO DE PAU DOS FERROS

CONTINUAÇÃO..

“Ponderei que a nenhum dos contribuintes serviriam pedaços de instrumentos, ao que respondeu o Dr. Guilherme: ‘a nós serve’.”

“Fiz ainda outras propostas conciliadoras que não foram aceitas, repetindo o Sr. Doutor Guilherme: ‘só nos serve a divisão dos instrumentos, ainda que sejam em pedaços’.”

 
“Propoz meu amigo Joaquim de Hollanda que se depositasse o instrumental acrescentando eu: ‘pondo-se em hasta pública para se dividir o produto proporcionalmente à contribuição de cada um’.”


“Esta proposta também não foi aceita pelo Sr. Doutor Guilherme que, nessa ocasião, atirou-me palavras grosseiras, secundado nesse gesto pelo Sr. Adolpho Fernandes.”



“Em seguida levantou-se bruscamente o Sr. Martiniano Rego, e disse: ‘vamos Doutor Guilherme, já é tempo, não viemos para isso?’”



“E sacando uma formidável faca o mesmo Martiniano arremessou contra mim, sendo o golpe recebido por Cecílio Nascimento que tomou a minha frente caindo morto instantaneamente.”



“Nessa ocasião o Sr. Francisco Dantas de Araújo, atirando-me uma punhalada, foi ela atingir o meu genro Manoel Justino que igualmente tinha se atravessado na minha frente, procurando livrar-me.”



“Logo após o Sr. Lindolpho Noronha sacando uma pistola para atirar em mim, foi esta arma arrebatada pelo Sr. Francisco Olívio.”



“A esse tempo, vendo o meu genro Manoel Justino que deitava golfadas de sangue pela boca, entrando para o interior da casa procurei segui-lo alcançando-o já cambaleando para cair gravemente ferido.”



“Quando examinava o ferimento do meu referido genro, ouvi uma voz que dizia: ‘José Ayres está muito ferido; corri então ao encontro desse amigo, e na ocasião em que examinava o seu ferimento, chegou o Dr. Régulo Tinôco, Juiz de Direito da Comarca, e me convidou para uma conferência em sua casa, ao que aquiescendo lhe respondi: ‘estou às suas ordens, Sr. Doutor, mas V.Excia. me garante a vida’.”
 
“Está garantida, respondeu o Doutor.”



“Então demo-nos os braços procurando sair; ao chegar à porta da frente, nos separamos, e quando transpunha o batente da porta, disse o Delegado de Polícia para a força postada à frente da casa: ‘é este o homem’, e os soldados foram apontando os rifles contra mim, não tendo porém feito o disparo por que o Sr. Doutor Régulo Tinoco, em tempo, falou: ‘Coronel Correia vai garantido por mim que sou o Juiz de Direito da Comarca’.”



“Chegando à casa do Sr. Doutor Régulo, onde demorei-me alguns minutos, ali soube que a minha neta Elysa Correia tinha sido baleada pela força pública comandada pelo Tenente João Pedro, e que Paschoal Ayres havia sido assassinado pela mesma força, que sobre ele atirara de rifle”.”



“Em vista destas notícias, estando o Doutor Régulo ocupado, disse-lhe que, precisando tomar providências a respeito de pessoas amigas e de minha família gravemente feridas, e outros detidos na cadeia pública, conforme acabava de saber, pedia-lhe licença para aquele fim, caso a conferência pudesse ser adiada, assegurando-lhe então que, à qualquer hora que ele julgasse desocupado, poderia mandar me chamar, que prontamente seria atendido.”



“Minutos depois fui novamente à casa do Sr. Doutor Régulo, atendendo o chamado de Sua Excelência por um praça da força pública, ali demorando-me alguns momentos, e como o Dr. Régulo me disse que estava muito ocupado, me retirei, voltando para minha casa onde, apenas chegado, falava-me, à porta, o Doutor Régulo, acompanhado do Delegado de Polícia Marcellino Onofre de Macedo e do Tenente João Pedro, comandante da força pública.”


“Recebendo-os, e quando lhes dava entrada em minha casa, disse-me o Doutor Régulo que tendo a polícia denúncia de se achar a minha casa cheia de armas e munições, vinha varejá-la, constando mais tarde que o Doutor Régulo fora acompanhando a polícia por consideração com a minha pessoa.”



“Efetivamente o Doutor Régulo não tomou parte no varejamento da casa tendo ficado sentado na sala de visita em companhia de meu genro Antônio Justino.”



“Varejada a casa com a mais rigorosa vigilância e cuidadoso exame pelo Delegado de Polícia e o Tenente João Pedro, e já ao saírem para a sala de visitas, eu disse: ‘os senhores já varejaram todos os compartimentos da casa na parte térrea, mas ainda falta o sótão que não foi visto. E apesar dos mesmos se recusarem a visitar esse departamento, alegando-me que não havia armamento em minha casa, eu insisti em conduzi-lo ao sótão, onde subindo apenas o Delegado, lá encontrou dois rifles velhos desmantelados e enferrujados, onde se deposita todos os móveis imprestáveis em minha aludida casa’.”



“Eis aí o histórico dos desgraçados fatos do dia e de Abril.”



“Disse o ‘Mossoroense’ que ‘Paschoal Ayres foi quem iniciou a sangueira de Pau dos Ferros, apunhalando o Sr. Martiniano Rego’. Paschoal Ayres, só depois que viu Martiniano Rego apunhalar seu pai José Ayres podendo adquirir, no momento da catástrofe, uma faca salva-vida, desta fez uso em legítima defesa, ferindo o mesmo Martiniano.”



“Disse ainda o ‘Mossoroense’ que ‘a morte de Paschoal Ayres resultou de um tiroteio havido entre as hostes aguerridas do Correismo e a força pública que procurando manter a ordem, foi recebida a tiros de rifles.”



“Ora, como se acreditar que os meus amigos, dentro da casa de José Ayres, tivessem feito fogo contra a força pública, quando eles de armas tinham as unhas e a boca para pedir socorro e garantia de vida?”



“E se tivessem essas armas, presos que foram imediatamente à hecatombe, por que a força pública e o criminoso Delegado de Polícia não as apreenderam? Onde estavam essas armas? Não foram, logo após os crimes, varejadas as casas de José Ayres e a minha? Quais as armas encontradas?”



“A morte de Paschoal Ayres deu-se do seguinte modo: quando a força pública que, sob o comando do Tenente João Pedro, atirava de rifle sobre a casa de José Ayres, a invadiu, a família deste procurou abrigar-se em um quarto da mesma casa para se livrar das balas; desse quarto pôde Paschoal, pulando uma janela que dava para o quintal da casa, correr completamente desarmado, sendo perseguido pelos praças que continuaram a atirar contra o mesmo até que, a uma certa distância, um dos projéteis o atingiu, deitando-o por terra, onde veio a falecer poucos momentos depois.”



“Houve tiroteio, é verdade, mas somente da força pública contra uma família mansa, pacífica e de bons costumes, não tendo sido ela assassinada por um milagre da providência.”


“Disse mais o ‘Mossoroense’ que ‘a outra morte e outros ferimentos de parte a parte, foram conseqüências da luta travada dentro de casa, onde diversos amigos meus, bem armados, atiravam com premeditada atenção’.”



“Santo Deus! Quanta miséria!”



“Cecílio do Nascimento quando caiu vítima da facada que lhe vibrou Martiniano Rego, não estava armado. Paschoal Ayres, quando caiu assassinado pela bala de rifle da força pública, estava completamente desarmado, pois a faca que ele adquirira na ocasião da carnificina já lhe havia sido tomada por um membro da família. Com Manoel Justino, apunhalado por Francisco Dantas de Araújo, não foi encontrada arma de espécie alguma. José Ayres, ferido por Martiniano Rego e preso, não tinha arma. Tertuliano Ayres, Tertuliano Primo, filho e genro de José Ayres e Pedro Correia, meu neto, presos juntamente com José Ayres e recolhidos à cadeia, não tinham armas.”



“Onde, pois, estavam essas armas?”



“Por que não disse ‘O Mossoroense’ que os únicos armados de facas, punhais, revólveres, pistolas e rifles eram os criminosos apontados e a força pública ali destacada sob o comando do Tenente João Pedro e a serviço deles?”



“Por que não disse que os que ali foram com premeditada intenção de praticar aqueles crimes são os Srs. Adolpho Fernandes, armado de revólver, Doutor Guilherme Lins, armado de revólver, tanto assim que quando correu sofreu uma queda no meio da rua caindo-lhe, igualmente da mão o revólver, Galdino de Carvalho, de revólver, Francisco Dantas de Araújo de punhal e revólver, o mesmo que apunhalou Manoel Justino, Lindolpho Noronha de pistola que foi tomada pelo Sr. Francisco Olívio, quando aquele procurava atirar contra mim, Martiniano Rego de faca, com a qual assassinou o infeliz Cecílio quando este procurava livrar-me da facada que o dito Martiniano tentou vibrar-me, e com a mesma ainda feriu José Ayres, gravemente no ventre.”


“Por que ‘O Mossoroense’ não diz que a casa do Sr. Galdino de Carvalho era um verdadeiro arsenal onde encontravam dezenas de rifles e munição para mais de dois mil cartuchos, e para onde todos os criminosos corriam dando assim lugar a que a força pública pudesse alvejar os meus amigos, sem o risco de atingir a qualquer deles criminosos?”



“Está aí a realidade dos fatos criminosos do dia 3 de abril, premeditados e ajustados que ao ‘Mossoroense’ não convinha dizer, sobre os quais até hoje nenhuma providência se conhece no sentido de serem punidos os criminosos, continuando alguns dos mesmo, a ostentarem, em pleno mercado público, em dias de feiras, armas, e a repetirem a ameaça terrorista de que se eu a Pau dos Ferros voltar, me tirarão para sempre a vida.”



“Natal, 13 de junho de 1919”



“JOAQUIM CORREIA”



Segundo informação do Professor João Bosco Queiroz Fernandes na obra mencionada, não foi possível encontrar a edição do jornal “O Mossoroense” que publicou editorial acusando o Coronel Joaquim Correia de causador da “Hecatombe de 1919”, motivando sua resposta, intitulada “Sucessos de Pau dos Ferros”, com transcrição acima apresentada. Ao que consta a edição desapareceu. Há indícios, segundo o professor, que a péssima repercussão do editorial originou seu desaparecimento.




CONTINUA...




































A FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO FALIU

Por Franklin Jorge
24 de outubro de 2009

Desde os anos setenta, escrevendo sobre cultura nas páginas do jornal Tribuna do Norte, eu chamava a atenção dos leitores para a falência do modelo de gestão cultural adotado pela Fundação José Augusto, uma instituição que existia, e continuou existindo ainda por muitos anos, apenas como um mero cabide de empregos e um escoadouro de mediocridades nomeadas segundo critérios políticos, sem levar em conta a vocação cosmopolita de Natal.
Além disso, insistia-se num privilegiamento da cultura rural em detrimento da cultura urbana, segundo uma equivocada ótica gestora que afagava um pseudo e infantil esquerdismo putrefato, como manifestação do neocoronelismo, que nos impunha, de goela abaixo, uma cultura de “pé no chão”, copiada, sem reflexão, de uma herança já obsoleta naquela época, deixada pelo caudilho Djalma Maranhão, um ex-pugilista inculto e organizador de manifestações folclóricas que bem serviram ao seu projeto populista de dominação. Pura demagogia que acabou dando no que deu…
Nos últimos anos, porém, a Fundação caiu no fundo do poço e aí jaz, sem fôlego e sem credito, sobretudo depois do escândalo que ficou conhecido pelo manuseio de verbas públicas desviadas para outros fins, ou seja, para pagar compromissos da campanha eleitoral que levou a ex-prefeita da capital à cadeira de governadora do estado. Uma história cabeluda por demais conhecida de todos.
Hoje, completamente falida, é alvo do repúdio dos artistas e não desperta o interesse daqueles que seriam os supostos beneficiários de uma política cultural séria, coisa aliás que nunca tivemos. Em 30 anos de acompanhamento da sua história suburbana e mesquinha, não me lembro de nada parecido com politica cultural, implementada por qualquer um dos que se sentaram na cadeira de presidente da Fundação José Augusto.
Sempre prosperaram ali os caprichos pessoais, as decisões unilaterais ditadas por gestores improvisados e arrogantes que nunca se deram ao trabalho de ouvir o bom senso e, por isso mesmo, jamais gozaram de crédito da parte dos cidadãos e dos próprios produtores culturais. Nunca se viu nenhum artista sério participando das iniciativas da Fundação José Augusto, que desceu a um baixissimo nivel e se tornou uma espécie de colegiado de arrivistas, constituido por uma gente inculta e periferica sem nenhuma experiencia em matéria de politica cultural. Um verdadeiro equivoco que tem custado muito caro ao contribuinte.
No momento, o pessoal que faz teatro declarou guerra ao atual presidente da instituição, o petista Crispiniano Neto, e promete ocupar suas dependências na próxima segunda-feira, num ato de protesto que tem como objetivo pressionar seus dirigentes e chamar a atenção de todos para o fato de que estão sendo lesados pelo governo da professora Wilma de Faria; um governo que, por falta de seriedade e competencia, está se desmanchando em todas as direções, provando de maneira inexorável que a sua capacidade de gestora era somente um produto de marketing, nada mais.
Abaixo, o manifesto que está sendo distribuído, convocando os grupos para uma ação que põem a Fundação José Augusto e o Governo do Estado numa incomoda e indefensável evidencia:
Manifesto da Tropa Trupe Cia. De Arte contra a FJA
Diante do abusivo atraso nos pagamentos (sete meses, em alguns casos) dos grupos e artistas que foram selecionados legalmente em editais públicos pela Fundação José Augusto (FJA), no período de 2008 e 2009; da indefinição de datas certas para realização desses depósitos; e do encerramento da planilha orçamentária de 2009 no final deste mês, adiando todos os pagamentos para 2010, convocamos todos os grupos e artistas para participarem do Ato de Ocupação da Fundação José Augusto, nesta segunda-feira (dia 26/10) a partir das 7h30 da manhã.
1- Prêmio “Emanuel Bezerra” de Cultura para a Juventude - 6 grupos;
2- Prêmio “Núbia Lafayete” de Música - 46 grupos e artistas;
3- Prêmio “Lula Medeiros” de Teatro de Rua - 15 grupos;
4- Festival Agosto de Teatro - 20 grupos.
Já temos confirmado a participação no Ato de Ocupação representantes destes editais listados, no entanto a sua participação será fundamental para fortalecer a classe artística, na exigência de nossos direitos enquanto profissionais e cidadãos. Convidamos também a mídia (televisão e jornal) para está presente e cobrar do Sr. presidente da Fundação, Crispiniano Neto, um posicionamento firme referente à concretização dos prêmios.
Diante dessa situação, fica a questão: do que adianta a política de edital para democratizar o acesso aos recursos públicos, se os selecionados não dispõem do benefício conquistado? Vamos esperar mais quanto tempo?
Se seu grupo e você também foram um dos contemplados em algum destes editais, ou mesmo se sensibilizaram com a causa, confirme através do email contato@tropatrupe.com.br a participação no Ato de Ocupação nesta segunda-feira (26/10), a partir 7h30 da manhã, na FJA, e divulguem para outros conhecidos que estejam passando por situação semelhante. Lembremos de nosso papel enquanto questionadores das atitudes paralisantes de nossa sociedade.
AJAMOS ENTÃO!
Tropa Trupe Companhia de Arte









sábado, 24 de outubro de 2009

O RIO GRANDE DO NORTE NO TEMPO DO CORONELISMO I

O FOGO DE PAU DOS FERROS


Corria o ano de 1901. No Cariri, mais precisamente em Missão Velha, o Coronel Antônio Joaquim de Santana, mais conhecido como Coronel Santana apeou do poder, pelas armas, o Coronel Antônio Róseo Jacamaru, seu chefe político e intendente. Pertencendo à família dos Terésios, originária de velhos troncos coloniais, fundadores do Engenho de Santa Teresa, entre Missão Velha e Barbalha, o governou durante dezesseis anos e alimentou o sonho de dominar o sul do Ceará colocando, em cada município, na chefia, uma pessoa de seu sangue.





Seguiu-se a deposição do Coronel José Belém de Figueiredo, chefe político do Crato, em 1904, após tiroteio que durou dois dias e deixou vinte e uma vítimas, das quais oito mortas. Logo depois, em 1906, após tiroteio que durou oito horas, caiu o Coronel Manuel Ribeiro da Costa, conhecido por Neco Ribeiro, sobrinho do célebre caudilho Joaquim Pinto Madeira, da guerra civil absolutista de 1832. Seu algoz foi o Coronel João Raimundo de Macedo, o Joca do Brejão. Venceu quem conseguiu reunir um maior exército de “cabras”.





Veio, após, o fim do reinado político do Coronel Marcolino Alves de Oliveira, arrancado da chefia política do Quixadá pelos Coronéis Joaquim Fernandes de Oliveira e José Alves Pimentel e, em 1907, em Lavras da Mangabeira, a queda do Coronel Honório Correia Lima, curiosamente o filho mais velho de Dona Fideralina Augusto Lima e irmão de Gustavo Augusto Lima, seus carrascos.





Não foram diferentes os anos seguintes, como qualquer leitor poderá constatar lendo “Império do Bacamarte”, obra inigualável de Joaryvar Macedo, fonte dessa pequena introdução, sem qualquer sombra de dúvida uma referência para os estudiosos do fenômeno do coronelismo no Brasil, principalmente do Sertão nordestino, e sua relação com o cangaço e o misticismo próprios da região. Joaryvar, alicerçado em profunda pesquisa bibliográfica, em jornais antigos, depoimentos pessoais, literatura de cordel, e outras fontes primárias, tal como processos-crimes, nos legou um impressionante painel histórico do Cariri cearense e seus principais personagens, os coronéis.





Teria sido esse epifenômeno, o coronelismo, circunscrito ao Sertão do Cariri? Claro que não. Muito pelo contrário, acerca de sua importância, sua presença no mundo rural brasileiro, conseqüência tardia de certa estrutura de poder típica de uma aristocracia renascida na América litorânea - os senhores de engenho pernambucanos e paulistas -, renovação da velha árvore multissecular portuguesa, como podemos inferir a partir da obra de Raymundo Faoro, “Os Donos do Poder”, e sua abordagem do feudalismo nacional, “nascido neste lado do Atlântico, gerado espontaneamente pela conjunção das mesmas circunstâncias que produziram o europeu”. Diz-nos Faoro: “O quadro teórico daria consistência, conteúdo e inteligência ao mundo nostálgico de colonos e senhores de engenho, opulentos, arbitrários, desdenhosos da burocracia, com a palavra desafiadora à flor dos lábios, rodeados de vassalos prontos a obedecer-lhe ao grito de rebeldia. Senhores de terras e senhores de homens, altivos, independentes, atrevidos – redivivas imagens dos barões antigos”.





O próprio Joaryvar Macedo assim começa “Império do Bacamarte”: “No território pátrio, o fenômeno do coronelismo esboçou-se na Colônia, tornou-se realidade no Império e consolidou-se após o advento da República”. Ainda: “Entre nós a Primeira República, também denominada, consoante já se esclareceu, República dos Coronéis, teve no coronelismo uma das suas marcas principais. Mais acentuado no Nordeste, o fenômeno generalizou-se por todo o País, do Amazonas ao Rio Grande do Sul”.





No Rio Grande do Norte, que houve coronéis, disso não há qualquer dúvida. Basta consultar “Coronéis do Seridó”, de Pery Lamartine, e conhecer desde o Coronel João Damasceno Pereira de Araújo, o João Damasceno do Saco do Martins, até o Coronel Cazuza do Ipueira, passando por Silvino Bezerra de Araújo Galvão, José Bernardo de Medeiros, Laurentino Theodoro da Cruz e vários outros senhores proprietários de terra e líderes políticos. Todos descendentes de portugueses que avançavam Sertão adentro, a arrancar da indiada insubmissa a terra que lhe pertencia imemorialmente até o fim da Guerra dos Bárbaros (1687-1697), quando, por fim, do Vale do Açu, passando por Apodi, no Alto Oeste, até o Seridó, em Acauã, os vitoriosos fincaram definitivamente seus marcos sob os despojos do conflito.





Mas teria, havido, no Rio Grande do Norte, alguma deposição, entre coronéis, pela força das armas? Alguma violenta tomada do poder? Sim, houve, embora pouco conhecido hoje, um episódio em nada diferente de tantos ocorridos no Cariri, do qual talvez tenha vindo o eco, dada a relativa proximidade entre aquela região e o Alto Oeste potiguar, onde ocorreu a história aqui abordada. Para contá-la, a melhor fonte pesquisada foi “Joaquim José Correia LIDER OESTANO”, do professor João Bosco Queiroz Fernandes, da Coleção Pauferrense.





Estamos em 1919. Com o advento da República o Partido Republicano foi organizado no Rio Grande do Norte sob a liderança de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Em Pau dos Ferros essa responsabilidade caberia ao Coronel Joaquim José Correia, sob a liderança direta de Joaquim Ferreira Chaves, que havia sido juiz do município até 1887, quando foi promovido para Nova Cruz.





Joaquim Ferreira Chaves partira tendo deixado o Partido Republicano Federal cindido ao meio em Pau dos Ferros. De um lado, Joaquim José Correia e as famílias Rêgo e Ayres. Do outro, o Coronel Adolpho Fernandes e as famílias Bessa e Marcelino Oliveira. Em 20 de março de 1917, pressionado por Ferreira Chaves, Joaquim Correia e Adolpho Fernandes assinaram um acordo político por intermédio do qual caberia, ao primeiro, a liderança política regional, que mesmo assim, teve demitidos seus correligionários dos cargos por eles ocupados e substituídos por indicações de seu opositor. Como conseqüência, Joaquim Correia rompe com Ferreira Chaves, mas permanece no partido sob a liderança de Tavares de Lyra e Alberto Maranhão.





Essa cizânia política foi o pano-de-fundo da denominada “Hecatombe de 1919” ocorrida em Pau dos Ferros, que ocasionou a retirada de Joaquim Correia para residir em Natal. Segue o relato do Coronel, publicado em 13 de junho de 1919 no jornal “A Opinião”, de Natal, transcrita em 20 de julho do mesmo ano no jornal “O Nordeste”, de Mossoró, e editado pelo articulista:





“No dia 2 de abril deste ano (1919), às duas horas da tarde, fui chamado pelo meu distinto amigo Tertuliano Ayres, então diretor e professor da Filarmônica Pauferrense, à casa de seu pai José Ayres.”





“Ali chegando, encontrei os senhores Adolpho Fernandes, Doutor Guilherme Lins, Francisco Dantas de Araújo, Galdino de Carvalho, Martiniano Rêgo (vulgo Papagaio), Hypólito Cassiano de Souza, Ezequiel de Souza, filho deste, Marcelino Francisco de Oliveira (vulgo Mano Marcelino), Lindolpho Noronha e outros, meus adversários.”





“Depois de cumprimentar a todos, me disse o meu amigo Tertuliano Ayres: ‘Coronel, mandei chamá-lo por que o Senhor Adolpho Fernandes pediu-me uma conferência em nossa casa e, aqui chegando, acompanhado dessas pessoas presentes, o Senhor Doutor Guilherme Lins apresentou-me uma lista das pessoas amigas dele que contribuíram para a compra do instrumental da Filarmônica Pauferrense, acrescentando que querem retalhá-lo hoje mesmo. Em vista disso, peço=lhe para entender-se com estes senhores, a fim de resolver o negócio amigavelmente’.”





“Então pedi a lista para ver os contribuintes que nela figuravam, dizendo em seguida: ‘os senhores já estão munidos da lista de seus amigos que concorreram para a compra do instrumental, nós, porém, assim de surpresa, não podemos liquidar este negócio, por que nada existindo escrito, de momento, não nos é possível, com certeza, dizer quais os nossos amigos que também contribuíram para a dita compra, e, nem tampouco, com quanto contribuiu cada um, portanto peço aos senhores para adiarmos a liquidação para amanhã, à mesma hora de hoje, quando então poderemos chegar a um razoável acordo, pois vou colher informações nesse sentido.”





“O Senhor Doutor Guilherme Lins e outros seus amigos relutaram em atender esse pedido, repetindo aquele, com insistência: ‘o negócio deve ser decidido hoje’.”





“Afinal a reunião ficou adiada para o dia seguinte.”





“À hora marcada compareci à casa de José Ayres, onde já encontrei reunidos os mesmos do dia anterior e mais outros meus adversários, estando também presentes alguns amigos meus e o Reverendíssimo Padre Manoel Galvão, Vigário da Freguesia, como um dos contribuintes por parte da Igreja.”





“Ao entrar saudei a todos, dando a mãos aos senhores Doutor Guilherme, meu colega de Congresso, e Adolpho Fernandes, chefe situacionista de há poucos dias.”





“Sentando-me, disse: ‘conforme me comprometi, trago hoje a lista dos amigos que também contribuíram para a compra do instrumental’.”





“Em seguida passei a ler a dita lista, sendo impugnada a assinatura de Francisco Pedro pelo Senhor Doutor Guilherme, tendo o mesmo Francisco Pedro, ali presente, confirmado-a.”





“Conhecidos assim os contribuintes de ambas as partes, fiz a seguinte proposta: ‘proponho pagar aos senhores a importância com que contribuíram para a compra do instrumental, ficando nós com o mesmo, ou de modo contrário, os senhores nos pagam a importância com que contribuímos para a mesma compra, ficando com o dito instrumental.”





“Ao que respondeu imediatamente o Dr. Guilherme Lins: ‘não aceitamos absolutamente proposta alguma; só nos serve a divisão dos instrumentos, ainda que sejam em pedaços’.”





CONTINUA...































CORTARAM MAIS UMA ÁRVORE EM NATAL


Ali estava, na Mossoró, um pouco depois da parada de ônibus, no sentido de quem vem do centro e vai para a Hermes da Fonsêca, o tronco cortado de um Ipê, tudo quanto restou da sanha arboricida de algum barnabé municipal.


Se o Partido Verde, que governa a Cidade, se sentisse obrigado a nos dar satisfações, diria em linguagem oficial que aquele Ipê atrapalhava o progresso, suas raízes levantavam o asfalto, a copa impedia a visão dos motoristas, suas folhas sujavam o chão.


Nada disso é verdade. E se o é, não importa. Tudo conversa fiada. Que nos importa, a nós, que quando meninos já tínhamos aquela árvore frondosa a espalhar sombra, a nós, que somos românticos e resistimos ao progresso quando ele não sabe avançar sem destruir, as razões da Administração?


Lembrei-me, enquanto prosseguia abalado, de um poema de Augusto dos Anjos que eu aprendi quando menino e que minha mãe declamava com a alma na voz, quando a noite tomava conta das ruas. Chama-se A ARVORE DA SERRA:


"- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!


- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma!...


- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,


Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!"


Que nos importa esse progresso? Deixem-nos as árvores - é o que importa.

O PASTOR E A FIEL

O Pastor escuta atentamente a candidata a Fiel. As queixas são muitas: o marido bebe; o marido a trai; o dinheiro está mais curto que nunca – é preciso fazer milagres para alimentar todos – e a conta está alta no açougue, na padaria, no mercadinho; ela precisa fazer uma cirurgia “de mulher”, mas o médico do SUS quer um “por fora”; os tênis dos meninos estão pedindo lixeira...



O Pastor não somente escuta atentamente como está conectado com a Fiel através dos olhos que nada perdem da expressão do seu rosto. É olho no olho. Mas não é um olhar intimidante, ao contrário, é acalentador, confortante. E já registrou todos os detalhes possíveis, desde os restos de beleza que o tempo corroia lentamente, até os adereços que ela trazia consigo, como a fina corrente de ouro no pescoço do qual pendia um camafeu e o relógio antigo e de boa marca – relíquia dos bons tempos de outrora – a lhe contornar o pulso. O corpo do Pastor está postado exatamente em frente ao da Fiel e espelha o dela: mãos no regaço, torcendo uma à outra, pernas juntas, corpo acomodado no espaldar das cadeiras idênticas. Para aquela Fiel ele dispensara o paletó, tirara a gravata e arregaçara as mangas da camisa branca que contrastava fortemente com o preto do restante do terno e gravata e acentuava a cor parda de sua pele jovem.



Quando a Fiel está devidamente relaxada – e para isso foi encaminhada através de interjeições cuidadosamente escolhidas e que pontuavam as pequenas pausas do seu relato, este interveio:


- Irmã sua situação, embora dolorosa e complicada, não é diferente de outras que no nosso Templo tivemos conhecimento e através do nosso trabalho e intercessão Jesus quis resolver. Jesus tudo pode, você sabe. Nossa missão, a missão de nossa Congregação, é trazer amparo através de Jesus aos nossos fiéis. Nós somos pastores, orientamos e conduzimos o rebanho de Jesus para onde Ele quiser, sob sua orientação.



A Fiel escuta atentamente. Quer entender e, mais que isso, muito mais que isso quer, como todo coração, acreditar: basta entregar-se a tudo aquilo que o Pastor, com sua voz pausada, envolvente, grave, lhe diz. Haverá alguém que cuide de si. Haverá alguém com quem ela poderá contar para resolver seus problemas, por menores que sejam, por que somente sofre quem Dele se afasta.



- Claro que para superarmos todas essas adversidades colocadas por Jesus em nosso caminho para nos testar, temos que fazer algum sacrifício. É como se precisássemos purgar nossos deslizes, nossos pecados, nossa falta de fé, através de algum gesto, de alguma atitude, de alguma ação, para então ficarmos preparados e recebe-Lo em nossos corações e pudermos superar todas essas adversidades que nos incomodam.



Silencio hipnotizante. O Pastor levanta-se e contorna o birô parando atrás da Fiel. Sua mão direita, agora, repousa completamente sobre a cabeça dela. Agora ambos estão conectados fisicamente, mas ele está acima, alto, fala-lhe como se sua voz viesse de longe – de alguma região para além do mundo visível.

- A irmã tem algum inimigo, alguém que lhe fez mal, da qual tem rancor, ressentimento, ódio?

- A namorada do meu marido.

- Ela sabe que você sabe?

- Não somente sabe como esfrega na minha cara sempre que pode.

- A irmã vai procura-la e lhe dizer que a perdoa de todo coração, sentindo mesmo esse desejo de perdoar. Não se incomode com a reação dela. A tudo que ela disser responda dizendo que a perdoa de todo coração. É essa a prova que Jesus, por nosso intermédio, exige de você. Você é capaz de fazer?

- Acho que sim.

- Agora irmã para que você possa se apresentar a essa criatura que lhe fez mal de coração limpo, deve estar preparada espiritualmente. Você não pode, por exemplo, ocupar-se com pensamentos impuros nem coisas supérfluas. Nada, em você, pode demonstrar a vaidade que Jesus condena. Você deve estar limpa de corpo e alma, entende?

- Entendo.

- Há alguma coisa com você ou em você que seja vaidade, essa vaidade que Jesus, o mais simples dos homens, condena por que nos tira a pureza?

- Somente esta corrente e o relógio. Ah!, e a aliança.

- Doe esses objetos impuros que nada significam para Jesus ao Templo para que sejam convertidos em obras de semeadura da palavra do Senhor. Agora pode ir. Tenha fé, não se esqueça de ter fé, que seus problemas serão superados.

- Pastor e se eu fizer tudo que você recomendou e nada se resolver?

- A sua fé terá sido pouca, irmã. Somente isso. Agora vá.















NO CEMITÉRIO PÈRE LACHAISE

Père Lachaise. Tarde de frio, vento, e neblina. Tudo cinza, como convém a um cemitério. Ninguém a vista, exceto duas mulheres que se dirigem a mim e me perguntam se lhes posso informar onde está sepultado Azzis, “Le philosophe Azzis”. Peço-lhes que perguntem em inglês. “Não, desculpem-me, não sei”, respondo-lhes. Elas se vão. Cochicham. Admiro-lhes o talhe elegante, a beleza madura, até mesmo os guarda-chuvas.



E agora? Tento decifrar o mapa do cemitério para pôr-me em marcha batida na busca dos meus mortos queridos. Começo. É um alumbramento. Paro aqui, paro ali, paro acolá. Em cada canto, a história. Túmulos de grandes homens ou mulheres disputam espaço com anônimos. Enterneço-me com a lápide pousada no chão e rodeada de flores murchas. Foi recente o sepultamento. No canto, solitário, um ursinho de pelúcia cumpre a dura tarefa de velar o morto e render-lhe as homenagens que alguém lhe destinou. Fotografo.



Sigo em frente. Ofereço as flores que carrego comigo a Honoré de Balzac. Rezo, não, converso com ele. Pergunto-lhe por Alexandre Dumas e lhe digo de minhas manhãs, tardes e noites, quando ainda menino, quase adolescente, preenchidas pelo gênio de cada um. Vou mais além, rendo minhas homenagens a Oscar Wilde, e enquanto vou, me assusto com alguém que surge de repente, como uma aparição, ao meu lado, e cruzando o braço esquerdo sobre o peito, eleva o direito à face, esconde-a com a mão e põe-se em um isolamento absoluto em relação ao resto do mundo. O que estaria ele pensando?



A tarde cai lentamente. Anoitece. Tenho que ir, embora não deseje. O instante é mágico. Olho para todos os lados e não vejo ninguém. Sento em um banco às margens de uma das vias principais do Pére Lachaise e me lanço em uma divagação sem nexo, constituída de fragmentos do passado, na qual estou em plena madrugada, deitado de costas e olhando alternadamente para a torre da igreja por trás de mim e para as estrelas logo acima, enquanto meus amigos conversam ao meu lado, e estou em Paris, olhando aquele céu cor de chumbo, molhado, sem que ninguém dê por mim. Lá, eu sou adolescente. Aqui, adulto. Em ambas as situações uma angústia metafísica por não conseguir entender tudo que me cerca, tudo que me envolve, tudo que eu sou.



Vou embora. Cumprimento a guarda. Chego à rua. A Paris movimentada vem ao meu encontro. Eu sigo mecanicamente, enquanto tento guardar as cores, os cheiros, as sensações, os fatos daquela minha caminhada.

A QUESTÃO DA DECISÃO CONTRA A LEI PARA O POSITIVISMO JURÍDICO



01. Bobbio diz: “O positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais”. Introduz, então, a distinção entre juízos de fato e juízos de valor, e a rigorosa exclusão destes últimos do campo científico, para concluir: “O positivismo jurídico representa, portanto, o estudo do direito como fato, não como valor”. Em síntese, defende que o positivismo jurídico pode ser considerado: a) um certo modo de abordar o estudo do direito; uma certa teoria do direito; e c) uma certa ideologia do direito.

02. Dimoulis não se afasta de Bobbio: “Isso indica que o positivismo jurídico (PJ) é uma teoria explicativa do fenômeno jurídico, isto é, uma das possíveis, historicamente presentes e atualmente defendidas teorias do direito. É inegável que os partidários do PJ foram influenciados pelo positivismo filosófico, como se percebe na tendência de rejeitar teses metafísicas e/ou idealistas sobre a natureza do direito, concentrando-se em fatos demonstráveis, tais como a criação de normas jurídicas pelo legislador político.” Um pouco mais a frente Dimoulis observa, ao distinguir juspositivismo lato sensu e stricto sensu: “Isso nos faz propor uma distinção conceitual entre: - um vastíssimo grupo de autores que são juspositivistas no sentido de rejeitarem o direito natural e por isso são denominados aqui juspositivistas lato sensu e – um grupo mais restrito de autores que rejeitam não somente o jusnaturalismo, mas também a vinculação do direito a outros fenômenos e sistemas normativos sociais e, por essa razão, são denominados aqui juspositivistas stricto sensu”.


03. Kelsen é enfático: “Esta é a base filosófica e psicológica da teoria jurídica que rejeita seriamente o pressuposto de um Direito natural e é chamada positivismo jurídico. O seu caráter epistemológico pode ser aqui traçado nos seus elementos essenciais. Enquanto o positivismo recusa qualquer especulação jusnaturalista, ou seja, qualquer tentativa de reconhecer um ‘Direito em si’, ele se restringe a uma teoria do Direito positivo”. Antes já apontara como características do Direito: a) ser uma ordem coercitiva; b) ser constituído por comandos; c) ser um sistema de normas em unidade; haver uma hierarquia entre as normas jurídicas.

04. Então o que diz esse juspositivismo acerca da decisão contra a lei?

05. Antes Kelsen enfrenta uma questão extremamente relacionada com o tema abordado: “Nossa análise da função judicial demonstra que a visão segundo a qual tribunais apenas aplicam o Direito não conta com a sustentação dos fatos. A visão oposta, porém – a de que não existe Direito antes da decisão judicial e que todo o Direito – é criado pelos tribunais -, é igualmente falsa”. E continua: “O próprio Gray diz: ‘Então o poder dos juízes é absoluto?... Não é assim; os juízes nada são além de órgãos do Estado; eles têm apenas o poder que a organização do Estado lhes dá.’ ‘A organização do Estado’ pode significar apenas a ordem jurídica, a constituição e as normas gerais criadas com base na constituição, o Direito existindo no momento em que o juiz tem de decidir um caso concreto. Gray acha que ‘o que a organização é, é determinado pelas vontades dos reais governantes do Estado’. Mas, em outro contexto ele diz: ‘Determinar quem são os reais governantes de uma sociedade política é quase uma tarefa impossível – para a Jusrisprudência, um problema quase insolúvel.’ ‘Não é possível descobrir quem são os reais governantes de uma sociedade política.’ Se a organização do Estado fosse efetivamente a vontade de indivíduos desconhecidos, que não podem ser descobertos, então a própria organização do Estado seria desconhecida e impossível de se descobrir. Mas a organização do Estado é efetivamente conhecida. Ela é a constituição ‘válida’, ou seja, também eficaz, são as normas válidas criadas com base na constituição, ou seja, o sistema de normas que, como um todo, é eficas. Os ‘reais’ governantes são os órgãos cujos atos criam as normas que, de um modo geral, são eficazes. Como a eficácia da ordem jurídica é uma condição de validade das suas normas jurídicas, não pode haver nenhuma diferença essencial entre o governante ‘real’ e o governante jurídico do Estado. Os indivíduos que influenciam os que criam as normas válidas da ordem jurídica que constitui o Estado podem ser desconhecidos, e pode ser impossível descobri-los. Mas isso também não tem interesse jurídico.” Entretanto é de se perguntar: e no caso das decisões contra a lei?

06. Também Dimoulis aborda a questão: “Em nossa opinião, muitos partidários do PJ stricto sensu consideram que o direito não é resultado de um pacto social, e sim de uma imposição coercitiva feita pelos detentores do poder.” Mais adiante : “Mas enquanto a maioria dos pensadores tentava evitar a transformação do intérprete em legislador estabelecendo limites aos poderes interpretativos, o Bispo Benjamin Hoadly (1676-1761) fez em 1717 uma célebre afirmação que é considerada como precursora da visão jus-realista: ‘Quem quer que tenha uma autoridade absoluta para interpretar quaisquer leis, escritas ou faladas, é aquele que é verdadeiramente, para todos os efeitos, o Legislador, e não a pessoa que primeiro as escreveu ou pronunciou ’.”. Ainda: “O pragmatismo político afirma que o direito resulta de decisões políticas que conseguem se impor (enforceability, segundo um teremo expressivo em inglês), mediante ameaça e efetivo exercício de violência. Temos aqui uma perspectiva que entende o sistema jurídico como expressão do direito do mais forte, isto é, como expressão da correlação de forças do poder, entre as quais uma consegue estampar ao direito sua ‘direção’. Essa perspectiva se exprime com clareza na obra de Baruch Espinosa (1623-1677). Em uma carta endereçada a Jarig Jelles em 1674, o filósofo escreve: ‘Considero que se mantém a presença do direito natural e que em todas as cidades todos os soberanos somente possuem direito sobre os seus súditos na exata medida em que sua potência supera aquela do súdito, exatamente como ocorre sempre no estado de natureza’. Essa abordagem política do sistema jurídico pode ser denominada paradigma ius vel potentia. Em geral é associada à obra do político e jurista alemão Ferdinand Lassalle (1825-1864), autor da célebre afirmação que o direito depende da correlação de forças políticas, e quando se encontra em descompasso com elas transforma-se em uma simples ‘folha de papel’. Menos conhecido é que essa mesma idéia se encontra claramente formulada em obras de Karl Marx (1818-1883) e nas de outros pensadores do século XIX. Essa visão é típica da abordagem crítica sobre as normas de conduta e de controle social (jurídico ou não). Nesse âmbito são notórias as palavras do sofista Trasímaco da Calcedônia (século V a.C.), transmitidas por Platão. Trasímaco definiu o direito como instrumento que garante os interesses dos grupos socialmente dominantes e mantém a submissão dos dominados.”

07. Kelsen estaria muito distanciado dessa posição acima externada por Lassalle? Não. É como percebemos a partir de Dimoulis : “Resumindo, as referências à moldura indicam que, segundo Kelsen, o aplicador realiza a interpretação das normas adotando uma postura cognitiva. Mas, quando não são indicados os métodos que permitem essa cognição, a atividade interpretativa se transforma em puro ato de vontade. Isso se torna claro quando Kelsen afirma que ‘da interpretação de uma norma pelo órgão jurídico que a tem de aplicar (...) se pode traduzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa’, e conclui que, se a autoridade possui a competência para decidir de forma definitiva, sua decisão vale independentemente do respeito às normas vigentes, isto é, independentemente do respeito à ‘moldura’.

08. Bobbio , ao afirmar que “O positivismo jurídico põe um limite instransponível à atividade interpretativa: a interpretação é geralmente textual e, em certas circunstâncias (quando ocorre integrar a lei), pode ser extratextual; mas nunca será antitextual” não fecha a questão acerca do assunto pois, na mesma obra, alude ao fenômeno da recepção : “a) Fala-se de reconhecimento ou recepção quando existe um fato social precedente ao Estado ou, de qualquer maneira, independente deste, que produz regras de conduta a que o Estado reconhece (isto é, atribui) a posteriori o caráter de juridicidade ou, em outros termos, que o Estado recepciona (isto é, acolhe em bloco) no próprio ordenamento sem ter contribuído para a formação do conteúdo”.

09. Aí está o “x” da questão: a decisão judicial contra a lei, se a correlação de forças dominantes permitir, será acolhida pelo ordenamento jurídico e dele fará parte. O próprio Kelsen o admite.